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As carrinhas que levavam e traziam militantes
A história de como uma carrinha Toyota verde aparece a transportar militantes para votarem nas eleições internas do PSD/Lisboa é um retrato quase perfeito do caciquismo que controla os partidos. A carrinha está registada em nome de uma empresa de eletricidade e telecomunicações de Famões. O gerente da empresa é militante do PSD, mas nem foi votar neste dia e remeteu explicações para o irmão, Bruno Carneiro.
Bruno Carneiro foi votar, mas não na carrinha verde da sua empresa. Contou ao Observador que foi abordado há um ano por um amigo e vizinho, que lhe pediu para ser militante do PSD: “Disse que só tinha de preencher um papel e assinar. E que não tinha de pagar as quotas, porque alguém tratava disso”. Bruno Carneiro até aprecia a ideologia do PSD, mas não podia ser mais indiferente às guerras internas do partido. Mesmo assim, e uma vez que não teria custos, ajudou o amigo e inscreveu também como militantes a sua mulher, a sua mãe e o seu irmão.
Dias antes destas eleições no PSD/Lisboa, que se realizaram no Hotel Sana a 1 de julho, um sábado, ao fim da tarde e noite, o amigo perguntou a Bruno Carneiro se lhe emprestava a carrinha da empresa, uma Toyota Hiace verde com nove lugares, porque ia precisar de transportar umas pessoas. “Como era fim de semana e não ia precisar da carrinha, emprestei”, justifica. Não lhe pediram só a carrinha. Através desse amigo, uma pessoa que não conhece abordou-o também para ir votar. “É tudo uma máfia. Eu nem sei em quem votei. Foi por indicação. Pediram-me para votar e eu fui lá”.
Foi lá, ao Hotel Sana, acompanhado pela mulher e pela mãe pelas 21h. Encontrou o amigo à porta do hotel com a carrinha, entrou no hall e foi logo abordado por uma pessoa desconhecida que lhe perguntou se ia votar na lista A, de Pedro Pinto. Bruno Carneiro respondeu que ia ter com outra pessoa. “Chegou essa outra pessoa que sabia que eu ia lá estar a essa hora. Foram ter comigo à porta principal, para me indicarem a mesa de voto. No elevador, disseram-me onde devia votar”. Foi um homem mais velho, que não conseguiu identificar. Ficou com a ideia de que lhe indicaram uma lista — a J ou a L, diz ao Observador. Mas J não havia. E a L era a lista de Nuno Morais Sarmento, promovida pela fação de Rodrigo Gonçalves, um dos maiores caciques do PSD em Lisboa, que controla indiretamente 600 a 800 votos.
Mas Bruno Carneiro diz que nem conhece estas pessoas. E não é o único, pelo que percebeu quando foi ao Hotel Sana: “Sou bom observador e, pelo tipo de pessoas e pelo tipo de reacção que tinham, pareciam-me quase todas deslocadas do ambiente. Estavam ali quase todas da mesma forma que eu estive: não têm nada a ver com aquilo”.
Bruno Carneiro deu ao Observador o contacto do amigo a quem emprestou a carrinha, André Cabral. Mas foi o próprio militante condutor quem contactou o jornalista do Observador logo a seguir por telemóvel, depois de ter sido avisado.
À pergunta sobre a quantidade de pessoas que tinha transportado na carrinha verde, André Cabral respondeu: “Cinco”. Informado de que o Observador tinha imagens suas a transportar muito mais pessoas, admitiu que tinha ido buscar mais alguns militantes ao metropolitano, a várias estações.
Que militantes? Conhecia-os? Como é que eles o identificavam? “Através de uma app. Quem queria boleia inscrevia-se”. Esta resposta é, no mínimo, surpreendente. Ninguém mais confirmou ao Observador a existência de qualquer aplicação para transportar os militantes às eleições do PSD – e seria até algo bizarro. Como é que se chamava a app? “Não vou dizer, foi criada só para aquele dia, foi revelada aos militantes e foi desactivada no dia seguinte.”
Caciques. Uma dentadura por votos e outros esquemas nas lutas internas do PS e do PSD
André Cabral afirma que não conhecia os militantes que transportou, mas garante que trabalhou por altruísmo: “Foi um serviço à comunidade, para ajudar as pessoas. Entravam independentemente da lista em que votavam. Quis prestar este serviço em voluntariado, para ajudar as pessoas e defender o PSD”. Não quis dizer que lista apoiou: “O voto é secreto”.
André Cabral também começou por rejeitar qualquer pagamento das quotas de outros militantes, fazendo a comparação com os sócios dos clubes de futebol. Confrontado pelo Observador com as afirmações do amigo que lhe emprestou a carrinha, e que recordou que lhe disseram que alguém pagaria as suas quotas, mudou a versão: “Se calhar, como ele me emprestou a carrinha, paguei as quotas por ele, em vez de ele me cobrar”.
Pagamento massivo de quotas e transporte de militantes que não iriam votar espontaneamente são duas das práticas habitualmente associadas aos caciques mais empenhados nas ferozes lutas de poder dentro dos partidos. Mas, naquela tarde de 1 de julho em que o PSD/Lisboa foi a votos, não havia provavelmente família mais simpática em todo o Hotel Sana, hóspedes incluídos, do que a família Gonçalves.
O pai, Daniel Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, fazia lembrar um mordomo refinado à porta do hotel onde funcionavam as urnas de voto, na Avenida Fontes Pereira de Melo. Com o seu blazer azul-claro, cumprimentava com simpatia centenas de votantes à entrada e agradecia-lhes a participação na votação à saída. Muitos deles chegavam em carrinhas conduzidas por homens da sua confiança — identificados pelo Observador — que fizeram diversas viagens ao longo do dia para “descarregarem” os militantes com estas instruções: votar na Lista L no papelinho azul e votar em branco nos outros quatro boletins de voto de outras cores.
