Foi o último debate televisivo entre os cabeças de lista dos partidos com assento parlamentar e pôs os candidatos em confronto nos temas mais fortes da campanha. Sebastião Bugalho (AD), Marta Temido (PS), Tânger-Corrêa (Chega), Cotrim de Figueiredo (IL), Catarina Martins (BE), João Oliveira (CDU), Francisco Paupério (Livre) e Pedro Fidalgo Marques (PAN) falaram das regras orçamentais, do risco dos extremismos no Parlamento Europeu e das linhas vermelhas nas famílias partidárias, do apoio militar à Ucrânia, da guerra na Faixa de Gaza, de imigração e da política fiscal europeia.
Quem esteve melhor? Ao longo das últimas semanas, um painel de avaliadores do Observador tem dado notas de 1 a 10 a cada um dos candidatos, explicando porquê. A soma surge a cada dia, no gráfico inicial, onde pode ver a classificação geral e saber quem tem estado melhor e quem lidera.
[Já saiu o terceiro episódio de “Matar o Papa”, o novo Podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio.]
O próximo debate sujeito à análise dos avaliadores do Observador será o último dos frente-a-frente na Rádio Observador — os únicos debates a dois desta campanha —, que acontece já esta quarta-feira, às 19h, entre Sebastião Bugalho e Francisco Paupério. Depois, no dia 3 de junho, às 9h30 da manhã, será a vez do debate das rádios, que junta a Rádio Observador, a Renascença, a Antena 1 e a TSF.
Quem ganhou o debate: Marta Temido, Sebastião Bugalho, Cotrim de Figueiredo, Francisco Paupério, Catarina Martins, Pedro Fidalgo Marques, Tânger-Corrêa ou João Oliveira?
Ana Sanlez — O “dia de festa” de Sebastião Bugalho foi o “incómodo” de Marta Temido. O tema do dia, a visita de Zelensky a Portugal, acabou por preencher um dos momentos de confronto mais interessantes do debate entre os candidatos do PS e da AD. Não foi sempre assim, mas, aqui, Marta Temido acabou por ser a voz do bom senso. Não é um dia de festa. Como é natural num confronto a oito vozes, quem acaba por se destacar mais são os candidatos com mais carisma. E nesse pódio temos Cotrim de Figueiredo, Marta Temido e Sebastião Bugalho, com uma menção honrosa para Catarina Martins. Francisco Paupério e Pedro Fidalgo Marques passaram demasiadamente despercebidos, embora este último tenha tido um bom momento na questão do crescimento da extrema direita. Tânger-Corrêa foi um “alien”, ainda mais do que tem sido habitual. Na primeira questão, sobre as regras orçamentais da UE, deu a entender que nem tinha percebido o tema em causa (aqui, na verdade, quem leva a taça é Marta Temido, quando lança um “as pessoas não percebem nada do que estamos a dizer”, e acredito que seja verdade). Tânger-Corrêa poderia aproveitar para brilhar quando o foco são as migrações, a bandeira do Chega, mas nem isso aconteceu. Hoje lembrou-se de dizer que “a pobreza gera violência” e voltou a entrar num caminho perigoso. Ainda assim, nota-se que os seus olhos brilham quando se fala de geopolítica, nomeadamente da guerra na Ucrânia. Neste tema, João Oliveira ficou novamente a falar sozinho, mas, neste debate, saiu mais fragilizado porque eram sete contra um.
Miguel Santos Carrapatoso — Um belíssimo debate, com (quase) todos a grande nível. Correram riscos e também caíram em armadilhas. Sofreram e infligiram golpes. Ninguém foi ao tapete, ninguém saiu sem mácula. E foi combativo do início ao fim. De resto, cada candidato poderá levar para casa o seu “momento da noite”. Marta Temido foi excelente a confrontar Sebastião Bugalho com a frase infeliz sobre a “festa para a democracia” que foi receber Zelensky. O candidato da AD foi muito eficaz ao lembrar que há governos socialistas (Espanha e Dinamarca, por exemplo) que são muito pouco recomendáveis em matéria de políticas de imigração. Catarina Martins esteve sempre ao ataque, forte em quase todos os pontos, com conhecimento evidente dos dossiês. Insistiu, porém, em cometer os erros de sempre: escorregou ao tentar colar os liberais à extrema-direita, esquecendo-se de que tem telhados de vidro e ficando sem resposta para João Cotrim Figueiredo (o melhor momento do liberal neste debate); e foi outra vez muito lesta em criticar a UE e a esquecer o papel da Rússia. Cotrim, menos dominante do que a bloquista, esteve sempre esclarecido, tirando, com alguma surpresa, no ponto em que devia ser mais forte, a receita para fazer a economia europeia crescer. Esperava-se brilharete e não deu. Perdeu uma oportunidade de marcar a diferença à direita. À esquerda, João Oliveira bateu-se a bom nível (ainda que sem o brilho de Catarina Martins), mas teve um azar dos Távoras: este debate aconteceu no dia em que Portugal recebeu Zelensky, o que tornou ainda mais esdrúxula a posição (isolada) dos comunistas nesta matéria. Três notas para os menos experientes: Francisco Paupério tentou (com algum sucesso) ir furando a experiência dos concorrentes, mas sem a nota artística de outros debates; António Tânger-Corrêa apareceu mais concentrado, mas invariavelmente agarrado a ideias sem qualquer adesão à realidade (veja-se o que disse sobre imigração e corrupção); e Pedro Fidalgo Marques foi sendo o picareta-falante de serviço, que, de tanta ânsia em meter animais e ambiente em cada oração, mal conseguiu produzir pensamentos estruturados sobre os temas em debate.
