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Alexander Lukashenko, de 66 anos, governa a Bielorrússia com mão de ferro desde 1994
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Alexander Lukashenko, de 66 anos, governa a Bielorrússia com mão de ferro desde 1994

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Alexander Lukashenko, de 66 anos, governa a Bielorrússia com mão de ferro desde 1994

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Bielorrússia. Como Lukashenko ficou isolado: entre o despertar da oposição, a condenação internacional e até a desconfiança de Putin

Com a nostalgia soviética, Lukashenko explorou o medo dos bielorrussos para impor poder. Com o despertar da oposição e a condenação internacional ficou isolado. E dependente da Rússia.

Quando se fala da Bielorrússia, normalmente vem associada a designação de “última ditadura da Europa”. A expressão foi usada pela primeira vez em 2005, pela então secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, numa visita à Lituânia. Desde as afirmações de Rice, passaram 16 anos, período no qual os Estados Unidos elegeram quatro presidentes. Na Bielorrússia, no entanto, Alexander Lukashenko, passou de gestor de uma quinta coletiva soviética a ditador, e continua agarrado ao poder, não olhando a meios para deter os seus opositores.

No próximo mês de julho assinalam-se 27 anos desde que Alexander Lukashenko assumiu a presidência da Bielorrússia, cargo que tem exercido com mão de ferro, perpetuando um regime que não tolera oposição política e onde os principais dissidentes e adversários estão presos ou exilados. SvetlanaTikhanovskaia e Pavel Latushko, exilados na Lituânia e na Polónia, Maria Kolesnikova e Victor Babariko, presos desde o ano passado, são alguns dos casos mais mediáticos.

No passado domingo, a Bielorrúsia, que atravessa uma profunda crise política desde as eleições presidenciais de agosto do passado, voltou a chamar a atenção internacional depois de um avião comercial da Ryanair, que fazia a ligação entre Atenas e Vilnius, ter sido desviado por ordem de Lukashenko, que alegou uma ameaça de bomba a bordo que não convenceu ninguém.

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Neste avião, seguia o jornalista e ativista Roman Protasevich, exilado há mais de um ano por estar na lista negra do regime, e a sua namorada, Sofia Sapega.  O jornalista foi detido— os pais e a oposição dizem que foi torturado — por ter sido um dos fundadores de um canal no Telegram, o Nexta, que divulga fotografias e vídeos do movimento pró-democracia de contestação ao regime. Sofia Sapega, de nacionalidade russa, está também sob custódia das autoridades bielorrussas.

"Lukashenko chegou ao poder depois de três anos muito difíceis após o colapso da União Soviética. Foi capaz de explorar a nostalgia pela era da União Soviética, e fê-lo mantendo uma economia de estilo soviético” 
Andrew Wilson, autor do livro Belarus: The Last European Dictatorship

Este incidente, que parece retirado de um filme de ação de Hollywood, levou os Estados Unidos e a União Europeia a prometerem uma resposta dura contra o regime, e no Ocidente fala-se em linhas vermelhas que foram ultrapassadas por um regime que tem feito da repressão da dissidência um modelo de governação. “É um regime ditatorial que se mantém no poder apenas pelo aparato de segurança. É completamente baseado na força. Lukashenko quer ficar no poder a todo o custo, e tem demonstrado isso nos últimos meses ao reprimir massivamente manifestantes pacíficos, dissidentes, ativistas e jornalistas independentes”, afirma ao Observador o analista Joerg Forbrig, diretor para a Europa Central e de Leste do think tank German Marshall Fund.

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Maio de 2020. Lukashenko discursa no aniversário dos 75 anos da derrota imposta pela União Soviética ao exército nazi

POOL/AFP via Getty Images

Ao longo dos anos, Lukashenko conseguiu centrar o Estado na sua figura, com uma poderosa máquina burocrática por trás, eliminando qualquer dissidência, naquele que é o único país da Europa onde ainda existe a pena de morte — o condenado é obrigado a ajoelhar-se e é executado com um tiro na cabeça. Embora o número de execuções tenha diminuído substancialmente nos últimos 20 anos (zero pessoas executadas em 2020, duas em 2019), a possibilidade deste desfecho — momentos antes de o avião aterrar, Roman Protasevich disse que lhe esperava a pena de morte em Minsk — atormenta os seus opositores, com a brutalidade do regime a recordar, em vários aspetos, a antiga União Soviética.

