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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Cavaco Silva: "Não há nenhum drama se o Orçamento do Estado não for aprovado"

Cavaco Silva, em entrevista ao Observador, diz que é contra eleições antecipadas porque já "houve muitas dissoluções". Além disso, lembra, "Espanha esteve dois anos em duodécimos e ninguém morreu".

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Aníbal Cavaco Silva recebeu o Observador no seu gabinete, no Convento do Sacramento, cujo claustro usa para passeios, com Maria Cavaco Silva, que o ajudam a manter-se em forma. Do ponto de vista político, está mais ativo do que nunca, mas diz ter sido mal interpretado na leitura de que defende eleições antecipadas, após um artigo que escreveu no Expresso. O antigo primeiro-ministro e Presidente da República diz mesmo ser “contra eleições antecipadas” e concorda com a ideia de Luís Montenegro de que o Orçamento não é razão para dissolver o Parlamento: “Não é nenhum drama.”

O antigo Presidente da República repete que está mais preocupado com o futuro do país do que com o dia-a-dia e insiste em três variáveis que são fundamentais para Portugal crescer nos próximos dez anos. Sobre o novo pacote de economia do Governo, concorda com os incentivos a que empresas ganhem escala, mas avisa que o importante, mesmo, é que “passe à prática”.

Cavaco Silva felicita ainda António Costa, que considera o melhor socialista para ocupar o cargo de presidente do Conselho Europeu. Defende que todos os partidos podem ser incluídos em pactos de regime, em caso de governo minoritário, exceto os que coloca nos “extremos”: o Chega, o PCP e o Bloco de Esquerda.

A entrevista a Aníbal Cavaco Silva ocorreu horas antes da notícia da morte de Joana Marques Vidal. O antigo Presidente, já depois da conversa com o Observador, emitia uma nota à manifestar uma “profunda consternação” pela morte da procuradora que nomeou em 2012.

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[Veja aqui os momentos essenciais da entrevista]

“Sou contra as eleições antecipadas”

Escreveu um artigo no Expresso com o título “Qual a probabilidade de um salto em frente do bem-estar das famílias portuguesas nos próximos 10 anos?”. Esse artigo foi lido como sendo uma defesa da realização de eleições antecipadas. Isso seria o melhor para o país?
Quem ler o texto, que é pedagógico e escrito com uma grande preocupação de rigor, verificará que em nenhuma parte defendo ou sugiro a realização de eleições antecipadas. Aliás, muitas pessoas que têm falado comigo sabem muito bem que sou contra as eleições antecipadas. Mas há uma absoluta certeza: nos próximos dez anos, que é o tempo da minha reflexão, vão ocorrer duas eleições legislativas normais. E dessas eleições vai resultar um quadro político nos 10 anos, um quadro executivo e legislativo, que será decisivo para pensarmos se serão tomadas ou não as medidas fundamentais para que o bem-estar dos portugueses, nos próximos dez anos, aumente significativamente e Portugal se aproxime dos níveis de rendimento dos países mais ricos da União Europeia. E como um dos meus propósitos era ajudar os portugueses a pensar qual o xadrez político, qual o quadro político, executivo e legislativo mais favorável ao objetivo de aumentar o bem-estar das famílias portuguesas significativamente nos próximos dez anos, dei um exemplo dos quadros políticos que podem surgir.

Enumerou os tais cinco cenários.
Dei o exemplo de dois não muito diferentes do atual e três diferentes do atual quadro político para que pudessem fazer o julgamento da maior probabilidade de acontecer este ou aquele. E dei a minha opinião pessoal sobre os dois cenários políticos que me pareciam mais favoráveis à aproximação de Portugal aos países mais ricos da União Europeia. Independentemente de quem fosse o primeiro-ministro, um em que, em resultado das eleições, o Governo pudesse dispor da maioria no Parlamento; e outro quadro em que, apesar de o governo ser minoritário, conseguia um apoio de regime para levar por diante as políticas certas.

"Eu agora estou muito voltado para o futuro do país porque há gente demais a pensar todos os dias sobre o dia-a-dia."

