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Cães farejadores, escadotes e alguma gritaria. Entrámos na Casa Branca de Trump e contamos como foi

O Observador entrou na Casa Branca e conta como foi. Do atraso de Marcelo, ao convidado inesperado que ofuscou a visita portuguesa, das quebras de protocolo ao aparente desinteresse de Trump.

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Enviado especial a Washington

Alright, everybody keep calm.” Tudo calminho, pessoal, que vamos entrar na Sala Oval. As duas funcionárias da Casa Branca falam num tom pouco amigável, as duas aos gritos, para tentar que o grupo de cerca de 40 jornalistas que segue atrás se comporte e perceba quem manda ali. É uma boa tentativa, mas não vai resultar. Daqui a pouco há-de haver mais gritos e ninguém vai querer saber. A começar no Presidente dos Estados Unidos da América.

Para já, estamos numa fila de repórteres no corredor exterior que dá para o Jardim das Rosas — onde às vezes o Presidente faz declarações ao país — à espera que as portas se abram. São os jornalistas residentes que voluntariamente vão explicando as regras aos novatos que acabaram de aterrar. “Vocês os dois lá à frente, que vão tirar as fotografias. Nós ficamos cá mais para trás e entramos na segunda leva”. Lá dentro estão Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump. Os jornalistas americanos já perceberam que alguma coisa de importante aconteceu esta manhã na política doméstica e que o presidente, provavelmente, vai querer falar sobre isso. Também por esta altura, os jornalistas portugueses já conseguem dizer de cor os argumentos que Marcelo vem expôr à Casa Branca. Mas os dois presidentes têm em comum uma certa dose de imprevisibilidade e isso significa que, estando juntos, lado a lado, tudo pode acontecer. Calma. Vamos entrar na Sala Oval.

12:17 p.m. A caminho da Casa Branca

Faltam pouco menos de duas horas para o Presidente da República ser recebido na Casa Branca. O grupo de jornalistas portugueses que está em Washington para cobrir a visita de Marcelo inicia a viagem em direção ao número 1600 da Pennsylvania Avenue. Ainda é cedo, mas há medidas de segurança apertadas e é preciso acomodar eventuais atrasos. O percurso demora cerca de 10 minutos e antes de chegarmos ao destino, a carrinha já não avança porque a avenida está cortada ao trânsito. O resto do trajeto tem de ser feito a pé — não serão mais de 150 metros, mas choveu a manhã toda em modo de clima tropical. De certeza que vamos ter de esperar quando chegarmos à entrada e o problema é que nunca se sabe se as torneiras do céu vão abrir outra vez.

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Não abrem, temos sorte. Mas vamos mesmo ter de esperar. A primeira fase é a recolha de passaportes, para um primeiro controlo. Ainda no exterior, os seguranças pedem que coloquemos no chão (molhado) todo o equipamento, todas as mochilas, todas as carteiras. Os cães farejadores fazem a ronda, nada a declarar.

Agora é a vez dos seguranças que abrem todos os sacos espalhados pelo chão, inspecionam as câmaras de televisão, ligam os computadores, espreitam pelas máquinas fotográficas. “All clear”, podemos recuperar os nossos pertences (mais molhados e mais sujos) e avançar para a fase 2 — o controlo de metais.

Com os passaportes já na mão, recebemos um cartão para trazer ao peito com a indicação de que teremos de estar acompanhados em permanência. E é assim que estamos finalmente a postos para entrar na Casa Branca.

01:04 p.m  Dentro da West Wing

A entrada faz-se lateralmente à fachada principal, aquela que se conhece das fotografias.

Pelo caminho até à sala de imprensa, passamos pelos plateaus permanentes das maiores estações de televisão americanas e das principais agências de notícias. Parece um pequeno parque de campismo com tendas cobertas de lona verde, a partir das quais os repórteres da CNN, FOX, NBC, ABC, Reuters, APTN e Eurovisão fazem os diretos com a colunata oeste de fundo.

Mais à frente, encontramos o primeiro ponto de captação de imagem previsto para hoje. Tem vista para a entrada principal da West Wing, a ala Oeste, que é onde Trump virá dar as boas vindas a Marcelo dentro de pouco mais de uma hora.

O espaço disponível não é muito e a visibilidade é reduzida porque Trump mal sai da porta de entrada para cumprimentar os convidados. Por isso, parece que se vai entrar em obras a qualquer momento, tal é a quantidade de escadotes alinhados, cada um com a identificação do órgão de comunicação social a que pertence. Foi esta a solução para todos os que captam imagens possam garantir trabalho em condições.