Em causa estavam as eleições para a Distrital de Lisboa do PSD. O deputado Pedro Pinto, alinhado com Pedro Passos Coelho, era o único candidato à liderança. Mas, com uma guerra em curso na concelhia, a fação anti-passista precisava de fazer uma demonstração de força ao levar a votos na mesa de Lisboa uma lista para os delegados à Assembleia Distrital de militantes. Era a Lista L.
O líder desse movimento era o filho de Daniel, Rodrigo Gonçalves — o cacique de Lisboa que controla mais votos — e que estava dois pisos abaixo, mesmo à porta da sala de votações, e agia como se fosse um mestre de cerimónias. Era quase impossível um militante não ser cumprimentado por ele antes de votar, ou não receber ajuda (mesmo que não a pedisse) para identificar a respectiva mesa de voto. Neste acto eleitoral, o ambiente na sala onde decorriam as votações era muito diferente das mesas de voto a que estamos habituados nas eleições nacionais. Este é outro mundo: há candidatos dentro da sala onde estão as urnas e a sua presença é um prolongamento da campanha.
Pedro Pinto, o candidato a líder da distrital, terá dito várias vezes a Rodrigo Gonçalves que não devia estar ali, naquela zona tão próxima das votações, e que o seu comportamento era “inaceitável”. Aquela permanência do lado de dentro da porta estava a ser vista como uma forma indireta de pressão sobre os votantes. Rodrigo Gonçalves diz ao Observador que estava a “cumprimentar militantes” e não a “abordar” as pessoas. “Cumprimento sempre toda a gente em todas as eleições, e as pessoas vêm ter comigo”, justifica.
[Neste vídeo publicado no Facebook por um militante do PSD, pode ver-se Rodrigo Gonçalves a cumprimentar os militantes que chegam à sala onde estão as urnas de voto. Pedro Pinto está ao seu lado]
Os notáveis do PSD que estavam do lado de Rodrigo Gonçalves (e contra o líder do partido, Pedro Passos Coelho) tinham direito a acompanhamento VIP, desde a entrada no hotel até à mesa de voto, dentro da sala, e depois no regresso. Enquanto votava Nuno Morais Sarmento, o cabeça da lista da oposição interna, Rodrigo Gonçalves afastou-se dele por breves instantes para ser simpático com o Observador: “Então, estão a conseguir tudo para fazerem o vosso trabalho?”.
O Observador estava a seguir a eleição com três câmaras e três jornalistas, de modo a identificar a forma de operar dos caciques do PSD. Tinha uma equipa dentro do Hotel Sana e outras duas a filmar as manobras de bastidores: uma câmara estava instalada na janela do quarto 211 do Hotel Eduardo VII, em frente ao Sana, na Avenida Fontes Pereira de Melo; a outra estava voltada para o largo que fica nas traseiras daquela unidade hoteleira, na janela do quarto 101 do Hotel Sana Capitol (outra unidade do Sana), e que captava imagens dos acontecimentos na porta de trás, a mais próxima da sala onde decorriam as votações.
Toda a simpatia da família Gonçalves era importante na luta que travavam pela afirmação política nesta luta interna do PSD, depois de terem sido varridos das listas de candidatos às autárquicas pela liderança distrital do PSD. Quando se diz que Rodrigo Gonçalves é um cacique que controla os votos de cerca de 600 militantes, não é só por os conhecer a todos pelo nome, por saber das suas vidas e por fazer marcação cerrada a monitorizar quem aparece e quem falha num momento decisivo como este. É também por criar todas as condições para que os “seus” militantes compareçam: Luís Saldanha, ex-candidato do PSD à Junta de Freguesia de Marvila, andou toda a tarde e toda a noite a conduzir uma carrinha Seat cinzenta que descarregava militantes à porta do hotel e os recolhia depois de votarem, para os transportar de volta ao local onde vivem.
Segundo a documentação consultada pelo Observador na Conservatória do Registo Automóvel, esta carrinha pertence ao próprio Rodrigo Gonçalves, que depois confirmou esse facto ao Observador. Ao longo das seis horas em que decorreram as votações, Luís Saldanha, o condutor — que também fazia parte da Lista L para os delegados à Assembleia Distrital — estabeleceu contacto, várias vezes, com o pai de Rodrigo, Daniel Gonçalves, e com o pastor evangélico Ismael Ferreira, ex-líder da extinta secção Oriental de Lisboa e cacique bem conhecido pelos sociais-democratas na capital. Enquanto conversava com aqueles dois dirigentes, Luís Saldanha marcava nomes numa lista dos militantes já transportados e por transportar.
Contactado pelo Observador, Luís Saldanha começou por dizer que estava junto ao Sana apenas como eleitor. Não explicou logo porque é que andava a transportar militantes na carrinha de Rodrigo Gonçalves, remetendo esclarecimentos para mais tarde, quando saísse do trabalho. Horas depois, confirmou que tinha pedido o carro emprestado a Rodrigo Gonçalves porque a sua viatura BMW tinha feito a revisão e estava já preparada para uma viagem ao Algarve no dia seguinte. Luís Saldanha admitiu ter ido a Marvila três vezes para recolher uns 12 ou 13 militantes.
“Todos votaram na lista L [de Morais Sarmento e Rodrigo Gonçalves]. Nem fazia sentido andar a transportar pessoas para votarem noutra lista. Mas dois deles votaram em Pedro Pinto para a liderança da distrital”. Ou seja, não votaram em branco, ao contrário do que terá feito a maioria dos apoiantes da lista L.