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O “pai da nação” que soube explorar o medo dos bielorrussos

O Presidente bielorrusso, aliás, começou a construir a sua carreira política antes da queda do Muro de Berlim. Depois de ter servido no exército soviético, Lukashenko, formado na Academia de Agricultura, tornou-se gestor de um kolkhoz (uma quinta coletiva soviética), acabando por chegar a deputado no parlamento da República Socialista Soviética da Bielorrússia. Em 1991, foi o único deputado bielorrusso a votar contra a dissolução da União Soviética.

Três anos depois, em 1994, depois de chefiar um comité contra a corrupção no parlamento, concorreu às eleições presidenciais e foi eleito democraticamente, numa altura de grande convulsão na região, prometendo poupar os bielorrussos aos custos de uma transição para a democracia, garantindo-lhes estabilidade.

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“Lukashenko chegou ao poder depois de três anos muito difíceis após o colapso da União Soviética. Foi capaz de explorar a nostalgia pela era da União Soviética, e fê-lo mantendo uma economia de estilo soviético”, sublinha ao Observador o analista Andrew Wilson, autor do livro Belarus: The Last European Dictatorship (Bielorrússia: A Última Ditadura Europeia, ainda sem publicação em português). Um exemplo dessa nostalgia, que ainda persiste nos dias de hoje, é que os serviços secretos bielorrussos ainda são denominados como KGB. “Há uma nostalgia pelo KGB, não só no nome, mas também na cultura”, acrescenta Wilson.

“A minha avó costuma dizer que desde que tenha pão e comida no frigorífico, está tudo bem. Para ela, que passou pela II Guerra Mundial, o valor principal é a vida. O importante é que não haja guerra. É por isso que os maiores apoiantes de Lukashenko sempre foram os idosos”
Katerina Drozhzha, presidente da Pradmova, organização cultural pró-democracia da diáspora bielorrussa em Portugal

Quando chegou ao poder, Lukashenko era muito popular no país, conseguindo manter o status quo, numa altura em que países vizinhos, como a Ucrânia, atravessam dificuldades na transição democrática. Para garantir esta popularidade, Lukashenko beneficiou de importações muito baratas de petróleo e gás da Rússia, o que lhe permitiu manter e aumentar a componente industrial do país, a sua principal fonte de receita e o garante do apoio da classe operária.

Ao mesmo tempo, apresentava-se como o “pai da nação”, prometendo segurança aos bielorrussos após um século de grande sofrimento, sobretudo na Segunda Guerra Mundial, quando um quarto da população bielorrussa morreu. Além disso, o país foi também o que mais sofreu com o desastre nuclear de Chernobyl, feridas que perduram na memória coletiva da Bielorrússia, sobretudo entre as gerações mais velhas.

“A minha avó costuma dizer que desde que tenha pão e comida no frigorífico, está tudo bem. Para ela, que passou pela II Guerra Mundial, o valor principal é a vida. O importante é que não haja guerra. É por isso que os maiores apoiantes de Lukashenko sempre foram os idosos”, diz ao Observador Katerina Drozhzha, bielorrussa a viver em Portugal há cinco anos, e presidente da Pradmova (prefácio, em português), uma organização cultural pró-democracia da diáspora bielorrussa em Portugal.

