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16 de dezembro de 2001. Ou melhor, já era 17 de dezembro de 2001. Santana Lopes apareceu na sede de campanha da candidatura de olhos vermelhos, de choro e emoção, já perto da uma manhã para dizer o que nunca saiu da cabeça de todos: “Parecia quase impossível“. Mas foi possível. A noite foi longa e de incerteza sobre a vitória. Pela hora do fecho das urnas, o seu amigo Pedro Pinto pedia “muita cautela”. A tensão continuou. Às 20h30, o então número dois da lista ainda não sorria e dizia apenas:”Seja qual for o resultado final enche-nos de alegria”. Restava saber se era muita alegria de uma vitória inesperada ou pouca alegria por uma derrota à justa.
A comida acabou na sede de campanha e, segundo uma reportagem publicada no jornal Público no dia seguinte, “o nome de Deus” começou a ser “evocado com frequência” com o avançar da noite. O partido ganhava Sintra, o Porto e a sala calava-se para ouvir o discurso Luís Filipe Menezes pelas 23h00, também ele vencedor em Vila Nova de Gaia. Havia informações de que o PS poderia estar à frente e de algumas freguesias nada se sabia. Os resultados de Marvila não apareciam e Pedro Pinto insinuava um golpe eleitoral:”Estás a ver a nossa Flórida? Marvila é a nossa Flórida“. Nesse Estado americano tinha existido a confusão que deu a vitória — em circunstâncias duvidosas — a George W. Bush na corrida à Casa Branca em 2000.
Pedro Santana Lopes ganharia a câmara por 856 votos. Pela meia-noite e meia começava a ficar claro que a vitória não escaparia. Bastou esperar que o socialista João Soares reconhecesse a derrota e apontasse um culpado: “Falhou sobretudo a imagem”. A sede de Santana quase vinha abaixo com os festejos. Começaram a ouvir-se os apitos dos carros dos apoiantes laranjas: uns foram para o Marquês de Pombal, outros ficaram pela rua da Misericórdia. Antes disso, já se celebrava a demissão de Guterres e, na sede atribuía-se a Santana a queda do governante socialista. Não foi o único responsável, mas ajudou bastante. Na mesma noite, Rui Rio ganhava a câmara do Porto.
O Público do dia seguinte, na página em que elege os “vencedores” e “vencidos”, coloca-o como segundo grande vencedor da noite, logo a seguir a Durão Barroso e antecipa-lhe grandes voos: “Noutra conjuntura, sabe-se lá, até pode partir para a descoberta da América…” O céu não era o limite, mas seria Belém ou S. Bento. De tal forma que, antes do mandato autárquico chegar a meio, Santana torna-se pré-candidato presidencial e, antes de chegar ao fim do mandato, primeiro-ministro.
O mandato foi rico em polémicas: o Túnel do Marquês, os apoios ao estádio do Benfica, o Parque Mayer, o caso do salário que recebia da Parque Expo ou facto de viver em Monsanto foram algumas delas. Demonstrou aquilo que os seus apoiantes chamam “visão” e que os seus opositores classificam de “excentricidades” ao querer em Lisboa projetos de arquitetos de renome internacional como Niemeyer (para uma catedral), o francês Jean Novel, o português Siza Vieira (ambos para projetos) habitacionais, quis subsidiar GPS em todos os táxis de Lisboa e defendeu a municipalização da Carris e a privatização da Carris. Ainda ajudou a trazer o Rock in Rio para Lisboa e afirmou-se publicamente contra a OTA. Comprou guerras em nome da cidade e cedeu noutras.
Num mandato de quatro anos, Santana esteve fora oito meses — para ser primeiro-ministro na sequência da saída de Barroso. Ainda regressou à autarquia quando perdeu eleições legislativas, mas tinha Carmona Rodrigues como autoridade paralela, porque entretanto assumira o cargo. Chegaram a partilhar gabinete. Tentou ser candidato novamente, mas Luís Marques Mendes tirou-lhe o tapete. Os primeiros dois anos e meio em que esteve na câmara tiveram de tudo: obras, polémicas e até um veto presidencial. Santana era o alvo do PS que, por vezes, o atacava mais do que ao próprio líder do partido, Durão Barroso.
Como aconteceu na Figueira da Foz, Santana deixou uma câmara mais endividada do que tinha herdado e não conseguiu equilibrar as contas. Foi um presidente com ideias e projetos, mas esteve longe do rigor orçamental. Eis 12 aspetos sobre a gestão de Santana Lopes na câmara de Lisboa que ajudam a perceber qem é o candidato do PSD.
As contas de Santana na câmara: dívidas a terceiros e passivo duplicaram
Há uma conclusão óbvia das contas da câmara no tempo de Santana: as dívidas a terceiros e o passivo aumentaram muito numa câmara que já estava endividada. O Tribunal de Contas fez uma auditoria financeira ao último ano de João Soares (2001) e aos dois primeiros anos de Santana Lopes, registando um aumento do passivo de mais de 350 milhões de euros só nos primeiros dois anos do mandato do social-democrata. O Observador consultou as Demonstrações Financeiras e os Relatórios de Gestão dos quatro anos de Santana na autarquia (Carmona foi presidente durante apenas oito meses) e os números ainda são mais avassaladores: o passivo mais do que duplicou em quatro anos, passando de 561,8 milhões de euros quando Santana tomou posse para 1,2 mil milhões de euros no final de 2005.
As dívidas a terceiros (incluindo curto e médio e longo prazo) aumentaram logo 159,1 milhões de euros no primeiro ano de mandato de Santana Lopes (2002) para 632,3 milhões de euros. E foram aumentando a um ritmo maior nos anos seguintes. De tal forma que, no final de 2005, quando Santana deixou a câmara, as dívidas a fornecedores ascendiam a 956,8 milhões de euros, dos quais 311 milhões correspondiam a dívida de curto prazo. Ou seja: as dívidas a terceiros aumentaram 483,6 milhões (mais do que duplicaram) em quatro anos.
Quanto ao endividamento líquido, foi enorme no primeiro ano de Santana, como já tinha sido elevado, no último ano de João Soares. Mas foi caindo ao longo do mandato. No último ano de gestão PS, em 2001, o endividamento líquido era de 96,4 milhões de euros. No primeiro de Santana, 2002, o endividamento líquido foi de 173 milhões de euros (o capital em dívida atingiu, então, os 583,7 milhões de euros). Em 2003, baixou para 837 mil euros e em 2004 e 2005 houve até uma redução do capital em dívida na ordem dos 57,58 milhões de euros.
Os restantes indicadores também não não são famosos. A despesa com pessoal aumentou, só no primeiro ano de Santana, em mais de 7,8 milhões de euros. Quatro anos depois de Santana tomar posse, os encargos com pessoal já tinham aumentado em 41,8 milhões de euros anuais, para um total de 245,4 milhões de euros.
As despesas diminuíram do início para o fim do mandato, o que significa que o investimento e os gastos passaram muito pelo endividamento. As despesas eram, no último ano de João Soares, de 672,6 milhões de euros. No final de 2005, ficaram-se pelos 626,3 milhões de euros: uma redução de 46 milhões de euros. As receitas também não ajudaram à descida da dívida, tendo ocorrido uma ligeira quebra: as receitas eram de 666,9 milhões de euros no primeiro ano de João Soares e de 661,7 milhões de euros no último ano de Santana. Em 2003 e 2004 foram ainda mais baixas: 569,2 milhões de euros e 510,4 milhões de euros, respetivamente. Os impostos (diretos e indiretos) cobrados mantiveram-se estáveis, sendo a contribuição autárquica (a partir de 2004, o IMI), o SISA (a partir de 2004, IMT), o imposto municipal sobre os veículos e a Derrama as principais fontes de financiamento.
