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Este conto de fadas começou com uma bela infanta e um charmoso desportista. Houve um casamento de sonho transmitido na televisão, quatro filhos e uma vida entre o privilégio e a normalidade, com a cidade de Barcelona como cenário. Mas quando o castelo se começou a desmoronar nada o conseguiu travar. Um escândalo de corrupção fragilizou a monarquia, dividiu a família real e, pela primeira, vez um dos seus membros foi julgado em tribunal. A história da infanta Cristina e de Iñaki Urdangarin passou de encantada a drama, mas o casal resistiu a tudo. Contudo, 2022 abriu um novo capítulo. Fotografias de Iñaki a passear de mão dada com uma mulher que não Cristina surpreenderam Espanha, acenderam especulações e dividiram opiniões. Não sabemos o que acontecerá agora, mas relembramos um pouco do que aconteceu ao longo de 25 anos juntos.
Cristina Federica Victoria Antonia de la Santísima Trinidad de Borbón y de Grecia, infanta de Espanha, nasceu a 13 de junho de 1965. É a filha do meio, dos três filhos dos reis eméritos de Espanha, Juan Carlos e Sofia, também princesa da Grécia. Cristina integrou a seleção espanhola de vela e representou o país nos Jogos Olímpicos de 1988, onde até foi porta-estandarte. Embora não tenha seguido uma carreira desportiva, o desporto tem a sua importância na vida da infanta. As olimpíadas seguintes foram em casa, Barcelona 1992, e Cristina assistiu como a representante da Casa Real e do pai, o rei Juan Carlos, mas também foi considerada um amuleto de sorte por ter estado presente na maioria dos 22 pódios conquistados pelos atletas espanhóis nesse ano, relembra a Vanity Fair. A vida da infanta continuaria a passar pelos Jogos Olímpicos, mas já lá iremos. Cristina, no entanto, não seguiu uma carreira no desporto, licenciou-se em ciência política, especializou-se em relações internacionais e trabalhou na sede da UNESCO, em Paris.
Iñaki Urdangarin nasceu a 15 de janeiro de 1968, em Zumárraga, no País Basco e tem seis irmãos. Aos 18 anos tornou-se jogador profissional de andebol no F.C. Barcelona. Jogava na posição de lateral esquerdo e tinha a alcunha de “canhoto de ouro”. Foi jogador do Barça durante 14 temporadas e também representou a seleção, até se retirar em 2000, nos Jogos Olímpicos de Sidney, onde a seleção espanhola voltou a arrematar a medalha de bronze e ele foi capitão de equipa. Dedicou-se aos estudos enquanto já jogava profissionalmente
A medalha de bronze e o coração da infanta
Tudo começou nos Jogos Olímpicos de Atlanta, que se realizaram entre 19 de julho e 4 de agosto de 1996. Iñaki era jogador da seleção espanhola de andebol e, nesse ano, conquistou a medalha de bronze e o coração da infanta de Espanha. Segundo a Vanity Fair Espanha, conheceram-se numa festa organizada pelo comité olímpico espanhol para celebrar a conquista da medalha de ouro pela equipa de pólo aquático, a 28 de julho de 1996. Foram apresentados pelo guarda-redes dessa seleção, Jesus Rollán. No entanto, a Vanitatis dá uma versão diferente e conta que na década de 1990 Iñaki tinha, em Barcelona, o restaurante El Pou (O Poço), com os colegas desportistas Fernando Barbeito e Manuel Doreste e com o advogado José Manuel Valades, onde, em setembro de 1996, organizaram um jantar em honra dos medalhados das olimpíadas e, entre atletas e amigos, lá estava Cristina. No entanto, ambas as versões coincidem no facto de Cristina ter perguntado “quem é esse loiro” e em ter sido ela a pedir o seu número de telefone. Segundo a Vanitatis, Cristina ligou-lhe e tratou ela do primeiro encontro, que foi entre amigos, depois ligou-lhe outra vez a pedir que a convidasse para jantar e deixou-o a tratar do segundo. E conta ainda que Iñaki tinha uma namorada com quem acabou, para ficar com a infanta.
