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Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, e Allan Simões Toledo, ex-vice-presidente do Banco do Brasil
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Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, e Allan Simões Toledo, ex-vice-presidente do Banco do Brasil

Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES, e Allan Simões Toledo, ex-vice-presidente do Banco do Brasil

Como Ricardo Salgado terá corrompido um vice-presidente do Banco do Brasil para conseguir linha de financiamento de 200 milhões

Ex-líder do BES será julgado por ter alegadamente corrompido o ex-n.º 2 do Banco do Brasil com pagamentos de 1,6 milhões de euros para offshore com conta no Dubai. Falsificação prescreveu.

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A associação do crime de corrupção à figura do poderoso banqueiro Ricardo Salgado tornou-se clara em agosto de 2014 — momento em que o Banco Espírito Santo foi alvo de resolução decidida pelo Banco de Portugal liderado por Carlos Costa. Pouco tempo depois, descobriram-se evidências de que existia um saco azul no Grupo Espírito Santo (GES) para financiar pagamentos ilícitos que tanto podiam representar casos clássicos de fuga ao fisco — com salários e prémios decididos em Lisboa por Salgado mas pagos à família Espírito Santo, administradores e a altos funcionários do BES e do GES  em contas bancárias de bancos suíços, longe do olhar da Autoridade Tributária — como podia traduzir suspeitas de corrupção.

Foi assim que Ricardo Salgado foi pronunciado para julgamento por crimes de corrupção ativa do ex-primeiro-ministro José Sócrates e de Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, ex-líderes da Portugal Telecom; vai igualmente responder em julgamento por vários crimes de corrupção no setor privado dos seus próprios funcionários no BES e no GES que colaboraram consigo na alegada gestão fraudulenta dos bancos e empresas da família Espírito Santo; e já foi igualmente acusado de mais de 20 crimes de corrupção ativa no comércio internacional por alegadamente corromper diversos altos responsáveis políticos e gestores públicos venezuelanos e também Allan Simões Toledo, na altura vice-presidente do Banco do Brasil.

Salgado pronunciado para julgamento duas vezes no mesmo dia. Além do BES Angola, será julgado por corromper ex-vice do Banco do Brasil

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São precisamente os factos relacionados com a alegada corrupção de Simões Toledo que levaram esta semana o Tribunal Central de Instrução Criminal a pronunciar Ricardo Salgado para julgamento pelos crimes de corrupção ativa no comércio internacional e branqueamento de capitais, em regime de co-autoria com diversos altos funcionários do GES e um casal de advogados. O Observador conta-lhe todos os pormenores de um caso que foi revelado em exclusivo em novembro de 2018.

Os factos que o MP imputa a Ricardo Salgado: de Lisboa para o Dubai (para chegar ao Brasil)

O centro desta acusação do MP reside nos cerca de 1,8 milhões de dólares (cerca de 1,6 milhões de euros ao câmbio atual) que Allan Simões Toledo recebeu em várias tranches no início de 2012 numa conta bancária aberta no Espírito Santo (ES) Bankers no Dubai. Tal montante tinha sido transferido pela sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do GES, a partir de uma das suas contas no Banque Privée Espírito Santo por alegadas ordens de Ricardo Salgado.

Contudo, Allan Simões Toledo não abriu uma conta no ES Bankers no Dubai em nome próprio. A conta foi aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Travbell Assets, SA — que foi criada no Panamá pelo escritório de advogados Aleman, Cordero, Galindo e Lee, um dos principais concorrentes do escritório Mossack Fonseca, que esteve na origem do caso Panama Papers.

O centro desta acusação do MP reside nos cerca de 1,8 milhões de dólares (cerca de 1,6 milhões de euros ao câmbio atual) que Allan Simões Toledo recebeu em várias tranches no início de 2012 numa conta bancária aberta no Espírito Santo (ES) Bankers no Dubai. Tal montante tinha sido transferido pela sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do GES, a partir de uma das suas contas no Banque Privée Espírito Santo por alegadas ordens de Ricardo Salgado.

A Travbell terá sido constituída por Paulo Murta, acionista e funcionário da ICG Wealth Management — uma sociedade de gestão de fortunas liderada por Michel Joseph Ostertag e com ligações próximas a Ricardo Salgado –, através de um alegado pedido do advogado Miguel Caetano de Freitas. Segundo o MP, Caetano de Freitas terá agido como alegado testa-de-ferro de Allan Simões Toledo, sendo o então vice-presidente do Banco do Brasil o real beneficiário da Travbell.