Mas a verdade é que o atual quadro político não encaixa em nenhum desses dois que entende que são mais favoráveis. Portanto, nós não temos neste momento as condições para esse “salto em frente” de que fala.
Considero que o fundamental, neste momento, é pensar o futuro do país e não estarmos apenas concentrados no debate e na discussão do dia-a-dia político, económico e social. Temos de ir mais longe: saber pensar qual o caminho que o país deve trilhar nos próximos dez anos — e trazer para a primeira linha a razão e deixar de lado a emoção. Porque, se de facto os portugueses, em particular as elites, tiverem um conhecimento fundamentado, é mais provável que a sua atuação,  as suas decisões e o seu comportamento sejam determinados por uma certa racionalidade. Repito que é fundamental para pensar o futuro colocar na primeira linha a razão e deixar a emoção que domina os debates do dia a dia. Estou muito voltado para o futuro do país porque há gente demais a pensar todos os dias sobre o dia-a-dia. Nós não encontraremos o caminho certo se não pensarmos mais no futuro do país, colocando na primeira linha a razão.

Mas usando essa forma racional de olhar para o que existe, vemos que as atuais condições políticas não vão permitir essas mudanças.
Repito: não sei qual será o quadro futuro.

Ouça aqui o Sob Escuta com o antigo Presidente Cavaco Silva

Cavaco Silva: “Sou contra eleições antecipadas”

Se não houver eleições antecipadas, teremos quatro anos deste impasse.
Eleições podem ocorrer obrigatoriamente em 2028 e 2032. E essas são determinantes.

Mas daqui até 2028, com este quadro político, acredita que pode haver as reformas necessárias?
Quem quiser fazer uma análise séria do que pode acontecer em Portugal nos próximos dez anos tem de se abstrair do que se passa neste momento. Até porque, repare, vou lembrar-lhe: este Governo ainda não completou três meses em efetividade de funções. Ora, não se pode pensar o futuro a dez anos com base na atuação de um Governo que ainda não completou três meses em efetividade de funções.

"A decisão, como sabem, é exclusivamente do senhor Presidente da República. No passado houve muitas dissoluções, que eu espero que não ocorram."

Este Governo então deve ir até 2028 e cumprir os quatro anos de mandato?
Não sei. A decisão, como sabem, é exclusivamente do senhor Presidente da República. No passado houve muitas dissoluções, que eu espero que não ocorram. Mas essa é apenas a minha opinião. Pelo estudo que fiz e por aquilo que li, concluí que sem um crescimento muito forte da produção interna, da produtividade e da competitividade externa, nós não temos qualquer hipótese de em 2034 ter uma situação de bem-estar dos portugueses substancialmente diferente daquela que temos agora e de ter um Portugal mais próximo dos países mais ricos. Até lhe digo o seguinte: se fosse mais novo e se gostasse de apostar, que não é o meu caso, eu até estaria disposto a apostar com qualquer político português que, se nos próximos dez anos a produção interna, a produtividade e a competitividade externa não aumentaram substancialmente, então em 2034 nós não teremos feito grandes progressos no bem-estar das pessoas e ainda estaremos longe do rendimento médio da União Europeia. E quem estiver aqui em 2034 pode verificar se ocorreu ou não um aumento fundamental nestas três grandezas. E até deixo no meu texto um roteiro para que quem estiver aqui em 2034 consiga apurar o que terá falhado para que Portugal continue ainda longe do rendimento médio e do bem-estar médio dos países mais ricos da União Europeia.

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No artigo, também fala sobre a necessidade ou a possibilidade de haver pactos de regime que também ajudem a chegar a essa situação. Em que áreas é que os pactos de regime são fundamentais?
Só podemos dar este salto em frente se, de forma muito clara, o Governo considerar que, para nós atingirmos um nível de bem-estar muito superior ao atual, temos que conduzir políticas que favoreçam o crescimento forte da produção interna, da produtividade e da competitividade externa. Se o comportamento de um Governo for inconsistente com esta possibilidade, então falhamos. Se o Governo quer atingir este objetivo, tem que meter na cabeça que se esta condição necessária não for satisfeita, não alcançamos este objetivo. E repare que defino o bem-estar de uma forma mais ampla do que o próprio Banco de Portugal ou a ONU. Eu considero que o bem-estar das famílias portuguesas depende também do seu rendimento líquido, em particular do trabalho, do apoio que têm na velhice, no desemprego e na doença; do acesso que têm à boa educação, à boa saúde, à habitação condigna; do lazer que podem usufruir e das condições de segurança do país. Isto é a minha interpretação do bem-estar é muito ampla. Agora é o que eu digo: se não conseguirmos um crescimento forte nas três variáveis que menciono, nada disso pode ser conseguido.