Santana só assume a responsabilidade política das contas dos dois primeiros anos. Mas, as contas de 2004 e 2005, são igualmente más. As de 2004 chegaram a ser chumbadas pelo Tribunal de Contas, num relatório aprovado a 19 de fevereiro de 2009. Pedro Santana Lopes fez questão de esclarecer na altura, em comunicado, que as contas de 2004 da Câmara Municipal de Lisboa “foram da responsabilidade, na elaboração, na propositura e aprovação do então presidente da Câmara António Carmona Rodrigues e do então vereador das Finanças Carlos Fontão de Carvalho”.
Santana alegava ainda, no mesmo documento, que “tendo o vereador das Finanças especial responsabilidade nesse documento, nunca Carlos Fontão de Carvalho exerceu essas funções com Pedro Santana Lopes, tendo sido vereador de João Soares [coligação PS/CDU, no mandato anterior] e de António Carmona Rodrigues [maioria PSD/CDS]”. A vereadora com o pelouro das Finanças no tempo de Santana era Teresa Maury.
O social-democrata só deixou a câmara a 15 de julho de 2004 e, por isso, não rejeitava “a responsabilidade do exercício da liderança da Câmara de Lisboa até julho desse ano”. Nesse comunicado — que Santana emitiu sendo já candidato às eleições autárquicas de 2009 — o ex-autarca explicava que “em 2004, a responsabilidade de Pedro Santana Lopes em matéria de contas foi pela Conta Geral do Estado e relativa a todo o ano, dado o exercício das funções de primeiro-ministro a partir de 17 de julho.” Ou seja: Santana esteve meio ano na câmara e meio no Governo, mas diz-se responsável apenas pelas contas do país.
O mel de Santana confirmado pelas sondagens
Santana Lopes foi, desde o primeiro dia na câmara — e até antes disso — um fenómeno de popularidade. A 20 de julho de 2002, João Soares — que tinha perdido a câmara por poucos votos meses antes contra o social-democrata — admitia ao Expresso: “O pior é que Santana Lopes tem mel“. E tinha mesmo. Pelo menos até ir para o Governo, em 2004. O barómetro DN/TSF de setembro de 2002 apontava Pedro Santana Lopes como o político “mais popular” entre as personalidades de direita, recolhendo opinião positiva de 54% dos inquiridos, muito à frente de Marcelo Rebelo de Sousa e Freitas do Amaral, ambos com 30%. Nessa época até batia Mário Soares que recolhia opinião favorável de 41% dos inquiridos.
As sondagens davam força a Santana Lopes. Um ano depois da eleição, uma sondagem da Aximage confirmava que uma ampla maioria dos eleitores apoiava Santana. O autarca era considerado um “bom presidente” por 43,6 % dos inquiridos, aos quais ainda se juntavam 5,8% que consideravam a atuação “muito boa”. A sondagem mostrava ainda que Santana recolhia opiniões mais favoráveis de eleitores do CDS do que dos do PSD.
Quatro dias depois, a 16 de dezembro de 2002, nova sondagem. Desta vez, da Universidade Católica e publicada no jornal Público, demonstrava que a maioria dos lisboetas (43,5%) considerava a gestão de Santana Lopes melhor que a de João Soares.
No dia seguinte, a manchete do Jornal de Notícias trazia novas boas notícias para o autarca. “Santana Lopes esmaga a concorrência”, podia ler-se na primeira página do diário, onde também era registado que a “imagem do autarca está em alta” e que Santana “atingiria a maioria absoluta” se fosse a votos naquela altura.
A popularidade de Santana começaria a ser, mais tarde, testada como candidato presidencial. A 28 de março de 2003, por exemplo, Santana aparece como segundo favorito na corrida Belém. Cavaco Silva aparece destacado no barómetro DN/TSF, recolhendo a preferência de 30% dos inquiridos, seguido de Santana Lopes que era o preferido de 14% (no mês anterior Santana estava nos 18% e cavaco nos 26%). Santana mantinha-se, por esta altura, à frente de figuras como o atual secretário-geral da ONU, António Guterres (com 11%), e o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (com 8%). O fosso entre Cavaco e os restantes continuou a aumentar.
Santana não seria candidato a Belém (embora tivesse ameaçado), mas chegou a primeiro-ministro no verão de 2004. Ainda era popular, mas a sua governação fê-lo cair na popularidade e na sondagem mais fidedigna, os votos: Santana obteve o pior resultado de sempre do PSD em legislativas: 28.77%. Voltou à câmara, mas já tinha perdido todo o élan. Uma sondagem da Aximage publicada no Correio da Manhã a 26 de março davam o presidente de câmara perder contra qualquer um dos nomes indicados como possíveis candidatos socialistas: Manuel Maria Carrilho (que perderia com Carmona Rodrigues), João Soares, Ferro Rodrigues ou Mega Ferreira. Santana começou o mandato com a popularidade em alta, manteve-a, mas perdeu-a ao aceitar assumir o cargo de primeiro-ministro.
Os tabus de Santana. Um presidente da câmara com aspirações (e inspirações) presidenciais
Não o disse uma nem duas vezes. Quando chegou à câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes via em Jorge Sampaio uma inspiração. Dizia-o em outubro de 2002, numa entrevista à TSF, onde admitia que procurava “inspirar-se no exemplo” deixado por ele na câmara; e a polémica obra do Túnel do Marquês, que tinha sido iniciada pelo autarca do PS, é disso exemplo. Ironia do destino. O socialista que foi presidente da câmara de Lisboa no início da década de 90, e que interrompeu o mandato para se candidatar a Belém, foi depois o socialista que, em Belém, deitou por terra o curtíssimo governo de Santana Lopes. Mas essas já são outras histórias. Para aqui interessa saber que o exemplo de Sampaio valeu até para inspirar a ambição presidencial do social-democrata. Desde cedo que Santana-autarca procurou manter vivo o tabu de que poderia ser o candidato do PSD às presidenciais de 2006 — as que viriam a eleger Cavaco Silva para dez anos de mandato — e até Durão Barroso teve de pedir silêncio.
Era presidente da câmara há meia dúzia de meses, literalmente, e faltavam ainda quatro anos para as eleições presidenciais, quando o tapete começou a ser estendido. “Santana quer presidenciais: Durão Barroso tem uma carta escondida na manga para as próximas presidenciais. Chama-se Santana Lopes e só será candidato em 2006 se Cavaco Silva deixar. O assunto está a ser lidado com ‘pinças’ e vai ser estrategicamente posto à margem do congresso do PSD que hoje começa”, lia-se numa artigo de antecipação do congresso do PSD que arrancava nesse dia, em julho de 2002, no Coliseu de Lisboa. De facto, foi esse o discurso que o enfant terrible levou preparado ao congresso. Entre muitos ataques a Marcelo, como era habitual, Santana lançava a primeira pedra para o debate presidencial desafiando o presidente do partido, Durão Barroso, a dar ao PSD a vitória nas presidenciais de 2006 para concretizar o velho sonho de Francisco Sá Carneiro: ter o governo, a maioria e a presidência pintadas de laranja. E foi muito — muito — aplaudido.
