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Rui Oliveira/Observador

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Corrida para ficar de unhas arranjadas e cabelos pintados antes de confinar. “Não somos os culpados disto tudo", dizem cabeleireiros

Prestes a fechar as portas para um novo confinamento, cabeleireiros e barbearias tiveram a agenda cheia e alargaram horários. Temem o futuro, falam em injustiça e garantem que são locais seguros.

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Juliana não teve mãos a medir para responder a todas as marcações nos últimos três dias, garante que o seu espaço é seguro e, por isso, não devia fechar. Lúcia teme pela sobrevivência do negócio, lamenta a incoerência das medidas impostas e afirma que só lhe resta conformar-se com a situação. Acácio confessa estar cansado da pandemia e de “uma sociedade que não se entende”, mas não perde o otimismo, a boa disposição e a clientela mais fiel.

Todos trabalharam esta quinta-feira, de bata vestida, máscara no rosto e álcool gel no bolso, seja a esticar cabelos, a cortar barbas ou a limar as unhas. Foi o último dia em que o ofício lhes foi permitido antes de mais um novo confinamento geral. O anúncio do Governo não os apanhou de surpresa, mas a revolta é grande e o receio relativamente ao futuro também.

Juliana trabalhou horas extra e agora espera que o senhorio lhe “dê a mão”

A Rua Formosa, na baixa do Porto, até está movimentada, mas no interior do centro de estética no número 101 o silêncio impera. Há muito que as clientes não conversam nos sofás antes de serem atendidas, nem folheiam as revistas ‘cor de rosa’. Juliana Barbosa abriu há 10 anos um espaço com o seu nome e tornou-se especialista em cabelos, unhas, depilação, maquilhagem e extensões. Diz gostar do que faz e talvez por isso lhe custe tanto parar de trabalhar.

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“Já temia que isto pudesse acontecer, sei que temos que ir para casa, mas estou triste porque não somos o setor que mais influencia o aumento de casos. Somos uma área ligada à beleza, limpeza, desinfeção e esterilização, fomos talvez um dos setores que mais investiu na proteção e nos produtos de higiene, mas, infelizmente, vamos para casa como todos os outros.”

A proprietária e única funcionária deste centro não tem dúvidas de que a razão para o aumento do número de casos que levou a este novo confinamento não está no comércio tradicional e lamenta que a fiscalização não chegue “aos locais mais propícios de contágio”. “Acredito que não foram os proprietários dos cabeleireiros, dos restaurantes ou das lojas que fizeram filas de horas nos shoppings. Não somos os culpados disto tudo.”

Queixa-se dos apoios que não recebeu, por ter outra atividade paralela, e recorda o investimento “avultado” que fez em maio, quando reabriu a atividade. “A primeira caixa de máscaras que comprei custou 50 euros e o primeiro garrafão de álcool gel estava a 100 euros.” Se em março quase todas foram apanhadas de surpresa, neste novo confinamento, as clientes de Juliana preveniram-se e encheram a sua agenda de papel, obrigando-a a trabalhar excecionalmente mais horas “para não deixar ninguém de fora”. “Antes abria das 10h às 19h, mas ultimamente tenho trabalhado das 9h às 22h e só almoço quando consigo. Recebo entre 10 a 15 pessoas por dia, mas sempre por marcação.”

Juliana Barbosa estendeu o seu horário de trabalho há três dias, "para não deixar ninguém de fora"

Rui Oliveira/Observador

Cabelos e manicure são os serviços mais requisitados nos três últimas dias. “Pedem-me as unhas rentinhas, mas continuam a arriscar no gel”, revela, acrescentando que trabalhar ao domicilio “está fora de questão”. “Nestes 100 metros quadrados consigo assegurar todas as condições de higiene, na casa das pessoas não. É difícil controlar o número de pessoas e não sei até que ponto me esconderiam um isolamento profilático, por exemplo.”

Sem uma alternativa possível, resta-lhe “fechar as portas sem saber o futuro”. “Estou mentalizada para que o confinamento dure um mês, mas as clientes acreditam que possam ser só duas semanas, sinceramente estão mais otimistas que eu.” Por enquanto, Juliana Barbosa afirma que a sobrevivência do negócio não está em causa, pelo menos até o senhorio deixar. “Espero que o meu senhorio me dê a mão e me deixe arrastar aqui. Da última vez, foram dois meses sem nada e não é numa semana que a pessoa recupera. Leva muito tempo e as pessoas não têm noção disso.”

Olhando para um dos espelhos verticais pendurados na parede, Juliana finaliza com laca o cabelo de Isaura Carneiro, uma cliente assídua que segura a cadela do salão no colo. “Costumo vir cá sempre à sexta-feira arranjar o cabelo e as unhas, mas marquei hoje porque já sei que amanhã estão fechados.”

Tem 78 anos, confessa sentir medo do vírus e lamenta que muitos não cumpram as normas exigidas. “Há uns que cumprem, outros que não. Estamos sujeitos às asneiras dos outros e temos que pagar por elas. Ainda no outro dia vi um grupo de jovens a fazerem apostas a beberem pelo mesmo copo para ver quem apanhava o vírus em primeiro lugar.” Isaura não consegue habituar-se à máscara no rosto e estranha as ruas vazias da baixa quando o sol de põe. “É uma tristeza ver tudo fechado e silencioso. Tenho fé que este castigo dure só 15 dias, mas se não for, paciência.