Ambos viviam em Barcelona. Cristina dividia casa com a prima, a princesa Alexia da Grécia e vivia na cidade catalã desde 1992, quando se mudou para treinar com as colegas da equipa de vela. Iñaki vivia na casa da irmã mais velha, Ana. Tentaram manter o namoro em segredo o máximo de tempo possível, mas em abril de 1997 o jornalista Josep Sandoval, veterano do jornal La Vanguardia e autor que a editora do seu livro descreve como “renombrado periodista del corazón”, deu o alerta para um novo romance real a acontecer em Espanha. Na altura “a casa real reconheceu a amizade” entre a infanta Cristina e Iñaki, mas era ainda cedo para falar de casamento, conta a Vanity Fair espanhola. Contudo, ele conquistou também os reis e tardou pouco até ser anunciado que ambos se casariam no outono seguinte. Poucos dias depois, a 3 de maio, o casal posou para os fotógrafos nos jardins do palácio da Zarzuela e os espanhóis viram o casal junto pela primeira vez.
A 4 de outubro de 1997 Espanha estava em festa e Barcelona foi palco do casamento real entre a infanta Cristina de Espanha e Iñaki Urdangarin. Um conto de fadas. Segundo a revista Hola!, “Barcelona inteira vestiu de gala edifícios, varandas e janelas para festejar o casamento da filha mais nova dos reis de Espanha e foram distribuídos milhares e milhares de cravos entre todos os cidadãos, que naquele dia solarengo de outono, quiseram ser testemunhas do enlace”. A noiva entrou na Catedral de Barcelona pelo braço do rei e ao som do hino nacional, com um vestido de Lorenzo Caprile e uma tiara floral de grande significado sentimental no guarda-joias real. No interior estavam 1500 convidados, entre eles vários membros de outras casas reais, mas a cerimónia também foi transmitida pela televisão. Saíram do casamento no Rolls Royce descapotável do rei, e com os títulos de Duques de Palma, concedidos por Juan Carlos I. Filipe VI viria a retirá-los em 2015, na sequência do caso Nóos, depois da própria infanta lhe ter escrito uma carta na qual renunciava ao título.
Durante anos fizeram a sua vida em Barcelona, onde nasceram os quatro filhos do casal, Juan Valentín (29 setembro, 1999), Pablo Nicolás Sebastián (6 dezembro, 2000), Miguel (30 abril, 2002) e Irene (5 junho, 2005). Representaram a casa real, foram convidados de casamentos reais e até tiveram uma audiência com o Papa João Paulo II em 1998.
Caso Nóos: os desvios, a condenação e a perda do título
Em junho de 2018, o Supremo Tribunal espanhol condenou Iñaki Urdangarin a cinco anos e dez meses de prisão pelos crimes de prevaricação, peculato, tráfico de influência, fraude à administração e crimes fiscais. Dias depois, o cunhado do atual rei de Espanha apresentar-se-ia na prisão feminina Brieva (Àvila) para cumprir a pena decretada. O marido da infanta Cristina viu a sentença ser reduzida em cinco meses — um ano antes, em fevereiro de 2017, o tribunal de Palma de Maiorca condenou-o a seis anos e três meses, bem como a uma multa de 512 mil euros, pelos mesmos crimes; no entanto, caberia ao Supremo Tribunal absolvê-lo do crime de falsificação em documento público. Apesar da sentença, há precisamente um ano, em janeiro de 2021, a justiça concedia o regime de liberdade parcial ao cunhado do rei de Espanha — tal como então noticiado, Urdangarin passaria agora a sair durante o dia para trabalhar fora da prisão e regressar ao final do dia, para dormir, tendo ainda usufruto dos fins de semana.
O caso Nóos abalou a casa real espanhola durante praticamente uma década. A estabilidade do casal ficou comprometida depois de, em 2006, o jornal El Mundo ter denunciado um pagamento suspeito de uma instituição pública ao Instituto Nóos, empresa fachada liderada por Urdangarin — fundou-a e dirigiu-a entre 2004 e 2006. A investigação começaria apenas cinco anos depois, em 2011, e a acusação formal viria em 2014. A condenação só em 2018.