“Só excluiria do pacto de regime os extremos da direita e da esquerda”

Mas deve haver um pacto de regime com os partidos da oposição? Por exemplo, com o Partido Socialista, na área da economia ou noutras áreas como a justiça?
Diria que apenas os extremos de direita e de esquerda têm posições que me parecem inconsistentes com este objetivo que estou a apontar, que é o salto em frente no bem-estar das famílias portuguesas. Penso que, deixando esses extremos da direita e da esquerda, tudo o resto aceita esse grande objetivo e, de algum modo, que as três variáveis que aponto são decisivas para que o país se consiga concretizar. Portanto, eu não excluiria ninguém, nenhuma força política, para além dos extremos à direita e à esquerda, para que possam fazer entendimentos e eventualmente participar num pacto de regime, no caso de um governo minoritário. É só isso. O que foi escrito e o que foi dito sobre a minha defesa de eleições antecipadas, só pode ser de quem não leu o texto. Procurei ser claro, mas costumo às vezes dizer nobody’s perfect, ninguém é perfeito, mas também sabemos que existem alguns que gostam de distorcer aquilo que se diz ou aquilo que se escreve. Portanto, a possibilidade de um pacto de regime pode ser em relação a várias forças políticas existentes, excluindo os extremos à direita e à esquerda.

"A presidência do Conselho Europeu não é uma função executiva e, portanto, penso que António Costa pode realizar bem essa função. Tinha de ser um membro do Partido Socialista Europeu e penso que ele era, inequivocamente, a melhor escolha entre os ex e atuais primeiros-ministros do Partido Socialista Europeu."

Portanto, Chega, PCP e Bloco de fora?
É aquilo que normalmente se consideram nos extremos à direita ou à esquerda. Apenas pela simples razão de que me parece, por tudo o que têm dito, defendido e até pelos seus próprios programas, são inconsistentes com este objetivo de melhorar o bem-estar das famílias portuguesas numa dimensão significativa nos próximos dez anos.

Este Partido Socialista tem um líder que no passado já foi considerado mais extremo, Pedro Nuno Santos. Mesmo assim, isso não afeta essa relação com o PS?
Não sei quais vão ser os líderes partidários, quer do PSD, quer do PS, ou dos outros nos próximos dez anos. Mas, olhando mesmo ao líder atual [do PS], não me parece de forma nenhuma que ele não considere importante para Portugal a prossecução deste objetivo. E não vejo nas declarações [de Pedro Nuno Santos] que sugira ou defenda que o crescimento forte da produção interna, da produtividade e da competitividade externa não são condições necessárias para que se dê esse salto em frente que eu defendi.

"Foi o que aconteceu entre 2014 e 2024. Foram escritos muitos artigos, muitos estudos, a sublinhar o que devia ter sido feito e não foi — e chegámos a 2024 com essa desilusão. Países a ultrapassarem Portugal e que entraram na União Europeia muito mais tarde e muito pouco desenvolvidos."

Vamos em breve para o momento de debate e votação do Orçamento de Estado. O PS já disse que não aprova nem o IRS Jovem, nem a baixa do IRC. Até onde é que o Governo deve ceder nessa negociação?
Isso é aquilo que dia a dia é escrito, debatido e pensado. E não considero que isso seja importante para pensar os próximos dez anos do nosso país. E considero que, se não se pensar os próximos dez anos, corremos o risco de andar a trilhar um caminho que não é correto e chegarmos desiludidos na concretização desse sonho em 2034. Foi o que aconteceu entre 2014 e 2024. Foram escritos muitos artigos, muitos estudos, a sublinhar o que devia ter sido feito e não foi — e chegámos a 2024 com essa desilusão. Países a ultrapassarem Portugal e que entraram na União Europeia muito mais tarde e muito pouco desenvolvidos. E as melhorias de bem-estar muito limitadas. Portanto, agora espero que se pense mais a nível político e também dos cidadãos em geral que é importante fazer políticas que permitam crescimentos fortes destas três variáveis. E quais são? Um aumento significativo do investimento inovador. E não é só o investimento em construções, que neste momento é o dominante: é um investimento em fábricas, em tecnologias digitais, aumentar o peso da indústria transformadora. É preciso ter mão de obra qualificada. E aí, há duas grandes preocupações. Uma é o envelhecimento da população ativa portuguesa, somos um dos países com a população ativa mais envelhecida em toda a Europa. A segunda é esta preocupação de ter gente qualificada, licenciada…

