Um é de direita, outro é de esquerda. Um está na família dos democratas-cristãos, outro na dos Verdes. O candidato do Livre tem a mesma idade que a meta em percentagem do cabeça de lista da AD para estas eleições: 29. No frente-a-frente da Rádio Observador discordaram de muita coisa, mas concordaram naquela que tem sido uma das bandeiras de Bugalho: inscrever o direito à habitação na Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Com entusiasmo e uma espécie de solidariedade geracional, Sebastião Bugalho ficou tão contente que desejou a eleição do adversário: “Espero que o Francisco Paupério seja eleito e que possamos juntos aprovar essa resolução ao Parlamento Europeu.”

Apesar dos vários elogios que fez a Paupério — como, por exemplo, não ter criado confusão à volta das declarações de Bugalho sobre o aborto — o candidato da AD sentiu necessidade de deixar ainda uma nota final sobre o candidato do Livre que, na verdade, era uma crítica dura a todos os outros seis principais adversários: “O Francisco Paupério foi o único adversário que não desferiu ataques pessoais e ataques pouco civilizados durante esta campanha. Estendo-lhe um cumprimento porque a AD também não o fez.”

De resto, discordaram em muita coisa. Paupério quer o direito ao aborto consagrado na mesma Carta de Direitos da UE. Além disso, utilizou Von der Leyen para acenar com o fantasma de um acordo entre PPE e conservadores. Bugalho foi tentando anular os ataques e, neste último ponto, até lembrou a coligação da Polónia, que juntou membros das famílias europeias dos dois para afastar os conservadores do PiS. Bugalho também atacou o facto de o Livre querer acabar com a unanimidade no Conselho em matéria fiscal. Já Paupério acabou por dizer, na parte do reconhecimento da Palestina, que o Hamas tem de fazer parte das negociações.

Aborto. O conflito de direitos, a edição de vídeo e a AD de Bruxelas

Na temática do direito ao aborto, Sebastião Bugalho justificou o porquê de não querer o direito ao aborto consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da UE por conflito de direitos, mas estar confortável com a sobreposição de um deles até às dez semana. O candidato da AD diz que, nesse caso, existe “uma gestão entre os dois direitos”, precisamente porque “os direitos não são absolutos.”

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O candidato da AD repete que não é “a favor da criminalização do aborto” e explica que “não é a favor só para estar em consonância com o primeiro-ministro e da AD”, mas porque essa é mesmo a sua “posição pessoal.” Deixou depois uma acusação à forma como um excerto do vídeo de uma entrevista foi divulgado nas redes sociais: “Deixei muito claro na entrevista em que esse tema veio à baila no podcast do Daniel Oliveira que eu jamais legislaria com base em qualquer tipo de crença religiosa. Só lamento que essa entrevista tenha sido divulgada e editada de forma a esconder essa posição que ficou muito clara”.

A crítica à edição do vídeo durante o debate — emitido na Rádio Observador e publicado em Liveblog no site do Observador — levou o candidato Sebastião Bugalho a contactar o Observador minutos depois para esclarecer que não quis fazer nenhuma acusação ao Expresso nem a Daniel Oliveira: “Simplesmente acho que o excerto divulgado e selecionado da entrevista nas redes sociais não deixa a posição tão clara quanto o foi na própria entrevista ao Daniel Oliveira. Mas não vejo maldade nem intenção nisso. Vi, infelizmente, aproveitamento político e partidário feito a partir disso”.

Durante o debate, Bugalho também tinha aproveitado a questão para se queixar que, neste tema, “alguns dos adversários tentam criar uma confusão onde ela não existe.”

