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Começou o impeachment à porta aberta. Três respostas para perceber o que aí vem para Trump

As câmaras de TV ligaram-se e o espetáculo começou com as audiências abertas do processo de destituição de Trump. Quem são as testemunhas? Que diferença podem fazer? 3 respostas sobre o impeachment.

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3, 2, 1 — ação. A partir desta quarta-feira, o processo de impeachment aberto pelos democratas ao Presidente Donald Trump passa a ser transmitido em direto na televisão, com audiências a testemunhas à porta aberta. Agora, os norte-americanos e o resto do mundo vão poder ouvir cada pergunta incisiva, cada silêncio comprometedor, cada testemunho bombástico. Ou então, simplesmente, poderão assistir a horas de audiências com procedimentos rotineiros e banais. Depende do que vier a acontecer — ou até, in extremis, do ponto de vista de quem vê.

É mais um etapa de um caso que começou em setembro, quando a liderança do Partido Democrata na Câmara dos Representantes decidiu abrir formalmente um processo de investigação a uma possível destituição do Presidente (impeachment), tendo como ponto de partida a denúncia de um membro dos serviços de informação norte-americanos sobre uma chamada telefónica entre Donald Trump e o seu homólogo ucraniano, Volodymir Zelensky.

A chamada de Trump com Zelensky foi o pontapé de saída para o processo de impeachment

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A tese dos democratas é simples: Trump poderá ter pressionado o Presidente ucraniano para investigar um seu rival político, o democrata e candidato à presidência Joe Biden, oferecendo como contrapartida um pacote de ajuda financeira e militar, que já estava previamente aprovado pelo Congresso. Ou seja, o Presidente americano pode ter ameaçado não entregar essa ajuda, caso os ucranianos não investigassem Biden e o seu filho, Hunter, que tinha feito negócios no país. Para sustentar esta tese, os democratas apontam para a transcrição da chamada telefónica — que os funcionários da Casa Branca guardaram num sofisticado sistema de alta segurança — e para a atuação do advogado pessoal do Presidente, Rudy Giuliani, que tem feito lobby nesse sentido na Ucrânia.

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“As ações que o Presidente levou a cabo até agora violaram seriamente a Constituição”, acusa a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi. Do outro lado, o Presidente diz que tudo se trata de uma “caça às bruxas” e de que não houve nenhum quid pro quo, mas simplesmente um incentivo a que os ucranianos combatam a corrupção no seu próprio país. Esta quarta-feira, os holofotes ligaram-se e as câmaras começaram a gravar, com William Taylor e George Kent a serem os primeiros a testemunhar, a partir das 10h (hora local, 15h em Lisboa). Sexta-feira é a vez de Marie Yovanovitch, a partir das 9h (14h em Lisboa). Para começar, os líderes democrata e republicano no Comité de Informação, Adam Schiff e Devin Nunes, têm até 45 minutos cada para fazerem as perguntas que bem entenderem ou passarem a sua vez a outros colegas. Que testemunhas terão pela frente? E como podem estas primeiras audiências influenciar este processo?

Quem são as primeiras testemunhas a ser ouvidas esta semana?

William Taylor, diplomata de carreira, é o encarregado de negócios norte-americano em Kiev

SOPA Images/LightRocket via Gett

William Taylor

Antigo comandante da Guerra do Vietname, herói de guerra condecorado e diplomata de carreira, a William Taylor não faltam credenciais. Trabalhou em embaixadas soviéticas e em territórios complicados no Médio Oriente como o Iraque e o Afeganistão. Mas foi em 2006, durante a presidência de George W. Bush, que Taylor foi nomeado embaixador na Ucrânia, posto que ocupou até 2009. Em 2019, foi nomeado novamente para Kiev, como encarregado de negócios da embaixada. A sua reputação é impecável: “O embaixador Bill Taylor é uma pessoa íntegra, com uma base ética forte”, disse ao New York Times o antigo vice secretário de Estado de George W. Bush R. Nicholas Burns. “Não é possível encontrar um funcionário público mais credível e universalmente respeitado para testemunha neste caso”, acrescentou o antigo embaixador Stephen Sestanovich.

A sua audição é particularmente relevante porque, a manter-se o que já testemunhou à porta fechada, Taylor considera que há provas de um quid pro quo explícito: ou seja, que foi exigida a investigação aos Bidens em troca da ajuda financeira e militar a Kiev. “Esse foi o meu entendimento claro, que o dinheiro da assistência de segurança só viria quando o Presidente [ucraniano] se comprometesse com o avanço da investigação”, disse o diplomata na audição à porta fechada do Comité de Informação no início de novembro. Questionado por Schiff se tem a noção clara de que isso é a definição de quid pro quo, Taylor respondeu simplesmente “tenho”.

