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A tradicional brincadeira de crianças Macaquinho do Chinês é jogada com uma boneca assassina na série sul-coreana da Netflix, Squid Game
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A tradicional brincadeira de crianças Macaquinho do Chinês é jogada com uma boneca assassina na série sul-coreana da Netflix, Squid Game

A tradicional brincadeira de crianças Macaquinho do Chinês é jogada com uma boneca assassina na série sul-coreana da Netflix, Squid Game

Chicotadas no Macaquinho do Chinês: professores contam casos na Bélgica e no Brasil inspirados no Squid Game. O que dizem os especialistas?

Crianças devem ser impedidas de ver a série, dizem especialistas. Com os adolescentes, a solução é conversar para saberem lidar com um tipo de violência que, no limite, pode conduzir a sociopatias.

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Tal como uma criança copia um desenho com papel vegetal, as situações parecem decalcadas uma da outra. Ou, entrando no espírito da série Squid Game, um jogo de Dalgona — com um alfinete, é preciso picotar uma forma dentro de um biscoito de açúcar, sem deformar o desenho original. Pelo meio, as duas histórias têm o Atlântico a separá-las. De um lado Brasil, do outro, Bélgica. “Um dia saí muito preocupada da escola”, conta Daniela Félix Castilhos. A professora brasileira é orientadora educacional no Colégio Santa Doroteia do 1.º ao 3.º ano do ensino fundamental (primária). A sua escola é uma das muitas que tiveram de alertar os pais para os conteúdos da série sul-coreana, ultra violenta, que está a ser exibida na Netflix. “Uma menina veio do recreio chorando muito a dizer: ‘Estão brincando de Batatinha Frita, 1,2 3 e por mais que eu não me mova, a mesma menina está a eliminar-me sempre.’”

Na Bélgica, não era Batatinha Frita, o nosso Macaquinho do Chinês. As crianças jogavam 1, 2, 3, Soleil, um jogo que muda de nome consoante o país. As regras permanecem idênticas: quem se mexer depois de dita a frase, perde. Na série fenómeno sul-coreana, ser eliminado do jogo significa morrer. Naquele recreio no município de Erquelinnes significou ser agredido. “Estavam a brincar no recreio e, de repente, uma menina começou a chorar”, explica Sabrina Caci, diretora do Communal d’Erquelinnes Center. “Os professores ficaram preocupados e ela explicou que estava a jogar 1, 2, 3 Soleil e levou uma chicotada na cara com uma corda.”

Crianças estão a imitar jogos de “Squid Game” nas escolas. Autoridades de vários países, incluindo as portuguesas, atentas ao fenómeno

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Em Portugal, não há, até agora, relatos de histórias idênticas, mas tanto pais como diretores de escolas dizem que é preciso estar alerta. O perigo, defendem a psicóloga e a pedopsiquiatra ouvidas pelo Observador, é que crianças e jovens não estão preparados para processar conteúdos tão violentos. As mais novas devem ser impedidas de ver a série, enquanto que com os adolescentes a solução é conversar e prepará-los para lidar com o que veem.

