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Uma enfermeira cuida de um paciente hospitalizado na Unidade de Cuidados Intensivos Covid 19 do Hospital Santa Maria em Lisboa, 27 de outubro de 2020. A urgência dedicada aos casos suspeitos de covid-19 do Hospital Santa Maria, em Lisboa, reflete a evolução da pandemia em Portugal com doentes a avolumarem-se à porta para realizar o teste e no interior a capacidade quase esgotada. O medo de perder o emprego leva muitos doentes com covid-19 a esconderem que estão infetados e a continuar a trabalhar, disseminando a doença que, nesta fase, começa a ser um caso também social e que leva a muitos internamentos no Santa Maria. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DE 30 DE OUTUBRO DE 2020) TIAGO PETINGA/LUSA
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TIAGO PETINGA/LUSA

TIAGO PETINGA/LUSA

DGS garante que contabilização de mortos por Covid-19 segue regras da OMS. O problema está antes: cada hospital segue métodos diferentes

DGS só olha para causa principal ao anunciar mortes por Covid, mas há hospitais que reportam positivos que morreram por outras causas. Nos internamentos, em mais de 40% Covid não foi causa principal.

A Direção-Geral da Saúde garante que todas as mortes contabilizadas nos boletins diários da Covid-19 correspondem a óbitos avaliados pelos médicos como tendo sido provocados diretamente pela infeção pelo coronavírus — sem contar as mortes de pessoas infetadas, mas cuja causa principal foi atribuída a outra doença ou causa externa pelos médicos. Mas quem está no terreno admite que podem entrar nos números notificados às autoridades as pessoas internadas nas alas Covid-19 que morreram por outras causas. Os critérios para avaliar a causa principal e eventuais causas secundárias do óbito variam de hospital para hospital.

Em resposta conjunta enviada ao Observador pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Ministério da Saúde, as autoridades de saúde e o Governo asseguram que “apenas são reportados no relatório de situação diário os óbitos por causa da Covid-19 (devido à Covid-19), seguindo as regras da OMS [Organização Mundial de Saúde] para a codificação dos certificados de óbito”. A DGS e o Ministério da Saúde concretizam melhor a ideia: “Não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com Covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.

Mas os internamentos — em enfermaria e também em unidades de cuidados intensivos — reportados no relatório de situação diário correspondem ao total de camas ocupadas no final do dia anterior por quem testa positivo ao SARS-CoV-2, independentemente de a Covid-19 ser diagnóstico principal ou secundário. O diagnóstico principal do episódio de internamento só é dado no fim do internamento através da alta hospitalar pelo médico. A análise mais exaustiva sobre estes dados é feita já depois da alta hospitalar e só então é codificada no sistema.

A pedido do Observador, a DGS, Ministério da Saúde e Administrações Regionais de Saúde recolheram junto dos hospitais informação sobre a “coexistência de doentes internados por Covid-19 e doentes internados por outras causas, mas com infeção para SARS-CoV-2”: 55 a 60% dos casos reportados de internamento na semana passada diziam respeito a doentes cuja admissão ocorreu devido à Covid-19. A DGS acrescenta que, de janeiro a outubro de 2021, 75% a 85% dos internamentos nas alas Covid-19 tiveram como diagnóstico principal essa doença.

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A resposta conjunta ao Observador lembra, no entanto, que os dados da última semana se tratam “de um inquérito com as limitações metodológicas inerentes”, visto que a confirmação do internamento só é validada pela declaração de alta (e são esses os dados incluídos nos relatórios de Monitorização das Linhas Vermelhas). A confirmação dos valores de janeiro, por exemplo, só chegará em março depois de ser aplicada “uma metodologia robusta”.

Médicos seguem critérios diferentes para contabilizar óbitos

No caso do reporte de mortos “por” ou “com” Covid-19 — dados que os hospitais enviam para a DGS e que vão ‘alimentar’ o boletim diário da evolução da pandemia em Portugal —, o Observador recolheu testemunhos que mostram critérios diferentes para o mesmo processo, em função da instituição. Roberto Roncón, médico intensivista do Centro Hospitalar São João, admite que “em regra” a morte de alguém internado na ala Covid-19 por estar positivo é atribuída à doença provocada pelo coronavírus, mesmo que o motivo da hospitalização seja outro. O critério “dificulta a interpretação das estatísticas”, sobretudo numa altura em que até 50% dos internados nas áreas reservadas aos casos positivos no São João não estão lá por causa da Covid-19, mas sim por outra condição.