De acordo com documentação interna da ES Enterprises que o Observador revelou em novembro de 2018, a primeira transferência da ES Enterprises para a Travbell aconteceu a 2 de fevereiro de 2012 e foi de 800 mil dólares (cerca de 734 mil euros ao câmbio atual), enquanto a segunda, no valor de um milhão de dólares (cerca de 918 mil euros), ocorreu mais tarde. O MP terá descoberto mais valores transferidos pela ES Enterprises para a Travbell.

O empréstimo do Banco do Brasil influenciado pelo homem do PT

Segundo o MP, os fundos transferidos representarão uma alegada contrapartida por Allan Simões Toledo ter exercido a sua influência enquanto administrador do Banco do Brasil na aprovação de uma linha de crédito daquela instituição financeira brasileira no valor de 200 milhões de dólares (cerca de 183 milhões de euros ao câmbio atual) para financiar o BES.

Além da linha de crédito ter sido acordada no início de 2011 por tempo indeterminado, certo é que nessa altura o GES já atravessava dificuldades financeiras que não estavam espelhadas nas contas das suas principais holdings, como a Espírito Santo International (ESI), pois as mesmas tinham começado a ser falsificadas desde 2009.

Por que razão Ricardo Salgado e Álvaro Sobrinho vão ser julgados no caso BES Angola?

Nessa altura, o GES já estava a dar sinais graves de desequilíbrio financeiro mas, além de Ricardo Salgado e Francisco Machado da Cruz, o famoso comissaire aux comptes do grupo da família Espírito Santo que terá executado a alegada falsificação da contabilidade da ESI, poucos mais sabiam da real situação financeira do GES.

É nesse contexto que surge um aprofundamento das ligações do GES à Venezuela, com compra de dívida da ESI e de outras sociedades do GES que vieram a ser declaradas insolventes mais tarde por parte de entidades ligadas à Petróleos da Venezuela (PDVSA), mas também surge o acordo comercial com o Banco do Brasil que terá sido concretizado no início de 2011 com influência de Allan Simões Toledo.

Quem é Allan Simões Toledo?

Simões Toledo  era diretor comercial do Banco do Brasil quando o então Presidente Lula da Silva nomeou Aldemir Bendine como presidente da instituição financeira de capitais públicos. Um dia depois, a 23 de abril de 2009, Allan Simões Toledo acabou por ser nomeado vice-presidente do Banco do Brasil com as pastas do Mercado Inter-Bancário, Negócios Internacionais e Private Banking. Tinha 41 anos e, juntamente com Ricardo António Oliveira, era o administrador mais novo.

A sua passagem pelo Conselho de Administração do Banco do Brasil durou dois anos e oito meses. A 29 de dezembro, o banco público informa o mercado de diversas alterações no órgão de gestão e uma delas corresponde à saída de Allan Simões Toledo.

Decisão surpresa de juíza de instrução leva a atraso em certidão de caso BES

De acordo com uma notícia publicada pelo jornal Estado de S. Paulo horas antes da divulgação daquele comunicado, Toledo tinha sido demitido pelo conselho de administração a pedido do presidente Aldemir Bendine. Razão? Simões Toledo teria entrado em guerra com Bendine para suceder-lhe. Outras notícias davam conta de um relatório do Ministério da Fazenda (equivalente ao Ministério das Finanças português) que dava conta de movimentos atípicos nas contas bancárias de Simões Toledo, nomeadamente transferências de 1 milhão de reais (cerca de 164 mil euros).

O pior viria a seguir: quando já era diretor do Banif — o banco português fundado por Horácio Roque que tinha uma sucursal no Brasil –, foi preso preventivamente em São Paulo pela Polícia Federal por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Porto Vitória. Toledo foi detido juntamente com Luiz Carvalho (secretário do Município de Curitiba para o Campeonato do Mundo do Brasil de futebol) e diversos cambistas (que no Brasil designam-se por ‘doleiros’).

Estariam envolvidos num esquema de branqueamento de capitais de mais de 3 biliões de dólares (cerca de 2,7 mil milhões de euros ao câmbio atual), sendo que uma boa parte desses fundos pertenciam a filiais da petrolífera PDVSA — a empresa que está no centro do capítulo da Venezuela da novela do Universo Espírito Santo.