A rampa estava lançada. A partir daí, foi um tabu à Santana Lopes durante três anos — que durou, durou, e durou até ao fim. O fim, neste caso, foi a ida de Durão Barroso para Bruxelas, a consequente ida de Santana para São Bento, e a futura dissolução da Assembleia por parte do Presidente Jorge Sampaio oito meses depois. A reviravolta, contudo, não estava nos planos de Santana e, no final de 2005, acaba por ficar sem São Bento, sem Lisboa (porque Marques Mendes escolheu Carmona Rodrigues), e muito menos sem qualquer margem política para fazer o voo mais alto até Belém.
Vontade, porém, não lhe faltava. Do final de 2002 a meados de 2004 (ou seja, durante todo o seu mandato na câmara antes de ir para o Governo), várias foram as intervenções que fez no sentido de se mostrar “disposto a contribuir” para o tal sonho de Sá Carneiro. Falava tanto no assunto, que a oposição o criticava por não se focar nos problemas da cidade, preocupado que estava em “pisgar-se” para Belém. O sinal mais claro que deu foi em fevereiro de 2004, numa entrevista ao Expresso. “Se for candidato às presidenciais julgo que as ganho”, disse. E o Expresso logo classificou as palavras como uma “pré-candidatura”. Até Cavaco Silva, que estava na pole position para aquela corrida, Santana atacava nessa entrevista, dizendo que se fosse ele o candidato do PSD, então a coligação PSD/CDS não sobreviveria muito tempo, conhecida que era a má relação entre Cavaco e Paulo Portas.
A verdade é que as sondagens não lhe eram totalmente desfavoráveis. Cavaco aparecia em primeiro, mas o partido tinha uma clara preferência por Santana — sobretudo se comparado com Marcelo, que na altura também era presidenciável. Uma sondagem publicada em julho de 2003 no DN e TSF dava Cavaco como preferido dos portugueses (com 33,2% dos votos) seguido de Santana Lopes, na altura com 48 anos, e só depois apareciam os potenciais candidatos do PS, Mário Soares ou António Guterres. Marcelo Rebelo de Sousa, com mais dez anos do que Santana, também era contabilizado, mas sem grandes chances de vencer. Em fevereiro de 2004, contudo, o mesmo barómetro da Marktest já punha Marcelo à frente de Santana, com Cavaco a manter a preferência dos portugueses.
Marcelo era, de resto, crítico profissional no que dizia respeito a Santana, usando para isso o espaço de comentário que tinha ao domingo na TVI. Foi o que fez no rescaldo da entrevista de Santana ao Expresso. Às críticas, Santana respondia com… Jorge Sampaio: “O dr. Jorge Sampaio deu uma entrevista como presidente da câmara exatamente no mesmo dia 19 de fevereiro de 1994, quando as eleições só eram em 1995. O timing é exatamente o mesmo”, dizia. Isto, caso Santana avançasse mesmo para Belém. Mas a história estava longe de ir por aí.
Parque Mayer. O projeto de Gehry com um casino pelo meio, que Sampaio vetou
Santana quis, Sampaio vetou e obra não nasceu. A reabilitação do Parque Mayer era uma das bandeiras da campanha eleitoral Santana Lopes, que quis aproveitar a transformação do espaço para uma grande obra de regime. O presidente da câmara prometia fazer do degradado Parque Mayer um “templo da cultura e das artes”, numa ideia que era consensual, até o Expresso noticiar a 21 de setembro: “Casino no Parque Mayer“. O “ovo de Colombo” que iria financiar todo o projeto era um casino e o Governo — da mesma cor de Santana — aprovou um decreto-lei em Conselho de Ministros para aprovar o espaço de jogo.
A oposição não largou mais Santana até o projeto cair. O PCP foi demolidor desde a primeira hora e o PS, embora mais moderado, dizia ser “prematura” a aprovação do decreto do Governo antes do projeto ser viabilizado na câmara. O Bloco de Esquerda, que não tinha vereadores, exigia — através do seu deputado municipal João Teixeira Lopes — um “referendo local“: rejeitava que uma decisão “de tamanha importância” ficasse “entre o presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, e o empresário Stanley Ho.”
Várias figuras públicas juntaram-se para exigir esse referendo local e contra o casino: António Mega Ferreira, Camacho Costa, Carlos Marques, Manuel Maria Carrilho, Manuel Graça Dias, Nuno Teotónio Pereira, Fernando Nunes da Silva, Eduardo Prado Coelho, António Pinto Ribeiro, Miguel Portas, Lígia Amâncio, Mísia, Ana Sara Brito, Alexandra Lencastre e Teresa Villaverde Cabral.
Os lisboetas dividiam-se sobre o assunto. A 21 de outubro de 2002, uma sondagem divulgada pela RTP e a Antena 1 mostrava que 42,9% dos inquiridos estavam a favor da solução de Santana, mas 44,2 por cento estavam contra. O mesmo acontecia quanto à hipótese de referendo: 48,3% não queriam que o assunto fosse referendado, contra 45,4%.
Santana também tinha figuras públicas para contra-atacar. Sérgio Godinho, Carlos do Carmo, Fernando Mendes, Carlos Mendes, Diogo Morgado, Francisco Nicholson, Mico da Câmara Pereira, Toy, Mónica Sintra, Simone do Oliveira e Rão Kyao foram alguns dos artistas que se disponibilizaram a atuar no Parque Mayer para apoiar o projeto do então presidente da câmara. Os artitas Raul Solnado, Ruy de Carvalho e Eunice Muñoz também enviaram uma carta de apoio ao autarca.
O assunto ia enchendo as páginas de jornais, até que, a 8 de novembro, o Presidente da República, Jorge Sampaio, decidiu vetar o decreto-lei que permitia o licenciamento de um casino em Lisboa. Entre as justificações, Sampaio falava nas “inevitáveis repercussões” que a decisão significaria para “a regularidade da concorrência entre empresas do mesmo ramo de atividade.” Santana não recuou e prometeu ir “por outros caminhos”.
O Governo teve de fazer um novo decreto que permitia o casino na capital, mas sem especificar a localização. Desta vez, Sampaio promulgou. Mas Santana insistia que se o casino fosse no Parque Mayer e não perdeu tempo. O famoso arquiteto Frank Gehry — vencedor do prémio Pritzker em 1989 — chegou a Lisboa em janeiro de 2003 para começar a esboçar o projeto. O arquiteto do museu Guggenheim de Bilbao antecipava que teria “restaurantes, teatros, atividades que complementem o teatro e talvez um casino”. A 22 de janeiro, o Jornal de Notícias noticiava: “Teatros excitam Gehry”.
Entretanto, na sequência do veto, Santana começou a procurar outras alternativas para a localização do casino. Em maio, quando Gehry volta a Lisboa, já trazia um projeto sem casino. Meses depois, em outubro, Santana admitiu pela primeira vez que os custos demasiado elevados colocavam o projeto em risco. O presidente da câmara envia então o advogado Rui Gomes da Silva (um dos seus melhores amigos) e a arquiteta Ana Gonçalves a Los Angeles para negociar com Gehry e — a partir da Catalunha, onde foi inaugurar Pavilhão de Lisboa no “Barcelona Meeting Point” — explicava que a câmara tinha 100 milhões de euros para gastar no projeto. Inicialmente, falava-se entre 40 a 50 milhões de euros.
