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Braço de ferro da direita conservadora adia futuro de Costa

Giorgia Meloni e aliado italiano reclamaram mais força para o país. Orbán criticou ex-família política e polacos levantaram reservas sobre Costa. Desbloqueio à direita desbloqueará vida do socialista.

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António Costa terá de esperar para conhecer o seu futuro. Apesar da expectativa que foi sendo gerada ao longo do dia, o encontro entre os líderes europeus que deveria servir para fechar os cargos de topo da União Europeia acabou mesmo sem acordo entre as partes. O antigo primeiro-ministro vê assim adiada a discussão o seu futuro até à cimeira que vai decorrer a 27 e 28 de junho, ele que, apesar de continuar ser o favorito para ocupar o cargo, ouviu ao longo do dia algumas críticas em relação à sua capacidade para ocupar o cargo.

Não estando excluído da corrida, ainda é cedo para dizer que a escolha vai mesmo recair sobre Costa. À hora do jantar, o site Politico revelava um menu que incluía paloco (um peixe da família do bacalhau), acompanhado de vegetais mediterrânicos e questionava se tal não poderia ser um bom sinal para o português e para a maltesa Roberta Metsola.

Mas se há algo que a cimeira informal da noite desta segunda-feira mostrou é que o futuro do antigo primeiro-ministro português pode muito mais ser decidido por questões que vão para lá dele. Aliás, o toque mediterrânico talvez tenha sido mais do agrado da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que pode ter tido um papel fulcral em travar o quarteto proposto de Ursula von der Leyen (Comissão Europeia, PPE), António Costa (Conselho Europeu, S&D), Roberta Metsola (Parlamento Europeu, PPE) e Kaja Kallas (Alta-Representante para a Política Externa, Renew).

As primeiras vozes surgiram, precisamente, a partir do Partido Popular Europeu. Houve quem, na família política a que pertence Luís Montenegro, levantasse reservas em relação à política de Costa para as migrações — o socialista é visto como sendo demasiado soft nesta matéria. Ao mesmo tempo, a posição de António Costa sobre a questão do alargamento da União Europeia à Ucrânia foi recuperada como um ponto menos positivo para o antigo primeiro-ministro português. Operação Influencer também foi tema.

A cimeira que todos previam que acabasse antes do futebol

Ao início da manhã, nada fazia prever que a cimeira informal desta noite se arrastasse tanto. O Presidente Emmanuel Macron, por exemplo, havia deixado claro que tinha esperanças numa solução rápida: “Acho que as coisas podem andar depressa. Vou com esse espírito”, havia dito — com o Politico a relembrar na sua newsletter matinal, que, “se a História for indicador”, o mais certo era Macron estar em frente à televisão ao início da noite para assistir ao jogo da seleção francesa, que começava às 21h (hora de Bruxelas, 20h em Lisboa).

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Isto porque o Presidente francês, também o maior peso-pesado do grupo do Renew (liberais) nesta cimeira, parecia ter aceitado o pacote de quatro nomes que estava em cima da mesa. O entendimento parecia ter sido selado nos últimos dias na reunião do G7, em Bari, Itália. Depois de se ter reunido com Macron e com Meloni, o chanceler alemão Olaf Scholz disse mesmo existirem “todos os sinais de que Ursula von der Leyen” — e, por arrasto, o resto do quarteto — “irá conseguir cumprir um segundo mandato.

O Presidente francês, em tempos definido como “o grande disruptor” pelo Politico, desta vez não tinha interesse em arrastar o processo. “Para Macron, depois dos resultados destas europeias [onde os liberais franceses perderam e muito para a União Nacional] e da jogada que ele fez ao convocar eleições nacionais, há uma urgência em não arrastar este processo”, nota ao Observador Fabrizio Tassinari, investigador do Instituto Universidade Europeia, especialista em processos de governança transnacionais.

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Meloni, Macron e Scholz pareciam ter acertado o passo inicialmente na cimeira do G7, uns dias antes

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Com o ok dos alemães, tudo parecia encaminhado. “O resultado das eleições foi claro e não cria suspense”, concordava a meio da tarde ao Observador Pascale Joannin, diretora-geral da Fundação Robert Schuman. “A partir do momento em que o PPE ganha a presidência da Comissão (Olaf Scholz não se opõe a que seja nomeada a alemã Von der Leyen), o processo é bastante simples: os socialistas podem candidatar-se à presidência do Conselho Europeu e os liberais ao de Alto-Representante para a Política Externa. É uma distribuição equilibrada do poder entre as principais forças políticas que formam a maioria no Parlamento Europeu.”

Distribuição política e regional, incluindo representantes da Europa Central (Alemanha), do Sul (Portugal e Malta) e dos Bátlcos (Estónia). A que se somam os amplos elogios ao trio que acompanhava Von der Leyen. Metsola teve um primeiro mandato no PE geralmente bem sucedido e Kallas ganhou amplo destaque pela postura em relação à Rússia ao longo dos últimos anos — numa altura em que o tema domina a política externa europeia.