Squid Game está a ser um sucesso de audiências em todo o mundo e é difícil fugir ao merchandising. Em Montreal, uma loja que decidiu vender bolinhos Dalgona (biscoitos coreanos, feitos à base de açúcar, que eram vendidos à porta das escolas — quem conseguisse decalcar a imagem sem parti-la, ganhava um doce novo do vendedor, este é um dos seis jogos da série) tornou-se um sucesso. O mesmo aconteceu num café da Indonésia, que recria vários jogos da série. Já a internet está cheia de máscaras das personagens e tudo aponta para que sejam as mais populares no Dia das Bruxas (e Halloween). Em Roterdão, centenas de pessoas, crianças incluídas, jogaram Macaquinho do Chinês com uma réplica da boneca assassina (precisa ver a série para saber o porquê, mas a boneca é a que tapa os olhos e conta durante o jogo) nas ruas da cidade. Nas Filipinas, a mesma boneca, colocada num centro comercial, disparava os seus olhos vermelhos a quem atravessasse a rua com o sinal vermelho. Em contrapartida, em Bangkok, a polícia alertou os cidadãos para as cenas de assassinato que podem levar os espectadores a envolverem-se em crimes na vida real. Em Espanha, as autoridades policiais avisaram que estão a ser distribuídos cartões de visita com os símbolos da série (outro detalhe que só quem viu sabe do que estamos a falar), só que em vez de um telefone trazem um código QR que não deve ser digitalizado. Os mesmos símbolos, num sinal de trânsito rodoviário, levaram a polícia, no Reino Unido, a brincar com o assunto: a sinalização não leva ao Squid Game. “São apenas orientações para rotas de desvio durante as obras… ufa!”

Alunos de 8 anos desenham as personagens de vermelho

Ouvida por toda a imprensa local, a história de Sabrina Caci, a diretora belga, termina sempre da mesma forma: quando perguntaram aos alunos o que aconteceu, eles falaram da série da Netflix. “O fenómeno foi interrompido imediatamente e nenhum outro incidente ocorreu desde então”, conta a diretora. Apesar disso, o alerta seguiu para os pais.

Ao Observador, Daniela Félix Castilhos conta que, em Porto Alegre, os eventos não ficaram por ali. Em seguida, foram alunos de 8 e 9 anos que desenharam os carrascos da série, uma espécie de guardas prisionais que têm a tarefa de eliminar os perdedores dos desafios, que são sempre jogos tradicionais de crianças. “A outra menina ficou muito marcada com o que aconteceu e quando vi esses desenhos, das personagens de vermelho, com o símbolo do triângulo, fiquei a pensar que eram alunos muito pequenos para ter acesso a esse conteúdo.”

A sua colega Grace Becker, que trata da comunicação do colégio, tratou de escrever o alerta para as famílias. “Não fizemos nenhum juízo de valor sobre a série, que é para adultos. Só queremos fortalecer, junto dos pais, que essa não é uma série para crianças. Foi esse o nosso foco porque tem havido questões de violência, brigas, que acabam sempre com alguém chorando.” Agressões físicas sérias nunca aconteceram, mas, mesmo entre os monitores dos mais novos, crianças de 3 e 4 anos, surgiram relatos de brincadeiras relacionadas com o Squid Game.

Squid Game Causes Soaring Popularity For Nostalgic Korean Candies

Dalgona é um biscoito coreano, feito à base de açúcar, que era vendido à porta das escolas. Quem conseguisse decalcar a imagem sem parti-la, ganhava um doce novo do vendedor. É um dos jogos da série

Getty Images

“Os pais não se privam”, diz Daniela Félix Castilhos. “Quando querem assistir séries não esperam que os filhos vão dormir, acham que as crianças não enxergam, não assistem. O outro problema é a internet. Até as crianças mais pequenas têm celular.”

No Brasil, a situação agravou-se com a pandemia, quando muitas crianças passaram a ter acesso mais fácil à internet. É pelo Youtube que a maioria encontra o Squid Game. “Alguns influencers também falam disso e as crianças encontram o conteúdo em sites que até têm permissão dos pais para visitar. Essa é uma dimensão preocupante: mesmo que o pai e a mãe controlem os conteúdos que a criança vê, ela está a recebê-los por outros meios.”

Portugal sem registos, por agora

Por enquanto, nas escolas portuguesas não há registo de que a série sul-coreana tenha influenciado as brincadeiras nos recreios, diz Filinto Lima, presidente da ANDAEP, associação de diretores de agrupamentos e escolas públicas. O mesmo não quer dizer que se possa desviar a atenção. “Indaguei junto de vários diretores e, para já, não tem repercussões. Mas atenção, não tenho dúvidas de que os nossos jovens estão a ver a série.”