Para além disso, o diplomata afirmou ter preocupações com um “canal informal e irregular” que estaria a ser criado entre os Estados Unidos e a Ucrânia, naquilo que alguns interpretam como uma referência a Rudy Giuliani e aos seus contactos com Kiev. Contudo, Taylor limitou-se a implicar Giuliani nesse quid pro quo, não sabendo precisar se o Presidente esteve ou não envolvido nessa proposta à Ucrânia. Contudo, disse ter “sentido qualquer coisa estranha” quando um funcionário com ligações diretas ao Presidente lhe pediu para que outros responsáveis fossem deixados de fora de uma chamada com Zelensky.

Outro ponto relevante do testemunho inicial de Taylor foram as referências ao antigo conselheiro de segurança John Bolton. O ex-embaixador garante que Bolton lhe pediu para que transmitisse ao secretário de Estado Mike Pompeo que tinha preocupações sobre a demora da entrega da ajuda financeira aos ucranianos. Também disse que Bolton estava preocupado com a chamada telefónica entre Trump e Zelensky que estava marcada, porque “pensava que iria ser um desastre” ainda antes de ela acontecer. “E ele afinal estava certo”, acrescentou o diplomata. Resta agora saber se Bolton virá a testemunhar perante o Comité de Informação.

George Kent é especialista em assuntos da Europa e Eurásia e trabalha para o departamento de Estado

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George Kent

O seu título formal é o de vice-assistente do secretário de Estado para os Assuntos Europeus e da Eurásia. Na prática, Kent é reconhecido como um funcionário do departamento de Estado profissional e bastante especializado nos assuntos ucranianos: “É um dos especialistas mais destacados do governo americano para a Ucrânia”, disse à CNN a antiga funcionária do departamento de Estado Molly Montgomery, que descreveu ainda Kent como alguém que “não tem receio de expressar as suas opiniões”.

No testemunho à porta fechada, George Kent deixou claro que considera altamente irregular a forma como Rudy Giuliani comunicava com responsáveis ucranianos, à margem da diplomacia oficial norte-americana. Kent descreveu mesmo como uma “campanha de mentiras” as ações levadas a cabo pela equipa de Giuliani sobre a ex-embaixadora norte-americana em Kiev, Marie Yovanovitch, que foi afastada do seu posto.

Kent explicou também, contudo, que a sua visão sobre a atuação de Giuliani não era partilhada por todos dentro da administração Trump. O enviado especial da presidência à Ucrânia, Kurt Volker, considerava melhor não alienar o advogado por considerar que isso poderia significa alienar o Presidente, explicou George Kent. “Pelo que entendi, Kurt estava a pensar de forma tática e eu tinha preocupações estratégicas” — ou seja, segundo Kent, Volker pensava a curto-prazo e ele a longo-prazo.

Marie Yovanovitch foi afastada do cargo de embaixadora da Ucrânia este ano

AFP via Getty Images

Marie Yovanovitch

Yovanovitch é uma diplomata de carreira do departamento de Estado norte-americano que passou por países como o Quirguistão ou a Arménia e que foi nomeada embaixadora na Ucrânia em 2016. Durante a presidência Trump foi envolvida num escândalo político: Rudy Giuliani, a par de outras figuras como o ex-procurador ucraniano Yuri Lutsenko acusaram-na de estar envolvida numa conspiração para abafar casos de corrupção que beneficiariam a campanha de Hillary Clinton e que, de acordo com Giuliani (e o ex-diretor de campanha de Trump, Paul Manafort) estariam a ser levados a cabo para ajudar a eleição da democrata na campanha contra Trump.

As alegações foram desmentidas pelo próprio departamento de Estado norte-americano e Lutsenko também se retratou dessas afirmações. Apesar disso, em maio, a embaixadora foi afastada do cargo, mesmo sendo considerada “cautelosa, meticulosa e alguém que segue as regras”, pelo ex-embaixador na Ucrânia John Herbst, em declarações ao The Guardian.

No testemunho à porta fechada, Marie Yovanovitch disse-se “incrivelmente ingénua”, por nunca ter imaginado no que lhe viria a acontecer ao longo dos últimos meses. De acordo com a antiga embaixadora, houve ucranianos a fazerem-lhe avisos diretos de que deveria “ter cuidado”, pois Giuliani via-a como um “obstáculo”. Por fim, acabou por ser-lhe dito que deveria voltar para os EUA: “Eles estavam preocupados dizendo que eu devia estar fisicamente fora da Ucrânia. [Essa saída prévia] era para eu ser tratada com o maior respeito possível”. Ou seja, aquilo que lhe foi dito é que havia o risco de ser publicamente demitida ou de perder a confiança por parte do Presidente ou da Casa Branca, caso não abandonasse Kiev.

O testemunho de Yovanovitch revelou ainda que a embaixadora considera não ter sido defendida pelo seu superior direto, o secretário de Estado Mike Pompeo. De acordo com a antiga embaixadora em Kiev, Pompeo limitou-se a telefonar ao apresentador de televisão da Fox News, Sean Hannity, a perguntar se havia algum fundo de verdade nas acusações que andavam a ser feitas na sua televisão à embaixadora, de que estaria a abafar escândalos relacionados com norte-americanos nos EUA.