“A única coisa que Lukashenko pediu aos bielorrussos ao longo dos anos foi que não se envolvessem em política e que, em troca de estabilidade e de um bem-estar modesto, aceitassem o seu estilo autoritário”
Joerg Forbrig, diretor para a Europa Central e de Leste do think tank German Marshall Fund

Beneficiando da popularidade junto de uma população com as feridas da guerra por sarar, Lukashenko soube explorar os receios do povo bielorrusso de forma a aumentar cada vez mais o seu poder, realizando referendos que levaram, por exemplo, à mudança da bandeira — a bandeira vermelha e branca, adotada em 1991 após a independência da Bielorrússia e usada pela oposição democrática, foi substituída pela atual, semelhante à bandeira do tempo soviético — e ao fim do limite de mandatos, perpetuando-se na presidência.

“A única coisa que Lukashenko pediu aos bielorrussos ao longo dos anos foi que não se envolvessem em política e que, em troca de estabilidade e de um bem-estar modesto, aceitassem o seu estilo autoritário”, afirma Joerg Forbrig. Quem quebrasse esta espécie de acordo, acabava punido pela repressão do regime.

Relação “flutuante” com a UE e a  imprevisibilidade que não agrada a Moscovo

Nos últimos dez anos, no entanto, começaram a abrir-se brechas no “contrato social” que Lukashenko impôs aos bielorrussos. Durante grande parte da sua presidência — que já vai no sexto mandato —, beneficiou de um enorme apoio financeiro por parte da Rússia, o seu principal aliado, responsável por um quinto do PIB do país.

Com a crise económica de 2008 a situação começou a mudar e a economia bielorrussa, aos poucos, foi-se deteriorando, o que levou a que o apoio a Lukashenko começasse a diminuir significativamente no país. Ao mesmo tempo, foi tentando melhorar as relações com a União Europeia, causando grande irritação no Kremlin, apesar de nunca ter deixado de ter a Rússia como o seu principal parceiro.

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As relações entre Bruxelas e Minsk, até às eleições presidenciais de 2020, nas palavras de Joerg Forbrig, têm sido “flutuantes”, com “altos de baixos”. “Especialmente em altura de eleições presidenciais, quando Lukashenko reprime a oposição política e manifestantes, segue-se um período de congelamento de relações por parte da União Europeia. Anos depois, Lukashenko suaviza a sua abordagem, abre um pouco a sociedade, e em troca a União Europeia normaliza as relações com o país até às eleições presidenciais seguintes, quando Lukashenko volta a reprimir os críticos”, explica o diretor para a Europa Central e de Leste do think tank German Marshall Fund.

A Bielorrússia está muito dependente de Moscovo economicamente, mas no que diz respeito a decisões políticas, Moscovo não tem tanta influência. Lukashenko entende as linhas vermelhas de [Vladimir] Putin, por isso nunca as ultrapassa”
Pavel Slunkin, analista do European Council on Foreign Relations

Este círculo vicioso verificou-se, nomeadamente, nas eleições de 2006, 2010 e 2015, períodos marcados pela imposição e levantamento de sanções europeias ao regime. Pelo meio, houve também um momento que marcou a Europa e que Lukashenko tentou beneficiar: a intervenção militar russa na Ucrânia em 2014. “As coisas mudaram muito na Europa de Leste em 2014, sobretudo com a guerra na Ucrânia. Isso ajudou Lukashenko, no curto prazo, a reinventar-se como o defensor da soberania da Bielorrússia”, realça Andrew Wilson, professor na University College, em Londres, especialista no estudo do espaço pós-soviético, acrescentando que o Presidente bielorrusso aproveitou também esta fase de enorme tensão entre Ocidente e Moscovo para diversificar a economia e dar maior ênfase à soberania nacional.

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No plano de política externa, Lukashenko tentou usar a guerra na Ucrânia para apresentar uma posição de neutralidade, nunca tendo reconhecido a anexação russa da Crimeia, além de ser sido anfitrião dos Acordos de Minsk, assinados em 2015, entre os líderes da Ucrânia, Rússia, França e Alemanha para aliviar a tensão na guerra no Leste ucraniano. Este balançar entre Bruxelas e Moscovo foi irritando cada vez mais o Kremlin, que tem a ambição de aumentar a sua influência e poder sobre Minsk e sempre viu o Presidente bielorrusso como um aliado muito instável e imprevisível.