Luís Saldanha admitiu que esteve em contacto com Daniel Gonçalves e Ismael Ferreira, mas rejeitou que tivesse feito qualquer articulação dos transportes. Apenas tinha uma lista dos militantes que ia transportar e ia riscando os seus nomes.
Questionado pelo Observador sobre que participação teve na organização do transporte dos militantes, Daniel Gonçalves respondeu por SMS: “Nenhuma!!!” Também negou ao Observador ter-se articulado com os motoristas das várias carrinhas identificadas pelas câmaras.
Outra carrinha que esteve a descarregar e a recolher militantes junto à porta das traseiras do Sana foi uma Citroën azul escura, conduzida por Carlos Nunes, funcionário da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, presidida, precisamente, por Daniel Gonçalves, e também membro da Lista L encabeçada por Nuno Morais Sarmento.
A forma de funcionamento das duas viaturas era idêntica: chegavam junto à porta das traseiras do Sana cheias de passageiros e os condutores deixavam-nas estacionadas em segunda fila. Ficavam normalmente à espera cerca de 20 minutos, enquanto os militantes votavam, e depois encaminhavam-nos de novo para os carros, para serem transportados de regresso ao local onde tinham sido recolhidos.
Apesar de ter começado por negar ao Observador que tivesse alguém a “trabalhar” para si no transporte de militantes, depois de confrontado com a propriedade da carrinha Seat Rodrigo Gonçalves admitiria pelo menos a utilização de duas viaturas, conduzidas por elementos “que fazem parte da lista, para levar e trazer filiados”. O presidente interino da concelhia de Lisboa diria ainda que não contratou ninguém para o efeito, mas reconheceu ao Observador ter garantido o transporte de “pessoas que eventualmente não tenham carro ou forma de se deslocarem” à zona onde decorria o escrutínio.
Num tom mais irritado durante a conversa, questionou: “As pessoas nos seus carros pessoais não podem ir buscar pessoas? Isso é caciquismo? É o meu próprio carro: faço com ele o que quiser. É o meu carro pessoal que vai buscar as pessoas que for preciso”, afirmou ao Observador.
Em vários casos testemunhados pelo Observador, alguns dos passageiros que se deslocaram nas duas carrinhas relacionadas com Rodrigo Gonçalves falavam uns com os outros como se não se conhecessem entre si. Já os condutores, pelo contrário, foram filmados a falar um com o outro. Luís Saldanha garante que não era sobre os transportes. Carlos Nunes não respondeu a um pedido de contacto feito para a junta de freguesia.
Os lugares nos carros eram distribuídos conforme a ordem de saída: “Vocês saem primeiro”, disse um dos condutores a duas passageiras antes de entrarem nas carrinhas. Alguns dos militantes manifestavam expressões de surpresa quando entravam na viatura (“ai, uma destas é que eu devia comprar”), confirmando que não era habitual deslocarem-se naquele automóvel noutras circunstâncias.
Estes detalhes desvendam a forma de funcionamento das máquinas partidárias das fações concorrentes no concelho de Lisboa, tendo em vista um objectivo decisivo: levar o maior número possível de militantes a votar nestas eleições internas, para fazer uma demonstração de força o mais vigorosa possível. O Observador sabe que houve muitos carros envolvidos no transporte de militantes de ambos os lados, segundo relatos de dirigentes das duas partes em confronto — um deles contou que o seu automóvel também estava ao serviço nesse dia –, mas não foi possível detetar todas as movimentações nem todas as repetições de viaturas, porque nem todos paravam em frente ao hotel. Mais: fontes de ambos os lados, em declarações ao Observador, acusam os rivais de terem utilizado autocarros para transporte de militantes arrebanhados, mas ninguém assume tê-los visto. O Observador filmou as entradas do hotel durante as seis horas das votações e não registou a chegada de autocarros num raio próximo da unidade onde decorriam as votações.
A importância desta eleição. Porque está o PSD de Lisboa em guerra?
Nestas eleições, havia apenas um candidato a presidente da Distrital lisboeta do PSD: Pedro Pinto, deputado, apoiante de Pedro Passos Coelho, numa linha de continuidade da anterior direção de Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais. Ou seja: nem sequer estava em causa uma disputa pela liderança da estrutura. Ninguém quis fazer frente ao homem que era ao mesmo tempo candidato a líder e presidente da Mesa da Assembleia Distrital, o órgão responsável pelo ato eleitoral.
Mas havia muito mais em jogo do que a liderança do distrito. Com o PSD no concelho de Lisboa em guerra interna aguda, ao mesmo tempo que se aproximam as autárquicas, estas eleições serviam dois objetivos: um objetivo local, onde Rodrigo Gonçalves fazia prova de força para mostrar que a concelhia será sua quando houver eleições; e um objetivo nacional, onde já se se prepara o confronto entre Pedro Passos Coelho e um challenger que pode ser Rui Rio.
A guerra na concelhia lisboeta — que está há anos sujeita aos equilíbrios de fações desavindas — acentuou-se com o recuo de Pedro Santana Lopes em relação a uma candidatura à câmara de Lisboa e desenvolveu-se com a forma como Teresa Leal Coelho foi imposta à concelhia. Isso levou à demissão de Mauro Xavier de líder do PSD/Lisboa e à ascensão de Rodrigo Gonçalves a presidente interino da estrutura, por ser o primeiro vice-presidente da comissão política. Mas não de forma pacífica.
