Os milhares de milhões de euros da União Europa, a contratação de Jorge Jesus pelo Benfica e os saltos televisivos de “Cristina Ferreira” são temas bem mais “relevantes” do que a existência de uma longa ditadura de 25 anos na Bielorrússia que se poderá prolongar, no mínimo, por ainda mais quatro anos.

Todavia, arrisco-me a chamar a atenção para as eleições presidenciais marcadas para 9 de Agosto pelo ditador bielorrusso Alexandre Lukachenko. Isto porque, entre outras razões, a Bielorrússia se situa no coração do continente europeu, entre a Rússia e a União Europeia, e tem uma importância geostratégica semelhante à da Ucrânia. Além do mais, é um importante corredor de ligação comercial entre a UE e Moscovo.

Alexandre Lukachenko aposta tudo na conquista do seu sexto mandato consecutivo, não olhando a meios para vencer. Não nos devemos esquecer que estamos perante um político que não esconde a sua simpatia por ditadores como Adolfo Hitler, Vladimir Lenine ou José Estaline.

Numa entrevista ao jornal de negócios alemão “Handelsblatt” de 23 de Novembro de 1996, ele declarou: “Acredite, a história da Alemanha é, em certa medida, uma cópia da história da Bielorrússia em determinadas etapas. A dada altura, a Alemanha foi levantada das ruínas graças a um poder muito duro imposto por Adolfo Hitler… A ordem alemã formou-se durante séculos, com Hitler essa formação atingiu o ponto mais alto. É isso que corresponde à nossa compreensão de república presidencial e do papel do presidente nela. Hitler criou uma poderosa Alemanha graças a um poder presidencial forte… A Alemanha levantou-se graças ao facto de toda a nação se ter consolidado e unido em torno de um líder forte”.

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Em relação aos dirigentes soviéticos, a sua opinião é a seguinte: “Claro que eu tenho uma opinião um tanto ao quanto diferente da sociedade russa quanto a Estaline e Lenine… Foram nossos dirigentes. Lenine criou o Estado, Estaline reforçou-o”.

Nas eleições anteriores ele vencia não só devido à repressão da oposição e à falsificação dos votos, mas também graças a uma política de aparente estabilidade e de demagogia social, em parte financiada pelos negócios com o petróleo e gás russos.

Muitos dos eleitores que apoiavam a economia socialista e paternalista do dirigente bielorrusso esperavam que o “batka” (“paizinho”) repetisse no país uma “modernização autoritária” como as que ocorreram em países como Singapura ou a Coreia do Sul.

No entanto, o país continua a ver-se perante graves desafios. A Bielorrússia enfrenta a mais grave crise económica dos últimos 25 anos e as organizações internacionais preveem que, durante este ano, a queda do PIB seja de 4-5%.

Isto não se deve apenas à Covid-19, pois Lukachenko olhou sempre para a pandemia no seu país como Bolsonaro no Brasil ou Trump nos Estados Unidos, mas também às discussões com a Rússia sobre o preço do petróleo russo importado e ao facto de, nos últimos dez anos, a economia bielorrussa não conhecer crescimento.

Além do mais, a situação de estagnação e de falta de reformas é tal que ele conseguiu fazer com que parte da elite económica e financeira apresentasse os seus candidatos ao cargo de Presidente: Valeri Tzepkalo, antigo embaixador da Bielorrússia nos Estados Unidos e ex-director do Parque de Altas Tecnologias (o equivalente ao Silicon Valley) e Victor Babariko, gerente do banco Belgazprombank, um dos maiores do país, durante vinte anos.

A política de Lukachenko face à pandemia da Covid-19 foi a gota de água que fez transbordar a taça da insatisfação da população face ao poder que não se cansa de afirmar que o principal é o cuidado com as pessoas. O Presidente bielorrusso recusou-se a impor quarentena desvalorizando a pandemia e as suas consequências.

Outro sério candidato da oposição era o conhecido blogger Serguei Tikhonovski.

A resposta de Lukachenko não se fez esperar: foram abertos rapidamente processos-crime contra os candidatos, tendo Babariko e Tikhonovski sido detidos, enquanto que Tzepkalo conseguiu refugiar-se em Moscovo ao saber que também iria ser detido. Todos os três foram excluídos da luta eleitoral.

A oposição contra-atacou conseguindo registar, à última hora, Svetlana Tikhonovskaia, esposa de Serguei, como candidata ao cargo de Presidente. Tzepkalo e Babariko apelaram aos seus apoiantes que votem nela.

Lukachenko, por sua vez, comentou que a Constituição do país não é feita “para as mulheres”, pois a presidência é um “fardo demasiadamente pesado para elas”.

No que diz respeito a sondagens, foi proibida a sua publicação depois de um dos estudos dar uma popularidade a Lukachenko de apenas 3%.

Lukachenko não achou que a pandemia exigisse a imposição de quarentena ou outras medidas especiais, mas a Comissão Eleitoral da Bielorrússia, alegando os perigos criados pela Covid-19, decidiu que em cada secção de voto só poderão estar presentes até cinco observadores. O ditador já ameaçou expulsar os jornais estrangeiros que tentam “desestabilizar” a situação no país.

No plano internacional, o dirigente bielorrusso tenta desenvolver uma “política de amizade” com o Ocidente e a Rússia, passando por ser uma espécie de ponte entre eles, mas, na realidade, arrisca-se a entrar numa nova posição geopolítica arriscada, na deterioração das relações com ambas as partes. Lukachenko acusa os “fantoches russos” (Tzepkalo, Babariko e Tikhonovski) de ingerência, mas são a União Europeia e os Estados Unidos que criticam o ditador pelas detenções.  O Kremlin limita-se a negar qualquer ingerência.

Porém, verdade seja dita, Vladimir Putin está farto do político que tenta travar a hegemonia russa na União Eurasiática. Lukachenko quer combustíveis a preços internos russos, mas Putin responde que isso só será possível quando existirem um orçamento e sistema fiscal únicos, um nível mais alto de integração. O dirigente bielorrusso, porém, receia ser absorvido pela Rússia.

A situação está tão tensa que Minsk prefere ir pedir dinheiro emprestado ao Fundo Monetário Internacional ou até à China do que a Moscovo.

Quanto às relações de Minsk com Bruxelas e Washington, temos assistido a uma atitude mais pragmática nos últimos anos da parte do Ocidente, as sanções contra o regime foram abrandadas, pois receiam atirar Lukachenko para os braços de Vladimir Putin, e o ditador sabe isso.

No entanto, quando forem anunciados os resultados de 80% a favor de Lukachenko, muitos bielorrussos sairão às ruas para protestar contra mais uma falsificação eleitoral e em maior quantidade do que em escrutínios anteriores e, se a resposta for a repressão violenta e os presos políticos, então a EU e os Estados Unidos ver-se-ão obrigados a protestar e tomar medidas para isolar Lukachenko.

Porém, caso o ditador não consiga travar a onda de protestos, certamente que se virará para Putin em busca de apoio à custa de grandes cedências. Para o Kremlin, a Bielorrússia faz parte da sua zona exclusiva de influência e não está disposto a deixar um desenvolvimento igual ao que conheceu a Ucrânia em 2014.