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“Prezydent tut.” Quando Volodymyr Zelensky filmou um vídeo com o seu telemóvel, no qual dizia “o Presidente está aqui”, a Ucrânia tinha sido invadida pela Rússia há poucas horas. Era a segunda madrugada da guerra e as regras de segurança ditavam que o Presidente ucraniano estivesse protegido num bunker, preparado para o efeito. Não quis, assim como não quis seguir as regras de segurança noutras alturas, como o próprio acabaria por contar em diferentes entrevistas. Naquele momento, no vídeo do “estamos todos aqui”, Zelensky estava acompanhado por um grupo restrito de políticos, entre eles Denys Shmygal, primeiro-ministro.
O que não aparece naquela imagem são duas peças fundamentais da sua segurança, que o têm seguido por todo o lado: um colete à prova de balas fabricado na Turquia — o mesmo país que tem enviado os famosos drones Bayraktar para a Ucrânia — e a sua sombra, um homem alto, de semblante sério, que já foi guarda-costas de um dos oligarcas mais ricos da Ucrânia.
À medida que os dias de guerra avançam, o Presidente tem deixado para trás o colete à prova de bala. Maksym Doniec é outra história e é mais fácil encontrar uma fotografia de Zelensky com o guarda-costas ao lado, do que uma em que Maksym esteja ausente.
Há poucos dias, a 15 de setembro, a segurança do chefe de Estado foi colocada em causa. Depois de já ter sofrido vários atentados — pelo menos três confirmados por secretas do Ocidente, mas mais de dez, segundo o seu gabinete —, Zelensky esteve envolvido num acidente de viação. Poucos detalhes foram revelados, mas as autoridades ucranianas avançaram que o condutor do carro que embateu contra vários veículos da comitiva do Presidente estava sob efeito de drogas. Foram os médicos que acompanham Zelensky quem prestou os primeiros socorros ao condutor, com um vídeo desse momento a circular nas redes sociais.
“O Presidente foi examinado por um médico, e não foi verificado nenhum ferimento grave”, indicou Sergei Nikirofov, assessor da Presidência, numa publicação do Facebook. “Todas as circunstâncias do acidente” serão investigadas. Zelensky regressava a Kiev depois de uma visita às tropas de Kharkiv, nos territórios recuperados pela Ucrânia.
Maksym: casado, uma filha e uma ligação a um polémico oligarca
Foi no início da vida política de Volodymyr Zelensky, quando a carreira de ator ficou para trás, que Maksym Doniec (também transliterado Donets) entrou em cena. Não foi tranquilo. Quando o homem se tornou a sombra de Volodymyr, em 2019, para proteger o então candidato presidencial, o dedo foi rapidamente apontado às suas origens. Maksym tinha sido guarda-costas de um dos mais ricos e polémicos oligarcas ucranianos, exatamente aquele que diziam controlar Zelensky como um fantoche: Ihor Kolomoyskiy.
A agência Reuters foi um dos órgãos da imprensa internacional que provou a ligação entre o empresário e o guarda-costas, encontrando fotos dos dois juntos em diversas ocasiões.
Kolomoyskiy foi co-fundador do Privat Bank — o maior banco comercial da Ucrânia, mais tarde nacionalizado por suspeitas de fraude que envolviam o milionário — e ainda do Privat Group, com empresas em praticamente todos os setores da economia. Entre os seus muitos negócios estava o canal de televisão onde Zelensky, ainda no papel de ator de comédia, ganhou fama. E não era segredo que quando Ze, como era conhecido, passou de Presidente da Ucrânia numa série de ficção para candidato presidencial na vida real, o apoio de Kolomoyskiy foi determinante.
A relação entre o empresário e Petro Poroshenko, anterior Presidente ucraniano, não era boa e o oligarca chegou a compará-lo a Viktor Yanukovych — deposto do cargo de Presidente na sequência da revolução Euromaidan (2014). Em contrapartida, o oligarca apoiou vários políticos com posições anti-Rússia e, entre eles, Zelensky.