O então empresário e ex-jogador de andebol foi acusado de tirar partido das suas ligações à família real de maneira a garantir contratos públicos e, assim, desviar dinheiro através do Instituto Nóos, uma alegada fundação desportiva sem fins lucrativos — também o sócio Diego Torres foi condenado, desta vez a oito anos e seis meses de prisão e a uma multa superior, a 1,7 milhões de euros. Como já antes explicou o Observador, Urdangarin e o sócio terão cobrado mais de seis milhões de euros aos governos regionais de Valência e das Ilhas Baleares para a realização de eventos públicos cujo custo era bastante inferior (cerca de dois milhões). O restante era desviado para as empresas privadas de Urdangarin e de Torres. Uma dessas empresas era a Aizoon, propriedade dos duques de Palma de Maiorca, cada um com 50% do capital — o dinheiro entrava em Aizoon vindo do Instituto Nóos, sendo depois utilizado para fins particulares, em movimentos declarados como parte da atividade empresarial de Cristina e Urdangarin.
O caso criou tensão entre o casal e a restante família real, com o primeiro grande sinal de ruptura a acontecer em 2015, quando Felipe VI retirou os títulos de duques à irmã e ao cunhado, deixando também nas mãos da própria infanta a decisão de renunciar ou não à linha de sucessão. Anos antes, em 2011, o ainda rei Juan Carlos sublinhava na mensagem de Natal que Espanha era um “Estado de direito”, pelo que “qualquer ação censurável deverá ser julgada e sancionada segundo a lei” — uma clara indicação de que a casa real não ficaria do lado da infanta Cristina, mesmo ainda com o resultado do julgamento por conhecer.
Cinco factos que talvez não saiba sobre Urdangarin e o caso Nóos
Genebra, Barcelona e o rumor de Lisboa. A vida pós-corrupção
A 12 de outubro de 2011, Dia Nacional de Espanha (ou Dia da Hispanidade) a família real, composta pelos reis Juan Carlos e Sofia, os príncipes herdeiros Felipe e Letizia, a infanta Elena (divorciada de Jaime de Marichalar desde 2010) e os duques de Palma foi fotografada reunida no Palácio Real. Dois meses depois Iñaki era acusado e os duques seriam afastados dos atos oficiais da casa real.
Entre 2009 e 2012, a família Borbón-Urdangarin mudou-se para Washington, onde Iñaki esteve a trabalhar para a empresa espanhola Telefonica. Regressaram a Barcelona, mas com o processo a decorrer, a vida na cidade catalã tornou-se difícil e, em 2013, a infanta e os quatro filhos partiram para a Suiça, e instalaram-se em Genebra, onde Cristina começou a trabalhar na Fundação Aga Khan e também continuou a dedicar-se ao seu trabalho para a Fundación La Caixa, à qual está vinculada há quase três décadas. Iñaki ficou em Barcelona por causa da investigação e iria visitar a família sempre que possível.
Em 2017, quando foi conhecida a sentença do caso Nóos, que condenou Iñaki Urdangarin a seis anos de prisão e ilibou Cristina, circulou o rumor de que a infanta se poderia mudar para Lisboa com os filhos, para estar mais perto do marido quando este estivesse preso. Contudo, tal não se concretizou.
Desde junho de 2021 que Iñaki vive em Vitoria, capital do País Basco, na casa da sua mãe, Claire Liebaert, de 85 anos (o pai morreu em maio de 2012). Continua a cumprir a sua pena, mas não necessita pernoitar na prisão, estando a gozar de um benefício por bom comportamento e ao abrigo de um programa para presos por crimes económicos. Enquanto a infanta Cristina continua a viver em Genebra com a filha mais nova do casal, Irene. Quanto aos outros filhos Juan Valentín (de 22) vive em Madrid e Pablo Nicolás (de 21) vive em Barcelona e Miguel (de 19 anos) vive em Inglaterra porque estuda em Essex.
De mãos dadas com um novo escândalo
Na quarta-feira, 19 de janeiro, a revista Lecturas chegou às bancas com um exclusivo: uma fotografia de Iñaki Urdangarin de mão dada com uma mulher loira, a passear perto da praia em Bidart, onde a família Urdangarin tem uma casa de férias. A capa tinha ainda uma grande fotografia da infanta Cristina e o título “Iñaki com outra mulher. Enquanto Cristina vive na Suíça”. A notícia fez estrondo em Espanha e atravessou fronteiras. Bidart fica na costa norte de França, perto da fronteira com Espanha e é nesta casa que Iñaki e Cristina costumam passar as férias de verão em família. A mulher na fotografia, veio a saber-se mais tarde, é Ainhoa Armentia, colega de trabalho no escritório de advogados onde ambos trabalham, Imaz&Asociados, e segundo a revista Hola!, é vitoriana, tem 43 anos e dois filhos adolescentes.
