Nenhuma das maternidades da região Norte que a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia sugeriu encerrar, num relatório elaborado em setembro do ano passado, vai fechar portas, confirmou o Observador junto de fonte oficial da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Das seis maternidades mencionadas no documento técnico — Póvoa de Varzim e Famalicão, Guarda e Castelo Branco, Barreiro e Vila Franca de Xira — já há conclusões em relação às duas primeiras: os serviços de urgência em ginecologia e obstetrícia do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde e do Centro Hospitalar Médio Ave vão continuar em pleno funcionamento.
As duas últimas, que ficam na região de Lisboa e Vale do Tejo, continuarão no regime de fecho alternado com outros hospitais da região pelo menos até ao fim do primeiro trimestre do ano (e possivelmente ao longo do verão), mas o encerramento definitivo ainda está a ser avaliado. Quanto às duas maternidades da região Centro visadas pela comissão criada ainda no tempo em que Marta Temido liderava a pasta da Saúde, também ainda não há decisões finais: a Direção Executiva do SNS continua a avaliar estas situações, está a ultimar a análise dos dados e, sabe o Observador, vai comunicar a decisão final “nos próximos dias”.
Na deliberação enviada pela Direção Executiva do SNS ao Observador, Fernando Araújo determina que ambos os hospitais “vão manter atividade ininterrupta em termos de serviço de urgência de ginecologia/obstetrícia e bloco de partos, em função das condições de qualidade e segurança demonstradas, garantindo proximidade e prontidão da resposta”. Mas também dá um ano aos conselhos de administração para “assegurar o investimento em infraestruturas, reforço de profissionais e diferenciação em neonatologia”.
Em janeiro de 2024, a Direção Executiva do SNS voltará aos hospitais em causa para “avaliar a resolução dos problemas identificados”. Até lá, os conselhos de administração “têm de informar a Direção Executiva sempre que existam questões que limitem a atividade destes serviços, nomeadamente situações de contingência”.
As visitas às maternidades confirmaram que “existem aspetos a melhorar” — precisamente aqueles que a Direção Executiva do SNS pretende sondar novamente daqui a um ano —, mas “não foram identificadas questões que colocassem em causa a segurança das parturientes ou dos recém-nascidos ou a qualidade dos atos clínicos prestados”, refere o documento do organismo liderado por Fernando Araújo. Pelo contrário, a deliberação elogia o “elevado empenho da instituição nestes processos, com dedicação de equipas altamente motivadas e elevada satisfação das utentes e apoio da sociedade civil e das autarquias”.
Hospital da Póvoa já está a planear obras para resolver fragilidades apontadas pela Direção Executiva
A notícia foi recebida com “felicidade extrema e sensação de que foi feita justiça” por todos os profissionais do centro hospitalar da Póvoa de Varzim, confessou ao Observador o presidente do conselho de administração, José Gaspar Pais: “De facto, quando a informação é melhorada, as decisões são muito mais acertadas. Este é um exemplo claro disso”, considerou, realçando “a garra, determinação de inovar e de humanizar” dos profissionais de saúde nos serviços de ginecologia e obstetrícia: “É um lugar especial, há respeito pelo casal grávido.”
O administrador esteve reunido já na tarde desta quinta-feira com o gabinete de arquitetura do centro hospitalar para terminar o planeamento das obras que serão efetuadas no hospital de modo a resolver as fragilidades que a equipa de Fernando Araújo detetou na visita ao local — e que o próprio José Gaspar Pais já tinha admitido no passado: “O internamento pós-parto é o nosso calcanhar de Aquiles. É obsoleto e necessita de manutenção urgente. Hoje em dia temos muitos quartos sem luz natural, sem casa de banho e com três camas”, descreveu ao Observador.
Depois das obras, que ficarão concluídas no fim de verão — o projeto estará terminado ainda este mês, a seguir será colocado a concurso e as obras demorarão seis meses — o hospital terá “uma infraestrutura correspondente ao que é a competência técnica”, prometeu: “Vamos passar a ter quartos com duas camas, casa de banho e luz natural”.
O Observador também contactou o Centro Hospitalar Médio Ave para obter uma reação à decisão da Direção Executiva do SNS e aguarda uma resposta.
“Atratividade” e motivação convenceram Fernando Araújo a poupar maternidades do Norte
Conforme apurou o Observador, a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos — criada em junho do ano passado por Marta Temido, então ministra da Saúde, para elaborar uma rede de referenciação hospitalar em saúde materna e infantil — apontou no documento técnico enviado ao Ministério da Saúde que “a concentração, transitória ou não, de algumas urgências de obstetrícia e ginecologia/bloco de partos parece ser a única forma de assegurar rapidamente alguma estabilidade de resposta nesta área, transmitindo uma segurança à população sobre os locais a que podem recorrer”. O relatório identificava as instituições “onde essa concentração seria tecnicamente mais adequada”.
