Adolfo Mesquita Nunes, vice-presidente do CDS, apanhou boleia do Carpool do Observador no hotel onde ficou hospedado, na zona limítrofe de Lamego, até ao centro da cidade onde decorre o 27º Congresso do partido. Sofreu, porém, um contratempo. O carro estava ligado. As câmaras estavam montadas. Mas não foi possível fazer a emissão em direto no site e no facebook, por falta de rede. Em cerca de vinte minutos de viagem, o dirigente do CDS explica porque entende que o partido não está a mudar de matriz. E espera que o facto de ter assumido a sua orientação sexual não tenha qualquer relevância para o congresso: “Se nunca foi falado antes, também não será falado agora. Mas veremos. Nunca tive problemas em ser quem era e continuarei a não ter problemas em ser quem sou”.
[Veja no vídeo o Carpool com Adolfo Mesquita Nunes]
O que podemos esperar deste congresso? Isto é um CDS mais liberal, mais democrata-cristão, mais conservador ou mais pragmático como agora se tem dito com insistência?
O programa do CDS não está em causa. A base ideológica e programática do CDS é aceite por todos. É consensual. A trave-mestra é a democracia-cristã, aberta a conservadores e liberais. Do que se trata agora é de alargar a base eleitoral do CDS para que esse património ideológico possa dar origem a um programa de Governo. A ideologia não serve para estar na gaveta. Ou na prateleira.
Já defendeu que o CDS tem de cobrir uma área que vai da direita ao centro. Isto quer dizer que o CDS está a acompanhar a tendência do sistema político, que se está a encostar à esquerda? O próprio PSD está a encostar-se ao PS. O CDS está a encostar-se ao centro?
Não. O programa do CDS diz que o partido nasce para ocupar o espaço do centro e da direita, que é o seu espaço natural. Não estamos a fazer nada de novo. O programa do CDS é isso que diz. É isso que estamos a tentar cumprir. É evidente que, num partido que é a grande casa da direita, há pessoas que estão mais à direita, que estão mais no centro-direita, outras que se identificam mais com o centro… Mas cabemos cá todos. Temos em comum esta trave-mestra que é a democracia-cristã, aberta a conservadores e liberais. Não há, neste momento, qualquer repensar doutrinário ou ideológico. Do que se trata agora é tentar perceber a melhor forma de comunicar as nossas ideias para chegar às pessoas e vencer o preconceito que muitas pessoas ainda têm de votar no CDS.
[Veja no vídeo o best deste carpool]
Assunção Cristas teve um resultado inesperado em Lisboa, mesmo para os mais otimistas. O que é que mudou nestes dois anos em que Paulo Portas não esteve na liderança do partido? Houve uma abertura a pessoas que jamais votariam em Paulo Portas?
Terá de perguntar às pessoas. Não faço ideia. Aquilo que sinto é que o CDS, com uma nova liderança, ganha uma energia nova, que é confirmada com o resultado em Lisboa, mas que não se fica por aí. A partir de 2009, o CDS começou a crescer eleitoralmente. Superámos a barreira dos dois dígitos. Depois passámos para quase 12%. Aquilo que Assunção Cristas está a fazer é dar uma nova energia e um novo impulso a esse movimento de abertura do CDS.
Filipe Lobo d’Ávila fazia essa crítica, de um partido muito centrado na líder. Era a mesma crítica que se fazia a Paulo Portas. O CDS continua a precisar de viver à custa de um líder?
Todos os partidos têm na sua liderança uma imagem de marca que não esgota o partido, mas que é muito relevante para o partido. Já achava injusta a crítica [de um partido dependente da imagem do líder] quando era Paulo Portas o presidente e continuo a achar injusta. Acho que o CDS tem um quadro de dirigentes bastante grande e renovado que os portugueses conhecem.
Sim, mas essa direção era a mesma de Paulo Portas.
Isso não é verdade. Com Assunção Cristas entrou muita gente nova, que não estava na direção de Paulo Portas. Além disso, neste Congresso, vamos assistir a essa renovação.
Vai haver nomes novos?
Claro.
Podemos saber quem são?
Não. Só amanhã.
Qual é a fasquia para as eleições europeias e legislativas? Já há uns bons anos que o CDS não se apresenta sozinho às eleições…
Vamos lá ver: o CDS tem-se apresentado sempre sozinho a eleições. As únicas alturas em que não o fez foi num contexto de coligação de governo.
Repare: o CDS não vai a votos sozinho desde 2011.
Essa pergunta parece presumir que o CDS anda a fugir de eleições e é exatamente o contrário. É essa a mensagem que estamos a passar: o CDS quer ir sozinho a eleições porque tem a convicção de que, sozinho, pode ajudar o centro-direta a crescer. No caso das eleições europeias vamos deixar que Assunção Cristas apresente um candidato.
Se o resultado ficar abaixo das eleições a que concorreram sozinhos, pode considerar-se isso uma derrota?
Temos que esperar para saber quem são os candidatos, como se apresentam e saber o contexto dessas eleições. Agora, há uma convicção que tenho — que temos: é de que o CDS vai ter um extraordinário candidato e tem condições de se afirmar eleitoralmente porque tem um discurso próprio em matéria europeia diferente dos outros partidos, mesmo diferente do PSD. O que, aliás, é normal e natural. Os partidos não são todos iguais.
Pertencem ambos ao Partido Popular Europeu.
