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A prenda de Natal que a presidente executiva da TAP pediu em público materializou-se esta terça-feira. Um ano e uns dias depois de chegar a Bruxelas, a Comissão Europeia aprovou o plano de reestruturação da companhia portuguesa, dando luz verde a ajudas públicas de mais de três mil milhões de euros que começaram a ser dadas no ano passado e que são as primeiras em mais de 20 anos.
Mas como vai ficar a TAP depois da reestruturação que está a em curso? O Governo conseguiu evitar a TAPzinha? O Estado vai ser o único dono da empresa? O que podem esperar trabalhadores, passageiros e contribuintes? Como vai a oposição, em particular o PSD reagir a esta solução fechada a menos de dois meses das eleições?
Quanto vai afinal o Estado meter na TAP
O comunicado da Comissão Europeia refere uma ajuda financeira pública de 2,55 mil milhões de euros para a reestruturação da companhia. Uma parte deste valor já foi injetado em 2020 através do empréstimo de 1.200 milhões de euros concedido pelo Estado ainda durante a primeira fase da pandemia. Para 2022, está prevista uma nova injeção de capital de 990 milhões de euros e um empréstimo de 360 milhões de euros com aval do Estado.
Mas a somar a estes fundos associados à reestruturação, há um pacote que se destina a compensar a empresa pelos prejuízos que a pandemia e as restrições à operação provocaram. A TAP já recebeu 462 milhões de euros e Bruxelas autorizou mais 107 milhões de euros, pelos dois semestres de 2020. Posteriormente foi anunciada nova ajuda por efeito da pandemia já no primeiro semestre de 2021 de 71,4 milhões. Os dois tipos de ajuda vão totalizar perto de 3,2 mil milhões de euros.
É só o Estado a meter dinheiro na TAP?
Essencialmente sim. O plano acordado com a Comissão Europeia prevê que a empresa obtenha 360 milhões de euros através de um empréstimo contraído junto de privados, mas para o qual está prevista uma garantia do Estado para a quase totalidade. Este empréstimo pode ser convertido em capital.
O que acontece ao acionista privado?
A empresa de Humberto Pedrosa, o dono da Barraqueiro, deixará de ser acionista da TAP SA, a empresa de aviação que irá receber toda a ajuda pública prevista no plano. Em consequência, o Estado ficará com a totalidade do capital deste negócio. O acionista privado fica com a participação de 22,5% que tem na TAP SGPS, a holding que era dona da TAP, mas, como explicou o secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, essa empresa ficará apenas com os ativos que terão de ser vendidos ou até fechados (cenário limite admitido para a manutenção no Brasil). Outro ativo para venda, e este com valor, sãos os 51% na Cateringpor que estão na TAP SGPS.
Atualmente a TAP SGPS também controla a Portugália, mas o comunicado de Bruxelas indica que a TAP SA e a PGA serão as empresas que vão ser ajudadas e reestruturadas e o ministro das Infraestruturas afastou qualquer medida de redução da Portugália que, garante, vai até ser reforçada no papel de alimentador dos voos da TAP.
A TAP vai ficar no Estado ou vai ser privatizada?
No horizonte do plano de reestruturação agora aprovado não existe obrigação de privatizar a TAP, explicou o ministro das Infraestruturas na conferência de imprensa. Mas se essa não é uma exigência da Comissão Europeia, o desejo do Governo é que a TAP seja integrada num grupo de aviação. No negócio muito competitivo da aviação, uma empresa da dimensão da TAP não pode sobreviver sozinha, destacou Pedro Nuno Santos. Em entrevista à CNN Portugal, não quis comentar a retoma do interesse da Lufthansa, que estaria em conversas para comprar a companhia portuguesa ao empresário David Neeleman antes da pandemia. Mas sublinhou que havia mais interessados entre companhias aéreas e outros investidores. O Governo, sinalizou, vai manter-se atento a eventuais interessados, mas o ministro deu preferência a um grupo de aviação.
O Estado vai recuperar o dinheiro aplicado na TAP?
No horizonte da execução da reestruturação, o Estado acionista não será reembolsado. O plano aprovado prevê que a TAP possa ter resultados positivos a partir de 2025. Mas só no quadro de uma privatização é que o Estado poderá recuperar uma parte dos apoios prestados, não sendo possível, neste momento, e com a incerteza que ainda vive o setor de aviação, antecipar quanto poderá valer a TAP numa futura e eventual venda. Mas se esta é a ótica do Estado investidor, Pedro Nuno Santos fez questão de recordar os números já destacados do impacto positivo que a empresa tem na economia, nos fornecedores, nas exportações e no turismo. E sublinhou a importância de o país não perder mais empresas estratégicas como a Cimpor e a Portugal Telecom.
Para o ministro das Infraestruturas, a TAP não pode ser substituída por uma low-cost por causa do efeito hub que permite atrair passageiros a Portugal (Lisboa) que nunca viriam se houvesse apenas uma oferta de ponta a ponta. Sem a TAP, para voar de Lisboa até ao Brasil ou Estados Unidos seria necessário ir primeiro até outro aeroporto europeu antes de rumar ao destino final.
O que significa a cedência de 18 slots em Lisboa exigida por Bruxelas?
