Terceira tentativa, o mesmo resultado de sempre. Os estados-gerais da direita voltaram a reunir-se em mais um congresso do Movimento Europa e Liberdade (MEL) com o objetivo de encontrarem um rumo alternativo e convergente. Mas, tal como nas duas edições anteriores, só conseguiram concordar em três aspetos essenciais: estão todos contra António Costa, estão todos contra Rui Rio e estão todos por Pedro Passos Coelho. Ou melhor, à espera dele.
O antigo primeiro-ministro marcou voluntária ou involuntariamente a ‘Aula Magna da Direita’: antes, durante e depois de todas as intervenções, foi sempre ele o foco das atenções, foi sempre ele que os presentes quiseram saudar e cumprimentar e ver e tocar. Todos quiseram ficar ao lado do mito sebastiânico da direita — alguns, como André Ventura, até literalmente.
O líder do Chega entrou de rompante no auditório, rodeado por um séquito de apoiantes, ignorou olimpicamente a tertúlia que estava a decorrer, lançou-se ao aperto de mão de Passos, que não se levantou para cumprimentar o presidente do Chega, sentou-se ao lado do antigo primeiro-ministro e fez um “V” de vitória para as câmaras dos fotógrafos. Seria uma das imagens do dia.
Todos quiseram ficar ao lado do mito porque o mito estava ali, em carne e osso, embora praticamente mudo sobre o seu possível regresso à política ativa no curto-médio prazo. “Nada disso, nada disso, nada disso”, repetiu perante a insistência dos jornalistas.
A simples presença de Pedro Passos Coelho, no entanto, tornou evidente que a fratura à direita, mais do que ideológica, programática ou estratégica, existe porque o líder do único partido que pode devolver a direita ao poder — Rui Rio — não convence os três restantes líderes da direita.
João Cotrim Figueiredo, deputado e presidente da Iniciativa Liberal, disse-o. “Quando o PSD se presta a várias iniciativas do PS está a fazer o jogo dessa mesma esquerda. Para isso não contem connosco.”
André Ventura, do Chega, foi ainda mais longe. “Rui Rio não tem conseguido fazer o seu papel de oposição à direita”, disse, antes de apontar ao coração da atual liderança do PSD.
“O Chega nasceu para governar. É tempo de apresentar aos portugueses uma solução para governar, independentemente de o líder do PSD ser Rui Rio ou outro”. Passos assistiu a tudo, não aplaudiu e foi o primeiro a deixar a sala assim que Ventura terminou o discurso.
Até Francisco Rodrigues dos Santos, que renovou os lanços de sangue com PSD para tentar salvar as autárquicas (e blindar a sua liderança), desfez de alto a baixo a estratégia política de Rui Rio.
“Para combater a esquerda em Portugal precisamos de uma direita forte, nós não precisamos de uma obsessão pelo centro, que desvirtua a direita. O centrismo é uma ideologia de fachada e que faz fretes ao PS.” “Fretes”. Estava consumado o ataque.
Se os três líderes se permitiram a criticar abertamente Rui Rio, os oradores convidados, uns mais mediáticos outros menos, foram mais longe. Em vários momentos do congresso, a atual liderança do PSD foi contestada e representada como o grande seguro de vida de António Costa. Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais e challenger de Rio nas últimas eleições internas, foi quem melhor sintetizou o pensamento dominante destes dois dias de congresso.
“Hoje estamos a falar de convergência simplesmente porque Pedro Passos Coelho deixou de ser líder do PSD. Não tenho dúvidas que Rui Rio seria muito melhor primeiro-ministro do que António Costa, a verdade é que não tem adesão popular, não é entendido como uma verdadeira alternativa. E em democracia sem ganhar eleições não se consegue mudar o rumo de país.”
E Rio? Não se moveu um centímetro
Aguardada com grande expectativa — era a primeira que o líder social-democrata participava neste congresso –, Rio desfez toda e qualquer dúvida que pudesse restar: não ia perder um minuto com reflexões sobre federalismos à direita, convergências ou, sequer, sobre o que é ser de direita. Rio disse-o mais uma vez com todas as letras: não se considera de líder de um partido de direita.
“Ainda não tinha entrado na sala, olhei para o ecrã e sosseguei porque não dizia ali congresso das direitas. Se dissesse, não poderia entrar, teria provavelmente sido barrado logo à entrada. O PSD não é um partido de direita”, reafirmou Rio. Sem grande surpresa, a declaração foi recebida com uns (poucos) tímidos aplausos.