Quando Simões Toledo já era diretor do Banif — o banco português fundado por Horácio Roque que tinha uma sucursal no Brasil –, foi preso preventivamente em São Paulo pela Polícia Federal por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Porto Vitória. Toledo foi detido juntamente com Luiz Carvalho (secretário do Município de Curitiba para o Campeonato do Mundo do Brasil de futebol) e diversos cambistas (que no Brasil designam-se por ‘doleiros’).

No Banif, que abandonou após a detenção, Allan Simões Toledo trabalhou como diretor responsável pela área do câmbio com a administração liderada por Júlio Rodrigues. Este último gestor acabou por ser alvo de uma ação de responsabilidade civil interposta pelo próprio Banif pelos alegados prejuízos causados pela sua gestão.

Tal como o Observador avançou aquando da dedução de acusação contra Ricardo Salgado e outros arguidos, em dezembro de 2021, a procuradora Olga Barata, coordenadora das investigações do Universo Espírito Santo, optou por não acusar Allan Simões Toledo em Portugal por ausência de jurisdição do Ministério Público português. Ou seja, sendo um cidadão brasileiro suspeito de atos praticados no Brasil, a procuradora ordenou a extração de uma certidão da acusação e o envio para o Ministério Público Federal para que seja a Justiça brasileira a julgar Simões Toledo.

O que os arguidos alegaram na instrução e o que o juiz decidiu

Após os acusados Ricardo Salgado, João Alexandre Silva (ex-diretor do BES Madeira), Paulo Nacif Jorge (ex-funcionário do GES), Humberto Coelho (ex-funcionário do GES), Paulo Murta (ex-funcionário do GES) terem requerido a abertura de instrução para contestar os termos da acusação do MP, o juiz de instrução Nuno Dias Costa — que em novembro de 2023 tomou a decisão de libertar todos os arguidos da Operação Influencer — desconsiderou os argumentos apresentados pela defesa e concluiu que a factualidade apresentada pela procuradora Olga Barata está suficientemente indiciada e poderá levar a uma provável condenação em tribunal.

Os arguidos optaram por contestar a acusação essencialmente com questões de direito — do que propriamente contestar a matéria de facto, sendo a única exceção Ricardo Salgado. Por exemplo, Salgado alegou que tinha sido violado do princípio da especialidade na cooperação judiciária internacional. Tudo porque os extratos bancários das contas bancárias da ES Enterprises no Banque Privée Espírito Santo foram cedidos pela Confederação Helvética, alegava Salgado, apenas para o processo principal do caso Universo Espírito Santo.

Os arguidos optaram por contestar a acusação essencialmente com questões de direito — do que propriamente contestar a matéria de facto, sendo a única exceção Ricardo Salgado. Por exemplo, Salgado alegou que tinha sido violado do princípio da especialidade na cooperação judiciária internacional. Tudo porque os extratos bancários das contas bancárias da ES Enterprises no Banque Privée Espírito Santo foram cedidos pela Confederação Helvética, alegava Salgado, apenas para o processo principal do caso Universo Espírito Santo.

O juiz Nuno Dias Costa fez questão de citar as várias cartas rogatórias que o MP português expediu para a Suíça em cada um dos vários processos do Universo Espírito e as respetivas respostas do MP helvético a autorizar especificamente a utilização da documentação cedida ao abrigo da cooperação judiciária internacional.

Paulo Murta, por seu lado, alegou que “os tribunais portugueses não têm jurisdição para conhecer dos factos que lhes são imputados, por não ter sido praticado em território nacional qualquer ato de execução que lhe é imputado”. Murta é acusado de ter criado a sociedade offshore para Allan Simões Toledo a pedido do advogado Miguel Caetano de Freitas. Segundo o MP, Caetano de Freitas terá agido como alegado testa-de-ferro de Allan Simões Toledo, sendo o então vice-presidente do Banco do Brasil o real beneficiário da Travbell.

O juiz Nuno Dias Costa não lhe deu razão porque, alegou, os factos criminais foram efetivamente praticados em Portugal, visto que os pagamentos do saco azul do GES foram decididos por Ricardo Salgado em território nacional e a gestão das próprias sociedades offshore criadas para abrirem contas no Espírito Santo Bankers Dubai era feita pelo Departamento Financeiro, Mercados e Estudos do BES, liderado por Isabel Almeida, que operava em Lisboa e respondia diretamente a Ricardo Salgado.

