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O caso é raro em Portugal, ainda mais raro quando cometido por um menor de idade com apenas 12 anos. No início da tarde de terça-feira um rapaz atacou com uma faca seis colegas no corredor de acesso à sala de aula, na Escola Básica da Azambuja.

Funcionários e alunos descrevem momentos de pânico, que se seguiram às agressões do aluno que, munido de uma faca e a envergar um colete à prova de bala, agrediu indiscriminadamente quem passava por ele. Os agentes da GNR que se deslocaram ao local controlaram o menor e mantiveram-no fechado numa sala de aula enquanto aguardavam pelos agentes da Polícia Judiciária.

Os procedimentos seguintes ainda não foram tornados públicos mas por ter 12 anos, e desde que não tenha uma anomalia psíquica, a criança é abrangida pela Lei Tutelar Educativa e as medidas que lhe serão aplicadas serão decididas — no seu tipo e extensão no tempo — por um Tribunal de Família e Menores.

Criança de 12 anos que esfaqueou colegas é imputável?

Em Portugal, todos os menores de 16 anos são inimputáveis. Tal quer dizer que “são incapazes de culpa e não podem ser julgados”, explica ao Observador o advogado de Direito Penal e professor na Universidade de Coimbra, Nuno Brandão.

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Assim, o aluno da Escola Básica da Azambuja, que tem 12 anos, será abrangido pela Lei Tutelar Educativa. Os factos que praticou são qualificados pela lei como crime — neste caso, o de ofensa à integridade física — mas, sempre que praticados por menores com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, são reclassificados como processos tutelares educativos e passam para a tutela do Direito da Família e Menores em detrimento do Direito Penal.

Que medidas podem ser aplicadas ao menor?

Numa primeira fase, é preciso verificar, através de uma perícia, se esta criança tem uma anomalia psíquica que a “impeça de perceber o processo tutelar educativo”, como esclarece ao Observador Ana Rita Alfaiate, professora na Universidade de Coimbra especializada em Direito Penal da Família e Menores. Se for este o caso, então o menor poderá vir a ser internado numa unidade hospitalar psiquiátrica ou a família terá de “oferecer garantias de que a criança toma a medicação e que vai às consultas necessárias”, de acordo com o diagnóstico que for feito pelos profissionais de saúde.

Se a anomalia psíquica for excluída, a criança é então abrangida pela Lei Tutelar Educativa embora, por ter 12 anos, “não lhe possam ser aplicadas todo o tipo de medidas”, ressalva a jurista.

“Isto foi um horror”. Aluno esfaqueia seis colegas em escola da Azambuja

“A medida mais gravosa — a de internamento em regime fechado num Centro Educativo — só pode ser aplicada a partir dos 14 anos. Mas todas as outras medidas da Lei Tutelar Educativa podem ser-lhe aplicadas”, refere. Assim, o menor nunca ficará retido num Centro Educativo a tempo inteiro, terá sempre possibilidade de saída para o exterior, nomeadamente para frequentar um estabelecimento de ensino.

Entre as medidas que podem vir a ser-lhe aplicadas estão as de “acompanhamento educativo” ou de “reparação aos ofendidos”. De acordo com a jurista, com anos de experiência a acompanhar processos do mesmo tipo, a tendência é “para se aplicarem as medidas que sejam o menos intrusivas possível na vida do jovem e da sua família”.

Como decorre o processo daqui para a frente?

O processo que será aberto no âmbito da Lei Tutelar Educativa é equiparado, na produção de prova, a uma investigação para apurar os factos relativos a um crime de ofensa à integridade física, como esclareceu à Rádio Observador o advogado Miguel Matias.

Portanto, tem de ser garantido direito ao contraditório, através da audição da criança que agrediu os colegas. Será feita a produção de prova e, no final, haverá uma condenação, que neste caso surge na forma das medidas que serão aplicadas ao menor.

A produção de prova está a decorrer desde a tarde desta terça-feira. O caso foi entregue à Polícia Judiciária (PJ) que ouviu a criança, fez as perícias no local e está a investigar. Após as agressões a criança de 12 anos ficou retida numa sala de aula à espera das autoridades competentes. O Observador também apurou que o telemóvel do agressor e os telemóveis de vários alunos foram analisados pela PJ.

Devido a um assalto à escola que decorreu na segunda-feira a PJ não poderá recorrer às imagens de videovigilância, que poderiam servir de prova para verificar o que aconteceu em concreto esta terça-feira. Isto porque o grupo que invadiu o espaço escolar no início da semana “arrancou a cablagem” e “destruiu quase tudo”, revelou o presidente da Câmara Municipal da Azambuja Silvino Lúcio.