Lúcia teme o futuro do salão e tem funcionárias que já mudaram de vida

Numa das artérias mais comerciais da baixa do Porto, a Rua de Santa Catarina, muitos ainda aproveitam a tarde para espreitar os saldos ou trocarem presentes de Natal. Dentro do histórico Salão Azul, aberto desde 1934, o ambiente é calmo, mas de algum desalento. “Com tantos casos e tantas mortes, era impossível não estarmos à espera disto. Claro que temos de confinar, é um mal necessário, mas é muito triste para a economia e para o nosso setor”, começa por dizer Lúcia Neto, proprietária do cabeleireiro.

Das janelas, já não chega o som dos músicos de rua, das conversas do café Majestic e das vendedoras ambulantes de meias e guarda-chuvas. Agora ouve-se apenas um secador de cabelo e a televisão. “Neste últimos meses até trabalhamos bem e mantivemos todos os cuidados”, assegura a responsável, acrescentando que desde maio recebem quatro clientes de cada vez, sempre por marcação, com máscara e sem bijuteria, e das escovas de cabelo ao teclado do multibanco, tudo é desinfetado após cada utilização.

Apesar de todos os cuidados de higiene e segurança, a clientela diminuiu mais de 50% graças à pandemia. “Temos sempre as clientes fieis, mas vivíamos muito do turismo, alguns hotéis que reencaminhavam pessoas para cá. Há lojas em Santa Catarina que não vão conseguir reabrir, principalmente as marcas mais caras, vê-se que o poder de compra das pessoas já não é o mesmo.”

No Salão Azul, a pintura de cabelo e a depilação foram os serviços mais requisitados antes do confinamento geral

Rui Oliveira/Observador

Mal se começou a falar da possibilidade de um novo confinamento, a agenda do Salão Azul ficou repleta de nomes próprios e horas marcadas. “Esta semana atendemos umas 15 pessoas por dia e quase todos os pedidos foram para pintar o cabelo ou para depilação. Muitos clientes achavam que o confinamento começava hoje [esta quinta-feira] e anteciparam-se.”

Se o horário se manteve intacto, mesmo ao sábado em que o espaço ficava mais vazio devido à limitação de circulação entre concelhos, o mesmo não se pode dizer da equipa. Das sete profissionais no ativo, três estão de baixa médica e uma decidiu mudar de vida. “Chegámos a receber apoios financeiros, que apesar de poucos são sempre bem vindos, mas as nossas dificuldades são muitas, nada é suficiente.”

Lúcia Neto adianta estar preparada para ficar mais do que um mês sem trabalhar, pois “o que não tem remédio, remediado está”, só lamenta a “falta de coerência” das medidas do Governo, como é o caso da permissão das cerimónias religiosas. “Já a abertura dos serviços públicos parece-me importante, até para que os novos desempregados resolvam a sua situação.”

Acácio está cansado da pandemia, mas acredita que o confinamento não vai além dos 15 dias

Acácio Branco chegou à Barbearia Garrett com 12 anos, hoje tem 83 e continua a dominar a arte de cortar barbas, bigodes e cabelos. Está a um passo da portuense Avenida dos Aliados, onde viu “a cidade crescer”, e pelas suas mãos já passaram presidentes da câmara e homens ligados ao futebol. “Sei que vou fechar porque a sociedade não se entende, os cumpridores pagam pelos que não cumprem, é uma injustiça. Estou cansado, se todos tivessem juízo não tinha de fechar.”

Sozinho à frente do negócio sexagenário, é rodeado de fotografias antigas, bandeiras do FC Porto e recortes de jornais que chama os clientes pelo nome e atende-os ao som de um rádio, sempre com uma piada pronta na ponta da língua. “Se recebesse cinco euros por cada turista que tirava fotografias aqui à porta, já nem precisava de trabalhar.”

A Barbearia Garrett recebe clientes fiéis há mais de 60 anos, muitos deles chegam até de Lisboa

Rui Oliveira/Observador

O barbeiro reconhece, enquanto apara as sobrancelhas de alguém que está com pressa, que os últimos meses foram difíceis, mas está otimista e acredita que este novo confinamento será mais breve que o anterior. “Acho que em 15 dias isto vai ficar melhor, claro que ao fim do mês é complicado, tomara eu receber algum apoio. Só nos resta esperar.” O horário de trabalho tem sido variável, pois “enquanto houver peixe, há que continuar a pescar”, no entanto, o risco do negócio encerrar definitivamente não existe. “Esta barbearia é património municipal, nunca irá fechar, vai continuar depois de mim. Tenho um neto, espero que ele tome conta disto.”

Sentando no sofá vermelho junto à entrada, está José Sousa, cliente da casa há mais de 30 anos. “Normalmente venho aqui uma vez por mês, ontem liguei ao Acácio para saber se podia aparecer, já sabia que depois iria ser mais difícil.”

Cortar o cabelo é para este portuense uma questão séria, de “quase saúde mental”. “No último confinamento tive o tempo todo sem cortar o cabelo e senti-me mal. Posso dizer-lhe que em 2015 tive um AVC e fiquei internado cinco meses no hospital de Santo António. Faziam-me a barba, mas o cabelo não. Quando me deram alta, pedi logo à minha família para me deixarem aqui à porta.”

À espera que chegue a sua vez, José partilha que o jornal de hoje “não traz um único imóvel para comprar ou vender”. “É a crise, há que aguentar.” Desconfia da nova vacina e considera que as novas restrições chegaram tarde. “Acho que já deviam ter sido adotadas no Natal, com certeza que não morreria tenta gente. Aliviar o cinto na época das festas trouxe muitas consequências. No comércio tradicional vai deixar mazelas fortes.”

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