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"BES mau" foi para os tribunais de Luanda tentar ser compensado pela "perda integral do valor investido" no BESA.

Corbis via Getty Images

"BES mau" foi para os tribunais de Luanda tentar ser compensado pela "perda integral do valor investido" no BESA.

Corbis via Getty Images

BES expropriado no BESA? A oportunidade perdida para levar Angola a tribunal em Washington

Acordo bilateral de investimentos assinado pelos dois países em 2008 podia ter servido de base para tentar obter, nos tribunais de Washington (EUA), uma compensação pelo capital perdido no BESA.

Portugal perdeu uma oportunidade potencialmente milionária de tentar nos tribunais internacionais obter uma compensação pelo que foi – poderia alegar-se – uma expropriação da massa falida do BES relativamente à participação de 55,71% que tinha no BESA. Uma participação acionista que o ‘BES mau’ nem pôde defender porque, na assembleia-geral decisiva em outubro de 2014, em Luanda, a representante da massa falida do banco português apanhou uma inoportuna Operação STOP – e, por chegar atrasada, já não lhe foi dado o direito a votar.

Em causa está um acordo bilateral de proteção de investimentos (BIT) que foi assinado em 2008 mas cuja entrada em vigor os angolanos não reconheceram imediatamente. Ao que o Observador apurou junto de fonte próxima, a hipótese de avançar para a arbitragem internacional chegou a ser analisada pelo ‘BES mau’ e pelos seus assessores jurídicos, mas acabou por não se avançar. A vitória seria tudo menos certa, num processo arbitral que não seria fácil, e optou-se por não ir por essa via, em parte devido aos custos de assessoria jurídica que essa litigância iria envolver (sem garantia de sucesso).

Mas uma outra fonte, um jurista com experiência neste tipo de processos, critica a opção tomada, salientando que os custos dessa opção não seriam superiores aos custos que estará a ter a litigância que corre nos tribunais em Angola – processos que também não oferecem grandes garantias de sucesso: basta ver que ainda recentemente o Tribunal da Comarca de Luanda considerou que o ‘BES mau’ “não é parte legítima” na demanda judicial contra o Banco Nacional de Angola (BNA). A comissão liquidatária do BES recorreu da decisão do tribunal, mas esta é ilustrativa das dificuldades que a luta jurídica em Luanda irá enfrentar.

Claramente faltou-nos coragem política para dizer a Angola ‘isto não se faz, e vocês têm de responder pelo valor que nos devem'”, afirma este especialista em direito financeiro internacional, em referência à decisão do BNA de obrigar a um plano de saneamento financeiro no BESA (logo a 4 de agosto de 2014, um dia após a resolução do BES em Lisboa) que acabaria por levar, na tal assembleia-geral de outubro de 2014, a uma operação de redução e aumento de capital que aniquilou a posição maioritária que o ‘BES mau’ tinha no BESA, que fora avaliada em 273 milhões de euros.

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Outra fonte experiente neste tipo de processos concorda que poderia não ser missão fácil, mas “teria feito todo o sentido, pelo menos, tentar – porque não há dúvida que todo aquele processo foi gerido de forma desleal por parte das autoridades angolanas, ainda mais tendo em conta a relação diplomática e histórica que Portugal tem com Angola, que também está refletida nos BIT”.

O episódio da garantia soberana, anulada no primeiro dia de agosto, é outro dos exemplos destacados por esta fonte como algo que poderia ser utilizado pelos advogados numa arbitragem internacional. Porém, ao ir para os tribunais angolanos a hipótese de recorrer a Washington ficou inviabilizada nos termos do BIT (como se verá mais adiante).

O que fez Angola que poderia justificar o recurso ao BIT?

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Caberia aos advogados demonstrar que o investidor BES não foi tratado de forma “justa e equitativa” e que, na prática, o banco (massa falida) foi “expropriado” quando a sua posição no BESA foi diluída. Essa diluição foi decidida formalmente numa assembleia-geral (AG) de outubro de 2014 que deu sequência às deliberações de saneamento do BESA, determinadas pelo Banco Nacional de Angola (BNA).

Foi nessa AG que o BES, apesar de ser acionista maioritário (55,71%), não teve direito a votar porque, num episódio insólito, a representante da massa falida do BES não conseguiu chegar a tempo à AG por ter ficado presa no trânsito devido a uma grande Operação STOP feita pela polícia de Luanda.

