Depois de uma semana com audições a João Galamba e à chefe de gabinete, que procuraram detalhar os acontecimentos sobre o despedimento de Frederico Pinheiro, o coordenador dos deputados do PS na comissão de inquérito à gestão TAP entende que “se existirem mais esclarecimentos a prestar por parte do primeiro-ministro sobre a atuação do SIS, não têm rigorosamente nada a ver com a comissão de inquérito”.
Bruno Aragão critica a oposição por repetir as questões “até que as respostas vão ao encontro do que querem ouvir” e lamenta que os “detalhes” estejam a substituir a discussão sobre o que considera verdadeiramente essencial que é “perceber a decisão de injetar 3,2 mil milhões de euros ou a reconfiguração da frota”.
O deputado socialista recusa “conspirações” e garante que “nenhum deputado do grupo parlamentar do PS articulou alguma audição” desta comissão parlamentar de inquérito e que até “às conclusões deve ser mantida a isenção”.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com o deputado Bruno Aragão]
António Lacerda Sales já divulgou o inquérito que iliba os deputados das fugas de informação dos documentos classificados. Eurico Brilhante Dias esticou-se nas suspeitas que lançou?
Não vi ainda o relatório, nem ouvi as declarações do presidente da comissão. Para já, pelo que vou percebendo da história parlamentar não é a primeira vez que acontece e certamente não prestigia as instituições nem os atores políticos. Espero que cada vez que estas coisas acontecem sirvam para melhorar o sistema para que as próximas comissões que tenham que lidar com documentos classificados saibam lidar melhor com esta informação e que isto não se volte a repetir.
Ainda assim, as conclusões acrescentam credibilidade à comissão.
Se não servir para outra coisa, que sirva pelo menos para irmos melhorando as práticas sobre a gestão deste tipo de informação.
Mas fica mais descansado por saber que as fugas não partiram dos deputados?
Não me queria pronunciar sobre coisas que ainda não li. Se essa for a conclusão, pois muito bem, só devemos estar tranquilos. Imagino que ilibar possa ser difícil a partir do momento em que as transcrições são sempre possíveis. Competirá a cada um ter práticas legais e éticas que permitam que estas coisas não aconteçam.
Esclarecimentos sobre o SIS. “Esclarecimentos do primeiro-ministro nada têm a ver com a comissão de inquérito”
Esta quarta-feira o PS chumbou a audição ou o depoimento escrito de António Costa. Entendem que o primeiro-ministro não tem mais nada a esclarecer sobre a atuação do SIS?
Até se pode colocar a questão de se entender que o primeiro-ministro pode dar mais esclarecimentos, e no plenário manifestou essa disponibilidade, mas não tem é rigorosamente nada a ver com a comissão de inquérito. Não podemos transformar uma comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP e falar de tudo menos da gestão da TAP e da tutela política. O que tem acontecido, sobretudo nas últimas audições, é que falamos de tudo menos disso. Parece até que o enorme esforço de ter colocado 3,2 mil milhões de euros na TAP, que foi uma decisão política difícil, fica diluído no meio de todas estas questões que não se relacionam com a gestão política.
Mas onde é que esses esclarecimentos podiam ser dados? Para a oposição o que foi dito em plenário não chegou.
Por exemplo, na comissão de Assuntos Constitucionais, como aliás já aconteceu, à porta fechada e que até suscitou um comunicado do conselho de fiscalização, por causa de algumas fugas de informação. Também há é uma coisa que não podemos fazer, e sobretudo a oposição não pode fazer: colocando questões e tendo respostas, se essas respostas não agradam, não vale a pena colocar a questão novamente até que as respostas vão ao encontro do que a oposição quer ouvir. O conselho de fiscalização foi ouvido, pronunciou-se e pelo que vai circulando mantém que a atuação do SIS foi a que deveria ter sido ou, pelo menos, foi dentro do quadro legal. Avancemos. Se restam dúvidas e se a oposição entende que a informação ainda não foi toda prestada deve procurá-la, mas não é estar sistematicamente a duvidar de instituições que merecem toda a credibilidade. E tenho insistido muito: faça-se isso nos sítios próprios. À comissão de inquérito sobre a TAP compete fiscalizar a gestão política da TAP.
Mas se o primeiro-ministro diz estar disponível para responder ao Parlamento e a bancada do PS recusa esses esclarecimentos. São os deputados do PS que estão a impedir esses esclarecimentos ou há uma falsa manifestação de disponibilidade?