Em Portugal, lembra o diretor, este género de fenómenos chega sempre com algum atraso e com menos intensidade. “Se já aconteceu noutros países, vai chegar cá. Há uns anos, quando o Baleia Azul chegou a Portugal não teve a dimensão de outros países.”

O Baleia Azul era um jogo com 50 desafios diários que incluíam automutilação, e o último era o suicídio. Em Portugal, houve dezenas de queixas sobre o jogo e vários jovens foram internados, mas nunca nenhum chegou a tirar a própria vida, tanto quanto é possível saber. O primeiro caso, no Algarve, foi o de uma jovem de 18 anos que saltou de um viaduto. Apesar de ferida, escapou com vida e no hospital confessou que estava a jogar Baleia Azul.

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“Somos serenos demais”, diz Jorge Ascenção, referindo-se ao povo português. Até à data, não chegou ao presidente da Confap, confederação de associação de pais, nenhuma queixa relacionada com violência inspirada na série da Netflix. “Isto não quer dizer que podemos estar descansados. Devemos ter uma cultura preventiva não só sobre esta série, mas sobre jogos violentos, sobre o respeito da cidadania, xenofobia, racismo.” Por isso, defende que as escolas devem pôr estes conceitos em prática e não apenas falar deles.

"Há algumas questões perigosas que se levantam com esta série: o jogo da manipulação que está subjacente, já que usa jogos de infância, que são prazerosos e que nos espoletam memórias positivas, e que são transformados num fim violento e negativo, como a morte dos jogadores."
Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos

“Se estamos a falar de democracia, devemos ter espaços para dialogar, espaços de debate, desenvolver a consciência cívica dos alunos e envolver as famílias”, diz o presidente da Confap. Às famílias, pede que estejam atentas e para que a série não seja vista pelos mais novos, “que não têm capacidade para assimilar o que veem”. Nas redes sociais, a Confap tem vindo a divulgar notícias sobre os perigos da série e Jorge Ascenção não descarta a hipótese de, muito em breve, a confederação preparar um comunicado para ser enviado aos associados.

O problema, no entanto, não se esgota nesta série que, tal como outras modas, também passará. “Falamos dela agora porque teve audiências muito altas, mas existe o problema recorrente dos jogos violentos. A família é a célula da sociedade, mas já não é a instituição onde mais se trabalha a educação”, diz Jorge Ascenção. Para além de as crianças passarem mais tempo nas escolas, há muitas famílias desestruturadas sem capacidade de ter a atitude preventiva necessária. “A nível familiar, temos uma percentagem muito significativa de negligência. Não podemos esperar que quem não tem respeito por si próprio, respeite as crianças. É por isso que é perigoso dizer que deve partir da família. Se a família não é capaz de exercer o controlo parental, o que vai acontecer a estas crianças?”, questiona o presidente da Confap.

Sem deixar de pedir responsabilidade aos pais, deve trabalhar-se também a família. “Há famílias desestruturadas, marginalizadas, para não dizer outra coisa, que vivem situações muito complexas e temos de assumir isto. O pecado que estamos a cometer enquanto sistema é que trabalhamos — e bem — nas escolas, mas descuramos o trabalho que deve ser feito nas comunidades.”

O conselho de Filinto Lima que, para já, põe de parte uma tomada de posição conjunta das escolas, é que todos os olhos estejam vigilantes. “As escolas são muito diferentes e, com certeza, no meio rural não haverá as repercussões que pode haver no meio urbano. Os professores já ouviram falar da série, da extrema violência, e estão vigilantes”, defende. Aos pais compete fazer o mesmo.

Apesar de tudo, Filinto Lima acredita que não é tempo de alarmar ninguém. A melhor forma de lidar com algum caso que surja, de forma isolada, é perceber por que motivo os intervenientes estavam a violar as regras da sã convivência, e tomar as medidas necessárias para que não se repita.