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Forças de segurança bielorrussas reprimem protestos no verão de 2020

AFP via Getty Images

“Existe a ilusão nos estados europeus de que Lukashenko é controlado politicamente pela Rússia. Mas não é verdade. A Bielorrússia está muito dependente de Moscovo economicamente, mas no que diz respeito a decisões políticas, Moscovo não tem tanta influência. Lukashenko entende as linhas vermelhas de [Vladimir] Putin, por isso nunca as ultrapassa”, explica Pavel Slunkin, analista do European Council on Foreign Relations e antigo diplomata bielorrusso que se demitiu em protesto contra Lukashenko.

“O maior desentendimento entre ambos é que Putin quer maior controlo sobre a Bielorrússia e Lukashenko, que também tem as suas linhas vermelhas, quer manter o controlo absoluto”, acrescenta Slunkin. “Retoricamente, Putin e Lukashenko são amigos, mas por baixo do cobertor discordam um do outro, embora não sejam propriamente inimigos.”

O despertar de uma oposição que pôs em causa o poder de Lukashenko

Se até certa altura Lukashenko conseguiu manter o apoio da Rússia ao mesmo tempo que piscava o olho ao Ocidente, as eleições presidenciais de 2020 foram um ponto de viragem para o Presidente bielorrusso, que não convenceu a comunidade internacional ao anunciar uma vitória com 80% dos votos, contra os pouco mais de 10% de Svetlana Tikhanovskaia.

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Tal como eleições anteriores na Bielorrússia, as presidenciais do ano passado não foram consideradas nem transparentes nem livres pelo Ocidente. Houve, no entanto, dois fatores que mudaram radicalmente a política bielorrussa: um movimento de contestação sem precedentes e o não reconhecimento dos resultados por parte da União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido.

“Depois das eleições, Lukashenko ficou na situação mais difícil desde que chegou ao poder. Está pressionado pelo Ocidente, pela sua própria população e também pela Rússia”
Pavel Slunkin, analista bielorrusso

Com uma economia estagnada, que já não é suficiente para garantir a estabilidade económica e social, uma nova geração de bielorrussos, com acesso às redes sociais (sobretudo o Telegram) e pouco entusiasmada com as promessas de segurança de Lukashenko, em contraste com as anteriores, pôs-se na linha da frente na contestação ao regime, exigindo o direito a decidir o seu futuro.

“As pessoas da minha idade entretanto cresceram e foram elas que estiveram nas ruas. Para muitos, foi a primeira vez que conseguiram votar. E, atrás dos filhos, foram os pais”, afirma Katerina Drozhzha, notando que as mortes causadas pela Covid-19 na Bielorrússia — Lukashenko recomendou vodka e sauna como cura e disse que o vírus não existia —, aliadas à crise económica, fizeram aumentar a revolta contra o Presidente bielorrusso.

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Bandeira vermelha e branca tornou-se um símbolo da oposição pró-democracia

AFP via Getty Images

Antes das eleições de agosto, antevendo uma vaga de contestação séria à sua presidência, Lukashenko mandou prender os seus principais opositores — Viktor Babariko, um banqueiro considerado próximo do Kremlin, e o youtuber Serguei Tikhanovski, marido de Svetlana Tikhanovskaia.

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Contudo, a repressão pré-eleitoral não foi suficiente e, pela primeira vez desde que assumiu o poder, Lukashenko viu a sociedade civil organizar-se no pós-eleições e a Bielorrússia foi palco de manifestações com dezenas de milhares de pessoas — num só dia, chegaram a registar-se mais de 250 mil pessoas nas ruas — a exigirem eleições livres e justas. Lukashenko respondeu com uma repressão nunca antes vista, com pelo menos 35 mil pessoas detidas desde as eleições e relatos de tortura nas prisões bielorrussas.