Já quanto a António Costa, o consenso parecia evidente desde que a primeira-ministra dinamarquesa Mette Fredriksen perdeu a eleição europeia para os Verdes, tendo a própria assumido à porta da reunião que não estava na corrida ao cargo e elogiando o “colega António”. Somavam-se os apoios de peso: diplomatas de Bruxelas garantiam a órgãos como o Euractiv e o Politico que o espanhol Pedro Sánchez, mas, sobretudo, Olaf Scholz e Emmanuel Macron estavam com o português.

“As hipóteses dele são elevadas”, confirmava Tassinari. “O cargo de presidente do Conselho Europeu é delicado. Não se quer alguém com demasiada autoridade ou carisma que abafe os outros líderes, mas também não podemos ter um mediador fraco que cede a eles”, afirmava. “Costa parece ser o meio-termo perfeito, um negociador respeitado e hábil”, acrescenta o italiano. “Acho que os líderes vão nessa direção.”

“Batam na madeira, mas desta vez talvez tudo seja relativamente rápido”, dizia com esperança há poucos dias um responsável europeu ao Politico. Talvez a expressão tenha sido apenas metafórica ou a mesa era feita de outro material. Porque, ao final da noite, nem a cimeira tinha sido rápida, nem tinha terminado com um acordo. Costa e os outros continuavam a ter de esperar.

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AFP via Getty Images

Migrações, Ucrânia e Operação Influencer — as pedras no sapato de Costa

Mas coisas estavam longe de estar resolvidas. Muito longe. Ainda durante a tarde desta segunda-feira, fontes conhecedoras do processo alertavam o Observador para o carácter imprevisível da votação. Não seria, adiantavam, um passeio no parque para nenhum dos envolvidos e todos — sobretudo os conservadores liderados por Meloni e algumas franjas mais à direita no PPE  — tentariam reclamar o seu quinhão.

As primeiras vozes surgiram, precisamente, a partir do Partido Popular Europeu. Houve quem, na família política a que pertence Luís Montenegro, levantasse reservas em relação à política de Costa para as migrações — o socialista é visto como sendo demasiado soft nesta matéria. Ao mesmo tempo, a posição de António Costa sobre a questão do alargamento da União Europeia à Ucrânia foi recuperada como um ponto menos positivo para o antigo primeiro-ministro português. Recorde-se que António Costa começou por fazer depender esse alargamento a uma reforma das regras da União até modelar ligeiramente o discurso a favor de Kiev — não o suficiente, aparentemente, para alguns dos parceiros europeus, sobretudo para os representantes dos países nórdicos e do leste.

O antigo primeiro-ministro, António Costa, usa da palavra durante o lançamento do livro "O Ano Zero da Nova Europa" da autoria de Bernardo Pires de Lima (ausente da imagem), no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, 08 de maio de 2024. RODRIGO ANTUNES/LUSA

Costa conta com o apoio de líderes como Sánchez, Scholz e Macron

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Mas os reparos feitos à solução “Costa” não ficaram por aqui. A situação legal do antigo primeiro-ministro foi sendo referido como um possível handicap do socialista e houve quem exigisse mais esclarecimentos antes de alinhar pelo socialista. De resto, Donald Tusk, ex-presidente do Conselho Europeu e primeiro-ministro polaco, verbalizou essas dúvidas, sugerindo que faltam explicações para que o socialista possa ser considerado como um sério candidato ao cargo de presidente do Conselho Europeu. Mesmo elogiando o antigo primeiro-ministro, e referindo-se ao antigo primeiro-ministro como um “bom colega” e um líder “bastante eficaz e eficiente”, Tusk não deixou de dizer que era necessário “esclarecer o contexto jurídico” em que está envolvido António Costa.

Pelo meio, o primeiro-ministro croata Andrej Plenković ainda lançou a possibilidade de o futuro presidente do Conselho Europeu cumprir apenas um mandato (dois anos e meio) em vez dos cinco habituais, deixando a delegação socialista espanhola em polvorosa, segundo revelou a Euronews. Já Meloni, garantia o Politico, manteve-se calada quase toda a reunião.

Também não passaram despercebidas as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Antonio Tajani, que aproveitou aquele que se esperava que fosse o dia D no que a distribuição de cargos diz respeito para expressar reservas em relação à nomeação de António Costa para a presidência do Conselho Europeu, assumindo que há, no PPE, quem ache que o socialista talvez  “não seja firme o suficiente em relação à Ucrânia”. Mas Tajani fez mais e sugeriu que o ex-primeiro-ministro italiano Enrico Letta poderia ser uma boa escolha para a presidência do Conselho Europeu por alternativa a Costa, um nome que poderia (e poderá) baralhar as negociações.

“Em relação às fraquezas judiciais de Costa, tudo isto não passam de jogos políticos. E não irão durar muito”, antecipa Pascale Joannin, diretora-geral da Fundação Robert Schuman.