A prevenção, para o diretor, é a pedra de toque nas questões que envolvem violência e a Escola Segura, programa da PSP, é a principal aliada. “Os agentes vão às escolas falar de muitos temas, de bullying, de violência no namoro. Havendo um caso, deve pedir-se de imediato a sua intervenção.” As aulas de Cidadania e Desenvolvimento são outro momento em que as escolas, acredita o diretor, podem trabalhar estas questões.

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Do lado da PSP, o intendente Guinote, chefe da Divisão do Policiamento de Proximidade, garante que as autoridades estão a acompanhar a situação e até agora não há qualquer ocorrência. “Hoje em dia qualquer criança que pegue num comando e faça zapping pode encontrar cenas de violência. O tirar a vida está-se a tornar entretenimento e é banalizado”, critica. “De vez em quando vão aparecendo fenómenos, Pokémon, Baleia Azul e agora Squid Game, mas quando chegam a Portugal já chegam em forma de alerta e não de desafio”, diz.

Chinese Manufacturers Rush To Monetize On Netflix Show Squid Game Merchandise

O fato dos carrascos da série entrou no mundo infantil, através de peluches e de máscaras

Getty Images

Memórias doces com fim amargo. A manipulação dos sentimentos

As crianças e os jovens não estão preparados para conseguir processar conteúdos muito violentos, como de Squid Game, de forma adequada. E mesmo pondo de lado as crianças, e olhando apenas para os jovens, entre estes muitos têm falta de maturidade para conseguir fazê-lo. Por vezes, até alguns adultos. O efeito? “Pode levar a alterações a nível de comportamento e emocional. São conteúdos que, a meu ver, deviam ser para maiores de 18 anos”, defende a pedopsiquiatra Alda Mira Coelho.

A postura dos pais deve variar consoante a idade do menor em causa. “Com as mais novas é mais fácil, deve-se bloquear estes conteúdos. Com os adolescentes é mais complicado porque, quer através dos colegas, quer através de desvios tecnológicos que os pais não entendem, conseguem vê-los”, sustenta. Por isso, aos adultos cabe fazer uma supervisão de acordo com a idade, diz Alda Mira Coelho, lembrando que quando se trata de jovens mais crescidos, uma proibição pode apenas fazer aumentar o desejo.

“Os pais de crianças têm obrigação de evitar que vejam este tipo de conteúdo, têm o direito de usar bloqueios e devem saber o que veem porque elas não têm capacidade para se regular”, argumenta a psiquiatra da infância e adolescência. Já com os adolescentes, o mais adequado é comunicar, falar sobre os riscos, ver a série com eles e conversar, refletindo sobre o que que viram.

Opinião semelhante tem a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, que começa por dizer que ainda não existem dados para falar de mudanças de comportamento ligadas a esta série, uma vez que se estreou há pouco tempo. Isso não significa que não lhe encontre perigos. “Há algumas questões perigosas que se levantam com esta série: o jogo da manipulação que está subjacente, já que usa jogos de infância, que são prazerosos e que nos espoletam memórias positivas, e que são transformados num fim violento e negativo, como a morte dos jogadores.”

Sofia Ramalho diz que esta manipulação de sentimentos, que nem todos estão capacitados para perceber, pode ter impacto negativo até nos adultos por haver uma ambivalência dos afetos: “Até podem perceber que há conteúdo de violência na série, mas não percebem o grau de manipulação.”

A situação piora quando se fala de adolescentes. “São um grupo altamente vulnerável, ainda estão na fase de construção das suas emoções, de regulação de emoções, têm mais dificuldade em ter sentido crítico e perceber o que está em causa.” Por isso mesmo, Sofia Ramalho não tem dúvidas: a série não é para ser vista por crianças. “A atitude do pai de um jovem até aos 16 anos deve ser de dizer que não é para ser vista. A partir daí é importante que haja muito diálogo, um diálogo crítico, que possa aumentar o sentido crítico daquele jovem face à manipulação”, defende a psicóloga.

