Longe vão os tempos em que o governo comunista da União Soviética apoiava e promovia campeonatos mundiais de xadrez, e em que o tabuleiro preto e branco era visto como uma metáfora para os confrontos de então entre comunistas e capitalistas. “O peão é que importa”, dizia Benny Watts, em jeito de conselho a Beth Harmon, na aclamada série da Netflix “The Queen’s Gambit” que retrata, em parte, esse período da Guerra Fria. Certo é que, para o PCP, o coletivo é que importa e a estrutura de poder, como no tabuleiro de jogo, é horizontal: peões vão na frente e, sem eles, não há rei nem rainha que se salve. A jogada é coletiva, mesmo quando algumas peças têm de ser sacrificadas.
Numa altura em que o congresso dos comunistas está, à semelhança do que aconteceu na Festa do Avante, envolvido em polémica por se realizar num fim de semana em que há restrição de circulação entre concelhos devido à pandemia da Covid-19, e em que as pessoas são aconselhadas a ficar em casa, o PCP vai reunir 600 delegados (metade do que o costume), sem convidados externos, para debater o futuro do partido: presidenciais (um primeiro teste), autárquicas (a grande prova) e, quem sabe, o futuro (não para já) de Jerónimo de Sousa no papel de secretário-geral. Tudo com uma sombra a pairar no pavilhão Paz e Amizade, em Loures: a aprovação do Orçamento do Estado para 2021, que aconteceu precisamente na véspera do arranque dos trabalhos e que teve o selo dos comunistas, que apareceram mais uma vez lado a lado com o PS (e com o Bloco de Esquerda, desta vez, de fora do tabuleiro).
Bispos à parte — por respeito à tradição anticlerical do partido — fomos ver quem é quem no tabuleiro de xadrez que o PCP vai jogar neste congresso.
Nota mental: no fim do jogo, do rei ao peão vão todos para a mesma caixa.
Jerónimo de Sousa
O rei. É a peça mais importante do tabuleiro, a única que não pode ser capturada: ou melhor, a única que, quando é encurralada, xeque-mate, termina o jogo. Quando, no próximo sábado à noite, o Comité Central que sair eleito do congresso eleger, presumivelmente, Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP, o outrora operário metalúrgico entrará no seu 17º ano à frente do partido. Só Álvaro Cunhal esteve mais tempo no mesmo lugar, mas pouco mais — foram 18 anos como secretário-geral a contar desde o 25 de abril de 1974. Fasquia que, tudo indica, vai ser ultrapassada por Jerónimo de Sousa.
Desde o último congresso, em 2016, o tabu foi sendo alimentado: o congresso de 2020 seria o congresso da despedida de Jerónimo de Sousa? “Uma coisa posso garantir: não vou calçar as pantufas”, chegou a dizer, em entrevista ao Público, em 2018 quando questionado sobre se este iria ser o seu último mandato. Já este mês, em entrevista ao Observador, Jerónimo de Sousa torceria o nariz à palavra “mandato”, e lançava pistas que, a pouco e pouco, iriam desfazendo o tabu: “Não vai ser um problema do congresso”, diria. “Não gosto da palavra mandato, não se trata de um mandato. O secretário-geral no PCP não é um órgão, insere-se no coletivo da direção, e é eleito pelo comité central, que por sua vez é eleito no congresso”. Ou seja, está tudo nas mãos do comité central e, se o comité central assim o entender, Jerónimo fica. Resta saber por quanto tempo.
Na memória de todos está a solução encontrada por Álvaro Cunhal aquando do processo da sua sucessão, altura em que nomeou Carlos Carvalhas secretário-geral adjunto, para assumir o cargo de secretário-geral dois anos depois. Ainda que a figura de um secretário-geral adjunto não esteja prevista nos estatutos do partido, também não há nada que o impeça. A regra é apenas uma: “o Comité Central tem a faculdade de eleger, de entre os seus membros, um secretário-geral do partido”. Se em 2016 Jerónimo saiu do congresso eleito secretário-geral como sinal da unidade do partido numa altura em que o PCP fazia parte da recém-criada ‘geringonça’ e não havia motivos para interromper o ciclo, aos 73 anos a lógica parece ser a mesma: a geringonça já foi mas ficou uma semi-geringonça, já com um braço a menos (o BE), mas com o PCP ainda interessado em mexer cordelinhos.