Sobre o tema do aborto, o cabeça de lista do Livre às eleições europeias sublinhou que “não é um luxo, é um direito”. “Pode acontecer de forma legal ou ilegal e sobretudo sem cuidados necessários e afetando as mulheres. E nós consideramos que todas as mulheres devem ter a sua liberdade de escolha e autodeterminação”, afirmou, criticando a AD por não partilhar desta perspetiva. “Apesar de tudo o que Sebastião Bugalho tem dito ao longo da campanha que defenderá todos esses direitos a partir de 9 de junho, a verdade é que no passado nunca tivemos essa indicação do partido”, acrescentou Paupério.

A defesa de honra de Von der Leyen e a Polónia, o país onde PPE e Verdes são amigos

O tema dos direitos das mulheres acabou por ser o trampolim para o debate ir para a namoro da atual presidente da comissão europeia ao ECR, o grupo dos convervadores. Paupério criticou Ursula Von der Leyen — que faz parte da família europeia de Bugalho — por se “aliar aos ultraconservadores do PiS, que tiraram o aborto da Polónia”.

[Já saiu o terceiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio.]

O candidato da AD teve de sair em defesa da presidente da Comissão Europeia e atirou ao adversário: “Percebo a tentativa de argumentação do Francisco Paupério, mas foi a Comissão de Ursula von der Leyen que censurou o PiS justamente.” Paupério protestou de imediato: “Não foi a de Ursula von der Leyen, foi a de [Jean-Claude] Juncker.” Bugalho insistia em ter razão: “Verifique essa informação: Ursula von der Leyen sancionou o PiS”. E Paupério rebateu: “Mas quem abre o processo é Junker.” Bugalho contra-atacava: “Francisco, não esperava isso de si, quem consumou foi Von der Leyen. E mais: quando o PiS tentou diminuir os direitos das mulheres na Polónia, os deputados portugueses da AD apresentaram uma resolução no Parlamento Europeu de protesto contra essa diminuição de direitos.” E acrescenta: “Quando a convenção de Istambul foi transposta para Portugal foi transposta por uma deputada do PSD, Carla Rodrigues, que por feliz coincidência é candidata pela AD.”

O debate continuou a parecer debate e Paupério ripostou:  “Então como é que agora assumem essas posições? O problema é que neste momento estão bem a negociar com esses grupos. Como condenam a ação do PiS e estão dispostos para ir para estes grupos com a Comissão Europeia.” Bugalho ainda quis ir ao repique para dizer que a AD tem “linhas vermelhas”, que não vai “negociar com o PiS” e que “convém relembrar que quem derrotou o PiS na Polónia foi o PPE, de que a AD faz parte.” E lá chegaram a um ponto comum quando ambos assumiram que, na Polónia, o partido da família política de Bugalho (liderado por Donald Tusk) e o partido da família política de Paupério (os Verdes europes) estão coligados para afastar os conservador do PiS do poder.

A habitação que levou Bugalho a desejar a eleição de Paupério

Sobre habitação, o candidato da AD disse que não quer que a inscrição do direito à habitação na Carta dos Direitos Fundamentais da UE “seja apenas simbólica”. Bugalho garante que quer começar por “abrir um horizonte legal para depois abrir um horizonte de esperança”. O cabeça de lista da AD quer “aproveitar o InvestEU para oferecer uma garantia europeia para a primeira habitação de jovens.”

Depois de o candidato do Livre concordar com a ideia de inscrever, Bugalho agradeceu: “Fico contente e grato. Espero que Paupério seja eleito ao PE e que possamos juntos aprovar essa resolução ao Parlamento Europeu.”

Ainda no tema da habitação, o cabeça de lista do Livre sublinhou que este deve ser um pilar da Carta dos Direitos Fundamentais da UE e apontou várias “incoerências” à Aliança Democrática. “Temos mais um relatório feito este mandato sobre até as pessoas em situação de sem abrigo, ou seja, na questão da habitação, e mais uma vez não votaram a favor desta diretiva para essas pessoas”, afirmou. Para Francisco Paupério este é apenas um exemplo de algo que diz ser “constante” na campanha para as europeias: “Fazemos muitas intenções e depois votamos de maneira diferente no Parlamento Europeu”.