“Estes conteúdos camuflados de forma inocente são ainda mais perniciosos e vão habituar os cérebros das crianças a uma banalização do sofrimento dos outros. Têm um efeito de anestesia emocional e cria-lhes a ideia de que se deve sobreviver a qualquer preço.”
Alda Mira Coelho, pedopsiquiatra

Anestesia emocional. O sofrimento dos outros perde importância

Os perigos de ver conteúdos violentos são muitos e ainda maiores quando se trata de jovens que já têm algumas vulnerabilidades. “Estes conteúdos camuflados de forma inocente são ainda mais perniciosos e vão habituar os cérebros das crianças a uma banalização do sofrimento dos outros. Têm um efeito de anestesia emocional e cria-lhes a ideia de que se deve sobreviver a qualquer preço”, defende Alda Mira Coelho.

Para além disso, a psiquiatra da infância e da adolescência defende que pode levar a uma distorção da relação com os outros, numa altura em que os relacionamentos entre jovens já são muito marcados pelo isolamento, mesmo quando estão em grupo, já que todos estão a olhar para um ecrã.

“Já há uma dependência muito grande do ecrã e há jovens que alteram os seus horários para poder jogar”, explica. Aliado a isso, conteúdos violentos, presentes em muitos dos jogos preferidos das crianças e adolescentes, conduzem a irritabilidade, perda de sono, perda do rendimento escolar, aumento de agressividade gratuita, maior impulsividade, pouca resistência à frustração e até à perda de empatia pelo sofrimento dos outros. E pode conduzir a sociopatias? “Em situações extremas, quando se trata de crianças que já são vulneráveis, pode conduzir a isso, principalmente se não houver um ambiente familiar protetor que os ajude a dividir o real do imaginário e a criar modelos relacionais mais adequados.”

As crianças, explica, têm necessidade de descarregar emoções negativas e cabe aos adultos ajudá-las a encontrar outras formas de o fazer que não passe, por exemplo, pelos jogos violentos. “Há outras vias de descarga, o desporto é muito bom para isso. Se não tiverem alternativa, vão-se refugiar nos jogos como compensação das frustrações”, explica Alda Mira Coelho.

Conversar, conversar, conversar. É bom trocar ideias sobre o assunto

Em Portugal, a associação de defesa das crianças AjudAjudar foi uma das entidades que lançou o alerta aos pais. Acima de tudo, pretende-se que os pais estejam atentos ao que se passa à sua volta e aos conteúdos que os filhos estão a ver.

“Proibir não adianta muito. Os pré-adolescentes e adolescentes conseguem contornar essas proibições. A série está disponível na Netflix, mas também há conteúdos disponíveis nas plataformas a que os jovens têm acesso, como o Tik Tok”, diz Tito de Morais, membro da direção da AjudAjudar. O mais importante, acredita, é os pais falarem com os filhos sobre comportamentos violentos e, aproveitando o tema da série, até sobre a dependência de jogo.

“Hoje em dia há uma banalização da violência e ela entra pela nossa casa dentro de muitas formas: nos telejornais, nas séries, nos filmes, nos jogos. Nos anos 1960 e 70, víamos filmes de cowboys e índios a serem dizimados e reproduzíamos o que víamos. Mas nessa altura, uma mancha de sangue era muito”, diz Tito de Morais. Os tempos mudaram e a exposição dos jovens a certos conteúdos também.

"Proibir não adianta muito. Os pré-adolescentes e adolescentes conseguem contornar essas proibições. A série está disponível na Netflix, mas também há conteúdos disponíveis nas plataformas a que os jovens têm acesso, como o Tik Tok.”
Tito de Morais, membro da direção da AjudAjudar

Embora não haja dados portugueses, nos Estados Unidos as estimativas da ONG Nemours Children’s Health apontam para que antes de chegar aos 18 anos, cada criança norte-americana seja exposta a 200 mil atos de violência na televisão.