A ala oeste da Casa Branca é o coração da administração norte-americana. É aqui que fica o gabinete do Presidente (a Sala Oval), do vice-Presidente, a sala de reuniões do executivo e os gabinetes do núcleo duro do Commander in Chief, incluindo a assessora de imprensa.

Sarah Huckabee Sanders é hoje uma figura conhecida no mundo inteiro porque lhe cabe a ela dar a cara pelas medidas propostas pelo Presidente ou, às vezes, pelas declarações que Donald Trump publicou no Twitter a meio da madrugada ou, noutros casos, pelas frases polémicas do comício da noite anterior.

Por boas ou más razões, Sanders é conhecida, mas a verdadeira celebridade ali é a sala onde se realizam diariamente estas conferências de imprensa para o corpo de jornalistas acreditado permanentemente na Casa Branca.

O cenário onde está instalado o púlpito é daqueles que são reconhecidos no mundo inteiro. É tão familiar — com o inconfundível logotipo azul a dizer White House — que, assim que se vê ao vivo, dá vontade de subir ao púlpito e tirar uma fotografia para guardar de recordação (coisa que, obviamente, a equipa do Observador não fez. De todo. Mesmo)

Assim que entramos na sala, impressiona a dimensão. É bastante mais pequena do que aquilo que se imagina quando vemos as imagens das conferências de imprensa pela televisão.

Há um repórter da tv chinesa a gravar um vivo, é preciso esperar que ele acabe para nos movimentarmos à vontade na sala. O entusiasmo dos jornalistas portugueses contrasta com o das equipas que estão acreditadas na casa Branca e que chamam ao dia em que Trump recebe Marcelo, uma quarta-feira como outra qualquer.

Eles trabalham ali diariamente, em gabinetes próprios atribuídos a cada órgão de comunicação social, que ficam frente ao púlpito com acesso por um estreio corredor lateral.

Ao fundo da sala estão as régies das televisões, onde se grava o sinal de tudo o que ali acontece e tem cobertura televisiva.

A sala de imprensa da Casa Branca é uma tradição centenária. Numa das paredes, aliás, está a declaração fundadora da Associação de Correspondentes da Casa Branca, com a data de 1904. De cada um dos lados, mais duas fotografias, cada uma com uma tesoura e uma placa comemorativa, a assinalar os dias, em 1981 com o Presidente Reagan, e em 2007 com o Presidente Bush, em que se inaugurou a renovação e a modernização da sala de imprensa.

01:47 p.m. Marcelo está prestes a chegar

Tomamos posição novamente junto à zona dos escadotes, frente à entrada principal, agora bastante mais composta, para aguardar a chegada do Presidente da República.

“Eles avisam-nos quando o carro estiver a chegar?”, perguntamos. É a repórter fotográfica da Associated Press quem responde: “Não. Mas dá sempre para perceber pelas movimentações.” Trabalha aqui desde 1997 e já conhece os melhores serviços do dia. “Prefiro fazer as chegadas do que as declarações na sala oval. Essas são muito confusas. Se forem para lá a seguir, é melhor correrem porque não vão ter muito tempo”.

E por falar em tempo. São já duas da tarde, a hora marcada para a chegada, e nada de Marcelo. “He’s late”, ouve-se entre os jornalistas. Está atrasado, está. E continuará atrasado mais uns 5 minutos. Só passado esse tempo se percebe finalmente que alguma coisa está para acontecer. Portões que se abrem, gente que anda de um lado para o outro, serviços secretos posicionados. E um SUV que sobe finalmente a rampa que dá acesso à porta de onde avistamos Donald Trump pela primeira vez. Os flashes a dispararam a grande velocidade, tudo o que vamos ver não demora mais de 40 segundos.

Mas vai ficar guardado na memória deste encontro. Marcelo sai do carro, dirige-se ao Presidente dos EUA e aperta-lhe a mão com tal entusiasmo e um puxão que Trump perde momentaneamente o equilíbrio.

