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Portugal's front line fight against COVID-19
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NurPhoto via Getty Images

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Deficiências no sistema de saúde podem explicar o excesso de mortalidade. Mas a resposta final só chegará em 2024

Além da Covid e calor, lacunas deixadas pela pandemia no sistema de saúde podem justificar excesso de mortalidade — Portugal ultrapassa média da UE. Dados sobre causas específicas só chegam em 2024.

O impacto da pandemia de Covid-19 sobre a qualidade dos serviços de saúde e o acesso a estes pode mesmo estar a contribuir para o excesso de mortalidade que Portugal tem registado nos últimos meses, admite ao Observador o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

Ana Paula Rodrigues, médica de saúde pública do departamento de epidemiologia do INSA, atribui o excesso de mortalidade que se observa em Portugal nos últimos meses — isto é, a diferença entre a mortalidade esperada e a mortalidade observada — à elevada incidência de Covid-19 e, nas últimas semanas, ao calor extremo.

Segundo a médica do INSA “haverá outros fatores a contribuir" para o excesso de mortalidade. Fatores esses que “podem ter sido agravados durante o período da pandemia” e em que se incluem “fatores socioeconómicos, acesso e qualidade dos serviços de saúde, comportamentos de risco e doenças crónicas”.

As altas temperaturas justificam, de facto, alguns dos períodos de excesso de mortalidade em Portugal, confirmaram as autoridades de saúde: de acordo com a DGS, as 1.063 mortes inesperadas que se registaram pelo menos entre 7 e 18 de julho podem ser atribuídas ao calor, confirmou a diretora-geral, Graça Freitas. E o excesso de mortalidade na primeira quinzena de junho coincide com um novo pico de óbitos por Covid-19.

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Mas nem o coronavírus, nem as ondas de calor só por si explicam todo o excesso de mortalidade que se tem registado em Portugal este ano — e trata-se de uma diferença acentuada entre os óbitos que eram expectáveis no país e aqueles que realmente aconteceram: entre 3 de julho e 2 de agosto, por exemplo, o país esteve numa sequência de dias consecutivos com excesso de mortalidade; e desde janeiro que estão a morrer mais de 10 mil pessoas por mês, algo que não acontecia desde 1923. Então, o que poderá explicar o aumento da mortalidade além do calor e da pandemia?

Onda de calor provocou excesso de mortalidade de 238 óbitos, diz DGS

Ana Paula Rodrigues admitiu em resposta ao Observador que “haverá outros fatores a contribuir” para este desfasamento. Fatores esses que “podem ter sido agravados durante o período da pandemia” e em que se incluem “fatores socioeconómicos, acesso e qualidade dos serviços de saúde, comportamentos de risco e doenças crónicas”.

Ouça aqui o episódio de “A História do Dia” sobre o excesso de mortalidade.

Há novas explicações para o excesso de mortalidade

Peritos querem saber causas específicas das mortes antes da revisão da DGS

Para Vasco Ricoca Peixoto, médico e investigador da Escola Nacional de Saúde Pública, a resposta deve, no entanto, ser mais complexa e detalhada do que uma simples atribuição a grandes fenómenos como o calor ou a pandemia: o especialista em saúde pública acredita que a verdadeira resposta estará também no aumento de óbitos por outras doenças específicas.

Segundo o perito, que tem no currículo vários artigos científicos sobre o excesso de mortalidade em Portugal, as mortes que decorrerem das dificuldades de acesso aos cuidados de saúde e de utilização dos mesmos pelas pessoas (dentro e fora de períodos de sobrecarga pela pandemia) e do acompanhamento deficiente de doenças crónicas ou na deteção de cancros vão estar distribuídas pelo tempo mais uniformemente.

Só em 2024 vão ser conhecidas as causas específicas para as mortes em excesso que se estão a registar este ano, confirmou ao Observador a Direção-Geral da Saúde. Vai demorar dois anos até que a DGS confira todos os certificados de óbito emitidos em 2022, o INSA interprete os dados no departamento de epidemiologia e o Instituto Nacional de Estatística (INE) valide os números.

“Esse excesso de mortalidade não vai estar concentrado num intervalo de tempo muito específico, vai estar diluído ao longo do tempo”, concretizou o médico. Essa é, de resto, a pergunta de investigação que os peritos como Vasco Ricoca Peixoto querem explorar desde o início da pandemia: de todas as mortes, quais são as causas específicas dos óbitos, ou seja, quais as causas que os médicos codificaram?

Precisamos de apurar se houve mais enfartes, se houve mais acidentes vasculares cerebrais, se morreram mais pessoas com determinados cancros, por exemplo. Isto é o que nós precisamos para saber onde é que podem estar as causas desse aumento da mortalidade e dirigir as melhorias se for necessário às causas raiz do aumento de mortalidade por causas específicas e em diferentes períodos”, considerou o médico de saúde pública.