“O que os miúdos veem em grau de violência é multiplicado por 10 ou 100 em relação ao que nós víamos”, diz, sublinhando que a reprodução desses conteúdos num recreio de uma escola pode ter consequências graves. “É preciso falar com os miúdos, explicar o que é tolerado e não é tolerado, deixar claro quais os valores que respeitamos.”

Tito de Morais recorda que, a partir de certa idade, a pressão dos pares é muito maior e tem muito mais importância do que qualquer coisa que os pais possam dizer. Por isso, defende que o importante é dar-lhes ferramentas para, se forem desafiados, serem capazes de dizer não. “É brutal o desafio dos pares e, por isso, é importante saberem a importância de resistir e de que certas coisas não são para ser seguidas.”

Os pais de hoje, diz, têm de ser também pais online para não deixarem que seja a internet a educar os seus filhos. Quantos aos bloqueios tecnológicos, Tito de Morais defende que os problemas comportamentais não se resolvem com filtros. “Podem ajudar a minimizar o problema, mas só por si não o resolvem.”

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Autoestima, pensamento crítico e mais competências emocionais

O papel dos pais, para evitar comportamentos desadequados como fruto da exposição à violência, passa por ajudar os filhos a reforçar a autoestima, ajudá-los a ter mais tolerância à frustração, a serem capazes de se autorregular. Um bom exemplo são os jogos de tabuleiro, em família, que trabalham várias competências emocionais, como, por exemplo, a capacidade de esperar pela sua vez e de lidar com a frustração de perder, aponta Alda Mira Coelho.

“Mais do que proibir certos conteúdos, é conversar com eles, comunicar. Ajudá-los a perceber os jogos, a saber o que devem evitar, promover a autorregulação”, diz a pedopsiquiatra. Para fazê-lo, um dos truques dos pais deve ser saber dizer não às crianças, mas um não certo. “Dizer o não da forma correta, ao invés de um não redondo, mostrando que se gosta delas, dando-lhe uma alternativa para o que querem fazer, ajuda as crianças mais pequenas a ultrapassar a birra.”

Os pais, muitas vezes culpabilizados pela falta de tempo, tentam compensar os filhos pela sua ausência de forma material. “Isto cria nas crianças uma falsa sensação, satisfaz um prazer imediato. Cria-lhes um baixo limiar à frustração e quando não têm o que pretendem entram em descontrolo.” A seguir, é a bola de neve: com baixo nível de resistência à frustração, também não se esforçam pelo que querem e têm maior dificuldade em cumprir regras, não conseguindo esperar para satisfazer desejos de imediato.

Falar é então a melhor solução ou vamos pô-los de antenas em pé? A psicóloga Sofia Ramalho aponta os estudos que existem. “Falou-se muito sobre se ir às escolas alertar para os perigos do consumo de droga e álcool não podia ter o efeito de aguçar a curiosidade. O que se concluiu é que é mais importante aumentar a literacia sobre estes assuntos, e dar aos jovens competências para saberem lidar com estas questões do ponto de vista cognitivo, emocional e intelectual.”

Para evitar que os jovens se vejam envolvidos em situações complicadas, a psicóloga fala da importância dos pais estarem atentos, vigiarem e monitorizarem o que veem. E conversarem. Para além disso, aponta a importância de serem desenvolvidas as competências socioemocionais, para que sejam capazes de se autoregular perante uma situação destas.

“É uma pena que os pais não tenham tempo para refletir e para dar alternativas aos filhos”, conclui Alda Mira Coelho. “É preciso comunicar com os filhos, estar mais tempo com eles, desenvolver a linguagem dos afetos e estar atento a sinais de alarme, e perceber quando eles precisam de um bocado de colo e de uma descarga emocional.”

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