Mas hospitais diferentes têm sistemas diferentes. João Gouveia, internista no Hospital Garcia de Orta e coordenador da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a Covid-19, descreveu outra realidade: se alguém com Covid-19 morrer na ala dedicada à doença, essa não será considerada automaticamente a causa da morte. Tudo dependerá dos diagnósticos do doente, embora haja “casos em que pode ser difícil” fazer essa avaliação: “Se um doente com infeção por SARS-CoV-2 tem um traumatismo craniano e morrer por causa dele, a causa é o traumatismo”, exemplifica o médico. E na dúvida? “Esses casos são muito raros, mas possíveis. Aí, pode-se fazer autópsia clínica”.

Gonçalo Sarmento, coordenador da equipa dedicada à Covid-19 no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, explica que, no momento em que se notificam as autoridades de saúde para um óbito nas alas para infetados (e que aqui são três, com 50 pessoas em enfermaria e quatro nos cuidados intensivos), aponta-se se o doente tinha ou não a doença — mas discrimina-se também se essa foi ou não a principal causa de morte. Segundo o médico, “os óbitos que são divulgados, e a Direção-Geral da Saúde já explicou isso, são de pessoas que testaram positivo à Covid-19, que a certidão de óbito diz que tem Covid-19, não diz que a morte foi por Covid-19″. Mas fazer essa distinção, segundo alguns médicos, nem sempre é possível.

Também Tomás Lamas, intensivista no Hospital Egas Moniz, confirma que a própria certidão de óbito tem dois campos diferenciados: um em que se regista a causa da morte e outro em que se assinala se o doente tinha ou não Covid-19. A avaliação para determinar a causa de morte tem sempre uma dose de subjetividade. Por isso, os médicos podem servir-se de dados clínicos para chegarem a uma conclusão nos casos (raros) de dúvidas, como TAC aos pulmões e a contagem da carga viral inferida dos resultados dos testes PCR.

Determinação da causa da morte “não é problema fácil”

Todos os médicos admitem, no entanto, que na análise dos dados reportados pela DGS (na prática,  na análise dos dados do boletim diário), a determinação da causa da morte pode ser mais complexa. Manuel do Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, diz que este “não é um problema fácil”: o doente grave “está neste estado de doença e a Covid-19 agravou um bocadinho ou, se não fosse a Covid-19, não estaria neste estado?”, questiona-se. Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, argumenta que é difícil analisar os internamentos e mortes de pessoas com Covid-19 e outras doenças agravadas pela Covid-19 porque “a DGS não discrimina” se a doença é a causa principal ou secundária.

Mas, voltando ao início do processo, em qual dos campos se baseia a DGS para contar os óbitos que lhe são reportados pelos hospitais? No início da pandemia, tendo em conta as declarações do então subdiretor-geral da saúde, Diogo Cruz, e da diretora Graça Freitas, quase todas as pessoas que morriam com Covid-19 entravam para os números que surgiam no boletim. Se esse continua a ser o critério das autoridades de saúde, o médico Tomás Lamas não sabe: a resposta teria de vir da DGS. Mais uma vez, ao Observador, a autoridade nacional de saúde garante que só contabiliza as mortes cuja causa principal seja a infeção pelo novo coronavírus.

Em abril de 2020, Diogo Cruz afirmou que, “em Portugal, estamos a ser muito abrangentes na classificação de casos de falecimento por Covid”. Uma pessoa com Covid-19 “que tenha a menor causa [a causa secundária] de falecimento por uma questão infecciosa” estava a ser considerada nos óbitos da pandemia. “Vou dar um exemplo extremo, só para ficar claro aquilo que estou a dizer. Uma pessoa que esteja positiva para Covid e que tenha um acidente de viação, naturalmente morre do acidente de viação”, notava o subdiretor-geral da saúde. Mas, “havendo Covid, e havendo a menor suspeita de que possa ter sido Covid, estamos a considerar Covid, ao contrário de outros países da Europa”.