Como ia dizendo durante a campanha eleitoral das legislativas, em 2019, Jerónimo pode já não estar “fresco que nem uma alface”, mas “ânimo” não lhe falta. Mesmo que não cumpra mais um mandato (ou que não o cumpra até ao fim), pantufas é coisa que não lhe apetece calçar.
O Rei pode mover-se em todas as direções, mas apenas uma casa de cada vez, desde que o movimento não seja para uma casa ameaçada por uma peça adversária. O rei também pode capturar qualquer peça adversária, desde que a mesma não tenha outra peça a defendê-la. Um Rei nunca poderá dar xeque a outro Rei.
João Ferreira
A rainha. Há quem diga que é mesmo a peça mais poderosa, acima do rei, porque é a única que se pode movimentar quantas casas quiser, e a única (além do rei) que pode mover-se em todas as direções. É só escolher. O percurso de João Ferreira tem sido mais ou menos assim, a jogar em todas as direções, desde que se começou a destacar no partido: foi a escolha do partido para encabeçar a lista ao Parlamento Europeu em 2009, e tem-se mantido como eurodeputado desde então; foi também a escolha do partido para encabeçar a candidatura autárquica a Lisboa em 2013 e desde então tem-se mantido como vereador na capital; e voltou a ser a escolha do partido para mais um combate eleitoral de peso — as eleições presidenciais, de janeiro.
É certo que há várias jogadas, no xadrez, em que grandes figuras — como a rainha — podem ser sacrificadas em prol de um bem maior (é o chamado “gambito”), e pode ser isso que acaba por acontecer a João Ferreira, que já provou que cumpre e não desilude (nas europeias de 2014 chegou a conseguir um grande resultado para os comunistas, subindo para três o número de eurodeputados da CDU, ainda que em 2019 tenha perdido um). “Mais do que todas as responsabilidades que tem assumido, é a forma notável como as tem desempenhado. Por isso temos confiança de que é um bom candidato à Presidência da República”, disse Jerónimo de Sousa ao Observador, há duas semanas.
Biólogo de formação, João Ferreira tem 42 anos e é visto como um dos rostos da nova geração do PCP que pode vir a assumir cargos de topo. Provas não lhe têm faltado, e não se pode dizer que não as tenha superado. João Ferreira faz parte do Comité Central, mas não dos dois órgãos mais restritos (o secretariado e a Comissão Política), e não será o favorito da geração mais velha para a eventualidade de ser novamente criado o cargo de secretário-geral-adjunto. Além disso, todos sabem que a derradeira responsabilidade não é para ‘meninos’: tanto Carlos Carvalhas como Jerónimo de Sousa foram eleitos secretário-geral pela exigente e conservadora máquina comunista quando já tinham 51 e 57 anos, respetivamente. É tempo de renovar?
É a peça mais poderosa. Pode movimentar-se quantas casas quiser ou puder, na diagonal, vertical ou horizontal, porém, apenas num sentido em cada jogada, a rainha anda com os movimentos de todas as outras peças (exceto o cavalo), andando quantas casas quiser.
João Oliveira
Cavalo. São dois os cavalos que compõem o tabuleiro de xadrez, e são os únicos que podem passar por cima das outras peças sem magoar a estrutura horizontal dos peões. Tinha apenas 26 anos quando foi eleito pela primeira vez deputado (Jerónimo tinha 28 quando foi eleito deputado constituinte), pelo círculo eleitoral de Évora, e tinha apenas 34 quando subiu a líder parlamentar na sequência da saída de Bernardino Soares — que em 2013 deixou aquelas funções porque tinha sido eleito presidente da câmara de Loures. Saltos importantes para uma peça jovem, que fazem de João Oliveira, hoje com 41 anos, formado em Direito, uma das peças-chave na dimensão política do partido.