De todo. Se o primeiro-ministro se disponibilizou cabe ao grupo parlamentar fazer a avaliação do que considera pertinente ou não. Mais uma vez entramos num ciclo que se autocumpre: se há uma vontade do primeiro-ministro e o grupo parlamentar decide num sentido há sempre duas leituras. Ou se acusa o grupo parlamentar de fazer o que o Governo pede e de não ter independência ou acusam de ter demasiada independência. Esse é um caminho sem saída. O Governo responde por si e o grupo parlamentar deve responder por si. Quando a bancada, sobre toda esta questão, sabe que fez audições na comissão de Assuntos Constitucionais e que já tem informação sobre esta matéria, cabe-lhe fazer a análise política sobre a partir de que ponto é que o que a oposição pede é uma fiscalização efetiva e legitima ou se é uma comissão política. Não é pela oposição pedir esclarecimentos que isso materializa a realidade. É parte da dinâmica e da dialética política procurar gerar factos onde quase sempre não existem.
Gestão do Ministério das Infraestruturas. “Detalhes em nada ajudam a pensar a gestão política da TAP”
Maria Araújo, a ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, deixou na audição de quarta-feira vários elogios a Frederico Pinheiro. Não é estranho que tenha existido uma mudança tão grande de um ministro para o outro no que toca ao profissionalismo e competência de Frederico Pinheiro?
Não qualificarei as intervenções de nenhum dos inquiridos. Numa comissão de inquérito, e por isso é que é diferente, compete a cada um dos deputados inquirir cada uma das pessoas de forma absolutamente isenta, registar a informação trazida, fazer a análise, procurar reconstruir a linha do tempo, analisar e contrapor factos e no fim tirar conclusões, sem qualificarmos a informação que cada pessoa traz.
Mas as contradições podem-se ir pondo e vão sendo objeto de análise.
Isso é o que devemos fazer. Só que essas contradições devem ser sobre os factos não é sobre a qualificação face às respostas. Se a relação entre a ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos com Frederico Pinheiro é num sentido e a da atual chefe de gabinete é outra, para apurar factos sobre a gestão política da TAP é absolutamente indiferente.
Para o PS estes detalhes não contam para o objeto final das conclusões?
Esses detalhes não ajudam a pensar em nada o que foi a tutela política.
Mas há outras contradições como a da existência de um arquivo no ministério que é mais abrangente sobre a gestão da TAP?
E onde também têm visões diferentes. Mas nenhuma dessas questões ajudam a definir, a compreender e a perceber o que foi a gestão da TAP e a tutela política. Não nos ajudam a perceber a decisão de colocar 3,2 mil milhões de euros, o que foi o plano de reestruturação, o enorme esforço dos colaboradores, a reconfiguração da frota. Em nenhum momento essas questões, que até compreendo que despertem algum interesse mediático porque são mais fáceis de discutir, nos ajudam a colocar a questão no que é essencial e que não deve gerar dúvidas nas pessoas, sobre os dados e os factos. Esses dados e factos é que têm que ser escrutinados sem que nos detenhamos em detalhes que são muito paralelos e estão para lá do que foi a gestão política.
Mas para além das grandes decisões, estes pormenores revelam como é que é feita a gestão diária e isso também é alvo da análise da comissão. Isso não o preocupa? As contradições, onde é que estava o plano de reestruturação
A gestão de cada um dos gabinetes, a forma como se articula, não é objeto desta comissão. De todo.
Mas revela como é que a companhia está a ser gerida politicamente?
De todo. A forma como uma chefe de gabinete se relaciona com um adjunto não diz nada sobre a tutela política da TAP e o que pode ajudar a qualificar o que aconteceu deve ser respondido de forma concreta e clara para depois se avançar novamente para o que é essencial. Percebo que do ponto de vista político seja mais fácil fazer girar as questões à volta do gabinete, sobre como é que as pessoas se relacionavam. Isso é mais fácil do que discutir o processo de privatização, os fundos Airbus, porque é que a frota da TAP aparentemente tem um custo superior às restantes companhias europeias, porque é que não perdemos tantas slots como iríamos perder, porque é que os cortes foram de um determinado tamanho e como é que estão a ser recuperados.
Está a apontar o foco para o que o PS entende que foi o bom trabalho do Governo.