O que esperar da parte dos congressistas?

Depois da primeira semana de audiências públicas, o mais certo é seguir-se pelo menos outra semana com várias testemunhas a serem ouvidas em frente às câmaras. Neste momento sabe-se que, como aponta o Politico, o processo é liderado pelos democratas e os congressistas republicanos querem trazer as suas própria testemunhas — mas elas têm de ser pré-aprovadas pelo presidente do Comité de Informação, Adam Schiff. Este não parece disposto a ajudar os republicanos — que pedem, por exemplo, a presença do próprio Hunter Biden —, dizendo que o processo de impeachment não servirá de “veículo para avançar com as investigações fraudulentas aos Bidens”.

Esta terça-feira, o site Axios divulgou um documento interno com aquilo que parece ser a estratégia que o Partido Republicano adotará, quer dentro do Comité de Informação, quer depois em entrevistas. Nesse documento, pode ler-se que a transcrição da conversa entre Trump e o Presidente Zelenksy “não demonstra provas de pressão”, que os dois “disseram não ter havido pressões na chamada”, que o governo ucraniano “não tinha noção de que a ajuda financeira estava retida” e que essa ajuda “foi dada à Ucrânia em setembro de 2019”.

Adam Schiff é o presidente do Comité de Informação, democrata, que irá liderar o processo de acusação do impeachment

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Por outro lado, os congressistas democratas deverão tentar usar sobretudo o testemunho do embaixador William Taylor a ser favor, já que este deixa claro considerar que os ucranianos estavam a par do atraso na entrega da ajuda financeira e do que lhes seria exigido em troca para a obterem. A 23 de outubro, o New York Times publicou um artigo onde garantia que “responsáveis de alto nível” na Ucrânia tiveram acesso à informação de que a ajuda estava congelada em agosto e de que tal não se devia a questões de “burocracia”, mas que deviam antes falar com o chefe de gabinete da Casa Branca.

Contudo, numa situação de audiências públicas num processo de impeachment, o que tem mais impacto não são necessariamente as provas ou as alegações. “Tem de ser escrito como se fosse um programa de televisão. Não apenas os vários episódios (como qual a ordem pela qual as testemunhas são chamadas), mas como são escritos os próprios episódios. O que é que cada membro vai abordar? Qual a ordem que vai ser utilizada? Quem é que irá rebater os argumentos dos republicanos? Tem de ter um argumento incrível”, aconselhou um antigo conselheiro de Barack Obama, Dan Pfeiffer, no podcast Pod Save America, como aponta o The Guardian.

Qual será o resultado provável deste processo de impeachment?

As declarações de Pfeiffer ilustram bem o quão relevante esta nova fase do impeachment é. A partir do momento em que as câmaras de televisão entram no Capitólio, o processo de destituição de um Presidente passa para a sua fase mais fulcral: a de convencimento da opinião pública. Foi isso que aconteceu nos anteriores casos, em particular o de Richard Nixon, com a taxa de popularidade do Presidente a descer à medida que o processo avançava em público. É isso mesmo que apontam os dados do Pew Research Center, que demonstram a correlação clara.

Significa isso, porém, que o facto de o processo de impeachment se tornar aberto ao público prejudicará gravemente Donald Trump? Não necessariamente. Por um lado, continua a ser preciso provar que houve “altos crimes ou delitos”. Por outro, é preciso convencer não apenas a maioria dos congressistas na Câmara dos Representantes, como também no Senado, onde o Partido Republicano tem maioria. Por fim, o processo de influência da opinião pública em 1974 e em 2019 é bastante diferente. Como explica o FiveThirty Eight, Trump sempre foi um Presidente polarizador: ou seja, desde o início que tem um nível de popularidade mais baixo, mas aqueles que o apoiam continuam a fazê-lo, independentemente do que aconteça. E num mundo onde a informação está dispersa por canais e redes sociais em que cada um procura informação que confirme aquilo que pensa, há menos flutuação de opinião.

Donald Trump com o seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, que terá feito lobby junto dos ucranianos

AFP via Getty Images

Também é a verdade que, como diz o site, a maioria das acusações contra Trump não são propriamente novas ou surpreendentes: “Isto pode resultar numa situação semelhante à da investigação à Rússia, onde os detalhes mais dramáticos do relatório final de Mueller já tinham sido tornados públicos através de documentos de tribunais e de notícias.” Ou seja, as audiências podem não trazer nada de novo face aos testemunhos à porta fechada. “Seria preciso algo muito simples, verdadeiramente chocante e facilmente percetível na televisão por cabo para que os republicanos se virassem contra Trump neste momento”, resume a editora de New York Magazine Margaret Hartman.

O Comité de Informação irá continuar a sua investigação ao longo deste mês e depois enviará as suas conclusões para o Comité Judicial. Este decidirá se propõe a votação artigos de impeachment contra o Presidente. Se assim for, poderá haver votação sobre um impeachment na Câmara dos Representantes ainda antes do Natal. Por enquanto, the show must go on.

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