Líder parlamentar há 7 anos, foi com João Oliveira no centro do furacão que o PCP viveu toda a experiência da “geringonça”. Foi ele que tantas vezes deu a cara na negociação, no palco do parlamento, da posição conjunta com o PS, primeiro, e dos vários orçamentos, depois. De 2015 até agora, foram já 4 os orçamentos que o PCP viabilizou ao governo minoritário de António Costa, preparando-se para viabilizar agora o quinto (depois de ter chumbado o orçamento suplementar e, com isso, ter ganho algum fôlego interno).
João Oliveira é, por isso, tido como um dos grandes “abre-latas” do acordo à esquerda e um dos homens de maior confiança política de Jerónimo de Sousa. Não é raro vê-los, aos dois, lado a lado no hemiciclo do Parlamento a definir a tática. No último debate bimestral com o primeiro-ministro ficou até célebre o momento em que João Oliveira completou uma frase a António Costa, facto que foi usado pelo primeiro-ministro para, em jeito de brincadeira, dizer que PS e PCP “juntos vão longe”. Ao contrário de João Ferreira, João Oliveira faz parte do núcleo restrito da direção do Comité Central (a comissão política), o que lhe dá um peso acrescido.
O movimento do Cavalo é em “forma de L”, ou seja, anda duas casas na horizontal ou vertical e depois uma casa na vertical ou horizontal, ou vice-versa. O cavalo pode saltar sobre qualquer peça sua ou do adversário. A captura ocorre quando uma peça adversária se encontra na casa final do movimento realizado pelo cavalo.
Bernardino Soares
Cavalo. São dois os cavalos que se alinham no exército do xadrez, sendo aqui Bernardino Soares a segunda peça que tem o poder (e o direito) de passar por cima das outras sem danificar a estrutura de poder. Tinha 24 anos quando se sentou no hemiciclo, como deputado pela primeira vez, em 1995, tendo cumprido essas funções até 2013. Foi líder parlamentar e apenas saiu porque valores mais altos se levantavam: tinha sido eleito presidente da câmara municipal de Loures, tendo conseguido a reeleição em 2017.
A conquista da câmara de Loures foi um trunfo de peso que lhe valeu: a autarquia fugia aos comunistas há 12 anos e foi Bernardino Soares quem a reconquistou aos socialistas, contrariando a onda vencedora do PS nessas eleições. Um cenário bem diferente do que se viria a verificar nas autárquicas seguintes, de 2017, as primeiras pós-“geringonça”, onde o PCP levou um cartão bem vermelho e onde o PS conquistou velhos e pesados bastiões comunistas, como Almada. Loures manteve-se PCP, veremos o que acontece para o ano. Aos 49 anos é, a par de João Oliveira e João Ferreira, o terceiro rosto da geração que se segue: geração de licenciados, com provas dadas (um no Parlamento, outro no Parlamento Europeu, outro na câmara), que ainda vai riscar muito no futuro do partido.
Bernardino Soares aparece neste congresso não só como “o” autarca comunista, mas como o autarca do local onde vai ter lugar o evento mais contestado dos últimos tempos: Loures, um dos concelhos classificados como de “risco muito elevado” em termos de contágio do novo coronavírus, com uma taxa de incidência de 584 novos casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. É do Comité Central, mas não da comissão política.
O movimento do Cavalo é em “forma de L”, ou seja, anda duas casas na horizontal ou vertical e depois uma casa na vertical ou horizontal, ou vice-versa. O cavalo pode saltar sobre qualquer peça sua ou do adversário. A captura ocorre quando uma peça adversária se encontra na casa final do movimento realizado pelo cavalo.