…que vão para fora do país.
Aponta-se que, em média, 20 mil pessoas com licenciatura têm vindo a sair anualmente do país. Portanto, a qualificação das pessoas é fundamental e também conseguir retê-las no país. Depois, um problema que é de maior importância: o nosso país tem mais de 90% de micro e pequenas empresas, onde a produtividade é muito baixa. Por isso, sublinho a importância das fusões e das concentrações. Hoje, na União Europeia, debate-se falta de escala das empresas europeias para competir com as empresas norte-americanas e as chinesas, principalmente nas áreas tecnológicas. Temos uma grande incerteza a nível internacional. E uma das incertezas, para além das guerras, das eleições norte-americanas e das tensões entre a União Europeia, os Estados Unidos e a China, é que nós ainda não sabemos bem quais vão ser as linhas de orientação da nova equipa que vai gerir a União Europeia. A nova Comissão Europeia vai receber dois grandes relatórios: o relatório Draghi e o relatório Letta. Esses dois relatórios dizem que é fundamental construir novas políticas na União Europeia para que possa recuperar o atraso em relação aos Estados Unidos e à China, por forma a ser uma potência geopolítica, económica e tecnológica. O relatório de Draghi é um relatório sobre a competitividade. O relatório de Letta é sobre o mercado único. Mostram que o crescimento forte destas três variáveis que referi será muito mais importante e decisiva depois de um alargamento que venha a ocorrer. Em que Portugal vai, de certeza, perder apoios de fundos comunitários, que se encaminharão para novos Estados-membros.

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Falou sobre a necessidade de reter os jovens. Uma medida como o IRS Jovem é suficiente para reter os jovens qualificados em Portugal? O FMI foi crítico da medida.
Não sei. Ultimamente, um familiar meu, de um momento para o outro, demitiu-se da empresa onde trabalhava e foi para o estrangeiro. Chegou ao pé de mim e disse-me: demiti-me da empresa A e vou ganhar mais do dobro num país estrangeiro. Portanto, não tenho dados suficientes para poder dar uma resposta à sua questão. Nós temos de ter capacidade para reter e para formar os jovens de que o país precisa. Aqui há um papel do Estado também: é fundamental que o Estado crie as condições para que as empresas produzam, invistam e inovem com eficiência. E aí, além das infraestruturas, existe o papel que cabe no domínio da investigação e da inovação para o mercado. Um dos problemas que existe em Portugal é que mesmo as empresas portuguesas grandes são muito pequenas ao nível europeu.

Era aí que eu queria ir. O Governo aprovou agora o pacote de medidas na economia precisamente para incentivar as empresas a ganharem escala e terem uma dimensão maior para serem mais competitivas. É um pacote que deixa satisfeito?
Eu próprio defendi múltiplas vezes as concentrações e as fusões. Agora, espero é que passe à prática. Tal como a minha convicção de que o país precisa de ter uma competitividade externa forte para exportações de maior valor acrescentado. É importante exportar, mas o componente importado da exportação é muito elevado. Neste momento, por cada unidade que nós exportamos, cerca de 42/43% é importado previamente. Portanto, são fundamentais políticas que aumentem o valor acrescentado daquilo que nós exportamos. E é minha convicção que, se não conseguirmos atrair o investimento estrangeiro de qualidade, teremos muitas dificuldades em aumentar o stock de capital por unidade de trabalhador. Tem que ser alcançado um crescimento médio nos próximos dez anos de pelo menos 3%. Um crescimento da produtividade que pelo menos nos coloque ao nível da média europeia. Competitividade externa: estamos muito mal nos rankings, que subamos, pelo menos, alguns pontos significativos.