Em resposta, e enquanto a oposição liderada por Tikhanovskaia viajava pela Europa para convencer os líderes europeus a apoiarem a causa pró-democracia bielorrussa, o Ocidente endureceu a posição em relação a Minsk e impôs vários pacotes de sanções, incluindo ao próprio Lukashenko, que ficou mais isolado do que nunca.

“Depois das eleições, Lukashenko ficou na situação mais difícil desde que chegou ao poder. Está pressionado pelo Ocidente, pela sua própria população e também pela Rússia”, reitera o analista Pavel Slunkin.

Roman Protasevich e a “internacionalização” da crise bielorrussa

Apesar de isolado, e de a certa altura se ter especulado que o próprio Vladimir Putin estaria disposto a “livrar-se” de Lukashenko, o Presidente bielorrusso conseguiu congelar as grandes manifestações no país. Fê-lo sobretudo graças à lealdade das forças de segurança (cujo financiamento nunca parou, pelo contrário, aumentou) e a uma repressão sem limites, que demoveu muitos bielorrussos de protestarem, temendo a violência do regime.

No exílio, a oposição continuou a pressionar, pedindo novas sanções contra o regime, mas, além de um apoio simbólico ao movimento pró-democracia, na prática, as sanções individuais, que atingiram cerca de 60 pessoas, fizeram pouco para travar Lukashenko. E foi então que foi ultrapassada uma linha vermelha, com o “sequestro” e o “ataque à democracia”, nas palavras de líderes europeus, às quais se juntou o Presidente norte-americano Joe Biden, do avião em que seguia o jornalista Roman Protasevich.

Ryanair suspende rotas que sobrevoam espaço aéreo bielorrusso

“Pela primeira vez, Lukashenko internacionalizou a crise interna. Com esta situação, ameaçou cidadãos europeus, num voo interno da União Europeia. Ao fazê-lo, cometeu um erro, porque não esperava uma condenação tão forte dos Estados europeus”, afirma Pavel Slunkin, recordando que, em 2011, o Presidente bielorrusso disse que os líderes europeus “não tinham tomates”.

“Impor sanções às empresas e limitar ou impedir a negociação de títulos da dívida bielorrussa pode aumentar a pressão sobre a elite. Se a elite em torno de Lukashenko achar que não tem estratégia para sobreviver, e a melhor solução for livrar-se dele, então temos uma situação diferente”
Andrew Wilson, especialista no estudo do espaço pós-soviético

Acresce que o desvio do avião da Ryanair aconteceu na véspera de uma reunião de emergência do Conselho Europeu, onde estava previsto que o tema dominante fosse as relações com a Rússia. O encontro acabou por ficar marcado pela discussão da situação na Bielorrússia, com os líderes europeus, numa unanimidade e rapidez pouco habituais, a concordarem na necessidade de ir mais longe nas sanções contra Minsk.

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Em Bruxelas, o desvio de um avião numa viagem entre capitais europeias foi encarada como um ato sem precedentes. E que, sem uma resposta dura, podia levar outros países com regimes autoritários a sentirem que podiam fazer o mesmo sem que tal tivesse consequências graves.

epa09226579 A woman holds a portrait of opposition journalist Roman Protasevich and his girlfriend Sofia Sapega during a protest of solidarity with Roman Protasevic at the Belarusian embassy in Riga, Latvia, 25 May 2021. Belarus' opposition journalist Roman Protasevich was detained by Belarusian Police on 23 May on a Ryanair flight from Athens to Vilnius, that was forced to land in Minsk.  EPA/TOMS KALNINS

Manifestantes pedem libertação de Roman Protasevich e da sua namorada Sofia Sapega

TOMS KALNINS/EPA

Nesse sentido, e contando com o apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido que também vão endurecer as sanções, é expectável que a União Europeia aprove em breve novas medidas, desta vez económicas, afetando as empresas bielorrussas e os lucros que acabam por chegar aos burocratas do regime. Para Andrew Wilson, a estratégia passa por “minar a estratégia de sobrevivência” das elites bielorrussas, cuja “maior vulnerabilidade é a fraqueza da economia”.

