Consumidores cada vez mais digitais, mas também mais sensibilizados para as questões relacionadas com a origem dos produtos, da sustentabilidade ambiental e do apoio ao comércio local. Estas são apenas algumas das tendências que se vinham a revelar nos últimos anos, mas que se acentuaram rapidamente nos meses mais recentes como consequência da pandemia e do isolamento. Embora possam parecer contraditórias – com a digitalização a empurrar-nos para experiências cada vez mais virtuais e com menos gente de carne e osso envolvida – a verdade é que “uma coisa não invalida a outra”, ou seja, estas tendências não se excluem mutuamente, como nos explica Ana Margarida Barreto, docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde é responsável pelas disciplinas de marketing, comportamento do consumidor e comunicação estratégica.
Nas suas palavras, “à medida que o consumidor ganha familiaridade com as compras online torna-se também mais exigente e procura quem o serve melhor. Se a experiência de compra foi ou é positiva ele repetirá, caso contrário, procurará uma alternativa”. Segundo a investigadora, foi isto mesmo que aconteceu com os supermercados online nos meses de isolamento: “A dificuldade em encontrar uma vaga para entrega das compras feitas no supermercado online durante o confinamento empurrou algumas famílias para o pequeno comércio ou para o comércio local. Caso a experiência tenha sido positiva o mais provável é o consumidor manter a sua escolha, até porque está mais sensível ao trato mais personalizado, em oposição ao massificado.”
Aliás, tendo em conta outras tendências também identificadas nos últimos anos, nomeadamente as que se prendem com o consumo de produtos de época e a consciente redução da pegada de carbono, o recurso à mercearia de bairro poderá ter vindo mesmo para ficar: “Muito embora os supermercados continuem a ser uma força dominante, atrevo-me a preconizar que os negócios locais, por exemplo associados a um estilo de vida saudável, continuarão a crescer.”
Consumo cauteloso
Os padrões de consumo dos portugueses têm variado desde que o isolamento começou a ser um cenário equacionado. Como especifica Ana Margarida Barreto, “no início da crise epidémica e durante o confinamento as compras dos portugueses eram sobretudo racionais – com a exceção do açambarcamento do papel higiénico, que foi claramente uma compra motivada pelo pânico – prevalecendo as compras de bens essenciais sobre as restantes”. Segundo a especialista, “por essa altura, o comércio online saiu favorecido, mais concretamente o sector de entretenimento online, de entrega de comida e take away, bem como o de retalho”.
Quebra de 8 mil milhões de euros em transações
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No total do período de pandemia (de março a junho), a SIBS Analytics estima que se tenham realizado em Portugal menos 200 milhões de transações, equivalentes a 8 mil milhões de euros, face à estimativa pré-pandemia. De acordo com os dados disponíveis nesta plataforma em relação aos cem dias de pandemia, ficamos a saber que as estimativas apontam para um consumo global 25% abaixo do esperado em junho de 2020. Mais especificamente, conclui-se que 60% dos consumidores em Portugal reduziram significativamente as transações feitas com cartão face ao observado anteriormente, e apenas 10% se incluem num grupo que não demonstra sinais do confinamento.
Embora não dispondo ainda de estatísticas, a docente estima que os negócios de subscrição – “que em 2019 já eram vistos como uma nova tendência” – tenham de facto crescido durante este período. Quanto às razões para que isso tenha acontecido, lembra que aqueles serviços “se baseiam na entrega ao domicílio, respondem e adaptam-se às necessidades habituais dos consumidores e apresentam preços competitivos”.
Quanto ao padrão atual de aquisição de bens e serviços, considera que é de esperar um “consumo cauteloso”. “Com o desconfinamento, e à medida que o consumidor vai-se sentindo mais seguro, os hábitos de consumo dos portugueses começam a aproximar-se dos anteriores à crise vivida no que se refere ao tipo de escolhas, mas não necessariamente na quantidade e frequência”, preconiza. Na sua perspetiva, a cautela justifica-se: “Por um lado, porque as pessoas ainda não se sentem suficientemente seguras para retomar velhos hábitos, por exemplo, no que diz respeito à restauração, por outro, porque infelizmente viram a sua situação financeira piorar nos últimos meses ou receiam o que trará o futuro.”
Consumidor (ainda) em crise
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Lançado no início de 2020, ainda antes de se saber o impacto que a Covid-19 iria ter no mundo, já o relatório “Tendências Consumer 2020” da Llorente & Cuenca, assinalava o “consumidor em crise” como uma das tendências deste ano. Na altura justificava-se a escolha com o facto de o comportamento dos consumidores ter mudado com a crise económica de 2008-2009, havendo consenso de que esta alteração de padrão tinha vindo para ficar. O que se lê naquele relatório – ainda sem qualquer referência à pandemia – vem a confirmar-se por inteiro e ainda o ano vai a pouco mais de meio: “O consumidor de hoje encontra-se de facto limitado no aspecto financeiro, o que o torna mais consciente, exigente e crítico, não só em relação ao que compra, mas também ao modo de vida em geral e mesmo à reprodução. Paradoxalmente, isto faz dele um consumidor mais capacitado, com maior poder de decisão. Além disso, graças ao avanço da tecnologia e ao impacto desta na vida quotidiana, este consumidor continua a evoluir para além das restrições ou precauções pessoais.”