Rodrigo Gonçalves não tem maioria na sua própria comissão política concelhia e viu o órgão que encabeça chumbar todos os candidatos a juntas de freguesia que apresentou. Pior: a distrital vetou depois o nome do seu pai, Daniel Gonçalves, como candidato à junta das Avenidas Novas, usando como justificação uma investigação do Observador sobre um conjunto de adjudicações suspeitas naquela freguesia (e na junta de São Domingos de Benfica, que tinha sido presidida por Rodrigo Gonçalves). Daniel Gonçalves foi o único dos cinco presidentes de junta do PSD que não foi escolhido para se recandidatar. “Dia 1 de Outubro veremos se foi a melhor opção”, comentou Daniel Gonçalves ao Observador, numa resposta por escrito.
Os acontecimentos seguintes levaram a família Gonçalves a sentir necessidade de fazer uma prova de força em Lisboa. Rodrigo Gonçalves tem pedido com insistência eleições para a concelhia. Os membros da comissão política a que preside chegaram a aprovar o seu afastamento como interino numa votação que ele perdeu por 10-4, mas os estatutos dizem que só a assembleia de militantes tem capacidade para o destituir. Entretanto, Miguel Pinto Luz, presidente da Distrital do PSD, convocou eleições antecipadas, contrariando uma recomendação do Conselho Nacional do partido para não haver disputas internas antes das autárquicas. Pedro Pinto, como presidente da Mesa, convocou as eleições ao mesmo tempo que avançou como candidato a presidente da distrital. Mas não aceitou convocar eleições para a concelhia e manteve a liderança da secção de Lisboa no limbo. Isto foi visto pelo setor rival do partido anti-Passos Coelho como “uma golpada”.
O ambiente de guerrilha instalado levou mesmo Rodrigo Gonçalves a dizer que Passos Coelho estava a seguir “uma linha estalinista” por causa das purgas nas listas autárquicas que o incluíam a si, ao seu pai e aos seus apoiantes. Sem capacidade para ter um candidato vencedor à distrital, Gonçalves passou ao ataque com a promoção de uma lista para um órgão secundário — os delegados à Assembleia Distrital — e convenceu Nuno Morais Sarmento a encabeçar a Lista L, que se posicionava como crítica do líder do PSD e lançava sementes políticas para um futuro próximo. Pela primeira vez, Rodrigo Gonçalves teve a seu lado os notáveis. Manuela Ferreira Leite aceitou ser a primeira subscritora da Lista L. Para mostrar influência e posicionar-se na disputa nacional que se avizinha, Gonçalves organizou um jantar dez dias antes da eleição com Rui Rio, que falou para centenas de militantes lisboetas. O jantar decorreu à porta fechada, por se ter realizado poucos dias depois da tragédia de Pedrógão Grande.
Uma operação de sucesso. Gonçalves com mais votos que nunca
A operação correu bem a Rodrigo Gonçalves. Nas eleições internas de 1 de julho, fez a sua demonstração de força, que se mede por dois resultados. Primeiro: a Lista L, encabeçada por Morais Sarmento, ganhou por 801 votos, contra 597 da Lista A, afeta a Pedro Pinto. Isto significa que Gonçalves conseguiu o que pretendia: mostrar que, quando a concelhia for a votos, ele tem uma vantagem de duzentos votos em relação às fações rivais, se conseguir o mesmo grau de mobilização.
Segundo resultado: enfraqueceu a vitória de Pedro Pinto, que ficou atrás da soma dos votos brancos e nulos. Nos boletins para a comissão política distrital, Pedro Pinto obteve 702 votos expressos, contra 740 brancos e nulos.
Aqui está uma das chaves para se perceber que houve centenas de votos fruto de cacicagem e do transporte dos militantes para votarem com instruções claras dadas pelos dirigentes: no boletim para a comissão política distrital, era suposto os militantes afetos à Lista L votarem branco ou nulo. Fontes que estiveram nas mesas de escrutínio dizem ao Observador que havia filiados a pedir só o boletim azul — para votarem nas listas para os delegados — e que por vezes diziam nem querer receber os restantes papéis: para escolher o presidente da Comissão Política Distrital, a Mesa da Assembleia, o Conselho de Jurisdição, e a Comissão de Auditoria, cada papel com a sua cor. As mesmas fontes suspeitam que muitos “inscritos” no PSD estavam instruídos para votar apenas na Lista L e para votar em branco em tudo o resto.
Rodrigo Gonçalves não reconheceu ao Observador que existissem instruções dadas aos militantes no sentido de votarem branco ou nulo. “Há um descontentamento enorme em Lisboa que é maioritário e isso ficou claro com os brancos e nulos”, afirmou o dirigente. “Apresentámo-nos a uma eleição [para os delegados à Assembleia Distrital] não a outra. Só devíamos falar do projeto onde estamos”, acrescentou, para argumentar que não apelou ao voto em branco.
O nível de votação conseguido pela Lista L confirma que a influência de Rodrigo Gonçalves está a crescer, embora haja aqui um efeito de arrastamento pelo nome de notáveis como Morais Sarmento. Nas eleições de 2011 para a distrital, em que havia uma disputa entre quatro fações, a lista de Gonçalves venceu a disputa pelos delegados distritais com 30% dos votos, o que correspondeu à mobilização de 511 militantes. Em 2013, noutra disputa entre quatro listas para a mesma assembleia, a percentagem subiu para 40% e 535 votos de militantes. Na votação para a lista de delegados ao congresso do PSD em abril de 2016, cresceu a força da fação que tem o Núcleo Central como sua base de poder: num concurso entre seis listas, teve 726 votos, o que correspondeu a 51% dos militantes do PSD que foram votar. Agora, o número de militantes alinhado com a família Gonçalves subiu para 801.