Mas eu posso ir à outra parte sem problema. O foco não é o que o Governo fez de bom ou mau. O foco é a gestão da TAP.
E estes detalhes diários para o PS não são o objeto?
São paralelos. Até percebo que possam ser escrutinados a um outro nível mas não numa comissão de inquérito que tem um regime próprio, que nos dá poderes, que aumentam a nossa responsabilidade.
João Galamba. “Não me devo pronunciar sobre os atores da comissão”
Mesmo dentro do PS há vozes que criticam a manutenção de João Galamba como ministro e a forma como geriu este caso. O Bruno Aragão que esteve na audição com o ministro, continua a confiar em João Galamba para integrar o Governo?
O ministro das Infraestruturas tem a confiança política do primeiro-ministro que é quem faz a gestão política do Governo e que dá confiança aos seus ministros.
Mas já teve colegas de bancada com opiniões sobre quem deve estar no Governo.
O que mostra que a ideia de que no PS há um diretório e que vem tudo de cima não é verdade. Há um pluralismo sobre a perceção das pessoas face aos diferentes acontecimentos e sobre o que cada um faria num determinado momento. Do ponto de vista institucional, o primeiro-ministro manteve a confiança no ministro.
E não tem nenhuma opinião sobre se João Galamba tem ou não condições para continuar?
Nenhuma. Não me compete a mim pronunciar-me sobre isso. Terei a minha opinião pessoal mas reservo-a. Do ponto de vista institucional não é neste momento relevante porque enquanto estou numa comissão de inquérito eu não me devo pronunciar sobre os atores dessa comissão. Devo chegar ao fim das audições, analisar milhares de documentos, analisar o relatório, discuti-lo e mostrar que, na nossa perspetiva, há isenção em todo esse processo, sejam as conclusões mais ou menos favoráveis e, aí sim, há leitura política. Se a comissão de inquérito não mantiver a postura de isenção não há porque existir, pode ser uma comissão política e aí cada um defende a sua narrativa.
O Bruno Aragão ou algum dos deputados do PS que integra esta comissão já teve alguma reunião preparatória com membros do Governo para esta comissão de inquérito?
Acho curiosa a pergunta porque vem no seguimento de uma ideia de que há uma preparação e uma combinação e que o resultado é manipulado de alguma forma. Tudo começou com uma reunião fora da comissão de inquérito, cujos atores já se pronunciaram e todos foram coerentes e coincidentes. Não tendo gostado desta coerência, há uma insistência de que houve manipulação. Os deputados do grupo parlamentar do PS não articularam nenhuma audição com nenhuma pessoa, seja ministro ou não. As pessoas que vão a uma comissão de inquérito vão por si, preparam as respostas que entendem, não fazem ideia das perguntas. A ideia de que podia haver da parte do PS manipulação é estranha, considerando que há 6 grupos parlamentares e que o tempo do PS não é muito diferente dos restantes. As questões a colocar sê-lo-iam na mesma. Não há conspiração absolutamente nenhuma, há uma isenção que temos que manter e essa é para todos. É tão errado o PS procurar defender o Governo e não manter a isenção numa comissão de inquérito como é errado do lado da oposição atacar o Governo não mantendo a mesma isenção no apuramento dos factos.
A questão de fazer audições de segunda a sexta, as recusas que o PS tem dado a novas audições, não passa a mensagem de que querem mesmo é despachar os trabalhos?
Não. Se passa, é uma imagem errada. O PS aprovou tudo o que tem que ver com o objeto da comissão, até audições que a oposição se preparava para responder a um chumbo, como foi o Frederico Pinheiro ou a Eugénia Correia, que viabilizámos no entendimento de que, em parte, teriam informação sobre a gestão da TAP. É completamente disparatada essa ideia. Digam-me uma personalidade cuja audição recusámos e que fosse central? Não há. Sobre as segundas e sextas, estivemos disponíveis para trabalhar todos os dias, mas sempre sensíveis às escusas dos outros partidos, sobretudo os mais pequenos, porque têm mais dificuldades na gestão do tempo. Não foi o PS que impediu audições à segunda e à sexta mas também não foi o PS que impôs.
No final, espera que António Costa tire alguma consequência política desta comissão de inquérito?
O primeiro-ministro tirará sempre conclusões políticas do que acontece. Seja neste relatório seja em qualquer matéria. É a função do Governo e do primeiro-ministro.