Helena Roseta, então presidente da Ordem dos Arquitetos, opôs-se à contratação de Gehry e começou a questionar a legalidade do contrato com o arquiteto, que poderia chegar aos 15 milhões de euros. Santana acusou-a de estar a fazer “jogatanas políticas”.
A câmara avançou então para permuta dos terrenos camarários da Feira Popular pelos do Parque Mayer, de um privado. A câmara ficou com os terrenos do espaço e, em troca, cedeu à Bragaparques (dona do Parque Mayer desde 1999) os terrenos da Feira Popular em Entrecampos. A câmara ficava, entretanto, com a responsabilidade de indemnizar os feirantes (em 20 milhões de euros) e de pagar anualmente 2,6 milhões à fundação “O Século” — que geria e explorava o recinto da feira — até arranjar haver uma nova localização para a Feira Popular.
O então candidato bloquista à presidência da câmara, José Sá Fernandes, denunciou ilegalidades do processo e foi processado pela câmara. Em 2008, já com Costa como presidente, a câmara passou a defender a nulidade da permuta. Foi o que acabou por acontecer em 2010, por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.
O projeto do Parque Mayer, como Santana sonhou, acabou por morrer. Frank Gehry recebeu 2,5 milhões de euros em honorários, mas o seu projeto estimado em 117 milhões de euros — que previa a construção de três teatros, um anfiteatro, uma mediateca, um clube de jazz, e seis salas de ensaio — nunca saiu do papel. Santana admitiu que esta foi uma promessa por cumprir.
Túnel do Marquês. Um “capricho eleitoral” que custou, custou, custou…
Foi, sem dúvida, o caso mais polémico, demorado, enguiçado, e, no fundo, o que mais ficou, da passagem de Santana Lopes pela câmara de Lisboa. Construir um túnel que ligasse as Amoreiras ao Marquês de Pombal, Avenida António Augusto Aguiar e Avenida Fontes Pereira de Melo era a solução que o social-democrata tinha na manga para resolver os estrangulamentos e condicionamentos naquelas artérias principais da capital. O chamado túnel das Amoreiras era já uma ideia antiga, do tempo de Jorge Sampaio na câmara, mas, tendo sido uma promessa de campanha de Santana Lopes, tornou-se rapidamente uma prioridade do mandato. De tal forma que, muitas vezes, a oposição a via como mero “capricho eleitoral”. Santana preferia vê-la como “uma obra que vai ficar na história”. E rezava para que ficasse pronta no final de 2004, logo depois do campeonato Europeu de futebol. “Se Deus quiser, a obra acaba antes do final de 2004”, dizia. Deus (ou José Sá Fernandes) não quis. E a obra embargou, embargou, meteu tribunais, recursos, suspensões e lá ficou feita ao fim de muitos anos. Hoje, ninguém a contesta.
O concurso foi lançado em outubro de 2002. Na proposta inicial de abertura da empreitada, apresentada pela câmara em abril de 2002, lia-se que o desnivelamento da Avenida Duarte Pacheco, Rua Joaquim António Aguiar, Avenida Fontes Pereira de Melo e Avenida António Augusto de Aguiar estaria avaliado em 14 milhões de euros (três milhões de contos). A construção seria faseada e duraria 33 meses, além de que seria paga de forma igualmente faseada: 250 mil euros em 2002; 8.250 mil euros em 2003 e 5.500 mil euros em 2004. A ideia era estar pronto em janeiro de 2005. Mas a oposição na câmara, PS e PCP, nunca gostou da ideia.
Os vereadores Vasco Franco, do PS, e Manuel Figueiredo, PCP, foram os mais críticos, defendendo que o túnel só faria aumentar o trânsito no centro da cidade, em vez de o desviar para as circulares, além de que aumentaria a emissão de dióxido de carbono. E havia ainda as questões de segurança. É que a inclinação que se previa superior a 9,7 por cento na descida/subida da Avenida Joaquim António de Aguiar suscitava dúvidas: “Se há um acidente dentro do túnel como é que chegam lá as ambulâncias? Estou a falar de um pequeno acidente, já nem estou a pensar no caso de um acidente grave, que poderia ter conclusões catastróficas”, diria numa reunião de câmara o vereador comunista Manuel Figueiredo.
Mas Santana, e o então número dois na câmara, Carmona Rodrigues, estavam irredutíveis. O presidente da câmara defendia que o novo túnel iria “disciplinar o uso do automóvel” e “aumentar a velocidade dos transportes públicos”, o que faria reduzir as emissões poluentes. E não se cansava de dizer que estava convencido de que era uma obra que ia “marcar um tempo”, ia “marcar uma época”. Só que o barulho das vozes contra não parou de aumentar. Aos partidos juntaram-se as organizações ambientais como a GEOTA, que dizia que faltava um estudo de tráfego que justificassem a construção. Ou a Quercus, que iniciou um processo de recolha de assinaturas para fazer um referendo, e que criticava a falta de análise ao impacte ambiental e às questões de segurança.
Ainda assim, era “só” barulho. Os problemas reais ainda estavam para vir.
Problema 1: o concurso público internacional borregou, depois de as oito propostas concorrentes terem excedido em mais de 25% o preço base da empreitada. A câmara avançou, por isso, para um ajuste direto — o que implicou negociações para a escolha de um empreiteiro. Foi o primeiro tropeção, que fez PS e PCP pensarem que tinham conseguido um game over. “Já o vi [a Santana] fazer uns passes de mágica, mas se conseguir adjudicar esta obra pelo preço base então assistiremos a um milagre”, disse a dada altura o socialista Vasco Franco, citado pela agência Lusa. O “milagre” aconteceu, em maio de 2003, e Santana e o vereador Pedro Pinto adjudicaram a obra à Construtora do Tâmega, SA e à Construtora e Manutenção Electromecânica, SA por 19.686 milhões euros (ainda assim, mais do que os 14 milhões inicialmente previstos). O tempo de construção previsto também aumentou: em vez de 33 semanas, levaria 72. “Se Deus quiser, a obra começa este verão”: Santana continuava a rezar por milagres.
A obra começou, de facto, no verão. Teve o aval do Tribunal de Contas, embora o PS alegasse que não estava conforme a legislação em vigor por o caderno de encargos do ajuste direto não corresponder ao caderno de encargos inicialmente previsto no concurso público. Ou seja, além das questões ambientais e de segurança, acrescia agora a dúvida da legalidade. Mas, tudo parecia correr bem a Santana, que não se cansava de dizer que o túnel não era “um capricho de campanha eleitoral”, mas sim “uma convicção cada vez mais firme de uma obra que é importante para a cidade”. No primeiro dia em que o túnel junto ao Centro Comercial Amoreiras esteve fechado devido às obras, a circulação de automóveis na cidade correu bem, sem congestionamentos de maior. A câmara até elogiou o “civismo dos automobilistas” por terem acatado as sugestões e terem optados pelas vias recomendadas. Mas o mesmo não aconteceu depois. “E ao segundo dia ficou caótica a entrada em Lisboa pelas Amoreiras”, titulava a agência Lusa em novembro de 2003.