O problema é que para isso ainda será preciso esperar muito tempo. Só em 2024 vão ser conhecidas as causas específicas para as mortes em excesso que se estão a registar este ano, confirmou ao Observador a Direção-Geral da Saúde. Vai demorar dois anos até que a DGS confira todos os certificados de óbito emitidos em 2022, o INSA interprete os dados no departamento de epidemiologia e o Instituto Nacional de Estatística (INE) valide os números.

Excesso de mortalidade deve-se a vários fatores mas “grande problema ainda vem aí”, diz Bastonário da Ordem dos Médicos

Até lá, algumas respostas sobre o que está a acontecer na saúde pública em Portugal vão continuar por apurar — sem necessidade, considera Vasco Ricoca Peixoto, que defende que os dados codificados pelos médicos, ainda antes da revisão pela DGS, têm qualidade suficiente para serem analisados pela comunidade científica em busca de respostas. Mesmo que alguns médicos codifiquem erradamente algumas patologias, isso “não terá implicações significativas na leitura estatística dos dados“, sendo que não se esperam alterações significativas ao longo do tempo na qualidade das codificações.

É uma queixa também do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que defendeu que “não deveria ser necessário pedir ou anunciar nada”: a análise dos dados da mortalidade deve ser “sistemática”. O facto de o Ministério da Saúde ter pedido “um estudo aprofundado” sobre “os excessos de mortalidade mais recentes” é um sintoma de que “estes serviços estão depauperados e sem capacidade de cumprir em tempo adequado as tarefas que lhes estão atribuídas”, argumenta o sindicato.

Só que os números não bastam, alertou o presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) numa Comissão Parlamentar de Saúde no mês passado: “A análise dos números a frio, sem contextualizar, é sempre de evitar”.

Covid não explica todo o excesso de mortalidade em 2020

“O instituto tem feito estudos e relatórios de toda a mortalidade e do que é possível medir com exatidão, com a noção de que o que estamos a medir é o que queremos medir, e não apenas comparar números”, garantiu Fernando Almeida. Admitiu igualmente que a Covid-19 pode ter piorado o quadro clínico de quem sofre com doenças crónicas, mas afirmou que tem “dificuldade em saber” se alguns destes óbitos ocorreram “por falta de acesso” aos serviços de saúde.

Análise séria sobre excesso de mortalidade é impossível em dois ou três meses, diz presidente do INSA

A equação para descobrir quantas pessoas morreram a mais

Quando uma pessoa morre, o médico que certifica o óbito deve preencher um formulário no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO). O documento contém os dados da pessoa — nome, número de utente, morada, filiação, estado civil, sexo, data de nascimento, profissão e naturalidade —, uma secção com “a cadeia de eventos que conduziu diretamente à morte”, incluindo a “causa básica da morte”, e outra com “outras doenças ou comorbilidades que contribuíram para a morte, mas não resultaram na causa básica da morte”.

O excesso de mortalidade é calculado posteriormente também pela DGS à luz do algoritmo implementado pelo EuroMOMO, o projeto de monitorização da mortalidade em que Portugal, assim como outros 28 países europeus, pertence. Ele “deteta e mede o excesso de mortalidade relacionado com a gripe sazonal, pandemias e outras ameaças à saúde pública”.

Foi o que apontou Pedro Pinto Leite, o médico de saúde pública que lidera os Serviços de Informação e Análise da Direção-Geral da Saúde (DGS), quando explicou ao Observador como é que as autoridades de saúde reviam os certificados de óbito para garantir que todas as mortes atribuídas à Covid-19 foram de facto provocadas, em última análise, por complicações associadas à infeção pelo coronavírus. Mas todos os certificados de óbito introduzidos no SICO, independentemente da causa da morte, são revistos pela DGS.

A triagem é realizada com base em dois documentos essenciais: a Orientação 020/2013, que comunicava a todos os médicos e instituições de saúde como deviam ser preenchidos os certificados de óbitos digitais na plataforma SICO; e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (ICD10), um documento atualizado regularmente pela OMS que esclarece os codificadores — assim se chamam os profissionais de saúde que registam os óbitos — sobre como devem classificar as mortes.

O excesso de mortalidade é calculado posteriormente também pela DGS à luz do algoritmo implementado pelo EuroMOMO, o projeto de monitorização da mortalidade a que Portugal, assim como outros 28 países europeus, pertence. O EuroMOMO “deteta e mede o excesso de mortalidade relacionado com a gripe sazonal, pandemias e outras ameaças à saúde pública”, explicita a página oficial, e foi desenvolvido com as autoridades de saúde nacionais em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC).