Os números das votações demonstram outro facto que se repete sucessivamente nas eleições internas dos partidos, um fenómeno que não é exclusivo do PSD (passa-se o mesmo no PS): a baixa participação dos filiados com quotas pagas nas eleições internas, e o pagamento massivo de quotas. Dos 3.588 inscritos que constavam dos cadernos eleitorais no concelho de Lisboa, apenas 1.442 (40,1%) foram votar ao Hotel Sana. Isto indicia uma prática habitual a que recorrem os caciques de todas as fações: o pagamento massivo de quotas a todos os militantes da sua influência, para estarem aptos a votar na data das eleições. Os caciques pagam as quotas ao máximo de filiados, mas como uma grande parte dos que constam dos cadernos eleitorais são inscritos que foram arrebanhados e não são verdadeiros militantes interessados na vida política do país e do partido, acabam por se abster. Por isso é que estes “cabos eleitorais” têm de promover transportes para o máximo de militantes, têm de fazer um esforço para levar as pessoas às urnas de voto, e garantir a maior participação possível dos votantes do seu lado. Um militante que paga a quota voluntariamente e depois não vota numa eleição determinante para o partido, é um militante que faz pouco sentido.
Foi a este tipo de esforço de levar o máximo de militantes a votar que o Observador assistiu no dia 1 de julho.
Quem são os personagens principais e como estavam a operar
Ao fim da tarde, um acontecimento inesperado obrigou a vários contactos entre os caciques: o trânsito na Avenida Fontes Pereira de Melo foi cortado durante quase duas horas por causa da corrida do Sporting. Ismael Ferreira foi informado por um dos ajudantes da sua fação de que agora tinham de “descarregar” (foi o termo usado) as pessoas na parte de trás do hotel.
Ismael Ferreira — que passou as seis horas de votações a controlar militantes e que se manteve à porta do hotel mesmo quando a avenida estava fechada e não havia ninguém a entrar por ali — é um velho cacique do PSD de Lisboa. Liderou a secção Oriental antes da extinção das nove secções e da criação dos três núcleos e da concelhia. Embora agora lhe atribuam menos poder e influência — em número de votantes — do que tinha em 2009, quando foi acusado por militantes do PSD de comprar votos, foi fundamental na manobra da família Gonçalves.
Há oito anos, quando foi apontado por alegadamente pagar votos a 20 euros ou 25 euros a militantes inscritos nos bairros sociais, chegou a reconhecer à revista Sábado: “Podem ter visto uma coisa pontualíssima de alguém que sai de um táxi a quem se prometeu um pagamento do transporte.” Na sequência da notícia sobre o pagamento a militantes, acusou o jornalista que assinava a peça de ter oferecido dinheiro a fontes em troca de informações. Fez queixas em três entidades reguladoras e todas elas ilibaram o jornalista (Vítor Matos, um dos co-autores deste artigo que está a ler). Em 2016, Ismael Ferreira acabou por reconhecer, no âmbito de um acordo judicial para não ir a julgamento por difamação, que o que tinha afirmado não era verdade.
Entretanto, tornou-se pastor evangélico e perdeu parte do seu antigo poder de mobilização ao separar-se de outros antigos aliados. A articulação com Rodrigo e Daniel Gonçalves foi vista no partido como consolidada em 2013, quando Ismael Ferreira recebeu uma avença da Junta de Freguesia das Avenidas Novas no valor de 5,4 mil euros para, como licenciado em Sociologia, fazer o “desenvolvimento do diagnóstico social do bairro do Rego no âmbito do projeto da sala de estudo/banco de livros”, em nove meses, segundo consta no portal base.gov. Ismael Ferreira, apesar de contactado pelo Observador, desligou o telefone assim que percebeu que do outro lado estava um jornalista. Não voltou a atender e não respondeu à mensagem escrita que lhe foi enviada.
A família Gonçalves tem um longo currículo e experiência na angariação de votos em Lisboa. Ao longo dos anos, as juntas de freguesia têm sido o pólo de poder que lhes permite manter um número significativo de militantes. Várias fontes, sob anonimato, relatam que, para manterem as avenças nas juntas controladas pela família — primeiro em São Domingos de Benfica e agora nas Avenidas Novas –, têm de arranjar novos militantes que devem levar a votar quando há eleições internas no PSD.
O primeiro escândalo relacionado com a Secção A, onde Rodrigo Gonçalves já era o principal cacique — embora o líder fosse Sérgio Lipari –, rebentou em 2003, por causa de uma forma demasiado criativa de atrair novos militantes no bairro da Boavista. O isco eram senhas para estadias num hotel do Algarve, em Albufeira, disponibilizadas pelo Montepio Comercial e Industrial, onde Daniel Gonçalves tinha funções de gestão. Uma moradora denunciou o caso numa sessão da Assembleia Municipal de Lisboa: Anabela de Jesus Leonardo, jurista e também autarca do PSD, queixou-se de ter sido agredida por Daniel Gonçalves e pela mulher na sequência das denúncias, mas o casal não foi condenado em tribunal, que decidiu in dubio pro reo (quando há dúvidas decide-se a favor do réu).