Problema 2: José Sá Fernandes. O problema maior teve o nome do advogado José Sá Fernandes, que desencadeou uma guerra jurídica com Santana Lopes, que ,por sua vez, virou o cano da espingarda para o então secretário de Estado do Ambiente José Eduardo Martins, também do PSD. Tudo começou quando o advogado interpôs uma ação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a construção do túnel do Marquês, por considerar que o projeto de construção tinha sido feito “sem um estudo de tráfego, sem um estudo de impacto ambiental” e que a obra começou “sem estar concluído o projeto de execução”, como explicou à SIC na altura. Em causa estava a suposta violação de diretivas comunitárias, que regulamentavam a obrigatoriedade da realização de um estudo deste tipo — e chegou inclusive uma queixa a Bruxelas.
Santana Lopes rebatia, contudo, todas as acusações, garantindo que os juristas da câmara tinham assegurado que a abertura de túneis em vias municipais estava isenta de estudo de impacto ambiental. Mais: a informação de que não era obrigatório por lei fazer um estudo de impacto ambiental tinha sido corroborada pelo secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, e Santana Lopes até tinha questionado os presidente de câmara de Madrid e Barcelona que lhe deram a mesma resposta. “Eu acho que este vai ser o túnel mais seguro do mundo. Só me falta dizer que terá esplanadas e duche, porque este túnel tem tudo”, dizia. Mas a argumentação não chegou e, em abril de 2004, as obras foram suspensas por decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Era mesmo preciso um estudo de impacto ambiental para certificar que um túnel com aquele declive era seguro, dizia o tribunal. A partir daqui, foi um passa-culpas desenfreado. No dia seguinte à suspensão da obra, os títulos que apareciam nos jornais eram “Falta de estudo deve-se ao secretário de Estado, diz Santana Lopes”. Mas José Eduardo Martins mantinha a sua: no seu entender jurídico, não era preciso — em termos legais — estudo para aquela obra em específico porque, segundo a diretiva comunitária, a lei só obriga se tivesse mais de dez quilómetros. “Se a lei obrigasse, eu teria notificado a câmara”, dizia.
Entre dúvidas legais e recursos nos tribunais, a câmara de Lisboa lá encomendou o tal estudo ambiental e, por mais que Santana tivesse pedido a Deus que a obra estivesse pronta até ao fim de 2004, a inauguração da primeira fase só viria a ser feita bem mais tarde, em abril de 2007, pelo então presidente da câmara Carmona Rodrigues. Já a saída do túnel para a Avenida António Augusto de Aguiar, a última fase, só viria a ser inaugurada em 2012, cinco anos depois da inauguração da primeira parte, por António Costa como presidente da câmara de Lisboa.
Viver em Monsanto: o “palacete à borla” e a polémica das máquinas de ginásio
“Residência oficial” é um termo que se associa a altas figuras do Estado: a do primeiro-ministro, no Palácio de S. Bento, a do Presidente da República, no Palácio de Belém. Sobre o cargo de presidente da câmara de Lisboa, diz-se na gíria política que é ser “mais que ministro”. E Santana Lopes fez tudo por dar peso ao cargo. Um dos atos apontado como uma das excentricidades do então autarca foi ter ido viver para a residência oficial do presidente da câmara de Lisboa, inaugurada em 1989 por Krus Abecassis, mas que até então não tinha sido utilizada.
Um dia antes de Santana tomar posse, a 5 de janeiro de 2002, o semanário Expresso revelava: “Santana admite viver em Monsanto”. O artigo falava na intenção de o presidente da autarquia ir morar para um palacete propriedade da autarquia que Abecassis tinha transformado em residência oficial. Embora a tivessem utilizado em outras circunstâncias, nem Abecassis, nem Jorge Sampaio, nem João Soares tinha até então utilizado a casa para viver.
Uma semana depois, chegava a primeira polémica. Na primeira página, a 14 de janeiro, o 24 Horas puxava pelo lado mais sensível: os contribuintes iam pagar a opção de Santana se mudar para Monsanto com a família. O tablóide denunciava o “Palacete à borla para Santana“. E descrevia que “Pedro Santana Lopes e Catarina Flores [a namorada de então] já resolveram o problema da falta de espaço quando juntam os seus nove filhos — e vão habitar o casarão do município lisboeta, em Monsanto, o que lhes permite ainda poupar umas boas centenas de contos por mês“.
Nessa fase da vida lisboeta, Monsanto era um local pouco recomendável e Santana Lopes argumentava que a sua ida para a residência, também era uma forma de reabilitar a imagem do Parque Florestal. Monsanto era uma zona de prostituição. De facto, desde esse momento — com a ajuda de vários projetos de requalificação da própria autarquia — a prostituição foi desaparecendo e os habitantes da capital começaram, gradualmente, a usufruir cada vez mais do chamado “pulmão de Lisboa”.
Apesar das críticas, Santana não recuou e assumiu a opção de viver em Monsanto. Era lá que recebia jornalistas para entrevistas e onde fazia algumas reuniões com políticos. No seu livro Perceções e Realidade, quando se queixa que José Manuel Durão Barroso lhe serviu bitoque na residência de S. Bento no dia da tomada de posse, conta que em Monsanto, no verão escolhia sempre “peixe grelhado” para a refeição quando o primeiro-ministro ia lá almoçar.
Com a saída do autarca para o Governo, a residência de Monsanto voltou a estar envolvida em polémica. O social-democrata, no momento em que saiu da autarquia, levou consigo as máquinas e outros equipamentos do ginásio que tinha instalado em Monsanto. Os deputados do PS na Assembleia Municipal souberam disso e quiseram saber quanto é que Santana tinha gasto com os equipamentos. O então presidente da câmara, Carmona Rodrigues, explicou que Santana levou os equipamentos porque alguns já eram seus e outros pagou-os do próprio bolso. E garantiu: “Não envolveu dinheiro da Câmara de Lisboa“.
Anos mais tarde o próprio António Costa, como presidente da câmara, chegou a utilizar a residência, onde pernoitava com o filho, mas os serviços camarários aconselharam a venda o edifício e o presidente foi desalojado. Já no tempo de Fernando Medina, a casa foi concessionada por 30 anos, rendendo durante esse período 2.600 euros por mês. Durante a campanha das autárquicas Ricardo Robles, o candidato do Bloco de Esquerda denunciou o caso. Robles faz parte agora parte da maioria de Medina, o palacete vai mesmo ser alojamento local.
Parque Expo. Mandato em risco por receber dois salários?
Pedro Santana Lopes ainda não tinha cumprido um ano de mandato quando ficou em risco de o perder. “Santana treme”, podia ler-se na manchete do semanário Expresso a 19 de outubro de 2002. O social-democrata estava então em “risco de perder o mandato”. De acordo com o Estatuto dos Eleitos Locais, o presidente da câmara só pode auferir 100% do salário quando está em exclusividade. O problema é que Santana recebia a totalidade do vencimento de presidente de câmara (5.008,81 euros) e ainda o de representante da autarquia na Parque Expo (2252,67 euros). Ora, pela lei, só podia ganhar o da Parque Expo se abdicasse de metade do vencimento de autarca. O que não aconteceu. Pior: não comunicou ao Tribunal Constitucional.
Na mesma situação estava o seu número dois, Pedro Pinto, que, além do salário de vereador (3.718,88 euros) ganhava mais 5.566,80 como administrador do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa.