Francisco Lopes
Torre. Pertence à geração de comunistas que, sem habilitações superiores, vingou no partido pela linha operária e sindical. Com 65 anos, eletricista de profissão, Francisco Lopes foi deputado entre 2005 e 2019, e membro da comissão política e do secretariado do Comité Central desde 1990 (já estava no Comité Central desde 1974). É dos poucos que ainda tem assento, tal como Jerónimo de Sousa, nos três órgãos de direção do partido (Comité Central, alargado; Comissão Política e Secretariado), logo, é um peso pesado do aparelho comunista e uma torre guardiã dos valores do partido.
Pelo seu percurso e influência na direção do PCP, é sempre um dos nome falados quando toca à sucessão de Jerónimo de Sousa, com quem partilha a geração (Francisco Lopes é mais novo) e a origem, mas pode já ter perdido o seu momentum. Foi escolhido pelo partido para ser candidato presidencial em 2011, naquilo que parece ser um teste de rodagem para os futuros secretários-gerais do PCP — Carlos Carvalhas foi-o em 1991, um ano antes de ser eleito como sucessor de Álvaro Cunhal, e Jerónimo de Sousa também, em 1996, oito anos antes de suceder a Carvalhas, e voltou a ser em 2006, já como líder comunista — mas não superou a prova com distinção.
Nessa ida às urnas, Francisco Lopes ficou-se apenas pelos 300.921 votos (7,14%), um resultado que só ficou à frente do de António Abreu, em 2001, que teve 223.196 votos (5,1%) e, mais recentemente, do de Edgar Silva que, em 2016 teve apenas 183.009 votos (3,9%). Uma meta eleitoral que, a ver vamos, João Ferreira pode não conseguir ultrapassar. Em todo o caso, é um peso pesado, homem da confiança política de Jerónimo e nome seguro no Comité Central.
A Torre movimenta-se nas direções ortogonais, isto é, pelas linhas (horizontais) e colunas (verticais), não podendo mover-se pelas diagonais. Pode andar quantas casas quiser pelas colunas e linhas, porém, só pode andar num sentido em cada jogada.
António Filipe
Torre. Pode andar quantas vezes quiser mas apenas num sentido. Assim é um dos mais antigos deputados do PCP (à exceção de Jerónimo de Sousa), e o único que não está em exclusividade de funções na Assembleia da República porque dá também aulas na Universidade. Com 57 anos, e há 33 no Parlamento, António Filipe é uma torre que guarda os valores ortodoxos do partido comunista mas que não pede autorização a ninguém quando tem de avançar. Licenciado em Direito, com mestrado em Ciência Política, Cidadania e Governação, e com doutoramento em Direito Constitucional pela Universidade holandesa de Leiden, dir-se-ia que é uma das torres que não teria dificuldade em fazer “roque”, a jogada que serve para proteger o rei. Ou seja, dava o corpo às balas para proteger o coletivo.
Roque é uma jogada especial que envolve a movimentação de duas peças numa único movimentação, o rei e uma das torres. O objetivo da jogada é proteger o rei, tirando-o do centro.
Jorge Cordeiro
Peão. Como dizia Benny Watts, na série da Netflix “The Queen’s Gambit”, a importância do peão não pode ser menosprezada. São eles que, alinhados na fila da frente, avançam na frente de batalha e são mais importantes até do que as figuras. Assim que atingem a meta, a linha da frente, transformam-se numa das figuras de peso, seja Torre, Cavalo, Bispo ou até Rainha. Todos podem lá chegar. Mais ou menos como o comité central, o coletivo que toma as decisões no partido, decidindo em conjunto sobre as linhas de orientação estratégica do partido. Um deles teria de ser Jorge Cordeiro que, a par de Francisco Lopes e Jerónimo de Sousa, faz parte dos órgãos de direção mais restrita: é membro tanto do Secretariado como da Comissão Política do Comité Central. É também Jorge Cordeiro que, a par de Vasco Cardoso e também de Jorge Pires, faz parte das equipas negociais que frequentemente reúnem com o primeiro-ministro ou com a equipa negocial do Governo no Parlamento no âmbito das negociações dos últimos Orçamentos do Estado. São os elementos externos ao Parlamento que se juntam, naqueles momentos, a João Oliveira e a Jerónimo de Sousa. São, por isso, os peões a chave para ganhar o jogo.
