Ao longo da campanha, o discurso dos candidatos está em constante evolução, e no que toca a objetivos concretos, isso torna-se mais verdade. Logo no primeiro dia de campanha, João Oliveira recusou traçar metas para o dia 9 de junho, referindo que noutras alturas já se tinha posto “fora de pé”, sem sucesso. Os dias foram passando e a resistência continuou. Durante vários dias, apenas a ideia de um “reforço eleitoral” foi escapando ao candidato, ainda que sempre sem referir se estava a falar também do número de mandatos.
Agora, a situação muda de figura. Debaixo do barulho intenso das picaretas e das brocas que se ouvem nas pedreiras de Penafiel, João Oliveira fala pela primeira vez na possibilidade da eleição de dois deputados. Cumprindo essa meta, apenas conseguiria manter a representação atual, mas face ao cenário eleitoral em 2024, com resultados desanimadores a nível nacional, na Madeira e nos Açores, a manutenção pode muito bem ser vista como uma vitória para a coligação. Seria, no mínimo, um alívio, e ajudaria a estancar — para já — as narrativas que apontam para um desaparecimento gradual da representação política dos comunistas.
A resposta é arrancada a ferros, e é preciso um empurrãozinho de Francisco Louçã. Na noite anterior, o fundador bloquista afirmou que, à parte de AD, PS e Chega, só o Bloco de Esquerda está em condições de eleger mais do que um mandato. João Oliveira é peremptório a discordar: “A CDU está a lutar pela eleição do segundo deputado, pela eleição da Sandra Pereira, que é uma deputada reconhecidíssima no Parlamento Europeu pelo trabalho importantíssimo que tem feito. Aliás, é uma deputada reconhecida de norte a sul do país”.
A mudança no discurso pode dever-se às sondagens, mesmo que a CDU vá fazendo por as desvalorizar. Nesta segunda semana de campanha, e face a sondagens que deixam os comunistas fora do Parlamento Europeu, a estratégia começou pelo pedido de um “sobressalto democrático” que invertesse o sentido negativo das notícias que iam chegando. Agora, o discurso torna-se mais ambicioso: não só João Oliveira pode ser eleito, como Sandra Pereira, eurodeputada desde 2019, pode conseguir a reeleição.
Mais tarde, já numa arruada em Guimarães, questionado sobre se estava ou não, finalmente, a fixar um objetivo para dia 9 — e sobre se falando num segundo deputado, não está já a dar por garantida a própria eleição — João Oliveira prefere proteger-se. “Não estou a pôr como objetivo nem a dar nada por garantido. Estou a chamar a atenção a importância de como faz a diferença eleger dois deputados da CDU em vez de eleger sete ou oito do PS ou do PSD, que chegando lá contarão para o mesmo”, explicou.
Faturação a metade e fuga de trabalhadores — as consequências do abandono da produção nacional
Coincidência ou não, nas duas vezes em que a CDU organizou ações de campanha junto a pedreiras, o céu encobriu-se de nevoeiro. O cenário já se tinha verificado numa iniciativa na Arrábida, em que os comunistas pretendiam — sem sucesso — observar os entraves que a pedreira vai causando à conservação da natureza na região. Chegados a Penafiel, o céu continua branco e a temperatura está bem mais baixa do que aquela que se tem verificado noutras regiões por onde a caravana passa. Desta vez, o nevoeiro não atrapalha, até porque o foco está mesmo no trabalho desenvolvido na pedreira, numa perspetiva de lembrança das necessidades do apoio à produção industrial e nacional.
“Nós aqui temos tudo, não está é bem explorado”, diz Vitorino Pereira, empresário responsável por uma das empresas que trabalha a pedra em Penafiel. “Temos mar, pesca, chão, temos tudo. É preciso é incentivo”. João Oliveira concorda e insiste que os fundos da União Europeia se devem destinar a “pôr o país a produzir”.