Os críticos do agora Presidente acusavam-no de ser um brinquedo nas mãos do oligarca, num país onde a corrupção institucional se mantinha um problema sério e era um entrave para a adesão à União Europeia. Em 2021, no índice de perceção de corrupção da Transparência Internacional, a Ucrânia tinha uma péssima classificação, ficando em 122.º lugar numa lista de 180 Estados.
Nesse mesmo ano, o empresário e a sua família foram proibidos de visitar os EUA devido às suspeitas de corrupção. Vladimir Putin, Presidente russo, chegou a dizer publicamente que Kolomoyskiy era um “bandido único”, que “até conseguiu enganar Roman Abramovich”, o oligarca russo que tem cidadania portuguesa por ser descendente de judeus sefarditas.
Zelensky terá retirado cidadania ucraniana a um dos oligarcas mais poderosos do país
Ver Maksym a proteger Zelensky durante a campanha presidencial parecia ser a prova que faltava para demonstrar a sua intimidade com o oligarca. Sobre o assunto, o então candidato não se alongou muito.
“Temos um contrato com uma empresa que lida com segurança e proteção. Isso é tudo. Andriy Bohdan é um dos sócios, não sei qual é o negócio, quem manda. São três empresas que prestam serviços jurídicos ao nosso partido”, disse o candidato, na altura em que a identidade e as ligações de Maksym foram reveladas pela imprensa. O sócio de que Zelensky falava, Bohdan, era advogado de Ihor Kolomoysky, e acabaria por vir a chefiar o gabinete do Presidente da Ucrânia.
Além do nome, pouco mais foi revelado sobre Maksym: é casado, tem uma filha, e guia (ou guiava, antes da guerra) um carro de 2011. Sabia-se ainda que tinha direito a morar numa unidade militar. Depois de ganhar as eleições, o novo Presidente da Ucrânia nomeou Maksym chefe do seu serviço de segurança. Já este ano, depois do início da guerra, foi agraciado com o posto de general de brigada (posto entre o de coronel e o de general de divisão).
Antes da guerra, onde Zelensky estivesse, Maksym estava também, como, por exemplo, quando o casal presidencial visitou o Vaticano e teve uma audiência com o Papa Francisco, em fevereiro de 2020.
Depois do início do conflito, nos vários momentos em que o chefe de Estado recebeu outros políticos, como o Presidente francês Emmanuel Macron, o chanceler alemão Olaf Scholz, o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson ou o secretário-geral das Nações Unidas António Guterres, Maksym esteve sempre lá (mesmo que dois passos atrás).
Um conjunto especial para um homem musculado e relativamente baixo
Foi quando viu as imagens na televisão que percebeu o que tinha acontecido. Volodymyr Zelensky envergava um colete e um capacete à prova de balas que Hüseyin Yazar conhecia bem: aquele equipamento militar era fabricado na Turquia, na Garanti Kompozit, empresa a que preside, contou ao Wall Street Journal.
Quando a Ucrânia foi invadida, a produção da fábrica de capacetes e coletes militares aumentou: o país precisava de equipamento e a Turquia podia fornecê-lo. Foram encomendados dezenas de milhar de conjuntos, contou o presidente, e, dias mais tarde, chegou uma encomenda mais específica: um conjunto especial para um homem musculado e relativamente baixo. Quando viu Zelensky no noticiário, foi só juntar dois mais dois.
A mesma história foi contada, em abril deste ano, pelo gerente da fábrica. “Pediram-nos 20 capacetes e coletes para Zelensky e a sua equipa, nós enviámos, e ficámos contentes quando o vimos na televisão”, contou Vedat Tüzer, durante uma visita do ministro turco da Indústria e da Tecnologia, Mustafa Varank, à zona industrial de Yozgat, onde fica a unidade fabril.
Quantos são os guarda-costas de Volodymyr Zelensky? Ninguém sabe ao certo, como é suposto em todos os assuntos que envolvem segurança do Estado. Apesar disso, foi noticiado que o Presidente aumentou a sua equipa de proteção — que rondaria os 10 a 15 homens nas presidências anteriores — para perto de 70 elementos depois da guerra, informação que o governo ucraniano nunca confirmou.