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O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa (SIRP) concluiu esta quarta-feira que não houve uma “atuação ilegal por parte do SIS — Serviço de Informações de Segurança” na recuperação do computador de Frederico Pinheiro, ex-adjunto que foi exonerado por João Galamba. Para chegar a essa conclusão, o órgão que escrutina o funcionamento do SIS e do SIED não ouviu Frederico Pinheiro. Contactado pelo Observador, o ex-adjunto confirmou apenas, sem mais comentários: “Nunca fui contactado por ninguém do Conselho de Fiscalização.”
Mas, afinal, como é que o SIS recuperou o computador do ex-adjunto? O Observador conta-lhe os pormenores de uma pequena odisseia que inclui chamadas telefónicas do agente D., a password “Guimarães” (concelho natal de Frederico Pinheiro), encontros à meia-noite numa via pública no centro de Lisboa com um agente entroncado e uma Polícia Judiciária muito surpreendida com o aparecimento do SIS, segundo dados que o Observador apurou junto de fonte próxima de Frederico Pinheiro.
O primeiro contacto
Eram 23h05 do dia 26 de abril. Tinha sido um dia esgotante para Frederico Pinheiro. Não só tinha sido exonerado por telefone pelo ministro João Galamba, como o regresso ao Ministério das Infraestruturas por volta das 20h30 para recolher os seus pertences e o seu computador de trabalho com ficheiros e informação pessoal tinha sido muito atribulada, tendo terminado com a chamada da PSP e acusações de agressão.
O smartphone de Frederico Pinheiro toca, mas o agora ex-adjunto do ministro das Infraestruturas não reconhece o número e não atende. Às 23h11, nova insistência do mesmo número e Frederico Pinheiro decide atender.
Do outro lado da linha, fala uma voz masculina que se identifica como o agente D. (por razões de segurança, o Observador não identifica o nome do agente do SIS que contactou Frederico Pinheiro). Do outro lado da linha, diz a Frederico Pinheiro que lhe está a ligar para recuperar o computador de trabalho que foi retirado do Ministério das Infraestruturas e deixa um alerta: o SIS sabe qual é a informação que está no computador e quer resolver as coisas a bem; senão, tudo se pode complicar.
Segundo apurou o Observador, Frederico Pinheiro entende o recado como um alerta mas é cauteloso. Será que aquela pessoa era mesmo do SIS?
E, enquanto tenta perceber se o agente D. é mesmo um agente dos serviços secretos, vai avisando o seu interlocutor de que tinha acabado de manifestar disponibilidade ao Governo para entregar o computador e de que a informação contida no disco duro era confidencial, mas que se cingia apenas a documentação relativa ao processo de reestruturação da TAP e informação financeira sensível da empresa.
Essa informação tinha sido classificada antes de ser enviada para a Comissão Parlamentar de Inquérito da TAP por sugestão do próprio Frederico Pinheiro.
O email que seguiu três minutos antes do contacto do SIS
Precisamente três minutos antes do primeiro contacto do SIS, o ex-adjunto tinha enviado um email dirigido a Norberto Albino, diretor do CEGER — Centro de Gestão da Rede Informática do Governo, com o conhecimento do ministro João Galamba, da chefe de gabinete Eugénia Correia e do técnico de informática do gabinete das Infraestruturas que faz a ligação ao CEGER.
O email foi enviado às 23h02 e no mesmo pode ler-se que Pinheiro informa Norberto Albino de que iria cessar funções como adjunto de Galamba e solicita o agendamento de uma data para se deslocar ao CEGER, para entrega do portátil que lhe foi atribuído como instrumento de trabalho para o exercício de funções no gabinete do ministro das Infraestruturas, assim como o telemóvel de serviço.
Frederico Pinheiro solicitava também que o CEGER realizasse um “backup” do “trabalho armanezado na Cloud ou noutros suportes” e elencou alguns suportes que, “por serem intransmissíveis”, lhe devem ser entregues pessoalmente com proibição expressa de entrega a terceiros. Estava em causa o “email pessoal do Gabinete do Ministro das Infraestruturas” e documentos da sua autoria “guardados na pasta partilhada do Gabinete alojado na Cloud”.
O ex-adjunto de João Galamba e de Pedro Nuno Santos estranhava ainda que tivesse sido “bloqueado o acesso ao seu email no Governo e aos trabalhos armazenados na Cloud” e “noutros suportes”.
A chamada para o SIS e a password “Guimarães”
Regressando à conversa que o agente D. fez para o telefone de Frederico Pinheiro. O agente do SIS compreendeu as dúvidas do ex-adjunto de João Galamba e que se resumem numa frase: “Como é que eu sei que o senhor diz quem é?”.
E garantiu-lhe que iria mostrar-lhe a sua identificação quando se encontrassem. Segundo apurou o Observador, Frederico Pinheiro continuou desconfiado e o agente D. avançou para outra estratégia: deu-lhe um número de telefone do SIS para que a sua identidade fosse confirmada.