No próprio dia da notícia, Santana enviou “de imediato e apenas por precaução” ao Tribunal Constitucional a informação da sua acumulação de funções na presidência da autarquia lisboeta e na empresa Parque Expo. Remeteu-se ao silêncio e, ao fim de dois, emitiu um comunicado onde garantia que “não recebe dois vencimentos por inteiro” e que “nada foi secreto e ilegal”, porque “intervieram no processo todos os órgãos competentes e tudo foi amplamente divulgado”. Santana explicou que — se recebesse só metade do vencimento de presidente de câmara — “chegaria à situação absurda de auferir menos pela acumulação de funções do que se exercesse apenas as funções de presidente da autarquia”.
Santana fez questão de mencionar o vencimento líquido, queixando-se de que a notícia citava os valores ilíquidos: “Aufiro, no total, a quantia líquida de 4.500 euros”. O presidente de câmara dizia ainda ter a certeza que “a lei não prevê para qualquer destes aspetos a sanção de perda de mandato.”
A promessa não conseguida: expulsar os ministérios do Terreiro do Paço
Quando era candidato, já o tinha prometido durante a campanha eleitoral. No discurso de tomada de posse, a 6 de janeiro de 2002, avisou que queria os ministérios fora do Terreiro do Paço e que iria desafiar o novo Governo a não se instalar na construção pombalina. “É preciso devolver os espaços de Lisboa aos lisboetas”, disse, no primeiro discurso como presidente de câmara. No dia seguinte, a manchete do Diário de Notícias mostrava como era clara a intenção: “Governo expulso do Terreiro do Paço.”
O governo socialista estava nessa fase em gestão na sequência da demissão de António Guterres após as autárquicas e o país iria eleger um novo Governo em março, que se esperava que fosse liderado pelo PSD. E veio mesmo a ser, já que Durão Barroso venceu as legislativas. Santana tinha peso no partido — para alguns analistas, mais até que o próprio líder, Barroso — e não escondia que iria fazer uso desse estatuto para pressionar o Governo. Santana queria que os ministérios fossem transferidos para o Alto do Lumiar para que os espaços onde estavam instalados dessem lugar a zonas de lazer, como um Museu de Arte Contemporânea ou um Hotel de Charme.
A 29 de maio, já Barroso tinha tomado posse, Santana ligou ao primeiro-ministro a exigir uma reunião com os ministros para negociar a saída de alguns ministérios do Terreiro do Paço. O processo andava, no entanto, muito devagar. Mais de um ano e meio depois, a dezembro de 2003, Santana voltou a pôr pressão no Governo e anunciou que Barroso ia pronunciar-se sobre o caso: “Não quero substituir-me ao Governo, mas em breve o primeiro-ministro irá falar sobre este assunto.” Além disso, Santana garantia que as obras que dependiam “exclusivamente da Câmara” estavam “dentro do prazo”, ao contrário das que dependiam do Governo que estavam a andar “mais devagar”. Dois dias depois, Santana prometia que em 2006 os ministérios estariam fora do Terreiro do Paço.
O assunto começaria a criar alguma tensão entre a câmara e o Governo. O ministro adjunto José Luís Arnaut começava a dizer, no início de 2004, que a posição do Governo era conhecida na “primeira quinzena de março” e reduzia tudo o resto a “especulação”. A ideia era acalmar Santana.
Chegou a ser criada uma comissão, com membros da autarquia e do Governo, para discutir o assunto. Entretanto, no verão de 2004, Barroso seguia para Comissão Europeia e o próprio Santana Lopes assumia as funções de primeiro-ministro. Mudou de lado na negociação, mas os ministérios mantiveram-se no Terreiro do Paço. O assunto ficou fora da agenda do novo presidente Carmona Rodrigues e o primeiro-ministro Santana tinha com casos mais urgentes para gerir.
Depois de sair do Governo e de ter voltado à câmara, já em julho de 2005, Santana Lopes fez um balanço das promessas que deixou por cumprir e lembrou a saída dos ministérios do Terreiro do Paço. Ao mesmo tempo, parecia já ter desistido da ideia, uma vez que admitiu ser favorável a propostas de especialistas e cidadãos de Lisboa, como a historiadora Raquel Henriques da Silva, que defendiam que o Terreiro do Paço se mantivesse “como símbolo de poder”, mantendo ali a funcionar, pelo menos, o Ministério das Finanças, a Armada Portuguesa e o Supremo Tribunal de Justiça.
A confiança na vereadora que despediu funcionários para contratar seis ‘boys’
Santana Lopes nunca demorou muito a decidir. Confrontado na Assembleia Municipal com a contratação de “boys” da JSD, não deixou de criticar a sua vereadora e anunciou que ia dispensar os “jotinhas” que não tivessem qualificações adequadas para o cargo. A polémica começou quando a vereadora Ana Sofia Bettencourt despediu oito funcionários da Divisão de Apoio Juvenil, tendo de seguida contratado seis jovens com ligações à JSD.
Santana reafirmou a “total confiança na vereadora Ana Sofia Bettencourt”, mas sem deixar de lhe puxar as orelhas: “Às vezes as pessoas não tomam opções inteiramente corretas. E este foi um caso”. No fim dessa reunião, Santana Lopes voltou a criticar a “substituição de pessoas de uma cor partidária por pessoas de outra cor”, mas defendeu que “ser laranja (cor do PSD) não é impedimento”.
Quatro meses depois, a pressão para o afastamento da vereador voltaria a aumentar. A JSD/Lisboa, através do seu líder Sérgio Azevedo — hoje deputado –, exigia a demissão da vereadora: “Entendemos que não estão reunidas as condições para que a vereadora permaneça em funções, além de que a saída é a única forma da própria vereadora preservar a sua dignidade.”
Santana queria que Ana Sofia Bettencourt saísse, mas temia que ela se desvinculasse e continuasse como vereadora sem partido. Dessa forma, o autarca deixava de ter maioria no executivo e ficava com problemas de governabilidade da autarquia. Santana ainda disse que era uma “questão de consciência” da vereadora. Na verdade, cedeu: era mais simples manter Ana Sofia Bettencourt, que continuou no cargo.
Comunidade LGBT. A guerra entre Santana e o Arco-Íris
Enquanto presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes não descolou (nem quis) da imagem do católico com valores próximos da direita conservadora. Foram, aliás, vários os esforços que fez, por exemplo, com o patriarcado, para que fosse construída uma grande catedral em Lisboa. Na mesma medida, não demorou muito até que a autarquia por si gerida tivesse uma relação de conflito com algumas associações de defesa dos direitos homossexuais.
Santana ainda não estava há meio ano à frente na câmara quando teve o primeiro conflito com a comunidade. A organização ILGA realizava desde 1997 o “Arraial Pride” na Praça do Município — sempre com o apoio da autarquia — e chegou a marcá-lo para 29 de junho de 2002. Porém, acabou por cancelar o evento devido à “indiferença manifestada pela direção” do município. Em comunicado, a ILGA denunciava que, apesar dos vários contactos, o gabinete de Santana Lopes sempre se tinha manifestado indiferente aos pedidos de apoio e para a associação não havia dúvida: “Ser indiferente também é discriminar”.
Várias associações acabaram por criticar a indiferença da câmara. O Grupo de Trabalho Homossexual do PSR (uma das forças políticas fundadoras do Bloco de Esquerda) considerou então atitude da câmara um “absurdo” e elogiou Rui Rio, destacando que a câmara do Porto apoiou iniciativas similares na invicta.