Pedro Raínho — Era o último debate entre todos transmitido em direto, ao vivo e a cores. Era, portanto, uma oportunidade determinante para a demarcação de campos, para a fixação de eleitores e, cenário ideal, captação dos que ainda não se decidiram. Afinal, falta uma semana e meia para as eleições. Durante boa parte da noite, os candidatos pareceram ter-se esquecido disto: Catarina Martins foi a despique com Cotrim Figueiredo no tema das regras orçamentais, João Cotrim Figueiredo respondeu; Sebastião Bugalho lança uma farpa aos “partidos que apoiaram António Costa” e é João Oliveira quem responde primeiro. E andaram nisto longos minutos. Até que o tema da guerra da Ucrânia foi lançado para cima da mesa, até que o cabeça de lista da Aliança Democrática falou no “dia feliz” que se viveu em Portugal com a visita relâmpago de Volodymyr Zelensky. Temido não quis deixar passar a referência em branco e — ainda que só o tenha feito quando já se discutia a questão da imigração — atirou com considerandos de “ligeireza” e “imaturidade” para cima do cabeça de lista da AD. Parecia que vinha aí o golpe, estava ali a gafe da noite, daquelas que podem deixar marca. Mas Marta Temido tem destas coisas: um momento que podia ser popularucho e ficar a ressoar na memória dos eleitores rapidamente resvala para excessos que o põem ao nível do mais populista. Neste caso, acusou PSD/CDS de alinhar em políticas de imigração que “mandam refugiados para o Ruanda” e defender a “construção de muros” que deixam o problema às portas da Europa. Bugalho contestou com precisão (quase) cirúrgica: com a posição dos “socialistas da Dinamarca” e dos socialistas espanhóis. Valeu pelo truque: admite para ti o que não permites ao teu adversário. Foi xeque — o candidato da AD não matou ali o jogo, mas anulou o ataque da principal adversária no debate. De resto, não foi um debate particularmente cativante. Sem surpresa, de uma forma geral, os eleitores puderam ouvir as ideias de dois expectáveis blocos com duas visões sobre o que querem da Europa. Sem um(a) claro(a) vencedor(a). E isso é uma pena, num debate que prometia ser decisivo. Aguardemos pela final das finais: é dia 3 de junho, no debate das rádios.
Rui Pedro Antunes — Marta Temido utilizou uma tática dos populistas: fixou-se numa expressão isolada para atacar o adversário, neste caso Sebastião Bugalho. Mas como, em política, não se trata de ganhar o prémio fairplay, a socialista foi eficaz: associar a visita de um chefe de Estado de um país em guerra a um “dia de festa”, mesmo com a melhor das intenções, foi um momento infeliz do candidato da AD. Sebastião Bugalho está bem preparado e isso notou-se quando registou (para vincular o PS) que a relatora da reforma da governação económica foi Margarida Marques, ou quando lembrou que quem criou muros para imigrantes foi Espanha e Dinamarca, dois países com governos socialistas. Mas, num contra-ataque, Bugalho chegou a defender-se com o programa da AD (que nunca falou em muros), quando a adversária se referia a um documento do PPE. Bugalho fingiu que não percebeu e, mais uma vez, tentou provar que o PSD é uma ilha no PPE. Na verdade, não é: na esmagadora maioria das vezes, os deputados do PSD votam alinhados com o grupo. António Tânger-Corrêa chegou a responder coisas diferentes das perguntas que lhe eram feitas, mostrando a sua total impreparação em vários temas. Chegou a repetir “concordo com o Cotrim”, por não ter muito mais a dizer. Ainda assim, quando se libertou das amarras, numa fase em que pareceu mais genuíno, utilizou tiradas populistas que (apesar de serem criticáveis a vários níveis) podem ser eficazes junto do seu eleitorado: por exemplo, quando falou em Vila Nova Milfontes ou fez uma associação abusiva e demagógica entre pobreza e violência. João Cotrim Figueiredo mostrou ser sempre o mais bem esclarecido e o mais fiel aos princípios que defende para a Europa: liberais, pois claro. Em temas como as novas regras orçamentais, a economia europeia ou a Ucrânia, o liberal foi sempre o mais assertivo. Foi, por isso, o mais perto que tivemos de um vencedor no debate. Picou-se com Catarina Martins (a quem atirou com estrondo o acordo do Syriza com os xenófobos Gregos Independentes), mas a bloquista também voltou a mostrar que é profissional, como se vê no uso de soundbites como “generais de sofá” ou em seduções cirúrgicas ao seu eleitorado, como atacar o governo alemão (que é socialista e verde) por enviar armas para Israel. João Oliveira tem sempre um problema chamado Ucrânia, mas compensa com genuína ingenuidade, e até humor, como o momento em que atacou as grandes empresas dizendo que, com “Cotrim, sim”, pagavam apenas “taxinhas” — numa alusão ao slogan liberal. Francisco Paupério e Pedro Fidalgo Marques passaram mais despercebidos, mas com o primeiro a ser mais eloquente.