Shopstreaming + entrega rápida de compras
Era também uma das tendências de consumo já detetadas há algum tempo, sobretudo em mercados como o asiático, mas a pandemia veio trazer esta realidade para um momento bem presente, encontrando-se já disseminada entre nós. Referimo-nos ao shopstreaming, ou seja, às transmissões ao vivo para vender artigos, que podem ir desde peças de roupa selecionadas pela dona de uma pequena loja de vestuário que assim pretende chegar às suas clientes habituais (e captar outras) ou um chef famoso que faz um live através do canal digital de um supermercado, levando a que a audiência adquira imediatamente os ingredientes por ele usados na confeção da receita. De acordo com Ana Margarida Barreto, saber se esta tendência, assim como a das entregas rápidas ao domicílio, vieram ou não para ficar vai depende sobretudo do “sentimento de segurança do consumidor”. “Enquanto não houver uma vacina para este vírus, o receio de contrair e de propagar a doença fará com que as pessoas evitem, sempre que possível, espaços fechados e de confluência de massas, mesmo confiando que as práticas de higienização estão a ser aplicadas pelos seus responsáveis”, explica. Todavia, num cenário sem pandemia, a também investigadora acredita que “a procura diminuirá, porque a necessidade também irá reduzir, mas será ligeiramente maior ao que era antes da Covid-19, porque esta prática acabou por entrar nos hábitos dos portugueses”.
Da mesma maneira, quanto à tendência para uma certa assepsia relacionada com o consumo, Ana Margarida Barreto defende que “nos próximos tempos, com ou sem vacina, estaremos mais cientes da nossa vulnerabilidade física e estaremos mais propensos para essa higienização, mas ultrapassada esta crise epidémica acredito que o cuidado diminuirá, ao mesmo tempo que a nossa memória”. Nesse sentido, considera até que “seria interessante perceber até que ponto este ano os números de infetados com a gripe sazonal serão diferentes, ou não, dos registados em anos anteriores”, fruto deste maior cuidado com a higiene das mãos e as restantes regras de segurança, como o distanciamento físico e a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas sobretudo em espaços fechados.
10 tendências em aceleração
Sabe-se que os momentos de mudança têm tanto de ameaçador como de potenciador. Poder deixar para trás velhas formas de pensar e de proceder para abarcar novas experiências, arriscar fazer diferente e inovar é uma bênção para muitos negócios, ainda que, quando a mudança acontece, poucos estejam certos de querer mesmo ir por esse caminho. O que aconteceu nos últimos meses foi que a pandemia de Covid-19 – e o isolamento que daí resultou – empurrou-nos a todos, globalmente, para essa necessidade imperiosa de fazer diferente. Segundo os analistas, verificou-se uma enorme aceleração das tendências que já se antecipavam. De acordo com a TrendWatching, uma das empresas líderes mundiais na antecipação e análise das tendências de consumo, com profissionais espalhados por mais de 80 países, estas são as dez tendências em aceleração devido à crise provocada pelo novo coronavírus:
1 – Economia de experiência virtual – As tecnologias que permitem experiências imersivas já vinham a ser usadas, mas nunca como agora tinham sido encaradas como verdadeiras soluções para preencher o vazio deixado pelo cancelamento de espetáculos, concertos e provas desportivas, bem como pelo encerramento de museus, entre outros. Viagens, compras e encontros são também áreas que podem agora ser exploradas através de realidade virtual.
2 – Shopstreaming – Começou a ser notada como tendência no final de 2017 na Ásia e hoje começa a mostrar todo o seu potencial, aliada ao comércio eletrónico.
3 – Companheiros virtuais – À medida que as pessoas se vão habituando a interagir com assistentes digitais e chatbots, acredita-se que poderá haver tendência para que algumas procurem outro tipo de personalidades virtuais, capazes de lhes fazer companhia, entreter, educar ou apoiar/curar, entre outras atividades.
4 – Ambientes mais saudáveis – É de esperar que os espaços comerciais, de lazer e outros venham a incorporar – mesmo quando a pandemia passar – normas de higiene e segurança hoje em vigor.
5 – M2P (ligação mentor-protégé) – Partindo do princípio de que todos iremos passar muitas mais horas online, os especialistas acreditam que a tendência passará pelo aumento do número de conexões estabelecidas com professores, educadores, especialistas, treinadores ou mentores das mais variadas áreas, com vista a tornar esse tempo mais produtivo.
6 – A-commerce – Devido ao aumento repentino da procura de transações sem contacto, o comércio automatizado recebeu um grande empurrão nos últimos meses, beneficiando dos avanços entretanto registados na área da robótica.
7 – Apoio à saúde mental – Não só por causa dos medos e angústias trazidos pelo impacto físico e económico do coronavírus, mas também porque a saúde mental era já uma preocupação mundial pré-pandemia, os analistas estimam que qualquer organização, bem ou serviço que venha acrescentar mais-valias nesta área tem boas hipóteses de sucesso.
8 – Soluções open source – Mais uma tendência anterior à pandemia cuja relevância foi confirmada pela crise: sendo um problema que afeta todo o mundo, o combate ao coronavírus implica colaboração ativa, desinteressada e partilha generosa de informações e soluções entre organizações internacionais.
9 – De volta ao básico – Cozinhar para a família, fazer limpezas, arrumações e tratar da roupa. Estas e outras tarefas que nos últimos anos foram sendo entregues a prestadores de serviços, tiveram de voltar a ser executadas por quem contratava, devido às imposições de isolamento e como forma de garantir a segurança da família. O que aconteceu é que muitas pessoas descobriram que, afinal, até gostam (ou precisam) de fazer essas tarefas, pelo que provavelmente vão continuar a assumi-las mesmo depois de a crise passar.
10 – Símbolos virtuais de status – Se antes o estatuto social era sobretudo medido pelos bens materiais possuídos, hoje acredita-se que, no futuro, essa avaliação assentará em bens virtuais.
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