“Queremos que, em cada momento, o cliente sinta que andamos com ele ao colo.” No número 27 da Rua da Portagem, em Coimbra, há um hotel que já é uma referência mundial no turismo do sono. Chama-se Hästens Sleep Spa – CBR Boutique Hotel, foi inaugurado em 2021 e é o único no mundo desenvolvido em estreita colaboração com a marca sueca de colchões Hästens. “Queríamos oferecer uma experiência diferente, que neste caso é a experiência do sono superlativo”, explica Sónia Felgueiras, da direção de marketing do grupo O Valor do Tempo (também dono d’A Brasileira, no Chiado, e da cadeia de lojas O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa).

O turismo do sono está em voga. Nos últimos anos, e especialmente depois da pandemia, o número de destinos hoteleiros que prometem potenciar as noites bem dormidas tem vindo a crescer a nível mundial. “As pessoas valorizam cada vez mais a qualidade do sono e os benefícios que este traz para o seu dia a dia, não apenas para a noite”, acredita Sónia Felgueiras.

Entre os mais de 2.500 adultos que responderam a um estudo publicado na revista científica Journal of Clinical Sleep Medicine, 40% reportou uma redução da qualidade do sono desde o início da pandemia. “Tem havido um aumento da atenção dada ao sono na era da Covid-19 e, provavelmente, porque muitas pessoas têm tido dificuldades com isso”, comentou Rebecca Robbins, investigadora do sono e co-autora do livro “Sleep for Success!”, em entrevista à CNN.

“Dormir pouco ou mal é o maior flagelo da sociedade portuguesa”, afirma, por outro lado, Teresa Paiva. No verão do ano passado, o Sleep & Nature Hotel abriu portas em Montemor-o-Novo com um conceito pensado pela professora. Especialista em neurologia e neurofisiologia com competência em medicina do sono, explica que os portugueses estão hoje mais atentos a este tema “porque têm mais problemas” com ele relacionados.

“Portugal é dos países da União Europeia com um dos maiores níveis de utilização de sedativos para dormir. Além disso, os portugueses são também dos povos que se deitam mais tarde e que são sobrecarregados com mais horas de trabalho“, refere. Com estes dados em mente, imaginou um hotel “pensado especialmente para desconectar e favorecer um sono tranquilo e reparador”.

Camas feitas à mão e um menu de 10 almofadas

Afinal, o que distingue estes espaços de quaisquer outros? No caso do Hästens Sleep Spa, o grande destaque está nas camas. Desenhado lado a lado com a reputada marca sueca de colchões, este boutique hotel tem apenas 15 quartos, todos eles equipados com camas Hästens, feitas à mão por artesãos recorrendo apenas a materiais naturais, como lã, crina de cavalo, que absorve a humidade, algodão e linho, num processo de produção que pode demorar cerca de 200 horas.

A cama, com a mesma etiqueta, não tem elementos metálicos, as próprias juntas são feitas de madeira. Seguindo a mesma lógica dos colchões, nos lençóis e fronhas, também Hästens, só entram materiais naturais. Uma estadia neste espaço luxuoso, cuja decoração se inspirou na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, custa 500 euros por noite.

“E depois, temos também o menu de 10 almofadas, para que os hóspedes possam escolher aquela que melhor se adapta às suas necessidades e preferências“, conta Sónia. Pode-se optar, por exemplo, por “uma almofada mais alta e mais macia” ou por uma opção “mais baixa e mais densa”, sendo que o próprio staff está treinado para recomendar a escolha ideal para cada tipo de pessoa.

A “cura pela ligação à natureza”

Com uma abordagem totalmente diferente, Teresa Paiva acredita que o descanso não acontece necessariamente no quarto, mas no contacto com a natureza. “O certo é que muito hotéis que falam do sono se centram no conforto da cama e do quarto”, comenta. “Acabei de ver uma doente que me disse ‘não imagina o dinheiro que gastei em colchões, almofadas, lençóis e cobertores pesados, e nada resultou’”.

O Sleep & Nature Hotel fica no Monte do Vagar, nome auspicioso, que “respira tranquilidade” e convida à ligação com o espaço circundante. “Este conceito é de uma enorme atualidade”, acredita a professora, “numa época em que desenvolvemos uma cultura de ‘interior’, permanecendo logos períodos dentro de casa agarrados aos nossos gadgets tecnológicos. A saúde e o sono só se tratam se adotarmos para ambos as regras da natureza: biodiversidade, sustentabilidade e homeostasia [estado de equilíbrio das diversas funções do corpo].”