No caso do Norte, os peritos aconselharam o Governo a equacionar a manutenção de dois dos 13 blocos de parto na região. A comissão deixou uma nota sobre o Hospital de Vila Nova de Famalicão, que pertence ao Centro Hospitalar do Médio Ave, para “considerar centralizar a urgência de obstetrícia e ginecologia/bloco de partos no Hospital de Braga ou no Hospital da Senhora da Oliveira de Guimarães”, numa altura em que se esperava um total de 994 partos em 2022. Em caso de encerramento, os partos seriam divididos entre o Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Hospital de Braga, Hospital da Senhora da Oliveira de Guimarães e o Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto.
Sobre o Hospital de Póvoa de Varzim/Vila do Conde, a comissão também aconselhou o Ministério da Saúde a “considerar centralizar” o mesmo serviço na Unidade Local de Saúde de Matosinhos. Nesse caso, os partos seriam então divididos entre a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, o Centro Hospitalar Médio Ave e a Unidade Local de Saúde de Matosinhos. Quando esta recomendação foi emitida, havia uma expetativa de 1.268 partos no ano de 2022.
A decisão final, no entanto, “necessita de ser antecedida de uma avaliação detalhada das instalações e equipamentos dos hospitais circundantes, bem como dos seus recursos humanos”, acentuou a comissão no documento a que o Observador teve acesso: “Perante um plano de concretização, antes de qualquer decisão de concentração de urgências de obstetrícia e ginecologia/bloco de partos, é necessário assegurar a qualidade e a segurança dos cuidados obstétricos e neonatais nas unidades circundantes, através de visitas locais”.
Essas visitas foram realizadas em novembro. No dia 2, Fernando Araújo esteve em Vila Nova de Famalicão e na Póvoa de Varzim com elementos da Autoridade Regional de Saúde (ARS) Norte, do Colégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos e da própria Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Blocos de Parto. A 24 de novembro, e novamente na companhia de elementos destas instituições, o diretor executivo do SNS esteve na Unidade Local de Saúde de Matosinhos para avaliar se o serviço tinha capacidade para acomodar um maior afluxo de grávidas.
De acordo com a deliberação da Direção Executiva do SNS, em todos estes locais foram observadas as condições das infraestruturas da urgência, bloco de partos, bloco cirúrgico para cesarianas de urgência e do internamento. A comitiva também se reuniu com os conselhos de administração das instituições, as direções de serviço, os responsáveis pelo departamento da área da mulher e da criança; e com os profissionais envolvidos nas operações destas áreas. Também foi considerada a informação disponibilizada pela coordenação do Transporte Inter-Hospitalar Pediátrico — um ramo especializado do INEM — na região Norte.
No fim de contas, depois de se inteirar “das infraestruturas, recursos humanos, modelos de prestação de cuidados, satisfação das utentes e envolvimento da comunidade nos projetos” para “avaliar a sustentabilidade e consistência dos projetos”, a Direção Executiva do SNS decidiu manter abertas ambas as unidades, anuncia a deliberação.
Um dos fatores determinantes foi a “capacidade de atratividade” destes hospitais: em Famalicão, mais de 20% das grávidas são de concelhos fora da área de influência do Centro Hospitalar Médio Ave; e, na Póvoa de Varzim, a percentagem sobe para os cerca de 50%. Mesmo os valores relativos aos partos que as duas maternidades acolheram no ano passado “superaram as melhores expetativas” e convenceram Fernando Araújo: Famalicão, que esperava realizar 994 partos, acabou por fazer 1.175. Na Póvoa de Varzim foram 1.368 partos, mais 100 que o esperado.
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Coordenador nega ter recomendado fecho das maternidades, documento diz que “parece ser a única forma”
A Comissão que aconselhou a concentração de urgências de ginecologia e obstetrícia, admitindo a possibilidade de fechar definitivamente seis delas no Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo (ou, no mínimo, de encerrá-las de modo provisório), é coordenada por Diogo Ayres de Campos, presidente da Sociedade Europeia de Medicina Perinatal e diretor do serviço de obstetrícia, ginecologia e medicina reprodutiva do Centro Hospitalar Lisboa Norte. E é composto por um representante de cada Administração Regional de Saúde (ARS) do país: José Manuel Furtado (Norte), Ana Luísa Areia (Centro), Fernando Cirurgião (Lisboa e Vale do Tejo), Fernando Fernandes (Alentejo) e Fernando Guerreiro (Algarve).