Os países contam as mortes por Covid de forma diferente. Contagem em Portugal considera mais casos

Especialistas notaram dados atípicos: “É como se faltassem óbitos por outras causas”

A hipótese de os óbitos que surgem nos relatórios de situação não serem apenas os de pessoas que morreram por Covid-19 voltou ao debate depois de vários hospitais terem confirmado que, à conta dos elevados números de casos positivos, as alas dedicadas à doença estavam preenchidas em boa medida por pessoas que necessitam de internamento por outras causas — embora precisem de estar isoladas por serem infecciosas. Carlos Antunes confirmou ao Observador que, nos números de óbitos que surgem nos boletins, sempre houve casos de pessoas que morreram por Covid-19 e também com Covid-19, quando internadas nas alas alocadas para essa doença.

A questão é que, antes da elevada cobertura vacinal em Portugal e do surgimento da variante Ómicron, a esmagadora maioria dos casos internados nas alas Covid-19 eram doentes com quadros clínicos associadas à infeção pelo SARS-CoV-2, com quadros de dificuldade respiratória por causa do vírus. Agora, com mais vacinados e com uma variante mais transmissível e menos severa para a saúde, isso mudou e as alas foram ocupadas por doentes que têm Covid-19 mas que precisam de hospitalização por outras doenças.

Há mais casos positivos nas alas pediátricas, mas situação está controlada: são poucos os internados exclusivamente por causa da Covid-19

Por isso, o engenheiro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que está a acompanhar a evolução epidemiológica da Covid-19 em Portugal, deduziu que as percentagens de mortos com Covid-19 entre os óbitos que surgem no boletim podem ter subido, ao ponto de “a maioria dos óbitos apresentados como Covid-19 serem mortes por outras causas que por acaso estavam positivas”: “Se não fosse assim, estávamos acima da mortalidade média. É como se faltassem óbitos por outras causas, ainda por cima no período do ano em que morre mais gente”, teorizou o cientista.

Isso é o que indiciam as contas do excesso de mortalidade, uma anomalia que existe quando o número de óbitos é igual ou superior a 40 em relação à média de mortes registadas num período de referência. Carlos Antunes utilizou a média diária de óbitos entre os anos de 2017 e 2019. E descobriu que, se até ao início de dezembro, o excesso de mortalidade chegou às 100 mortes (não só por causa da Covid-19, que contribuiu pouco para estes números, mas por outras causas), desde o fim do mês passado que a anomalia passa a ser negativa. Ou seja, “não há excesso de mortalidade, estamos abaixo da média, apesar de as mortes por Covid-19 estarem a aumentar”.

Atualmente, o número de óbitos diários (por Covid-19 e por outras causas também) devia rondar os 440 por dia para que os valores pelo menos coincidissem com o período pré-pandémico. Agora, Portugal está a registar cerca de 360 óbitos por dia, menos 80 óbitos. Isso é ainda mais estranho porque, “na última semana, tivemos uma ligeira onda de frio mais para Norte e isso normalmente causa excesso de mortalidade, mas neste caso aconteceu exatamente o inverso”.

Para Carlos Antunes, isso significa que “está algo a acontecer”. O quê, exatamente, é aquilo que o engenheiro não pode garantir: teoriza que alguns dos óbitos que aparecem nos boletins diários não são por Covid-19, mas seriam precisos “dados mais finos” que a DGS não disponibiliza. Uma coisa parece certa para o especialista: a mortalidade de Covid-19 “não é considerada de preocupação porque não contribui para um excesso de mortalidade”.

Parte da resposta está na incidência que se está a verificar entre os idosos com 80 anos ou mais. Óscar Felgueiras, cientista de dados da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, aponta que os casos nesta faixa etária sofreram um salto considerável: se no dia de Natal havia uma média semanal de 102 casos por 100 mil habitantes entre quem tem 80 anos ou mais, agora os números chegam a estar perto dos 950.

Com a subida da incidência, sobem também as mortes neste grupo, que é o mais vulnerável perante uma infeção por SARS-CoV-2. Mas isso justifica as incongruências nos gráficos? “É uma coisa complexa”, admite o perito: “À partida, quem aparece como morte por Covid-19 é porque morreu por causa da doença. A questão é que a infeção pode agravar condições existentes, estas pessoas podiam morrer mais tarde se não tivessem a infeção”.

Corrigido às 7h30: os dados fornecidos a pedido do Observador dizem respeito à semana passada e não a novembro e dezembro como inicialmente indicado.

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