 

02:10 p.m. Everybody keep calm

Assim que Trump, Marcelo e restante comitiva entram na Casa Branca, os jornalistas correm novamente para a sala de imprensa. É dali que serão levados para a Sala Oval. A entrada faz-se por um estreito corredor situado atrás do púlpito das conferências de imprensa (para um edifício de tão grandes dimensões, há muitos espaços confinados na Casa Branca), que dá acesso a uma zona de secretariado com as paredes decoradas já com fotografias de Donald e Melania Trump em momentos da vida institucional e social de Presidente e Primeira Dama.

Dali somos levados para o corredor do Jardim das Rosas e é aqui que nos cruzamos com as assessoras que falam a gritar.

Who cares? Vamos finalmente entrar na Sala Oval. Compasso de espera para que os fotógrafos oficiais registem os primeiros momentos da conversa a dois, e depois chega finalmente a autorização para que os jornalistas entrem na sala.

A sala Oval é exatamente aquilo que se esperaria que fosse. É como o cenário de um filme (e tantos que já se passaram aqui) que conhecemos bem. As três grandes janelas de vidro por detrás da mesa de trabalho de madeira do Presidente. Os tapetes e candeeiros e sofás a condizer. A lareira lá atrás frente à qual estão sentados Marcelo e Trump, a escassos dois metros das dezenas de jornalistas que se alinham pela sala. Há regras apertadas: aqui não há microfones de mão, não há diretos, nem streamings, pode haver telefones, mas apenas no silêncio. As câmaras das principais estações de televisão dos EUA estão cá todas e há muitos jornalistas norte-americanos na sala. Será que a popularidade de Marcelo já passou fronteiras?

02:14 p.m. O papel secundário de Marcelo

Pelo menos Donald Trump sabe que Marcelo é um Presidente “muito bem visto”. Sabe mais duas ou três coisas — o suficiente para uns curtos chavões de circunstância sobre o convidado que tem sentado ao seu lado — e está bom assim que Trump tem outras coisas para tratar. A referência ao Presidente de Portugal não dura mais de 40 segundos, Trump pede-lhe desculpa e explica que há um acontecimento importante na vida política do país e que tem de falar dele agora: o anúncio da reforma de um dos juízes do Supremo Tribunal Federal. Anthony Kennedy tinha, aliás, estado com Trump minutos antes de Marcelo.

É provável que as regras do protocolo digam que isto não se faz. Não passar a palavra ao convidado para umas palavras de cortesia. Mas Trump é Trump, e os jornalistas queriam saber mais, por exemplo, quem vai ele escolher para o lugar decisivo (que pode fazer o coletivo de juízes do Supremo pender mais para os republicanos). Aberta a época de perguntas, sobre a Rússia, sobre a imigração, sobre a guerra comercial, sobre os democratas, Marcelo recosta-se na cadeira e fica a ouvir. Não tem mais nada para fazer. “Eu percebo, sou constitucionalista e portanto percebo bem a importância de perder um juíz do Supremo para um país como os Estados Unidos”, diria mais tarde aos jornalistas portugueses.

Uma das assessoras faz-se ouvir novamente, alto e bom som, para terminar aquilo que se estava a transformar numa conferência de imprensa. “ALRIGHT, THANK YOU!”. Mas o Presidente Trump continua a responder e os jornalistas a perguntar. E Marcelo continua em silêncio. Atenta a esse facto, a mesma assessora vira-se agora para os representantes diplomáticos portugueses e pergunta – em voz baixa – se o Presidente português também quer falar. Perante a resposta positiva, há que fazer sinais a Trump para que passe a palavra ao convidado.

Marcelo dá o seu melhor, fala da história, da amizade, da comunidade portuguesa. Mas de Trump recebe apenas sorrisos cordiais  e um ar ligeiramente desinteressado. Não há química possível quando o Presidente norte-americano tem uma agenda eleitoral na cabeça e todos jornalistas à frente. Dos 15 minutos que durou a conferência de imprensa, não mais de três ou quatro foram dedicados a Portugal. Incluindo a história do Ronaldo presidenciável. As assessoras deram várias vezes por terminada a conversa. Os jornalistas ignoravam e continuavam a fazer perguntas. Trump ignorava e continuava a responder.

Numa sala onde só a imprensa americana estava autorizada a colocar perguntas ao Presidente, Trump conseguiu avançar com a agenda política própria. As matérias diplomáticas propriamente ditas ficaram para o encontro a sós que se seguiu, e que Marcelo classificou de “caloroso”.

Por essa altura, já os jornalistas portugueses estavam novamente do lado de lá das grades que dão acesso à Casa Branca.

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