José Manuel Furtado é o diretor da Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Guimarães. Ana Luísa Areia é médica de ginecologia e obstetrícia no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, professora e investigadora na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Fernando Cirurgião é o diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. Fernando Fernandes lidera o serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital Espírito Santo de Évora. Fernando Guerreiro é o diretor do Departamento de Ginecologia/Obstetrícia e Reprodução Humana do Centro Hospitalar Universitário do Algarve.
Em setembro, foi noticiado que a Comissão tinha recomendado ao Governo o encerramento de seis maternidades. Agora, já com Manuel Pizarro à frente da pasta da Saúde, após a demissão de Marta Temido, e com Fernando Araújo a liderar a recém-criada Direção Executiva do SNS, Diogo Ayres Campos quis esclarecer as notícias que brotaram em setembro: “A comissão não recomendou o encerramento de nenhuma maternidade”, afirmou ao Público já este mês, admitindo no entanto que essa foi uma das propostas apresentadas pela comissão para reformar a rede de urgências em ginecologia e obstetrícia. Era uma das possibilidades, ressalvou o coordenador, mas “não está escrito em lado nenhum do documento que devem encerrar”. No documento a que o Observador teve acesso lê-se, no entanto, que o encerramento (definitivo ou temporário) “parece ser a única forma” de garantir “estabilidade de resposta nesta área”.
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Na entrevista, Ayres de Campos argumentou: “Estavam identificadas seis maternidades que entendemos que, do ponto de vista da distância de outros hospitais e da resposta neonatal, seria seguro — não visitámos as maternidades e nem foi pedido — serem encerradas, com segurança em termos de rede de referenciação, se fosse esse o entendimento político. Não fomos taxativos em relação a isso”. Em entrevista à RTP, há três meses, quando a Comissão já tinha preparado a primeira versão do relatório, o presidente da Sociedade Europeia de Medicina Perinatal confirmava que “nessa versão do documento está de facto a proposta para encerramento de maternidades”.
“Temos de considerar essa hipótese”, avançou o especialista: “E temos de a considerar com muito cuidado porque tem de haver soluções alternativas. Não podemos encerrar e não dar respostas às grávidas. Temos de assegurar que as maternidades em redor têm capacidade de resposta. Se isso implicar obras, terá que ser”.
Nessa entrevista, Ayres de Campos indicou que entre os critérios considerados pela Comissão estiveram a distância entre hospitais, os tempos de viagem — em situações agudas, 30 minutos é o tempo considerado adequado — e a mobilidade entre os locais por três meios: carro particular, INEM e transportes públicos. Tanto quanto apurou o Observador, o documento acrescenta que “foram considerados os recursos humanos existentes, independentemente da carga horária semanal disponível para atividade assistencial”, e que os tempos de viagem rodoviária entre hospitais foram obtidos “através de uma plataforma digital de viagens” — o Google Maps, especifica, consultando os tempos das “viagens mais rápidas entre os locais”.
De acordo com essa ferramenta, a maternidade de Famalicão fica a 27 minutos do hospital da Póvoa de Varzim, a 23 minutos do Hospital de Braga, a uma distância que leva o mesmo tempo a percorrer até chegar ao hospital em Guimarães e a 27 minutos do São João, cumprindo sempre os tempos considerados adequados em casos agudos. A maternidade da Póvoa de Varzim fica a 33 minutos da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (três minutos acima do recomendado) e a 23 minutos da Unidade de Saúde Pública de Matosinhos.
Documento técnico por publicar quatro meses depois de o acesso ter sido aprovado
Um mês depois da conclusão do documento, em setembro de 2022, o PSD apresentou um pedido em comissão parlamentar, que foi aprovado por unanimidade, para que o documento técnico do grupo de trabalho fosse enviado à Comissão Parlamentar da Saúde. Mas, até agora, o relatório continua por enviar, alertaram os sociais-democratas, e nunca foi publicado.
Por isso, o grupo parlamentar do PSD exigiu esta segunda-feira o envio urgente à comissão parlamentar de Saúde do documento técnico. Tal como a Lusa avançou, no requerimento dirigido ao Governo pelo presidente da comissão parlamentar de Saúde — o deputado social-democrata António Maló de Abreu —, o PSD recorda que tem vindo a exigir o acesso ao relatório da comissão.
PSD exige acesso ao relatório da comissão técnica de urgências em Ginecologia e Obstetrícia
Na primeira semana de 2023, Ayres de Campos esteve numa audição na comissão de Saúde. “Questionado na mesma audição parlamentar sobre as razões pelas quais o Documento Técnico da Comissão não foi entregue pelo Governo à Comissão da Saúde, apesar de por esta solicitado, o Prof. Diogo Ayres de Campos respondeu: ‘Não me perguntem a mim, por favor’”, aponta o PSD no requerimento, afirmando ainda que Ayres de Campos considerou que a comissão parlamentar “deveria já conhecer a proposta”.