¡¡EXCLUSIVA!! Iñaki Urdangarin, pillado con otra mujer mientras la infanta Cristina se encuentra en Suiza ???? Las fotografías que la hija de los reyes jamás hubiese querido ver, hoy en #exclusiva en #Lecturas. ¡Te esperamos en el kiosco! #ExclusivaLecturas pic.twitter.com/ND7EBjjc2U
— Lecturas (@Lecturas) January 19, 2022
De regresso a janeiro de 2022, na manhã de quinta-feira, dia 20, Iñaki Urdangarin chegou ao trabalho de bicicleta, encontrou uma série de jornalistas à sua espera e comentou as imagens dizendo, citado pela Hola!, que “estas coisas acontecem e vamos geri-las da melhor forma”, afirmando que o assunto vai ser tratado em família: “Com a maior tranquilidade e juntos, como sempre fizemos”. Ainhoa Armentia também foi trabalhar para o escritório nesse dia, porém ambos chegaram e saíram em alturas diferentes e não se cruzaram à frente dos jornalistas. Ela só viria a falar pela primeira vez sobre as fotografias dois dias depois da sua publicação, na sexta-feira dia 21 à chegada ao trabalho, dizendo apenas “nada a dizer”.
Fontes próximas da infanta Cristina disseram à Hola! que esta não foi apanhada de surpresa pela capa da revista. “Ela já sabia” e acrescentam que “na terça-feira, horas antes das imagens serem publicadas, Dona Cristina teve uma conversa telefónica com o rei Juan Carlos e falaram do tema”. A infanta Elena, irmã da infanta Cristina e primogénita dos reis eméritos, não se quis pronunciar sobre o caso. E, segundo a Vanity Fair, a Casa Real não se vai pronunciar porque o assunto não é da sua responsabilidade, uma vez que não diz respeito ao chefe de estado. Também um dos filhos dos ex-duques de Palma reagiu às imagens do pai de mão dada com uma mulher que não é a sua mãe. Pablo tem 21 anos e vive em Barcelona, onde estuda e joga andebol no F.C. Barcelona (como aconteceu com o pai) e, quando confrontado pelos jornalistas, disse que preferia não se pronunciar por ser um tema familiar e acrescentou “todos estamos tranquilos e vamos continuar a gostar uns dos outros de forma igual”.
Não é a primeira vez que a infanta Cristina vê tornadas públicas as infidelidades do seu marido. Em 2013, uma série de emails trocados entre Iñaki e a mulher de um amigo seu foram tornados públicos no decorrer do caso Nóos. Segundo se pode ler no jornal Nius, os emails datavam dos anos 2003 e 2004 e a mulher com quem o antigo desportista se correspondia era uma antiga namorada sua, que se casou com um antigo colega da equipa de andebol do Barcelona e os dois casais eram amigos. Os emails dava a entender que o ex-duque manteve uma relação extra-conjugal e, quando estes chegaram à imprensa, o próprio tentou travar a sua publicação por serem de carácter privado, mas sem sucesso.
Quando começaram os problemas de Iñaki com a Justiça, o pai de Cristina, na altura o rei Juan Carlos, e o irmão, o príncipe Felipe, insistiram para que ela se separasse do marido, mas a infanta preferiu ficar ao lado do marido e assumir a consequência de, pelo contrário, se afastar da sua própria família. Entretanto muito mudou na Casa Real espanhola. Juan Carlos tem os seus próprios problemas com a justiça e abdicou do trono em 2013. Coube ao novo rei, Felipe VI, a difícil tarefa de recuperar a confiança e o respeito do povo na monarquia. O caso das fotografias de Iñaki Urdangarin pôs a imprensa e o público de olhos postos em todos os membros da família real, mesmo os que já estavam afastados, e deu à monarquia espanhola um novo abanão.