Durante a visita, o cabeça-de-lista da CDU aproveita para distribuir panfletos pelos trabalhadores. Ocupados, nem todos dão conversa, mas recebem os papéis com agrado. As máquinas e ferramentas destinadas a partir a pedra são especialmente barulhentas — quem aqui trabalha usa auscultadores para proteger os ouvidos do ruído e máscaras para não engolir o pó que se vai levantando — e por isso o diálogo não é o mais fácil.
A pedra é extraída diretamente das pedreiras, seja de Castro Daire, Vila Pouca de Aguiar ou Vila Real, e transportada para aqui, em Penafiel. “Transportamos o bloco em camião, é colocado à frente do colaborador e eles transformam ali a pedra”. Depois os blocos têm que ser partidos em várias medidas. De todo este trabalho, feito primeiro à mão, e no fim com o auxílio de uma máquina (sempre operada por um trabalhador), saem as pequenas pedras que caracterizam a calçada portuguesa. Nesta indústria não se trabalha só a pedra, mas também a preservação de elementos que compõem as tradições nacionais.
A empresa visitada, M. Barbosa Granitos Lda., foi criada pelo pai de Vitorino há quase 50 anos. Nos tempos mais auspiciosos, chegou a ter cerca de 250 trabalhadores. Hoje, tem apenas 20. “Muitos foram para a reforma, outros foram para fora, à procura de melhores condições de vida e melhores salários”, nota o empresário. “Mesmo os emigrantes já não querem este tipo de trabalho, já não querem este ramo. Querem outro tipo de trabalho melhor, outros salários”, relata.
“Pela minha experiência, de 10 em 10 anos costuma haver uma grande quebra neste ramo, desta vez deve ser a guerra“. Nos últimos seis meses, a empresa praticamente não teve encomendas, e quase todo o trabalho diário é destinado ao stock. “Chegamos a um ponto que é difícil cumprir com toda a gente, com os colaboradores, fornecedores… Isto caiu muito”.
A guerra na Ucrânia fechou portas à maioria das exportações. Antes, chegavam encomendas vindas de países como a Alemanha, Inglaterra, Países Baixos ou França. Agora, face à subida da inflação, estes países seguem outras opções. “A Turquia tem sido um dos nossos concorrentes. Também a Polónia, por estar na fronteira com a Alemanha. A minha faturação caiu para metade, tem vindo a cair e a cair, e vai para menos de metade, se calhar”.
O testemunho serve de exemplo concreto para as reivindicações da CDU em relação à produção nacional, e particularmente para as responsabilidades da União Europeia no caso. “A sujeição da nossa atividade económica e produtiva a condições de concorrência que nos são desfavoráveis leva empresas à redução da sua atividade, ou até mesmo ao seu encerramento“, avisa João Oliveira. “Temos de lutar por políticas contrárias”. Tal como já tinha sublinhado em relação ao setor das pescas, o candidato pede uma maior atenção das instituições europeias às necessidades específicas de cada país.
Vitorino Pereira concorda, e pede mais incentivos às empresas nacionais. “O que a União Europeia deve fazer é colaborar, incentivar as empresas a investir mais”. O empresário dá o exemplo da mão-de-obra jovem, que vai deixando o país à procura de melhores oportunidades: “Com mais incentivos, vão gerar por exemplo mais emprego aos estudantes que estão a ir embora. Precisamos de engenheiros, arquitetos… Mas assim não, os jovens estão a fugir”.
A caravana comunista foi a única a passar pela pedreira de Penafiel, como o próprio Vitorino Pereira admite, mas isso não é sinal de qualquer tipo de preferência política. “Abri a porta à CDU como abro a qualquer pessoa”, nota, antes de deixar uma mensagem que João Oliveira tem procurado combater ao longo de toda a campanha: “Já nasci há alguns anos, mais coisa menos coisa, parece-me tudo o mesmo“, refere. De qualquer maneira, garante estar de espírito aberto, admitindo que este tipo de iniciativas possa vir a melhorar a situação da indústria. E nesse sentido, a visita da CDU já pode ter valido a pena.