1 Portugal é uma democracia de brandos costumes e fraca memória. É por isso que o jornalismo passa o tempo a rebobinar declarações de políticos para comparar o que disseram há um ano, há seis meses e o que dizem ou como actuam agora.

Uma simples pesquisa no Google permite ver como de meta em meta, o Presidente da República foi adiando ou alterando o seu posicionamento em matéria de recandidatura presidencial. Todos nos lembramos, ou deveríamos recordar, que Marcelo Rebelo de Sousa fez a sua primeira campanha a Belém proclamando aos quatro ventos que era defensor de um mandato único, mais longo do que o actual. Segundo o então candidato, só isso garantia que o Presidente não presidia aos destinos do país fazendo cálculos a uma recandidatura.

A realidade está a provar que o analista político Marcelo Rebelo de Sousa tinha razão antes de experimentar como seria o primeiro mandato do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, na expectativa de uma recandidatura.

Se nos aproximarmos mais do momento actual, verificamos que o Presidente foi adiando, de meta em meta, o anúncio de uma eventual recandidatura, sendo que estamos a pouco mais de um mês das eleições presidenciais e até agora, de Belém, nem uma palavra sobre a recandidatura presidencial.

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É certo, que quanto mais Marcelo adia, mais se torna evidente que a recandidatura é certa. Até porque, se não o quisesse fazer e o anunciasse só agora, deixava o seu espaço político num vazio total e sabemos bem que Marcelo tem aversão ao vazio.

Pergunta-se, então, porque não dá o passo do anúncio? E a resposta é simples: faz parte de uma estratégia de campanha. Estando em posição dominante e no pleno exercício das suas funções, o Presidente quer reduzir a campanha eleitoral ao mínimo indispensável e manter a plenitude das suas funções o mais tempo possível, para disso tirar dividendos nos resultados eleitorais.

Pode fazer-se? Pode, mas não deve. Uma das regras básicas da democracia é garantir que haja condições de igualdade para todos os que se apresentam a eleições. Os adversários de Marcelo a este acto eleitoral já se apresentaram e estão a fazer o seu trabalho, muito mais dificultado nestes tempos de pandemia.

A verdade democrática e o respeito pelo acto eleitoral que aí vem exigem que Marcelo não demore mais tempo a anunciar a sua decisão. Cada dia que passa sem o anúncio de recandidatura do Presidente representa uma manifestação de desprezo por umas eleições democráticas que, mais do que nunca numa época como esta, são um teste à maturidade da nossa democracia.

Chegou à altura de se apresentarem em campo todos os participantes deste desafio e jogarem o jogo desta campanha em igualdade de circunstâncias.

2 Este fim-de-semana, julgando que estava a cumprir as regras de confinamento, fui fazer uma corrida junto ao rio. Sem companhia, cruzei com outros desportistas amadores, muito poucos, que aproveitaram um intervalo do tempo chuvoso para praticar algum desporto.

Fui parada por um agente da autoridade que, delicada e pedagogicamente me perguntou se sabia das regras em vigor, ao que respondi que sim e que fazer uma corrida não estava proibido. Certa ou erradamente, o agente da autoridade explicou-me que isso não era permitido e sugeriu-me que não demorasse a voltar para o recolhimento em casa.

Não contestei a autoridade, até porque sei que estava a cumprir ordens e a tentar seguir as regras, tal como eu julguei estar a fazer. Mas não pude deixar de pensar que, a poucos quilómetros dali, havia umas centenas de militantes do PCP concentrados num congresso que legitimamente estavam autorizados a realizar.

Não critico o PCP por ter realizado o seu congresso. Podiam fazê-lo, fizeram-no. Eu também achei que podia correr e fui correr.

Bem sei que a realização deste encontro político está ao abrigo da Constituição, que prevê a liberdade de reunião a partidos políticos em situação de emergência nacional. A questão, como sabemos, é que as normas constitucionais são passivas de interpretação e na sua leitura deve estar o espírito do legislador ao legislar. A regra que permite aos partidos políticos e sindicatos manterem a sua actividade em tempo de emergência, tem que ver com a garantia de manutenção das regras democráticas e não por entender que políticos e sindicalistas são cidadãos de primeira e os outros são cidadãos de segunda. Este deveria ter sido o argumento utilizado pelo Governo para enquadrar este e outros encontros que tanto têm indignado uma larga fatia da população, que se sente diminuída perante os direitos especiais de políticos e sindicatos. A pandemia é igual para todos e não é por obrigar as organizações políticas a cumprir regras que a democracia é posta em causa.

Não é por acaso, que já corre uma anedota nas redes sociais a sugerir a quem queira celebrar o Natal, que peça ao PCP para o organizar.