A aliança para conseguir a vice-presidência para Meloni e a ajuda de Orbán

Fontes conhecedoras do processo, porém, relativizam os ataques de que António Costa foi sendo alvo ao longo dia, atribuindo estas renovadas dúvidas às clássicas manifestações de força que são feitas à mesa das negociações. Segundo apurou o Observador, o socialista mantém as mesmíssimas condições que tinha até aqui: continua a ser o grande favorito a ocupar o cargo, mas o processo negocial não será fácil e depende de muitas geometrias de votos.

Em concreto, Tajani terá atuado em total coordenação com Meloni, de quem é parceiro de governo, numa tentativa de obter mais influência de Itália e dos Conservadores e Reformistas (ECR, família europeia liderada pela italiana) na constituição da próxima Comissão. Os italianos estarão de olho na vice-presidência (quiçá para a própria Meloni) e em cargos de comissários numa das áreas económicas e na defesa.

O jogo parece ter sido reforçado pela Hungria de Viktor Orbán, cujo partido, o Fidesz, está atualmente sem família política (depois de ter sido expulso do PPE), mas mantém proximidade com a líder italiana: “Seria muito difícil para a Hungria apoiar um segundo mandato de Von der Leyen”, declarou o ministro János Bóka ao Politico a meio da reunião. Contudo, o mesmo governante garantiu que o executivo de Viktor Orbán não se opunha às sugestões de António Costa para o Conselho Europeu, Roberta Metsola para o Parlamento Europeu e Kaja Kallas para alta-representante da diplomacia europeia.

A posição não parece ser exatamente por pureza ideológica. Em teoria, seria de esperar que a Hungria (que mantém uma posição mais próxima da Rússia) se opusesse mais a um nome como Kallas do que a Von der Leyen, por exemplo, ou a um socialista como Costa, de quem o Fidesz está ideologicamente mais distante. Ao final da noite, o próprio Orbán deixava-o claro que a questão era a falta de presença das forças mais à direita no próximo governo europeu que motivava aquela reação.

No X (antigo Twitter), Orbán escreveu que, nesta cimeira, “a vontade do povo foi ignorada” pelo PPE, que preferiu aliar-se aos socialistas e liberais do que aos conservadores e outras forças da direita. Três horas antes, tinha publicado fotos do encontro, destacando alguns líderes em particular. A primeira? Meloni, fotografada a meio caminho de um abraço ao primeiro-ministro húngaro.

Tassiani não tem dúvidas de que aquilo a que se assistiu nesta cimeira foi um braço-de-ferro por parte dos líderes de partidos mais à direita, para terem influência nesta Comissão: “Há vários cargos de comissão fulcrais em jogo. Itália quer a vice-presidência. Tudo isto tem de ser visto neste contexto.”

Ou seja, não foi por António Costa que o processo encalhou. O que não é o mesmo que assumir que a questão está completamente fechada. Qualquer mudança no puzzle político europeu pode interferir diretamente no futuro do socialista. Para já, no entanto, os sinais que vão sendo dados são de algum otimismo sobre a capacidade de os 27 fecharem rapidamente esta questão.

À saída do encontro desta noite, Charles Michel, atual presidente do Conselho Europeu, fez questão de sublinhar que a reunião não tinha como propósito tomar qualquer “decisão” nessa matéria, mas antes para trocar impressões sobre as prioridades do projeto europeu e os méritos e deméritos de cada candidato, tentando não dramatizar o aparentemente impasse. De resto, mesmo depois desta reunião vão continuar os encontros bilaterais entre representantes dos principais partidos para que se possa chegar a bom porto.

Também à saída da reunião, Luís Montenegro garantiu que, apesar da ausência de acordo para os principais cargos europeus, houve um consenso alargado sobre a necessidade de haver um apoio expressivo e continuado à Ucrânia, sobre a preocupação com a segurança e defesa, sobre a necessidade de uma visão de conjunto para uma política de imigração e em relação à prioridade que deve ser dada ao crescimento económico.

O social-democrata explicou depois que as decisões formais serão tomadas no próximo Conselho Europeu (27 e 28 de junho), esse sim formal, e mostrou-se otimista em relação a um desfecho positivo. “As três principais famílias políticas chegarão a um acordo”, disse. Quanto António Costa, Montenegro repetiu o que vem dizendo até aqui: “Tive mais uma vez a oportunidade de reiterar o apoio inequívoco do Governo português à candidatura de António Costa. Trata-se de uma candidatura que reúne todas as condições para ser aceite”.

Até lá, é de esperar que atores como Tusk, Meloni ou Orbán tentem usar o processo a favor dos seus países ou grupos partidários até ao último minuto. Mas, quanto ao futuro de António Costa em Bruxelas, os analistas estrangeiros apontam na mesma direção dos atores nacionais: “Em relação às fraquezas judiciais de Costa, tudo isto não passam de jogos políticos. E não irão durar muito”, antecipa Pascale Joannin, diretora-geral da Fundação Robert Schuman.

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Von der Leyen e Orbán

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