O juiz de instrução diz mesmo que tais empresas offshore, que serviram igualmente para pagar luvas a mais de 20 altos responsáveis venezuelanos, eram “geridos na clandestinidade pelo cérebro financeiro do BES: o DFME.” E conclui: “A lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território português, seja qual for a nacionalidade do agente.”

Por último, a defesa de Ricardo Salgado alegou falta de indícios de corrupção ativa por ser “manifestamente falsa a justificação que a acusação invoca para justificar o alegado ato de corrupção de Allan Toledo, concretamente de que o BES e o ora arguido necessitariam de recorrer a práticas de corrupção para obter financiamento para a actividade do BES, ainda por cima quando a contrapartida da dita suposta corrupção seria de 1,8 milhões de dólares”.

Os advogados de Salgado, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, acusaram ainda o MP de ter omitido as efetivas utilizações da linha de financiamento de 200 milhões de dólares que o Banco do Brasil acabou por ceder por influência de Allan Simões Toledo. Isto é, o BES não chegou a usar todos os fundos disponibilizados, logo verificava-se, segundo os advogados, falta de indícios de corrupção por falta de resultado.

O juiz Nuno Dias Costa foi sintético na resposta. “Ao contrário do que o arguido parece entender, o ilícito criminal em causa [corrupção no comércio internacional] não se traduz, quanto à forma de consumação (…) num crime de resultado, antes se trata de um crime de mera actividade”. Ou seja, o respetivo crime “não prevê a verificação de prejuízo”.

Os advogados de Ricardo Salgado alegavam falta de indícios de corrupção por falta de resultado. O juiz Nuno Dias Costa foi sintético na resposta. “O ilícito criminal em causa [corrupção no comércio internacional] não se traduz, quanto à forma de consumação (...) num crime de resultado, antes se trata de um crime de mera actividade”. Ou seja, o respetivo crime “não prevê a verificação de prejuízo”. Dito de outra forma: basta a tentativa de corrupção para a consumação do crime.

O único pressuposto da prática do crime é que “o agente tem de atuar com a intenção de obter ou conservar um negócio, um contrato ou outra vantagem indevida no comércio internacional”. Mais: “Ou seja, e ao contrário do que o arguido defende, para o preenchimento do tipo de crime não se mostra necessário que a vantagem indevida seja obtida pelo agente, basta que este atue com a vontade de a obter”.

Salientando que os autos têm prova indiciária cabal e fundamentada de que foi Ricardo Salgado quem deu ordens para os pagamentos feitos a Allan Simões Toledo em troca da aprovação da linha de financiamento do Banco do Brasil, o juiz Nuno Dias Costa deixa igualmente claro que basta Salgado ter tido a intenção de corromper Simões Toledo com vista à obtenção daquele contrato de financiamento para que o crime se consume. Assim, é irrelevante se o BES usou ou não usou a totalidade da linha de financiamento do Banco do Brasil.

Crimes de falsificação de documento prescreveram mas casal de advogados será julgado

A única boa notícia para alguns dos arguidos, nomeadamente para Paulo Nacif e os advogados Miguel Caetano Freitas e Sofia Ribeiro, prende-se com a declaração de prescrição ordenada pelo juiz de instrução criminal em relação a três crimes de falsificação de documento que tinham sido imputados a esses arguidos.

Tendo em conta que tais crimes terão sido praticados entre fevereiro e maio de 2014, e atento o prazo de prescrição de cinco anos, os crimes prescreveram entre agosto e novembro de 2021 — quando a acusação apenas foi deduzida a 22 de dezembro de 2021.

O advogado Miguel Caetano de Freitas numa foto do seu site

Contudo, Paulo Nacif e o casal Freitas/Ribeiro serão julgados por outros crimes. Nacif será julgado, em regime de co-autoria com outros arguidos, pelos crimes de corrupção ativa com prejuízo no comércio internacional, corrupção passiva no setor privado e branqueamento de capitais.

Já os advogados Miguel Caetano Freitas e Sofia Ribeiro, que agiram como alegados testas-de-ferro de Allan Simões Toledo e que não requereram a abertura de instrução, serão julgados com Ricardo Salgado, João Alexandre Silva, Paulo Murta e Humberto Coelho pelo crime de branqueamento de capitais. O MP escreveu ainda na acusação que Caetano Freitas e a mulher tinham agido como “cúmplices” nos três crimes de corrupção passiva no setor privado imputados a Alexandre Silva e Paulo Nacif. O juiz Nuno Dias Costa não desconsiderou esta parte da acusação no seu despacho de pronúncia.

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