Os Gonçalves cultivavam os métodos básicos de arrebanhamento: em 2007, os membros da família tinham, nas suas casas, oito militantes inscritos numa morada, dez noutra e 15 numa terceira. Em 2015, Rodrigo e Daniel foram julgados pelo crime de corrupção passiva para ato ilícito por factos ocorridos na junta de São Domingos de Benfica, mas acabaram por ser absolvidos por não ser possível provar a acusação. Outro réu, que seria uma testemunha essencial, tinha fugido para o estrangeiro e não compareceu em tribunal: esse foi condenado a quatro anos de prisão. Rodrigo Gonçalves seria mais tarde condenado em tribunal, mas por uma agressão levada a cabo em 2009 contra Domingos Pires, um autarca do PSD de 71 anos, que presidia à junta de Benfica. Pedro Reis, entretanto presidente do Núcleo Central do PSD, foi igualmente condenado por essa agressão. O Tribunal da Relação confirmou a decisão depois de Gonçalves recorrer.
O último caso sobre os Gonçalves a dar que falar teve a ver com uma investigação do Observador. Quando era presidente da junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, no verão de 2013, Rodrigo cancelou seis contratos com empresas de militantes do PSD e no dia seguinte voltou a firmar novos contratos, com outros prazos, com as mesmas seis sociedades. Isto aconteceu exatamente na véspera de abandonar a gestão da junta e de começar a trabalhar no gabinete do secretário de Estado do Emprego, em 2013. Os referidos contratos só seriam publicados no portal base.gov depois das eleições autárquicas de 2013 (em que Daniel Gonçalves foi eleito presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas). A presidente da junta que substituiu Rodrigo Gonçalves em São Domingos de Benfica havia de cancelar os contratos com essas empresas contra um parecer dos serviços quando já estava em gestão — após as eleições autárquicas. Cinco dessas firmas seriam contratadas por Daniel Gonçalves poucos meses depois nas Avenidas Novas.
Quem são os caciques do lado do Pedro Pinto
Nas traseiras do hotel, os caciques que apoiavam a fação da linha oficial da distrital e que trabalhavam para ajudar Pedro Pinto movimentaram-se desde a abertura das urnas. Nuno Firmo controlava as operações: é o líder do Núcleo Ocidental de Lisboa, onde as figuras mais influentes são o autarca Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, e o deputado Sérgio Azevedo. Nuno Firmo era vogal da comissão política na lista de Pedro Pinto, e é especialista no controlo de votações desde que era dirigente da JSD.
Nuno Firmo falava ao telefone, tinha sempre um papel com uma listagem na mão e estava acompanhado por Carlos Martins, um amigo dos tempos da JSD (Carlos Martins não respondeu aos contactos do Observador). Em 2012, vários estudantes do ISEG acusaram-nos de promoverem a falsificação de fichas de militantes da “jota” a partir da faculdade, para votarem em 2010 na antiga Secção I, liderada por Sérgio Azevedo, nas diretas que elegeram Pedro Passos Coelho. O Ministério Público chegou a abrir uma investigação por suspeitas do crime de falsificação, mas o caso foi arquivado em outubro de 2015: não foi possível “apurar com a necessária certeza indiciária a intervenção dos arguidos nos factos denunciados”, pode ler-se no despacho de arquivamento.
O deputado Sérgio Azevedo diz ao Observador que “é normal fazer militantes e levá-los a votar.” Para o dirigente social-democrata, “não há ali nenhuma atividade diferente do que se passa em qualquer eleição partidária: as pessoas têm amigos militantes que levam a votar”. E acrescenta: “Acontece em todo o lado e em todas a seções do PSD em Lisboa”.
Nuno Firmo reconhece ao Observador que tinha na mão “uma lista manuscrita de nomes de 10 ou 12 amigos que tinham dito que iam votar”. E até refere um casal de amigos que fez militantes na JSD nos tempos de estudantes, que se deslocaram de Santarém para votar (embora a eleição diga apenas respeito aos que moram no distrito de Lisboa).
A trabalhar ativamente com Nuno Firmo na mobilização de militantes estava Gonçalo Perdigão Soares, vice-presidente da concelhia da JSD de Lisboa, coordenador da Associação Académica da Universidade Lusíada. Tinha também papéis com listagens de militantes — como se pode ver nos vídeos do Observador — e conduziu um Volvo na organização da mobilização dos militantes ao longo das seis horas em que decorreu a votação (por exemplo, foi a Santa Apolónia receber o casal de militantes que chegou de Santarém).
Gonçalo Perdigão Soares reconhece que a lista que consultava, e que se pode ver nos vídeos do Observador, servia de controlo para os militantes que esperava que fossem votar. “Eram 32 amigos meus que eu pus [como militantes], com os quais eu conversei e que saberia que iam votar por reconhecerem valor no Nuno [Firmo].”
O outro influente daquela fação lisboeta, Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, diz ao Observador que “a mobilização eleitoral é normal” nos partidos. “Todos temos um telefone. Aquelas pessoas com quem vamos trabalhando ao longo do ano e trabalhando politicamente, tentamos que venham votar”, reconhece. “O que não considero normal é haver quem pague votos. Nunca assisti, mas correm histórias de que isso existe no partido e que tem sido um fator de diferenciação da capacidade eleitoral de uns e de outros”, afirma Luís Newton ao Observador.
O presidente da junta da Estrela reconhece que dirigentes próximos de si tinham listas “a fazer contagens”. E justifica: “Há mobilização e mobilização. Há cacique e cacique: o cacique normal é falar com as pessoas para as levar a votar. Ir buscá-las não. Há momentos em que temos de traçar uma linha. Isso só deve ser válido quando há uma dificuldade de mobilidade ou quando não têm forma de ir votar. Pegar no telefone é uma forma saudável de ver se estão interessados ou não em participar. O outro tipo de cacique que não é saudável, é quando há operações financeiras envolvidas. Essa troca de participação política por dinheiro é uma coisa que me revolta e que repudio”. No entanto, Newton deixa a suspeição no ar sem ir ao ponto de acusar os adversários de pagarem pelos votos.