"Eu próprio defendi múltiplas vezes as concentrações e as fusões. Agora, espero é que passe à prática."

“Costa era inequivocamente o melhor entre os socialistas”

Falou sobre os desafios da Europa na concorrência com outros blocos. Também já falou sobre o facto de “a década entre 2014 e 2024 ter sido uma década perdida”. O protagonista desse período foi António Costa, que acaba de ser nomeado Presidente do Conselho Europeu. Entende que foi uma boa escolha para a União Europeia? António Costa vai ter capacidade de ajudar a União Europeia a dar esse “salto em frente”?
Sei bem, por experiência própria, quais são as competências do presidente do Conselho Europeu, embora no meu tempo o cargo fosse ocupado pelo primeiro-ministro do país que exercia semestralmente a presidência desse órgão. Agora, nos termos do Tratado de Lisboa é nomeado uma personalidade que tem basicamente uma tarefa de coordenação, de representação e de tentar consensos. Não é uma função executiva e, portanto, eu penso que António Costa pode realizar bem essa função. Penso que prestigia Portugal. E eu felicito-o pelo facto de ter sido escolhido. Tinha que ser um membro do Partido Socialista Europeu e eu penso que era, inequivocamente, a melhor escolha entre os ex e atuais primeiros-ministros do Partido Socialista Europeu. Desejo-lhe as maiores felicidades.

E é bom para o país ter um português num cargo como esse? Ou seja, Portugal será beneficiado de alguma forma?
Portugal tem provado que tem personalidades com perfil para desempenhar altas funções a nível internacional. O engenheiro Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, o dr. Durão Barroso foi presidente da Comissão durante dois mandatos — só Delors tinha conseguido isso. E agora, novamente, a escolha de uma personalidade portuguesa para o Conselho Europeu. Eu recebo, às vezes embaixadores que me dizem assim: ‘Mas como é que Portugal, um país pequeno, consegue colocar personalidades em cargos internacionais tão importantes?’ É porque têm mérito.

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Estamos agora a chegar aos 100 dias deste Governo. Há pessoas que estabelecem comparações entre este Governo e o primeiro Governo minoritário que liderou, dizendo que os desafios e as dificuldades são semelhantes. Reconhece as semelhanças entre o seu primeiro Governo, que teve também dois partidos de oposição em combate, o PS e o PRD, agora temos o PS e o Chega?
Escrevi muito já sobre o que foi esse meu tempo. Agora, o que posso dizer é que o meu tempo de sofrimento e de resistência foi de um ano pelo menos. Este Governo, se sofreu com dificuldades no Parlamento, ainda só sofreu três meses. É muito pouco. Eu ao fim de um ano apresentei uma moção de confiança, este Governo com certeza que não vai apresentar uma moção de confiança. Mas na altura a oposição tinha colocado tantos impedimentos, tantos obstáculos à aprovação de medidas estruturais do meu Governo de então que tomei uma decisão muito arriscada, e que não aconselho a outro Governo, de apresentar uma moção de confiança. E a moção de confiança foi aprovada. Foi a única moção de confiança de um Governo minoritário que alguma vez em Portugal foi aprovada. Mas sobre essa matéria eu já dei o meu contributo. Agora estou muito voltado para pensar aquilo que é necessário fazer nos próximos dez anos.

“Espanha esteve dois anos em duodécimos e não morreu ninguém”

Uma das discussões que vamos ter muito em breve é sobre o Orçamento do Estado. O primeiro-ministro já declarou que se manteria em funções mesmo que fosse chumbado o Orçamento do Estado. O que gostaria de saber é se, pela sua experiência como primeiro-ministro, é possível um Governo sem um Orçamento aprovado executar as políticas necessárias para esse tal “passo em frente”?
Tem alguma certeza que, por exemplo, o PS, a IL, Livre, PAN e outros não vão ter uma atitude positiva este ano e nos próximos anos para conseguir que sejam tomadas as medidas certas para melhorar o bem-estar das famílias portuguesas? Eu não tenho. E penso que está a ser pessimista. Esta é a minha visão atual — e em relação mesmo ao Orçamento. Não aprovar orçamentos é banal nalguns países da Europa. Sabe que a Espanha durante dois anos não teve orçamento? O atual primeiro-ministro viveu durante dois anos com duodécimos. Ninguém morreu. Aliás, a nossa legislação orçamental diz muito claramente aquilo que se deve fazer se o Orçamento não for aprovado.