E se a direita passou dois dias a refletir sobre o que a pode unir para ser alternativa a António Costa, Rui Rio reservou 45 minutos para defender aquilo que só pode ser feito com o PS: as reformas estruturais de que o país precisa, ao centro e com os socialistas.
Sem nunca responder diretamente aos críticos e às críticas dos líderes dos outros partidos à direita, Rio fez a defesa da sua estratégia de construção de pontes com o PS e lamentou a “cultura dominante” da política, que não premeia o “diálogo democrático”. “Existe a ideia de que uma oposição forte nunca coopera, só diz mal, está sempre contra. E quando coopera tem de se tirar e pôr alguém que venha falar mais alto“, lamentou o social-democrata.
O pior viria a seguir quando Rio disse taxativamente que “o PS não quer reformar nada, não quer contrariar o discurso politicamente correto porque o politicamente correto é a arma do imobilismo”. Perante a crítica, houve quem, na plateia, soltasse um “então…!?”, sugerindo que era já tempo de Rio abdicar da ideia de conversar com António Costa.
O momento de estupefação de parte da plateia cristalizou o sentimento de incompreensão que há muito grassa numa parte da direita: se o PS rejeita mexer um músculo para se aproximar da direita, não era tempo de o PSD relançar a direita enquanto alternativa?
No centro de congressos de Lisboa, Rio não deixou de responder à plateia — a esta e à que assiste à sua liderança desde 2019. “É obviamente muito difícil. Mas a luta não é virar as costas. António Costa não aproveita esta oportunidade para rasgar novos horizontes ao país. Mas é nossa obrigação tudo fazer”, rematou.
Não é certo que tenha convencido os que, à direita, o ouviram, em Lisboa e no resto do país. Mas também é provável que Rui Rio nunca tenha tido verdadeiramente esse objetivo: a direita não é a água em que o líder do PSD quer definitivamente nadar.
O outro bloqueio chamado Ventura
À indisponibilidade (estratégica ou não) de Rio para liderar a família não socialista juntou-se outro dado evidente: a direita, ou uma parte da direita, terá dificuldades em lidar com o fenómeno André Ventura. O líder do Chega aproveitou o Congresso do MEL para fazer uma demonstração de força e para jurar que a direita jamais voltará ao poder sem o Chega no Governo.
A rejeição de uma direita dependente da estratégia de Ventura ficou bem evidente nos discurso dos adversários. Francisco Rodrigues dos Santos sugeriu-o: “O espaço do CDS é insubstituível na nossa democracia: aqueles que procuram o CDS fora do CDS não o vão encontrar. Vou colocar Partido Popular no lugar que merece e que sempre foi o seu, à direita e na direita que serve a Portugal, um partido das pessoas e das liberdades.”
João Cotrim Figueiredo concretizou-o. “Não contem connosco também para enveredar por populismos, para promover homens providenciais e aceitar visões autoritárias e divisivas, nunca apoiaremos visões não liberais da sociedade”. E Rio não o disse, porque desta vez não falou para a direita, mas já garantiu que nunca abdicará dos princípios do PSD.
Mas a verdade é que, em muitos momentos deste congresso, a rejeição dos ideais iliberais foi quase tão forte como a rejeição do socialismo, prova mais uma vez de que há um dilema que a direita tarda em conseguir resolver: se um dia for chamada a ser poder, contará com a agenda (e os votos) da direita radical ou mantém a cerca sanitária? “Vão engolir um sapo“, sugeriu no primeiro dia de congresso, Nuno Afonso, vice-presidente do Chega.
Com sapo ou sapo, Miguel Poiares Maduro, ex-ministro de Pedro Passos Coelho e conselheiro de Rui Rio, definiu o tom. “De pouco serve unir todo o espaço não socialista se as diferenças no seu seio forem tão ou mais graves do que as que nos separam do outro lado. Não devemos confundir um projeto de poder com um projeto para o país.”
O dilema é, por isso, aparentemente insanável. Ou não. Há quem, como a deputada do CDS Cecília Meireles, outro dos destaques destes dois dias de congresso, tenha pedido mais do que discussão sobre alianças e aritméticas parlamentares. “A direita tem de sair do divã, parar de se discutir a ela própria e começar a discutir o que quer para o país, de forma direta e clara”. Conseguirá fazê-lo a tempo? E com estes protagonistas?