Confrontado com as provas de caciquismo dos dois lados da disputa eleitoral, o novo líder distrital, Pedro Pinto, diz ao Observador que não aprova este tipo de práticas, mas evita comentar em concreto as que respeitam aos seus apoiantes: “Qualquer forma de cacicagem para mim é inaceitável. Seja feita por quem for. Cacicagem tem a ver com transporte de pessoas que vão a um ato eleitoral sem saber o que vão fazer. São votantes, não são militantes.”
A participação dos “notáveis”: Sarmento com Rodrigo, Ferreira Leite acompanhada por António Preto
Nuno Morais Sarmento e Manuela Ferreira Leite, os notáveis ligados à candidatura da facção de Rodrigo Gonçalves, tiveram direito a um tratamento especial. No caso da ex-líder do PSD e ex-ministra das Finanças, Rodrigo Gonçalves acompanhou-a ao longo de todo o trajecto dentro da sala de votações. Levou-a à mesa errada, porque se esqueceu de que se chama Maria Manuela (e não apenas Manuela), mas depois ficou com a comentadora da TVI na fila até chegar à mesa onde a identificaram e lhe entregaram os boletins de voto. António Preto, sucessor de Ferreira Leite na Distrital de Lisboa do PSD em 2002, juntou-se rapidamente a Rodrigo Gonçalves. Enquanto a ex-ministra votava, numa mesa com pouca privacidade, a três metros de distância, Rodrigo Gonçalves e António Preto combinaram entre si: “Depois vamos levá-la à porta”.
Ferreira Leite ainda falou aos jornalistas, de forma quase telegráfica, à porta da sala de votações. Acabou por ser apenas António Preto a subir no elevador com a ex-ministra das Finanças, para saírem pela porta principal, onde estavam Ismael Ferreira e Daniel Gonçalves. O pai de Rodrigo fez questão de a cumprimentar com dois beijinhos e de lhe agradecer: “Sôtora, muito obrigado pela sua presença”.
Ao saírem do hotel, António Preto e Manuela Ferreira Leite subiram sem pressas a Avenida Fontes Pereira de Melo a pé, a conversar, com uma pequena paragem para cumprimentar alguns militantes que vinham a descer. É coincidência, mas, quando iam a meio desse percurso, a carrinha verde encheu-se de militantes que já tinham ido votar: o condutor fez o pisca para a esquerda, arrancou e passou pelos notáveis.
A relevância de António Preto não é secundária. Esteve afastado das lides partidárias até ser absolvido, no ano passado, das acusações de fraude fiscal e falsificação de documento, 14 anos depois de ter sido constituído arguido. O caso também tinha a ver com o alegado pagamento de quotas de militantes para uma candidatura sua à distrital, que teriam sido pagas por empreiteiros com dinheiro que vinha numa mala — daí ter ficado com a alcunha de “o homem da mala”. António Preto já foi a figura mais influente no aparelho do PSD no distrito de Lisboa. Asdrúbal Gonçalves, irmão gémeo de Rodrigo, chegou a dizer, num dos processos que a família teve em tribunal, que era António Preto que pagava as quotas dos militantes que eles arranjavam nos bairros da zona de Benfica. Foi António Preto que, entre 1995 e 2000, expandiu a militância naquela zona da extinta Secção A, e que mais tarde seria a base de poder da família Gonçalves. Em 2010, a Secção A tinha mais de 1.400 militantes, tantos quantos os que foram votar no dia 1 de julho para a distrital de Lisboa. Manuela Ferreira Leite, amiga de António Preto, deve-lhe o facto de ter chegado a líder distrital do PSD, e o contributo na sua eleição como presidente do partido. Preto não quis falar ao Observador por se encontrar fora do país.
Manuela Ferreira Leite também não quis pronunciar-se sobre o que aconteceu no dia das eleições internas, nem António Preto ou sobre a lista afecta a Rodrigo Gonçalves. “Coisa em que não me meto neste momento é na máquina do partido. Não falo sobre isso de forma nenhuma. O meu apoio ou subscrição da lista tem a ver exclusivamente, com o dr. Morais Sarmento. Estou completamente à parte dessas matérias, que não desconheço que fazem parte das máquinas do partido. Mas não há ninguém metido nos aparelhos que não seja assim”, acabou por dizer ao Observador.
Pouco depois de Manuela Ferreira Leite sair do Hotel Sana, chegou Nuno Morais Sarmento, o cabeça da lista L, que assumiu a oposição a Pedro Passos Coelho. Entrou pela porta das traseiras e tinha à sua espera não só Rodrigo Gonçalves como o pai, que desceu da entrada principal nesse instante para cumprimentar o ex-ministro da Presidência de Durão Barroso e depois de Pedro Santana Lopes. António Preto e Rodrigo Gonçalves acompanharam-no dentro da sala de votações, replicando o que tinham feito com Ferreira Leite. À saída, Morais Sarmento respondeu durante cinco minutos aos jornalistas sobre uma eventual disputa pela liderança do partido. Com Rodrigo Gonçalves a seu lado, disse que o facto de encabeçar a lista a delegados se tratava “de uma aposta de participação na reanimação, na revitalização de um PSD que tem de estar mais preparado para as batalhas que se aproximam”. Essas batalhas seriam uma luta pela liderança depois das autárquicas. Questionado sobre um possível apoio ao ex-presidente da Câmara do Porto, Morais Sarmento não fugiu: “Rui Rio é um militante com quem trabalhei há muitos anos, é capaz de ter 30 anos o primeiro combate que fizemos juntos, tenho a certeza de que faremos no futuro próximo novamente combates juntos”.