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Não é um drama, portanto?
Parece-me que é muito provável que venha a ser aprovado, mas não há nenhum drama se não for aprovado. É importante aprovar, mas não tenho neste momento nenhuma indicação de que se concretize uma obstrução tão forte por parte dos partidos da oposição, que desempenham o seu papel, para que não sejam tomadas medidas que sejam positivas para o crescimento das variáveis que sublinhei. E repito: vão nos próximos dez anos ocorrer duas eleições legislativas. E isso significa seis anos. Tem dúvidas em relação aos primeiros quatro, mas restam seis anos. E isto no caso de o Presidente da República, este ou o que se seguirá, não dissolver a Assembleia. Eu não sou favorável a isso. Mas, volto a dizer, temos de dedicar mais tempo a pensar o futuro do país.

"Parece-me que é muito provável que o próximo Orçamento do Estado venha a ser aprovado, mas não há nenhum drama se não for."

O seu último livro foi um manual sobre a arte de governar. Quando foi primeiro-ministro conviveu com um procurador-geral da República forte, Cunha Rodrigues. Como deve um primeiro-ministro lidar com uma crise da Justiça e com desconfianças em relação ao Ministério Público?
Já não tenho na cabeça todos os pormenores de tudo o que aconteceu na área da justiça durante os dez anos em que fui primeiro-ministro. E também tive de lidar com esse problema que referiu enquanto fui Presidente da República. O que eu sei é que a escolha dos procuradores-gerais da República  depende de uma proposta do Governo e a nomeação é do Presidente da República. Penso que é sabido que eu, enquanto Presidente da República, rejeitei uma proposta que me foi feita para procurador-geral da República. Agora: entre as condições que é importante preencher para conseguirmos atrair bom investimento estrangeiro, está a celeridade na justiça.

É útil uma reforma da justiça que junte os dois maiores partidos? Parece mais preocupado com a necessidade de a justiça de ser ágil, até para as empresas, do que propriamente com as desconfianças relativamente à procuradora-geral da República ou ao Ministério Público.
A justiça não é a minha área. Essa é uma área em que eu não estou em condições de dar a minha opinião.

"O sistema eleitoral francês trouxe alívio a muitos governos da Europa e também, com certeza, ao Governo português e pessoalmente a mim próprio."

A estabilidade internacional também é importante para que Portugal possa tomar essas medidas. Ficou preocupado ou descansado com as eleições em França?
O sistema eleitoral francês trouxe alívio a muitos governos da Europa e também, com certeza, ao Governo português e pessoalmente a mim próprio. E, até na linha do que escrevi, pensando na segunda volta que ocorreu, percebemos que os franceses pensaram apenas em duas possibilidades de resultado: ou para o lado de Le Pen ou anti-Le Pen. E depois, de uma forma racional, colocando numa primeira linha a razão, deixando a emoção de parte, fizeram uma escolha que consideravam a melhor: rejeitar o lado da senhora Le Pen.

E pareceu-lhe bem?
Foi um caso de racionalidade, deixando de lado a emoção. Com certeza que os partidários do Presidente Macron não pensam o mesmo que a extrema-esquerda da Nova Frente Popular. Até são inimigos. Enquanto eu dei o exemplo cinco hipóteses em resultado das eleições que podem ocorrer em Portugal, ali os franceses consideraram que só havia duas. E, com uma racionalidade fundamentada, decidiram rejeitar um lado.

E nas eleições americanas, que vão acontecer em novembro, está à espera de racionalidade?
Eu, como a maioria dos portugueses estou muito, muito, muito preocupado. Mas a situação internacional negativa não dispensa que o Governo considere como condição necessária do bem-estar das famílias o crescimento forte nas três variáveis que referi. Um Governo pode ser maioritário e, nem por isso, aceitar que estas variáveis são decisivas. Mas, então, vai falhar.

"Eu, como a maioria dos portugueses estou muito, muito, muito preocupado com as eleições norte-americanas"

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