Assim, aqui o foco vira-se mais para a localização e para os serviços, entre spa com sauna, banho turco, duche de balde de madeira, ginásio, biblioteca, sala de estar com lareira, massagens diferenciadas, aulas de yoga, atividades físicas ao ar livre e até mesmo atendimento médico. Com 32 quartos ao todo, os preços por noite começam nos 138 euros e dão ainda acesso a um restaurante com esplanada e piscina infinita.

Meditações gravadas, camas inteligentes e fragrâncias de almofada

Os serviços específicos para potenciar o sono multiplicam-se na oferta hoteleira. Os responsáveis do Park Hyatt, em Nova Iorque, inauguraram recentemente o Bryte Restorative Sleep Suite, um quarto com mais de 83 metros quadrados com uma cama king size inteligente da Bryte, marca que deu nome à própria divisão, com uma série de funções personalizáveis, desde sons relaxantes a movimentos sob o corpo que ajudam a entrar num estado de espírito pacífico.

Além disso, o colchão preenchido com 90 almofadas inteligentes promete ajudar a reduzir os picos de pressão no corpo e monitoriza a qualidade do mesmo, incluindo, por exemplo, o tempo passado em sono REM ou profundo. A suite está equipada com vendas para os olhos e difusores de óleos essenciais.

De regresso a este lado do Atlântico, o The Cadogan Hotel, em Londres, contratou a hipnoterapeuta, coach holística e especialista em meditação Malminder Gill para criar um novo serviço de concierge do sono, com direito à gravação de uma meditação indutora de sono, cobertores pesados, um chá para dormir, uma fragrância para a almofada e um menu de almofadas, como no espaço de Coimbra.

E falando no Hästens, por lá também há uma coleção de conteúdos disponíveis, desde os 9 vídeos em que a doutora Edie Perry, especialista do sono, explica qual a postura mais correta para dormir, à app Restore, desenvolvida pela marca sueca, “com várias bandas sonoras que foram desenhadas para diferentes fins, sejam momentos de relaxamento, de acordar, de energizar ou de adormecer“, revela a responsável de marketing d’O Valor do Tempo.

Silêncio, que se vai dormir

A localização privilegiada do Sleep & Nature, rodeado de campos de olivais centenários no Monte do Vagar, garante por si mesma o grande trunfo do descanso que é o silêncio. No compatriota de Coimbra, bem no centro da cidade, a estratégia teve de ser outra.

“O hotel é exclusivo para hóspedes”, conta Sónia. “Não é possível qualquer pessoa chegar e subir ao rooftop para tomar uma bebida. Isso permite-nos garantir exclusividade. Queremos que os hóspedes se sintam numa bolha, em que tudo converge para lhes promover uma noite de sono de qualidade. Por outro lado, garante que não há momentos em que possam ser perturbados.”

Também no Zedwell, inaugurado em 2020 em Picadilly Circus, no coração de Londres, os quartos foram construídos com uma inovadora engenharia à prova de som, como “refúgios tranquilos” da azáfama da cidade. No Texas, o glamping de luxo StarStruck fica numa localização isolada, sem poluição sonora, perto do Parque Nacional de Big Bend.

Quantas noites são precisas para relaxar?

“Em termos do tratamento médico do sono, a estadia [ideal], para a maioria, será de uma a duas noites”, adianta Teresa Paiva, “mas algumas pessoas precisarão de uma a duas semanas.” Não existe uma fórmula ideal para o número de noites que são necessárias para tomar melhor partido do turismo do sono.

“Atualmente há a ideia razoavelmente falsa do one fits all e da existência de coisas ‘mágicas’ para fazer dormir”, continua a especialista, antes de referir o livro que se prepara para editar, “O Meu Sono e Eu: Mitos e Factos” (Horizonte), editado em março deste ano e à venda por 15,90 euros. “Fala em detalhe da variabilidade das necessidades de cada um, dos mitos que existem”, revela.

A responsável de marketing d’O Valor do Tempo recorda as três noites que passou nas camas Hästens (cujos preços podem atingir as dezenas de milhares de euros) durante a abertura do hotel em Coimbra. “Quando cheguei a casa, não conseguia dormir na minha própria cama. Entretanto já fiz as pazes com ela, mas aquela noite seguinte custou-me um bocadinho.” Também não tem um número de noites recomendado, mas, “pelo menos uma noite na vida, não deixem de experimentar uma cama” da marca sueca, que descreve como “dormir numa nuvem” em que “não se sente o peso do próprio corpo”.

Então talvez seja melhor não se passar demasiado tempo no Hästens Sleep Spa, porque não se volta a conseguir dormir na própria cama, brincamos. “Depois têm de se voltar a habituar”, ri-se Sónia.