Pelo menos depois desse momento poderia haver bases para demandar Angola neste processo. Mas até mesmo antes, diz uma fonte com experiência nestes processos, Portugal poderia ter rebatido logo o facto de no dia 4 de agosto de 2014, o Conselho de Administração do Banco Nacional de Angola ter ordenado medidas extraordinárias de saneamento do BES Angola, atual Banco Económico, e ter nomeado administradores provisórios para essa instituição financeira. Foi também por esses dias que foi revogada a famigerada “garantia soberana” de Angola para os créditos ao BESA.

No âmbito deste processo de saneamento do banco angolano, em outubro de 2014 o BESA avançaria para um aumento de capital da instituição financeira em Angola. Esse aumento de capital seria feito por conversão de parte do respetivo empréstimo interbancário sénior, que passou para o Novo Banco, e seguido de uma redução de capitais próprios dos acionistas por absorção da totalidade dos prejuízos acumulados, bem como de um segundo aumento de capital subscrito por acionistas e outras entidades aceites pelo Banco Nacional de Angola.

Com estas operações, os então acionistas do banco, incluindo o BES, viram as suas participações no BESA “completamente diluídas”, diz a comissão liquidatária do BES num relatório e contas. O BES incorreu “na perda integral do valor investido de 273 milhões de euros”.

“Não foi justo porque se verifica uma desproporção da medida de perda da posição do BES no BESA” e, na ótica desta fonte ouvida pelo Observador, não houve em situações similares decisões do mesmo calibre.

O que diz o BIT? E quem poderia ter avançado contra Angola?

Foi após uma visita do então primeiro-ministro José Sócrates a Angola, em 2008, que foi assinado um Acordo de Promoção e Proteção Recíproca de Investimento, um tipo de acordo mais conhecido pela sigla anglo-saxónica BIT (Bilateral Investment Treaty). É nesse documento, publicado em Diário da República tanto em Portugal como Angola, que estão previstas várias garantias que poderiam ter servido de base para tentar obter uma compensação pelos investimentos no BESA.

Em termos simples, um BIT como o que existe entre Portugal e Angola (tal como os quase três mil BIT que existem no mundo) garante às empresas que os seus investimentos noutro país vão ser tratados nos mesmos termos que as empresas locais – com todas as garantias de que não haverá tratamento preferencial ou discriminatório em relação a elas. Caso isso aconteça, os BIT são acionados pelas entidades prejudicadas e demandam, diretamente, o Estado soberano onde o problema ocorreu.

Ao que o Observador apurou junto de fonte próxima, a hipótese de avançar para a arbitragem internacional chegou a ser analisada pelo 'BES mau' e pelos seus assessores jurídicos, mas acabou por não se avançar, em parte devido aos custos que isso teria (sem garantia de sucesso).

“Os investimentos realizados por investidores de cada parte serão objeto de tratamento justo e equitativo e gozarão de plena proteção e segurança no território da outra parte”, pode ler-se no ponto 2 do artigo 4.º do BIT entre Portugal e Angola. E acrescenta o artigo 7.º, sobre “expropriações”: “Os investimentos de investidores de uma parte não serão nacionalizados, expropriados ou de outro modo sujeitos a qualquer outra medida com efeito equivalente à nacionalização ou expropriação (…) no território da outra parte, exceto para fins de interesse público e contra compensação pronta, adequada e efetiva”.

Os BIT são um expediente jurídico tão comum que, sabe o Observador, um banco brasileiro chegou a ponderar avançar contra Portugal (ao abrigo do BIT entre Portugal e Brasil) para procurar ser ressarcido pelos títulos de dívida subordinada do BES que tinha comprado e que, com a resolução, passaram a valer zero. Ao que o Observador apurou, porém, no Banco de Portugal a possibilidade de se avançar contra Angola chegou a ser falada mas nunca foi seriamente ponderada.

Questionada pelo Observador, a comissão liquidatária do BES, liderada por César Bento de Brito, não fez comentários. Não foi possível obter declarações, também, junto do primeiro presidente do ‘BES mau’, Luís Máximo dos Santos, hoje vice-governador do Banco de Portugal. E fonte oficial do Banco de Portugal não respondeu às perguntas enviadas pelo Observador.

Como se pode ler no BIT assinado entre Portugal e Angola – que pode ser consultado nesta ligação –, um processo como este seria intentado no Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos (CIRDI) “para a conciliação ou arbitragem nos termos da Convenção para a Resolução de Diferendos entre Estados e Nacionais de outros Estados, celebrada em Washington DC em 18 de março de 1965”. Trata-se de uma instituição criada pelo Banco Mundial e, no mínimo, toda a publicidade que um processo destes suscitaria poderia até fortalecer a posição negocial do lado português.