Sobre o facto de aparecer ao lado de um dirigente com a reputação de Rodrigo Gonçalves, Morais Sarmento diz ao Observador que Gonçalves é “uma criação de Passos Coelho e companhia” e esteve ao lado de Miguel Pinto Luz e de Carlos Carreiras nos últimos anos, até passar para o outro lado da barricada. “Há dois anos, quando me candidatei a presidente da Assembleia Distrital, Passos Coelho, Carlos Carreiras e Pinto Luz estavam muito contentes sentados em cima dos votos do tal Rodrigo. Foi assim que começou. Agora estão a provar do veneno que produziram”, diz Nuno Morais Sarmento ao Observador.
Morais Sarmento conta ter conhecido Rodrigo Gonçalves na sequência das tentativas recentes de o convencerem a candidatar-se à Câmara de Lisboa. Acha que haver eleições para a distrital contra as recomendações do Conselho Nacional, sem que possa haver eleições para a concelhia — para dificultar o caminho a Gonçalves –, “não é sério, é desnecessário e é um disparate”. O ex-ministro diz que toda a vida foi “anti-aparelho” e que fez “um percurso solitário para não estar dependente nem alinhado com nenhum cabo de armas do partido” e recorda que esteve num congresso sozinho contra as eleições diretas por entender que potenciavam este tipo de práticas.
O líder do partido votou tarde. Já eram 22h00 e Passos Coelho ainda não tinha aparecido. Faltava uma hora para o fecho das urnas. Rodrigo Gonçalves chegou a tentar fazer uma graça, quando comentou com o Observador: “Se o Passos vier depois da hora, não o deixamos entrar. Não é da minha lista…” O presidente do partido havia de exercer o seu direito de voto pelas 22h30, meia hora antes de as urnas fecharem. À entrada da sala, trocou um frio aperto de mão com Rodrigo Gonçalves. Contactado pelo Observador para comentar estas práticas no PSD/Lisboa, Pedro Passos Coelho não quis falar.
Afinal o candidato não constava dos cadernos eleitorais: a guerra não para
Houve mais confusões nas eleições internas do PSD/Lisboa. Pedro Pinto tem mais de 50 anos e fez a escola toda da JSD, de que foi líder. Por isso, sabe como poucos de eleições internas e processos eleitorais. Mas o seu nome não constava dos cadernos eleitorais porque, alegadamente, não teria pago as quotas a tempo. Isso significa que, segundo os estatutos, o candidato único a líder distrital do PSD não poderia votar, muito menos candidatar-se a qualquer cargo no partido.
O nome de Pedro Pinto foi acrescentado à mão no fim da listagem, contou ao Observador Ângela Cruz, a militante que estava como delegada na mesa de voto número seis, onde votou o candidato à liderança da distrital, em representação da lista L. “Quando ele foi votar, fui à procura dos Pedros e não encontrei o nome dele. A presidente da mesa é que informou que o nome estava na última folha, acrescentado à mão”, diz ao Observador.
O nome de Pedro Augusto Cunha Pinto, de facto, não consta do caderno eleitoral, segundo o Observador pôde constatar e o próprio candidato confirmou ao Observador: “O facto de o meu nome não constar foi comunicado ao secretário-geral adjunto do partido. Houve sete ou oito nomes que não constavam e tiveram de ser corrigidos“, garante Pedro Pinto. “Essas pessoas são golpistas”, acusa o líder distrital eleito, que ao Expresso deste sábado iria mais longe, ao classificar como “escroques” os membros da fação liderada por Rodrigo Gonçalves. “Tiveram conhecimento disto e agora é que levantam o problema?” O deputado e ex-vice-presidente de Passos no PSD argumenta: “Depois de serem distribuídos pelas candidaturas, os cadernos têm um tempo para serem regularizados. Veio tudo num documento a dizer que as minhas quotas estavam pagas”. O documento tem data de 26 de junho, quatro dias antes das eleições e tem a assinatura de Ângela Cruz, a delegada na mesa, em que se sustenta a tentativa de impugnação. Pedro Pinto não tem um comprovativo de multibanco de pagamento das quotas, ou um vale postal, porque estas foram pagas por cheque. Uma fonte da Lista L argumenta que ele pode ter passado o cheque depois do prazo com uma data anterior.
As polémicas não acabam aqui. Pedro Pinto participou nesta eleição numa dupla condição: era candidato e ao mesmo tempo presidente da Mesa da Assembleia distrital, o que significa que também era o responsável pela organização do ato eleitoral. Apesar de ter sido substituído por outro dirigente na condução da eleição no dia 1 de julho, Pinto levou para casa os cadernos de descargas que agora a oposição interna reclama. O novo líder distrital reconhece ao Observador que o caderno onde estão registadas as pessoas que votaram está na sua posse, na qualidade de presidente da Mesa da Assembleia Distrital (cessante). E questiona: “Desde quando é que é entregue o caderno de descargas?”
Esta luta interna do PSD/Lisboa é apenas um ensaio para as outras guerras que estão para começar. Logo a seguir às autárquicas, haverá uma luta pela concelhia e a seguir uma batalha pela liderança do partido. Primeiro, Rodrigo Gonçalves tentará transformar os seus votos em poder efetivo no concelho. Depois, poderá aliar-se a Rui Rio, caso este avance. A acontecer, o ex-presidente da câmara do Porto seria apoiado por grandes caciques do partido, que sempre combateu e criticou. Os candidatos à liderança ficarão sempre dependentes do aparelho?