O peão move-se em coluna (vertical) somente para a frente e uma casa, nunca para trás. Quando um peão alcança a última fileira do tabuleiro é promovido, tornando-se uma Torre, Bispo, Cavalo ou Rainha, conforme o desejo do jogador.
Jorge pires
Peão. Operário metalúrgico como Jerónimo, e da mesma geração do secretário-geral, Jorge Pires faz parte da Comissão Política do Comité Central e é o rosto menos conhecido do grande público que mais vezes aparece a dar a cara pelo PCP. É ele que tem estado, por exemplo, nas últimas reuniões do Infarmed sobre a evolução da pandemia, ou é ele que tem feito algumas das conferências de imprensa do PCP sobre a posição do partido em relação ao governo socialista nesta era pós-geringonça. Foi ele que, por exemplo, no final do ano de 2019, fez a defesa da nova postura do PCP no contexto orçamental: sem posições conjuntas firmadas desde as legislativas desse ano, o PCP deixou de estar “amarrado a qualquer compromisso com o Governo ou com qualquer outro partido”. Ou seja, iria avaliar sempre cada orçamento em função do que eram as necessidades do país — não iria negociar como fizera entre 2015 e 2019. E era preciso vincar as diferenças.
O peão move-se em coluna (vertical) somente para a frente e uma casa, nunca para trás. Quando um peão alcança a última fileira do tabuleiro é promovido, tornando-se uma Torre, Bispo, Cavalo ou Rainha, conforme o desejo do jogador.
Vasco Cardoso
Peão. Quando se vê Vasco Cardoso nos corredores do Parlamento, a entrar ou a sair do gabinete do grupo parlamentar comunista, é porque algo se passa. Uma das últimas vezes em que isto aconteceu foi no âmbito das reuniões dos partidos com o Governo sobre o Orçamento do Estado para 2021. Como o Observador escreveu no final da votação do OE na generalidade, foi um grande dossiê que Vasco Cardoso levava debaixo do braço que denunciou, perante olhares atentos, aquilo que por aqueles dias já começava a tornar-se evidente: o PCP, que tinha dado uma nega a António Costa no final de agosto e que parecia estar fora do Orçamento, afinal estava dentro do barco e disposto a ser tido e achado nas medidas orçamentais de resposta à crise. Membro da Comissão Política do PCP, Vasco Cardoso é, assim, outro dos discretos peões que mais peso tem na definição da estratégia política do partido.
O peão move-se em coluna (vertical) somente para a frente e uma casa, nunca para trás. Quando um peão alcança a última fileira do tabuleiro é promovido, tornando-se uma Torre, Bispo, Cavalo ou Rainha, conforme o desejo do jogador.
Maria das Dores Meira, o último reduto das autárquicas
Peão. Autarca de Setúbal, Maria das Dores Meira representa, aqui, tudo aquilo que aconteceu nas autárquicas de 2017 e que o PCP não quer ver repetir nas autárquicas do ano que vem: perdeu 10 câmaras, nove delas para o PS, passando de 34 para 24 autarquias comunistas. A derrota foi tal — o PCP teve o pior resultado de sempre na sua história autárquica — que até António Costa, que então contava com o PCP como parceiro da geringonça, fez questão de deixar uma palavra para o partido parceiro no discurso da vitória: “Vitória do PS não é derrota dos parceiros”, disse na altura. Mas certo é que, de forma surpreendente até para os próprios, o PS tirou Almada aos comunistas pela primeira vez em 40 anos, assim como o Barreiro e Beja, ou Alcochete, Barrancos, Moura ou Castro Verde. No Seixal, o PCP manteve-se mas perdeu a maioria absoluta. Setúbal manteve-se vermelho, com Maria das Dores Meira ao comando, mas o PCP ficou ferido na margem sul e no Alentejo, terrenos que lhe são historicamente férteis.