As fontes ouvidas pelo Observador não conseguem precisar que este episódio tenha tido diretamente que ver com o ataque desta terça-feira, mas admitem que pode ter afetado a organização da escola e a distribuição dos funcionários pelo recinto da mesma no dia em que o ataque com arma branca teve lugar.

Criança de 12 anos e colegas que foram agredidos poderão ser ouvidos em tribunal?

Segundo Ana Rita Alfaiate, é expectável que os alunos afetados e outras testemunhas sejam ouvidos em tribunal para se apurar tudo o que aconteceu e em que termos aconteceu. Também o agressor será ouvido, sendo cumprindo desta forma o direito ao contraditório.

No processo serão envolvidos os titulares das responsabilidades parentais, sobretudo os da criança que praticou os factos. Dada a idade dos agredidos e do agressor, estes titulares serão coadjuvantes das crianças em todos os procedimentos jurídicos que decorram daqui em diante.

Agressor pode vir a frequentar a mesma escola?

Não é de excluir que o aluno que esta terça-feira esfaqueou seis colegas não seja afastado da Escola Básica da Azambuja. A decisão fica nas mãos do agrupamento de escolas e do Ministério da Educação já que a “lei não tem sanção acessória que exija a transferência de escola”, esclarece Ana Rita Alfaiate.

Assim, se o aluno for internado a tempo parcial num Centro Educativo, as saídas podem ser autorizadas precisamente para frequentar um estabelecimento escolar e nada impede que possa vir a ser o mesmo que até agora frequentou.

O que muitas vezes acontece, segundo a especialista em Direito Penal da Família e Menores, é que a “hostilidade dos pares faça com que ele própria ou os pais peçam o afastamento da escola”. “Mas essa decisão, do afastamento da escola, não é tomada pelo tribunal”, acrescenta.

Os pais desta criança podem ser responsabilizados criminalmente pelos atos do filho menor?

“Não é impossível que os pais do agressor venham a ser acusados de negligência por omissão da vigilância ao menor, mas é muito difícil que tal aconteça de um ponto de vista prático”, refere a jurista. Para uma efetiva responsabilização “todos os nexos de causalidade teriam de ser cumpridos, no sentido de dizer que os pais teriam omitido o essencial da vigilância a que estão obrigados e teria de se provar que, não tendo omitido estes cuidados, teriam conseguido evitar ou diminuir o resultado da conduta do filho”, esclarece.

Para Ana Rita Alfaiate, será “difícil transferir a responsabilidade do ato cometido pelo filho para os pais”. A jurista menciona uma figura do Direito Civil — a culpa in vigilando — que remete para “uma responsabilidade de vigiar os atos de incapazes”. O aluno que cometeu o ataque com faca esta terça-feira é incapaz em função da sua menoridade, mas tal seria “difícil de provar”, reitera.

“O que muitas vezes acontece é que o tribunal apela a uma mobilização dos pais para executar aquela que é a solução encontrada, para que seja dado apoio ao filho para o cumprimento da medida ou medidas da Lei Tutelar Educativa que lhe sejam aplicadas”, explica a professora de Direito.

Além disso, refere que não fica excluída, em paralelo, a abertura de um processo de promoção e proteção de menores. Tal sucederá se houver indícios de que a criança não estava a ser acompanhada pelos pais ou tutelares educativos de forma suficiente. Numa situação limite a guarda da criança poderá mesmo ser retirada aos pais num caso como este.

O agressor é filho de uma professora, de uma outra escola do mesmo agrupamento, e os primeiros relatos dão conta de que seria uma criança “pacata” com uma base familiar estruturada.

É possível que a criança seja mantida em casa?

“A decisão poderá ser, e será com grande probabilidade, uma medida que implique a manutenção da criança em casa com os pais“, entende Ana Rita Alfaiate. Para tal, é necessário que os pais “ofereçam a garantia de que terão as atenções viradas para ela e se comprometam a uma vigilância mais apertada”.

Nestes casos, a preferência é sempre dada a uma solução “menos invasiva e que altere o mínimo possível a vida da criança”. “Não estamos a falar de um criminoso, mas sim de uma criança que carece de educação para o Direito, cujo objetivo da medida que lhe será aplicada não é a privação da liberdade mas sim um trabalho contínuo, aliado à sua família, para que ela se integre nos valores essenciais da comunidade em que está inserida”, descreve a jurista.

Na lei aplicável determina-se mesmo que a medida escolhida deve representar a “menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto”.

Já em relação à determinação da duração das medidas, esta deverá ser “proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto”. Sendo que “a duração da medida de internamento em centro educativo não pode, em caso algum, exceder o limite máximo da pena de prisão prevista para o crime correspondente ao facto”.