O telefonema, no entanto, não seria uma chamada qualquer. Frederico Pinheiro teria de dar uma password à pessoa que atenderia o telefone. E a password era “Guimarães” — o concelho natal do ex-adjunto de Galamba.
Frederico Pinheiro aceitou ligar para o número que o agente D. lhe deu. Do outro lado da linha disseram a Frederico o nome da sua terra: “Guimarães”. A identificação do agente D. foi validada.
O encontro à meia-noite e a surpresa da PJ
Às 23h56, o telefone de Frederico Pinheiro toca novamente. É outra vez o agente D. A conversa é rápida e serve apenas para combinar um encontro.
O ex-adjunto tenta perceber se o agente do SIS sabe onde mora, mas o seu interlocutor diz que tem de ser Frederico Pinheiro a dar a morada da sua casa. Poucos minutos depois da meia-noite, o ex-adjunto está numa rua do centro de Lisboa a caminhar para perto de uma pessoa que nunca tinha visto. Quando chega ao local de encontro, depara-se com um homem com menos de 1m70, moreno e entroncado. É o agente D.
O agente D. cumpre a promessa e mostra-lhe a sua identificação: um cartão sem fotografia mas com números e códigos, que Frederico Pinheiro anota com atenção.
O encontro dura pouco mais de um minuto, o ex-adjunto dá o computador ao agente do SIS e regressa à sua casa.
No dia seguinte, dia 27 de abril, Frederico Pinheiro é abordado na rua por um agente da Polícia Judiciária (PJ). Ainda antes de ver o cartão de identificação com o nome e a foto do agente, Frederico Pinheiro ainda pensou que se tratava de outro agente do SIS, por as carteiras serem semelhantes à distância.
O assunto, contudo, era o mesmo: o computador do Ministério das Infraestruturas. E, segundo apurou o Observador junto de fonte próxima do ex-adjunto, Frederico Pinheiro desabafou: “Outra vez o SIS! Eu já entreguei o computador ao SIS!”. O agente da PJ não sabia que os serviços secretos tinham estado envolvidos numa operação de recuperação do computador.
A PJ viria a apreender o computador do ex-adjunto de Galamba nesse mesmo dia 27 de abril, recebendo o equipamento das mãos dos responsáveis do CEGER.
Não se sabe quantas horas o SIS teve o computador em seu poder, mas o agente D. terá feito a seguinte promessa quando ainda estava a falar ao telefone com Frederico Pinheiro: nunca mais se iria falar daquele computador.
Em declarações aos jornalistas, Luís Neves, diretor nacional da PJ, confirmou que os crimes que podem estar em causa são furto — que tem sido insistentemente referido por António Costa e João Galamba — e/ou violação de segredo por funcionário.
Paulo Saragoça da Matta diz que pode haver crime de abuso de poder
Em declarações ao Observador, o advogado Paulo Saragoça da Matta não concorda com as conclusões do Conselho de Fiscalização do SIRP e é taxativo: “O SIS não podia ter recolhido aquele computador porque a lei impede que faça este trabalho de campo.”
“Aliás”, continua, “é inequívoco” que tal diligência é “um acto de polícia”. Isto porque “ninguém entregaria um PC do Estado a um ‘anónimo civil’ que encontrasse na rua”, sendo que “é irrelevante se o dr. Frederico Pinheiro entregou o computador voluntariamente ou não”, argumenta.
Para o penalista, “alguém sendo do SIS arrogou-se claramente de competências de uma autoridade e foi com essa perceção e nesse pressuposto que, certamente, o dr. Frederico Pinheiro entregou o computador”, afirma.
Saragoça da Matta diz mesmo que é um “absurdo” que o SIS tenha entregue o computador ao CEGER quando, havendo indícios da alegada prática do crime de furto (como João Galamba e António Costa têm insistentemente referido), “a lei determina ao SIS que entregue o computador à PJ ou ao Ministério Público”.
É por isso que Saragoça da Matta não tem dúvidas de que poderemos estar perante um crime de abuso de poder. Mas que o SIS não é visado no mesmo, mas sim o agente D. “São os funcionários que, violando os seus deveres funcionais, praticam atos que exorbitam das estritas competências que a Lei lhes atribui, com intenção de obter para si ou terceiro um benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa”, afirma.
O penalista assegura ainda que, sendo o crime de abuso de poder um crime público, “é legalmente obrigatório ao MP abrir um inquérito criminal, nem que seja para o arquivar por falta de um qualquer elemento do crime. Por exemplo, falta de dolo por ter agido com base em erro em que foi induzido.”
Saragoça da Matta também contesta a classificação persistente de “autoridade” que o primeiro-ministro António Costa tem feito nos últimos dias sobre o SIS. “É uma entidade administrativa que tem alguns poderes de autoridade, nomeadamente para aceder a dados de comunicações. Mas não é uma autoridade judiciária nem um órgão de polícia criminal. Basta imaginar que um agente do SIS abordasse um ministro para que este lhe entregasse documentos ou computadores para se tornar óbvio ao Conselho de Fiscalização do SIRP e ao senhor primeiro-ministro que o SIS não o poderia fazer”