Resta saber se a marca geringonça, que prejudicou o PCP nas autárquicas, lhe vai continuar colada à pele e se vai continuar a prejudicar o partido nas presidenciais e nas autárquicas que aí vêm. Certo é que, apesar de as Teses que o PCP leva ao congresso, procurarem fazer uma descolagem do PS, o PCP surge neste congresso como o partido que salvou o governo socialista ao ter viabilizado o Orçamento à beira de uma crise sem precedentes.
O peão move-se em coluna (vertical) somente para a frente e uma casa, nunca para trás. Quando um peão alcança a última fileira do tabuleiro é promovido, tornando-se uma Torre, Bispo, Cavalo ou Rainha, conforme o desejo do jogador.
Miguel Tiago (a que se juntam Honório Novo ou Rita Rato), os que estão fora mas continuam dentro
Os peões sacrificados. Tanto Miguel Tiago como Honório Novo ou Rita Rato são nomes que ocupavam lugares de destaque no PCP e que foram perdendo o palco. Ao ponto de nem sequer serem delegados ao Congresso. Miguel Tiago protagonizou, em 2018, um momento polémico quando tomou a decisão de abandonar o mandato de deputado antes de terminar — e com críticas ao funcionamento do parlamento. “Julgo que o Parlamento não representa o país tal como o conhecemos. As pessoas expressam aquela opinião no voto, não retiro nenhuma legitimidade, mas o sistema eleitoral e o sistema democrático em que supostamente vivemos têm muitas insuficiências”, disse na altura em entrevista ao Público. Ainda assim, Miguel Tiago não se desligou da política e ficou a desempenhar funções junto do Comité Central do PCP, fazendo parte da Comissão de Atividades Económicas. Rita Rato, por seu lado, acabaria por não ser reconduzida nas listas de deputados à Assembleia da República em 2019 — e viria a ser depois, já este ano, nomeada diretora do Museu do Aljube.
O mesmo aconteceu com Honório Novo em 2013. Honório Novo era o principal deputado do PCP na área das Finanças e Orçamento e, aquando da sua saída, a 1 de agosto de 2013, não escondeu que, se fosse por vontade sua, gostava de ter terminado a legislatura, ou seja, de manter as funções de deputado até 2015. Ficava claro que a decisão de o substituir tinha sido da direção do PCP. Honório Novo já tinha saído do Comité Central do PCP em 2008. São os chamados peões sacrificados.
O peão move-se em coluna (vertical) somente para a frente e uma casa, nunca para trás. Quando um peão alcança a última fileira do tabuleiro é promovido, tornando-se uma Torre, Bispo, Cavalo ou Rainha, conforme o desejo do jogador.
Isabel Camarinha, a sindicalista
Peão. A CGTP é o braço armado do PCP na luta nas rua, portanto, uma peça-chave naquilo que é a via sindical da implantação do PCP no terreno. Depois de Arménio Carlos, que esteve na liderança da intersindical desde 2012 até este ano, Isabel Camarinha é hoje o rosto da intersindical nacional depois de ter tido um percurso de quase 30 anos no Sindicato do Comércio, Escritórios e Serviços. Arménio Carlos, ao contrário de Camarinha, integra ainda o comité central do Partido Comunista Português, partido do qual é membro desde 1977, e que chegou a representar na Assembleia da República durante 3 meses, em 1993. Mais apagada desde que foi formada a “geringonça”, em 2015, com a aliança inédita do PCP e do BE ao PS, a CGTP foi uma peça-chave no período da governação do PSD/CDS e, sobretudo, no período da troika. Resta saber se este peão vai ser sacrificado ou se vai chegar à fila oito do tabuleiro. Isabel Camarinha, ao contrário do seu antecessor — que acumulou a função de dirigente sindical com a de dirigente comunista — fica fora dos nomes propostos para o novo comité central.
O peão move-se em coluna (vertical) somente para a frente e uma casa, nunca para trás. Quando um peão alcança a última fileira do tabuleiro é promovido, tornando-se uma Torre, Bispo, Cavalo ou Rainha, conforme o desejo do jogador.