A fiscalidade e os jovens: o ataque a Temido e o fim da unanimidade para ajudar o sul

Como ambos são jovens foram desafiados a dizer o que pretendem fazer para que os jovens não acabem por emigrar para o estrangeiros. Paupério defendeu uma harmonização fiscal, já que “apesar de termos um mercado único, temos diferentes regras fiscais. Isso permite às empresas comportarem-se de maneira diferente em diferentes países e fixarem-se em países quase considerados paraísos fiscais”.

O candidato do Livre esclarece que o partido não defende uma taxa única, mas uma taxa mínima alta para “acabar com a competitividade fiscal exacerbada”. “Um trabalhador na área de informática que quer trabalhar numa grande empresa como a Amazon, a Google. Não o poderá fazer em Portugal porque não temos a capacidade de reduzir até 0% ou 1% de taxa efetiva para essas grandes empresas”, exemplificou. O candidato não considera que este seja um problema português e que, em competitividade com os 27 membros da UE, “vamos partir sempre de trás”.

Já Sebastião Bugalho aproveitou o tema da fuga de cérebros para atacar Marta Temido, ao dizer que “não há uma palavra no programa do PS para os emigrantes”, onde se incluem os jovens que emigraram. O candidato da AD considera que “o empreendedorismo é um bom fator para a fixação de populações” e que “olhando para o relatório Letta, a inovação e a tecnologia são fundamentais” para fixar jovens e que eles só se vão manter “na Europa se for implementada a União Digital”.

Bugalho diz que fica preocupado ao ver que “no programa do Livre defendem o fim da unanimidade em matérias fiscais”, já que, dessa forma, avisa, os “mais ricos e mais fortes vão cada vez mais poder se acabarmos com regra da unanimidade no Conselho”. O candidato da AD diz que “cada vez que Portugal quiser ter uma competividade fiscal para fixar jovens”, poderá ser travado por esses “países mais fortes”. Paupério discorda e diz que isso daria “maioria aos países do Sul e Leste, que se conseguiriam aliar e defender os seus interesses.”

Palestina. Paupério quer Hamas “incluído nas negociações”, Bugalho reconhecimento a 27

A favor da solução de dois Estados, Francisco Paupério explicou que o Livre defende que reconhecer o Estado da Palestina passa também por reconhecer a Autoridade Palestiniana como o governo da Palestina, incluindo da Faixa de Gaza. “A passividade levou a 15 mil crianças a serem assassinadas na Faixa de Gaza. O que o Livre defende, desde 2014, é uma solução de dois estados, que tem de passar pela democracia. Temos de dar essa fezada, mas também dar essa intenção e motivação e acompanhar este processo de reconhecimento da Palestina”, sublinhou.

Questionado sobre se isso passa por falar com o Hamas, o candidato do Livre disse “que terá de ser negociado tudo, mas tratá-lo como grupo terrorista que são”. “É questão de perceber qual é a melhor solução para o povo palestiniano. E o Hamas tem que estar incluído nas negociações tal como o governo de extrema-direita de Israel”, defendeu.

Sobre o reconhecimento multilateral que defendeu na terça-feira no debate a oito nas televisões, Sebastião Bugalho diz que “antes de tudo é preciso um cessar-fogo na Palestina”. O candidato da AD diz que “não pode haver a hipocrisia de defender a solução dos dois Estados e depois não trabalhar para isso. Qualquer caminho que seja possível para reconhecer os dois Estados não podemos negá-los à partida.”

Sobre quantos países necessita para Portugal reconhecer, Bugalho reitera que quer “o reconhecimento mais multilateral possível”. Após insistência, lá disse que queria o “reconhecimento dos 27”. No entanto deixa condições: “Para isso é preciso haver uma autoridade democrática para reconhecer e um território para reconhecer e, neste momento, nada disso existe.”