O EuroMOMO compara o número efetivamente observado de mortes com o número esperado de óbitos no mesmo período de tempo — um valor que é obtido através de um modelo estatístico baseado nos dados dos cinco anos anteriores.

Ora, tal como explicou Vasco Ricoca Peixoto ao Observador, o número esperado de óbitos, por ser um valor estatístico, tem um intervalo de confiança. Por isso, se o número registado de mortes estiver acima desse intervalo — ou mesmo se não o ultrapassar, mas estiver constantemente acima do valor médio, próximo do limite de confiança —, pode ser um sinal de alerta sobre um qualquer fenómeno que está a matar mais do que é normal.

Mortalidade chegou a ser 63% superior ao esperado em julho

De acordo com a plataforma SICO, o último dia em que Portugal registou um excesso de mortalidade — ou seja, em que morreram mais pessoas do que as autoridades de saúde previam — foi a 2 de agosto. Esperava-se que, nesse dia, morressem 279 pessoas no país, mas houve 347 óbitos, mais 24,5% do que a estimativa. E nem sequer foi a percentagem mais elevada nos 31 dias consecutivos de excesso de mortalidade que se registaram no país entre 3 de julho até àquela data: a 14 de julho, o número observado de óbitos (458) foi 63,4% superior às 280 mortes que se previam para esse dia.

O que mostra a matemática é que nem os períodos sem excesso de mortalidade compensam as perdas nos restantes dias: todos os meses estão a morreram mais de 10 mil pessoas, mesmo na primavera e no verão, e isso é algo que não acontecia pelo menos desde 1923 — altura em que o país sofria as consequências da gripe espanhola.

Esta foi a diferença mais significativa desde 8 de fevereiro de 2021 (64,9%) — nos dias anteriores, o excesso de mortalidade chegou a alcançar mais do dobro das mortes observadas e coincidiu com o maior pico de óbitos por Covid-19 em Portugal.

Em 2022, julho não foi o período mais longo de dias consecutivos com excesso de mortalidade que se detetou em Portugal. Houve 36 dias seguidos de excesso de mortalidade entre 15 de janeiro e 19 de fevereiro, com a maior percentagem a ser atingida a 1 de fevereiro — 38,6%, notificaram-se 445 mortes quando se esperavam 321.

De resto, houve excesso de mortalidade também de 1 a 3 de janeiro, 1 a 2 de março, 7 de março, 22 de março, 29 de março, 1 de abril, 7 de abril, 16 a 18 de abril, 9 a 11 de maio, 14 e 15 de maio, 26 a 31 de maio; e de 4 a 19 de junho. Ou seja, nos 222 dias que já decorreram este ano, 106 foram passados com mais óbitos do que a estatística previa — quase metade (48%).

Mortes 26% acima do normal em junho (e Covid-19 só explica cerca de metade)

Mas o excesso de mortalidade é mais do que percentagens, intervalos de tempo, estatísticas e números em bruto — são pessoas. E o que mostra a matemática é que nem os períodos sem excesso de mortalidade compensam as perdas nos restantes dias: todos os meses estão a morreram mais de 10 mil pessoas, mesmo na primavera e no verão, e isso é algo que não acontecia, pelo menos, desde 1923 — altura em que o país sofria as consequências da gripe espanhola.

O mês de janeiro foi aquele que, até agora, mais óbitos registou (11.741), mas só nos primeiros 11 dias de agosto perderam a vida 3.026 pessoas — menos 181 do que no mesmo período do ano passado, mas já representam quase 37% de todos os óbitos registados em agosto de 2019, último ano antes da pandemia.

Portugal com maior taxa de excesso de mortalidade em maio, quase o triplo da UE

Os dados mais recentes do Eurostat indicam que o excesso de mortalidade em Portugal foi sempre superior à média europeia entre março e junho deste ano — neste último mês (o quinto mês de subida) o país foi o que registou um maior excesso de mortalidade entre os vários estados-membros da UE (23,9% de mortes acima do esperado).

Em maio, enquanto a média da União Europeia representava um excesso de mortalidade de 6,6%, em Portugal foi de 19% — também já nesse mês o país ocupava o primeiro lugar do bloco europeu, com a média de mortes em maio a ser inferior à média mensal entre 2016 e 2019 em cinco países: Bulgária, Croácia, Lituânia, Hungria e Eslováquia.

Em junho, Portugal continuou a liderar a lista com a mais alta taxa de excesso de mortalidade: houve mais 23,9% de óbitos face à média no período de junho de 2016 a junho de 2019, quando a média europeia era de 6,2%. Nesse período de referência, contabilizaram-se 276 óbitos por dia, em média. Este ano, foram 341.

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