A cedência mais importante é a de 18 slots por hora no aeroporto de Lisboa, uma infraestrutura que Bruxelas — e não só — considera estar saturada. Os slots são direitos dados às companhias em cada faixa horária nos aeroportos e, dado o grau de utilização do Humberto Delgado, o número de slots disponíveis para leiloar todos os anos para quem quer entrar é reduzido ou mesmo inexistente. Pelo histórico de operação e por usar Lisboa como hub, a TAP é a companhia com mais direitos de voo e terá de ceder 18 em concurso no próximo ano. Em que horas serão cedidos os slots — a maior procura coincide com o início de manhã e o final do dia — é uma matéria que será discutida com a Comissão Europeia nos próximos meses, e em função dos comentários e necessidades suscitadas pelas companhias concorrentes. A redução terá efeitos a partir do Inverno IATA de 2022 (que começa a partir de outubro).
Pedro Nuno Santos desvalorizou o impacto desta cedência, referindo que são apenas 5% do total de slots que a TAP tem no aeroporto Humberto Delgado. Mas admitiu que a proposta inicial de Portugal, “negocial”, era de 12 slots.
O ministro adiantou que estes slots não estão associados a destinos específicos, caberá à gestão da companhia ajustar a sua oferta à redução de tempos reservados no aeroporto, mas admitiu que pode haver impacto na oferta de destinos intercontinentais como Brasil, Estados Unidos ou África. Acrescentou também contido que esses slots serão provavelmente ocupados por companhias low-cost, como a Ryanair, que fazem apenas ligações ponto a ponto para destinos europeus.
Que outras exigências fez a Comissão Europeia?
Outras exigências passam pelo desinvestimento em três empresas consideradas não core para o negócio da aviação e que estão na TAP SGPS.
- A Manutenção e Engenharia do Brasil, empresa que no passado trouxe muitos prejuízos à TAP e que já foi estruturada e que terá de ser vendida — de preferência — ou liquidada no limite.
- A Cateringpor, a empresa que fornece as refeições a bordo dos aviões e na qual a TAP SGPS tem 51%.
- A Groundforce, empresa de handling onde a TAP tem 43,9% e que foi recentemente declarada insolvente, estando em aberto a nova estrutura acionista.
Estas três operações têm de estar resolvidas até ao fim do plano de reestruturação cuja execução termina em 2025.
A TAP vai ser uma TAPzinha?
Pedro Nuno Santos garantiu que não. Antes de mais, a Comissão Europeia não exigiu mais despedimentos, nem cortes salariais adicionais, nem uma redução maior da frota que nesta fase irá ficar em 96 aviões, mas que pode ir até às 99 aeronaves até ao final do plano de reestruturação. Depois, a redução de slots no aeroporto de Lisboa representa apenas 5% do número total dos tempos reservados para a companhia portuguesa, muito abaixo do que Bruxelas queria, o que permitirá, acredita, manter o hub em Lisboa.
O ministro das Infraestruturas invocou o exemplo, defendido por alguns em Portugal, da Alitalia. A nova empresa, a ITA, criada a partir da insolvência da companhia de bandeira italiana, nasceu com um corte de mais de 50 slots nos principais aeroportos. Para o ministro, a nova empresa será uma Alitaliazinha.
Para além da redução da frota para um número que é comparável ao número de aviões que a TAP tinha em 2018, a empresa reduziu mais de 2.000 trabalhadores.
A TAP pode precisar de mais dinheiro público?
Não há nenhuma razão para que o plano não seja cumprido com o dinheiro negociado com a Comissão Europeia”, garantiu Pedro Nuno Santos, à CNN Portugal. Mas o ministro não fecha a porta a outros cenários porque a pandemia é uma incógnita para o futuro da aviação.
“Não temos perspetiva que a TAP venha a precisar de mais”, mas a transportadora “opera no mercado global, sujeito a pandemias, a crises, que têm impacto no setor da aviação”. A transportadora já “beneficia hoje” da compensação Covid. Qualquer montante que seja injetado na TAP tem de ser articulado com a Comissão Europeia, não sendo aplicado nada de diferente.
E o que acontece se o PSD chegar ao Governo?
O acordo de reestruturação foi fechado pelo Governo socialista a menos de dois meses de eleições legislativas e o principal partido da oposição tem-se manifestado contra a dimensão das ajudas à companhia. Nesse acordo, a Comissão Europeia autorizou Portugal a injetar fundos públicos na empresa, mas essa solução poderá ser posta em causa por um futuro Governo.
Apesar de compreender que a TAP seja “apetecível no combate partidário”, o ministro das Infraestruturas deixa vários recados ao PSD. Os partidos que disputam o poder “têm cumprido os acordos estabelecidos no quadro europeu. Seria muito negativo para o país e para a TAP que este plano não fosse cumprido e respeitado. E seria terrível para a economia e para os portugueses se perdermos a empresa que exporta mil milhões. Acho que ninguém travará ou interromperá este plano”.
Para Pedro Nuno Santos algumas declarações da oposição suscitam “preocupação porque indiciam que não tem estatura para liderar o país e tomar decisões difíceis”. Na entrevista à CNN, foi mais longe. “O que o presidente do PSD tem feito é fugir do tema como o diabo foge da cruz e não assumir uma posição que seja escrutinável por nós. O que o presidente do PSD diz é que é mau fechar e é mau manter aberto. É preciso é dizer o que fará se for primeiro-ministro”.
Um candidato a primeiro-ministro “tem de dizer ao que vem”. Tem medo de perder as eleições? “Não tenho medo de nada”.
Se for Governo, PSD “assumirá as suas responsabilidades no caso da TAP”