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“Impor sanções às empresas e limitar ou impedir a negociação de títulos da dívida bielorrussa pode aumentar a pressão sobre a elite. Se a elite em torno de Lukashenko achar que não tem estratégia para sobreviver, e a melhor solução for livrar-se dele, então temos uma situação diferente”, nota Wilson.

Lukashenko cada vez mais dependente de Putin. Até quando?

Com o incidente do avião e consequente agravamento das sanções, e num contexto de degradação diplomática entre Bruxelas e Minsk desde as presidenciais do ano passado, parece pouco provável que as relações “flutuantes” entre União Europeia e Bielorrússia possam voltar ao que foram no passado, à semelhança do que deverá acontecer com os Estados Unidos.

Isolado do Ocidente e acossado internamente, pouco mais resta a Lukashenko do que virar-se para Vladimir Putin, que tem apostado em manter o apoio ao seu homólogo bielorrusso, apesar de não confiar nele. O Kremlin não vislumbra alternativas em Minsk (Babariko, o banqueiro que trabalhou num banco russo, está preso) que garantam que um governo pró-ocidental não assume o poder, mantendo a influência russa num país com uma posição geoestratégica essencial para Moscovo, fazendo fronteira com os países da União Europeia e da NATO.

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Desde as eleições presidenciais, Lukashenko e Putin já se encontraram pessoalmente três vezes — estando previsto um novo encontro esta sexta-feira —, e a pressão de Moscovo para que Minsk ceda partes estratégicas da sua economia tem vindo a aumentar. O preço é que a Rússia está a pedir um preço cada vez mais elevado para manter o apoio a Lukashenko.

“Lukashenko está mais dependente da Rússia. Mas qual o preço desse apoio? Pode ser que Lukashenko tenha de vender as melhores partes da economia a oligarcas russos. E isso seria um preço elevado a pagar, porque Lukashenko e os seus apoiantes controlam todos os lucros da economia”, reitera Andrew Wilson.

“As sanções, ao privarem o regime de Lukashenko dos recursos que precisa para se sustentar, farão com que apenas a Rússia possa compensar essa perda de receitas. Isso significa que as sanções empobrecem o regime e aumentam o preço para Moscovo o sustentar”
Joerg Forbrig, analista

Pavel Slunkin acrescenta que além da questão de uma maior integração da Bielorrússia na Rússia, que parece descartada para já, Putin pode exigir instituições supranacionais ou o uso do rublo russo como moeda nacional, além da permissão de partidos pró-Rússia na política bielorrussa. Tudo exigências que Lukashenko tem rejeitado ao longo dos anos.

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Putin e Lukashenko num jogo de hóquei no gelo, em 2019. Apesar das aparências, têm divergências profundas

Getty Images

Além do elevado custo económico que a ajuda incondicional a Minsk tem para o Kremlin, Vladimir Putin, que nos últimos meses aumentou substancialmente tensão com o Ocidente, sobretudo depois da crise na fronteira com a Ucrânia, tenta perceber qual o peso que essa relação tem futuro das relações da Rússia com os vários países, particularmente os Estados Unidos. No próximo dia 16 de junho, Putin vai reunir-se com Joe Biden, e a crise política na Bielorrússia será certamente um dos assuntos em cima da mesa.

Até lá, é expectável que as sanções económicas possam avançar, o que deixará o Kremlin numa situação complicada, tendo de tomar uma posição quanto a assumir ou não o fardo de garantir a sobrevivência de Lukashenko.

“As sanções, ao privarem o regime de Lukashenko dos recursos que precisa para se sustentar, farão com que apenas a Rússia possa compensar essa perda de receitas. Isso significa que as sanções empobrecem o regime e aumentam o preço para Moscovo o sustentar”, sublinha Joerg Forbrig. “E isso, a longo prazo, é um ponto de viragem, porque a certa altura a Rússia terá de decidir se Lukashenko vale o preço que está a pagar”, conclui o analista.

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