Um ano depois, nova polémica. Em agosto de 2003, a organização do Festival Gay e Lésbico de Lisboa acusava a câmara liderada por Santana de “discriminação e homofobia” por ter retirado os apoios da sétima edição do evento, que se realizava no mês seguinte. Até então a autarquia tinha apoiado sempre o evento, mas naquele ano, algo mudou. O diretor do festival, Celso Júnior, divulgou uma série de faxes trocados a autarquia. Num de 5 de dezembro de 2002, a vereadora da Cultura da CML, Maria Manuel Pinto Barbosa sugeria à organização uma “proposta renovada para um Festival de Cinema das Diversidades”. Ou seja: a sugestão é que o festival não tivesse “gay” e “lésbico” no nome, mas sim a palavra “diversidades”.
A organização, naturalmente, não aceitou mudar o nome. A autarquia ainda aceitou ceder o espaço do Fórum Lisboa — como ocorreu nos anos anteriores para que os filmes fossem exibidos — mas, pela primeira vez, recusou-se a financiar o festival. Justificação: “Restrições orçamentais, reflexo da difícil conjuntura económica que se atravessa”, podia ler-se num fax de 9 de maio noticiado pela agência Lusa.
Celso Júnior não perdoou e disse que ficou “muito claro que a autarquia decidiu não apoiar uma iniciativa associada à comunidade gay, lésbica, bissexual e transsexual”, o que fez com que “desaparecessem 85 por cento das verbas essenciais para continuar a manter a dimensão do evento”. E carregava na tinta: “Isto é homofobia no mais alto grau”. A vereadora defendeu-se na altura a dizer que não discriminou, e que o motivo da retirada foram mesmo as restrições financeiras, alegando que também tinham sido retirados apoios ao DocLisboa.
Antes de Santana seguir para o Governo, no verão de 2004, comprava nova guerra com as associações de defesa dos direitos dos homossexuais. A 18 de junho desse ano, a câmara de Lisboa deu um parecer negativo a realização da Marcha do Orgulho Gay, marcada para o dia 26 desse mês. Neste caso, foi o próprio Santana Lopes a dar a cara e no lançamento da reedição do livro “Esgotos de Lisboa” assumiu a posição: “Há uma orientação geral da Câmara de Lisboa para que na Avenida da Liberdade só se realizem manifestações em datas muito especiais, como o 25 de Abril, ou então provas” desportivas.
Santana dizia então que preferia que a marcha ocorresse “noutras zonas, porque senão a Avenida da Liberdade passava a vida a estar fechada”. E acrescentava: “Também prefiro que não se utilize o Terreiro do Paço”. No entanto, negava estar a discriminar: “Eu digo a estas organizações o mesmo que digo a outras que queiram utilizar a Avenida da Liberdade para desfiles”.
A organização da Marcha de Orgulho Gay decidiu, no entanto, realizar na mesma o evento, mesmo contra o parecer da câmara. Paulo Vieira, da “Não te prives – Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais” justificava na altura que o Governo Civil autorizou a marcha e que a própria PSP não se opôs, só lamentou ter menos agentes, uma vez que havia jogo do Euro 2004. O presidente da Opus Gay, António Serzedelo, também acusava o presidente de discriminação e alertava Santana que a sua posição poderia significar “a perca do voto gay, em quaisquer eleições a que se apresente”.
A própria Opus Gay acabaria por discordar da forma como o processo foi conduzido e, nesse ano, não participou na marcha e criticou a “partidarização” da mesma. Na marcha participaram políticos como o fundador do Bloco de Esquerda, Miguel Portas, e a deputada do PEV Isabel Castro. Os jornais noticiaram um “desfile morno”. A guerra com Santana tirou força à marcha.
O ultimato aos proprietários e o imposto “Baixa Chiado”
Ao “Ultimato de Santana Lopes”, que fazia manchete do Diário de Notícias em janeiro de 2002, seguiu-se uma declaração de guerra ao recém-empossado presidente da câmara. “Proprietários lisboetas contra Santana Lopes” era a manchete d’A Capital no dia seguinte. O que estava em causa? Uma outra bandeira de Santana Lopes: a recuperação da Lisboa que estava “a cair”. Numa medida anunciada à cabeça do mandato, Santana Lopes mandou fazer um levantamento exaustivo do número de edifícios em mau estado, estimando que a capital tivesse mais de 1.400 edifícios em risco de ruir. A ideia era dar um prazo curto aos proprietários para fazerem esse levantamento, e depois intimá-los a reabilitarem os prédios. Se não o fizessem, a câmara utilizaria o sistema de obras coercivas: isto é, fazia as obras necessárias e depois apresentava a fatura aos respetivos donos.
“Os edifícios que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas serão alvo de uma ordenação camarária de demolição ou beneficiação”. Esta era a ordem de Santana Lopes, decretada numa conferência de imprensa onde também anunciou que ia começar a notificar todos os proprietários dos 1.400 edifícios em risco de ruína, e que estes tinham 25 dias para proceder ao emparedamento. O objetivo era dar prioridade à recuperação e não à nova construção. “Meia Lisboa está a cair” era a manchete do Correio da Manhã no dia seguinte, que dava força à intervenção de Santana.
Mas as ideias do novo autarca para reabilitar a cidade e para lhe tirar o “ar desmazelado” eram ambiciosas. Santana queria aumentar as sanções por violação das leis relativas a obras, assim como aumentar as multas aos proprietários que, tendo capacidade financeira para fazer obras, não o faziam. Queria aumentar as multas a quem estacionasse carros em segunda fila, e, numa mera operação de estética-política decretou, logo no primeiro mês de mandato, que todos os cartazes partidários sobre as autárquicas fossem retirados das ruas de Lisboa. Na verdade, o rosto de Paulo Portas, que tinha sido candidato pelo CDS, ainda era “a cara mais visível” nas avenidas lisboetas, segundo admitia o próprio Santana, por isso era preciso uma limpeza. Tudo em nome da imagem da cidade.
A cruzada da reabilitação urbana levou a um curioso acordo de princípios, em maio de 2002. A câmara de Lisboa juntou-se à câmara do Porto e de Coimbra para assinarem com a secretária de Estado da Habitação um diploma destinado a incentivar a reabilitação urbana. E quem era o presidente da câmara do Porto? Precisamente, Rui Rio. Segundo Santana Lopes, em declarações à agência Lusa depois da primeira reunião, documento que estava a ser preparado previa a criação de “sociedades” cujo funcionamento seria “quase equivalente ao Fundo de Investimento Imobiliário” — uma das ideias de Santana para resolver o problema da degradação dos edifícios. Dois anos depois, anunciou a criação de três sociedades de reabilitação urbana, uma para a Baixa Pombalina, outra para Alcântara/Ajuda e outra para a zona oriental da cidade.
Outra cruzada foi a circulação automóvel no Chiado: uma zona que se pretendia mais pedonal e mais atrativa aos turistas. Qual foi a ideia do presidente da câmara? Taxar a circulação na Baixa e no Chiado. O anúncio da medida foi feito no final de 2003, e o desenho passava por impor o pagamento de uma taxa, sob a forma de selo anual, que variava consoante o tipo de veículo, a quem quisesse circular de automóvel naquela zona histórica. As arestas foram limadas e em 2004 a ideia passou a ser taxar apenas durante o dia. “À noite, os automobilistas podem circular sem pagar taxa. Mas quem quiser ter o luxo de circular naquela zona da cidade de carro durante o dia terá de pagar uma taxa”, disse Santana Lopes, no final de uma reunião de câmara em janeiro de 2004, garantindo que a medida ia ser implementada de forma “moderada” para que “ninguém ficasse chateado”.