"Claramente faltou-nos coragem política para dizer a Angola 'isto não se faz, e vocês têm de responder pelo valor que nos devem'", diz jurista ouvido pelo Observador.

MARIO CALDEIRA/LUSA

“A arbitragem ter-se-ia justificado pelos atos do Banco Nacional de Angola, do Banco Económico (ex-BESA), e até do Presidente da República de Angola [o recentemente falecido José Eduardo dos Santos] — neste caso pela tristemente célebre ‘garantia soberana’”, defende o especialista ouvido pelo Observador. Na sua opinião esses atos poderiam configurar “violações graves das garantias jurídicas conferidas pelo BIT ao investidor português BES e, subsequentemente, ao BES ‘mau’ e ao Novo Banco, e até ao Fundo de Resolução e ao Banco de Portugal.”

Numa primeira análise, seria o BES mau a poder demandar o Estado angolano – por regra, nestes processos, é o investidor lesado que se dirige diretamente ao Estado. Porém, no limite, também o Novo Banco poderia avaliar a possibilidade de seguir uma via semelhante já que, enquanto a participação acionista no BESA ficou no ‘BES mau’, os direitos sobre os famigerados créditos superiores a três mil milhões de euros passaram para o Novo Banco.

Ao que o Observador apurou, porém, no Novo Banco a perceção é que apenas o ‘BES mau’ teria legitimidade para seguir esta via jurídica, já que só o ‘BES mau’ se poderia apresentar como legítimo herdeiro do investidor (BES) que o BIT poderia proteger. O Novo Banco tem, aliás, celebrado acordos com o (agora) Banco Económico no sentido de recuperar alguma parte dos créditos perdidos – foi no âmbito desses acordos que foi feita uma alteração ao mecanismo de capital contingente acordado na venda ao Lone Star e que passou a definir que qualquer recuperação acima de 10% nestes créditos reverte diretamente para o Fundo de Resolução.

O tratado que entrou em vigor com a assinatura do ministro que já não estava lá

O problema da opção pela luta jurídica nos tribunais de Angola é que, como explica uma das fontes ouvidas, isso é algo que preclude a possibilidade de, agora, ir para Washington. O que diz o artigo 11.º do BIT, no seu número 3, é que uma vez optando pelos tribunais locais, em detrimento das outras opções, essa decisão é “irreversível” – essa é a palavra usada neste acordo de proteção de investimentos.

Por causa desta cláusula de irreversibilidade, o BES ‘mau’ apenas poderia ter seguido para o CIRDI antes de ter avançado para os tribunais angolanos, o que terá acontecido só a partir de 2017. Porém, acontece que que ao longo de todos estes anos (até 2020) não era ponto assente que o BIT assinado em 2008 estava em vigor.

O Observador não conseguiu confirmar se esse argumento terá sido, em algum momento, referido pelas autoridades angolanas, mas formalmente o BIT assinado em 2008 só foi plenamente ratificado em 2020. Isto porque, nestas situações, depois da assinatura do acordo durante as visitas diplomáticas, cada um dos países fica incumbido de cumprir uma série de procedimentos internos que dão sequência ao acordo assinado – a publicação em Diário da República é um desses procedimentos (e foi cumprido, tanto em Portugal como em Angola).

O problema, explica uma das fontes ouvidas, é que as regras também preveem que, depois dessa fase, cada uma das partes deve enviar uma carta formal à outra parte, indicando que foram cumpridos os tais procedimentos internos. Só a partir daí o acordo está plena e formalmente em vigor, mas ao passo que Portugal enviou essa carta o Estado angolano não terá feito o mesmo.

O recurso aos tribunais em Angola preclude a possibilidade de, agora, ir para Washington. O que diz o artigo 11.º do BIT, no seu número 3, é que uma vez optando pelos tribunais locais, em detrimento das outras opções, essa decisão é "irreversível".

Caberia aos advogados num eventual processo em Washington argumentar que o acordo devia considerar-se em vigor no momento do colapso do BES, porque foi assinado por Portugal na expectativa de que, com boa fé, ele também seria respeitado por Luanda. Tanto mais que em fevereiro de 2020 o BIT é republicado em decreto presidencial, em termos exatamente iguais àquilo que tinha sido acordado em 2008.

Esta foi uma situação que, no fundo, poderá ter tido o condão de reforçar a visão angolana de que o BIT não estava, anteriormente, em vigor – com uma originalidade curiosa: foi publicado com o nome de Luís Amado, que era ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros em 2008… mas já não era em 2020.

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