Dentro do PPE há pessoas que pensam de forma distinta.
Com o PSD a encostar-se mais à esquerda, isso dá mais margem ao CDS para competir no eleitorado de direita?
Resisto muito a fazer análises com base nessa ideia de que o PSD está a encostar-se à esquerda. Isso são os jornalistas e os analistas que dizem.
É o próprio líder do partido que diz que o PSD é de centro esquerda.
O CDS não tem qualquer problema em afirmar-se no sítio em que está. É um partido que está a ocupar o centro e a direita em Portugal. Não temos qualquer problema com isso, sabemos onde estamos. Relativamente ao PSD, temos de dar tempo ao presidente do PSD de mostrar a sua estratégia política. Seria profundamente injusto estar a fazer análises com aquilo que os jornalistas e analistas consideram que é uma aproximação do PSD à esquerda.
O vosso trabalho no partido também é fazer análise política.
É verdade. Mas, se quiserem fazer análise política, paguem-me. Contratem-me, que passarei a fazer, mas saio de vice-presidente do CDS para poder fazê-lo. É evidente que o PSD é o partido que histórica e politicamente está mais próximo do CDS e com quem o CDS encontra as afinidades suficientes e necessárias para poder apresentar projetos de Governo aos portugueses, se necessário for fazer uma coligação pós-eleitoral e, como já aconteceu também, pré-eleitoral.
Que motivos vê para aquilo que Rui Rio disse depois do encontro com Assunção Cristas, equiparando o CDS ao PS?
Estamos no congresso do CDS e é para falar do CDS. E o CDS está onde entende que deve estar. Se o PSD estivesse no mesmo sítio em que nós estamos, não fazia sentido existirem dois partidos distintos. É normal que o PSD esteja num sítio diferente do nosso. Estamos no centro e na direita e não tenho qualquer preconceito ideológico em relação a isso. É natural que o PSD esteja mais à esquerda que nós. É suposto, aliás. Mas não estamos mais próximos do PS e entendemos que esta aproximação do PS a trotskistas e comunistas não é circunstancial, ela é desejada, é voluntária, é programática.
Raul Almeida, ex-deputado de uma ala mais conservadora, escreveu um artigo no Observador em que dizia que o futuro do CDS ia definir-se entre duas linhas e duas pessoas: Adolfo Mesquita Nunes e Francisco Rodrigues dos Santos, líder da Juventude Popular. O Adolfo numa linha mais liberal, mais cosmopolita, e o Francisco numa direita mais conservadora e tradicional. É assim que o partido se divide hoje? Vê-se nessa bipolarização no futuro?
Não. Para já, devo dizer que sou bastante amigo do Raul Almeida e que isso poderá explicar parte das palavras que ele me dirige e é uma pessoa por quem tenho uma amizade grande. A crítica que vou fazer à ideia dele é política e não pessoal. Não há no CDS duas linhas, uma mais liberal e urbana, outra mais conservadora e ultramontana ou rural. Para já, fui candidato à Câmara da Covilhã, que não é propriamente um aglomerado cosmopolita urbano e tive o melhor resultado em 40 anos, o que significa que, se calhar, a visão que algumas pessoas têm do interior está errada.
Mas há duas linhas claramente diferentes, uma mais liberal e outra mais conservadora.
Não existem duas linhas autónomas, distintas. São sensibilidades diferentes, que sempre conviveram com todas as lideranças. E o CDS é fruto disso e filho disso. Há uma conclusão que o Raul retira e de que eu discordo, que é a de que o CDS vai ter de optar por uma delas. Essa escolha não existe porque cabemos cá todos. E é isso que faz a riqueza do CDS. Além disso, há muitas matérias em que eu e o Francisco estamos próximos. Não nos vemos como estando em linhas nem em partidos diferentes. É por isso que não concordo com aquilo que o Raul diz. E tenho uma amizade pelo Francisco, apesar de pensarmos de maneira diferente sobre algumas coisas. Nunca houve falta de aceitação mútua. Pelo contrário, houve sempre respeito e admiração.
Espera que no congresso possa haver algum comentário de uma ala mais conservadora à questão da sua opção sexual, que expôs em público?
Em primeiro lugar, não é uma opção. Só para esclarecer o conceito, porque os conceitos têm relevância. Sou a mesma pessoa que sempre fui, tenho a vida que sempre tive e, portanto, se nunca foi falado antes, também não será falado agora. Mas veremos. Nunca tive problemas em ser quem era e continuarei a não ter problemas em ser quem sou.
Que expectativas tem relativamente aos críticos? Uma liderança precisa de críticos, não pode viver só de elogios.
Há críticas à liderança da Assunção, e ainda bem que há porque o partido também aprende, cresce, discute com as críticas.
Que críticas podia fazer à liderança de que faz parte para melhorá-la?
Essas críticas, faço-as no sítio certo. Não aqui, em direto, perante os leitores do Observador. Devo dizer que nós próprios sentimos que estamos a melhorar, o que significa que estamos a fazer um trabalho crítico sobre aquilo que estamos a fazer. Este sinal de ambição, mas ao mesmo tempo de humildade, de saber onde estamos e onde queremos chegar e saber que o trabalho é difícil e árduo e que nos custa mais que aos partidos maiores a conquistar votos, mas que podemos e que devemos fazê-lo, acho que é um esforço que requer muita análise crítica. Não somos imunes a ela.