Moradores e comerciantes estavam isentos, e a fiscalização era feita através da instalação de um sistema de vigilância, por câmaras, em vez de haver barreiras físicas. Mas depois a história aconteceu: Santana foi para o Governo, Carmona Rodrigues ocupou o lugar e a ideia de taxar o Chiado ficou no plano das “ideias”. “Antes de pensar em pôr em prática ideias como essas, temos de criar condições que ainda não existem”, dizia Carmona em setembro.
Os entraves do ex-presidente do Sporting ao estádio do Benfica (e o apoio do Benfica ao PSD)
Quando Pedro Santana Lopes chegou à presidência da câmara de Lisboa, no início de 2002, o Euro 2004 estava à porta e o Benfica tinha feito um acordo com o ex-presidente da câmara, o socialista João Soares, sobre os apoios para a construção do novo Estádio da Luz — que ia acolher a grande final do campeonato de futebol. Mas o acordo foi apenas “verbal”, e foi essa declaração de intenções que Santana herdou. Portanto, quando, a 1 de outubro de 2001, os camiões e retroescavadoras entraram no recinto do Estádio da Luz para começarem as demolições para a construção do novo estádio, ainda não era conhecida qualquer promessa da câmara no sentido de apoiar financeiramente o clube. O embróglio duraria mais de sete meses e levaria o socialista Manuel Alegre a acusar o PSD de ter feito um “acordo secreto” com o Benfica: apoio eleitoral em troca de financiamento do estádio.
“A câmara não participará em sociedades de gestão dos clubes”. Este era o ponto assente de Santana Lopes, que teve várias reuniões com o então presidente do Benfica, Manuel Vilarinho. De um lado saía uma versão, do outro outra. Este era o cenário: Manuel Vilarinho dizia que o acordo (fechado com João Soares) era para a participação da câmara em 12,5 milhões de euros na Sociedade Benfica-Estádio, o aumento da volumetria de construção nos terrenos do atual recinto e a exploração de uma bomba de gasolina no Eixo Norte-Sul. E dizia que esses três fatores tinham sido decisivos para o Benfica avançar para a construção do estádio. Já Santana negava qualquer participação da câmara no capital social daquela sociedade e dizia que não ia viabilizar o aumento da volumetria de construção nos terrenos. Quanto muito, admitia “estudar” a possibilidade de autorizar a construção noutros terrenos. Santana admitia ainda a exploração da bomba de gasolina mas, quanto à verba disponibilizada, só permitia dar ao Benfica e ao Sporting apoios “equivalentes” aos estabelecidos no protocolo de modernizaçãodos equipamentos desportivos com o Belenenses — que tinha sido orçado em 7,75 milhões de euros (longe dos 12,5 milhões pedidos por Manuel Vilarinho).
O impasse durou algum tempo, com o tema a ser tratado com pinças ainda para mais porque havia eleições legislativas à porta (em março de 2002). O então ministro do Desporto, o socialista, José Lello, chegou mesmo a dar um murro na mesa, dizendo que não ia alterar o contrato-programa assinado com o Benfica, que previa uma comparticipação do Estado à construção do novo Estádio da Luz de 22,6 milhões de euros. “Não pensem que, por estarmos em momento eleitoral, eu vou alterar uma vírgula ao que foi acordado entre o Benfica e o Estado. Eu cumpro. Se os outros não cumprem, que assumam essa decisão…”, disse à Lusa. Ou seja, do lado do Estado central não havia nem mais um cêntimo: “O problema é entre o Benfica e a Câmara (de Lisboa)”, afirmava o ministro.
“Depois de tudo o que os doutores João Soares e Pedro Santana Lopes disseram na campanha eleitoral (das autárquicas) não acredito que o estádio fique por construir… Acho que o doutor Santana Lopes vai resolver o problema. Não acredito que a obstinação do presidente da câmara inviabilize a construção do estádio”, dizia ainda José Lello. A tal “obstinação” levaria Santana Lopes a adiar sucessivamente a decisão. Primeiro disse que haveria acordo “depois do Carnaval”, depois, deu a si próprio dez dias, e posteriormente anunciou que só se pronunciaria sobre o caso depois das legislativas de março.
Acontece que as legislativas de março vieram adensar ainda mais o problema. Tudo porque o Benfica de Manuel Vilarinho resolveu, num jantar-comício do PSD, manifestar implicitamente o apoio institucional do Benfica ao candidato do PSD, Durão Barroso. “Quando votarem lembrem-se que estes senhores nos ajudaram a resolver a situação”, disse Manuel Vilarinho — o que fez soar todos os alarmes. A voz mais grossa foi do socialista Manuel Alegre, que quis logo que se esclarecesse se houve ou não algum “acordo secreto” ou “solução clandestina” entre a direção do Benfica e o PSD. “Como é que aqueles senhores [Santana Lopes e Durão Barroso] ajudaram? Há um acordo debaixo da mesa? O que é que há?”, questionava Manuel Alegre numa conferência de imprensa que convocou só para alertar para aquele “acordo escondido”.
Santana Lopes sempre negou qualquer troca de favores nesse sentido. “A solução a encontrar pela câmara de Lisboa será participada pela generalidade dos partidos com assento na câmara. Só isto faz cair por terra qualquer hipótese das pessoas pensarem que houve qualquer acordo com o PSD”, disse aos jornalistas na altura, depois de ter ido a um encontro com o Presidente da República.
Com ou sem o apoio dos benfiquistas, Durão Barroso ganharia as eleições de 2002. E o acordo para o financiamento do Estádio da Luz chegaria cerca de um mês depois: a câmara autorizava a construção de 65 mil metros quadrados nos terrenos circundantes do estádio mas a empresa de construção Somague tinha de sair, e entrava a empresa pública EPUL; além de que o clube ficava obrigado, como contrapartida, a erguer, em associação com a EPUL, 200 fogos de habitação destinados a sócios. “Transformámos um ato de negócio privado num ato de interesse público”, disse na altura Santana, considerando que o acordo celebrado abria “uma perspetiva inédita” na forma de as autarquias negociarem com clubes desportivos. Na altura, também Manuel Vilarinho aplaudiu.
Capítulo encerrado e estádio construído. Portugal foi à final do campeonato europeu, disputada no renovadíssimo Estádio da Luz, e perdeu. O acordo chegou a ser aprovado por todos os partidos na câmara, menos o PCP, depois de limadas algumas arestas, mas foi aberta uma investigação à legalidade do contrato-programa entre a câmara, a EPUL e o Benfica. As conclusões de um relatório chegariam apenas em 2010 e eram desfavoráveis à câmara, mas não haveria mais consequências: “As formas de apoio acordadas e atribuídas ao clube da Luz para a construção do estádio consubstanciam verdadeiras comparticipações financeiras, concedidas por instâncias municipais”, lia-se no relatório da PJ, que dizia que o contrato-programa tinha contrariado os “normativos legais vigentes” por não terem sido quantificados devidamente os encargos das entidades públicas envolvidas em desrespeito pelos princípios da boa gestão dos dinheiros públicos.
Resumindo: a Câmara Municipal de Lisboa “instrumentalizou a EPUL”, que assumiu encargos diretos de 18 milhões de euros na prossecução de fins estranhos ao seu objeto social.