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Direita radical em movimento na Europa e Chega a "assistir de bancada". Ventura espera momento certo para decidir futuro

Com as sondagens a apontarem para uma direita maioritária na Europa, as famílias políticas mexem-se e procuram soluções para o futuro. Chega está no ID, mas Ventura não dá certezas sobre o futuro.

A ambição passa por contribuir para que a direita consiga a maioria no Parlamento Europeu, ainda que o dia seguinte às eleições europeias seja um ponto de interrogação no que ao Chega diz respeito. Há demasiadas opções, poucas respostas e uma incógnita a que nem Tânger Corrêa nem André Ventura querem responder em tempo útil: é possível o Chega trocar o ID (Identidade e Democracia) pelo ECR (Reformistas e Conservadores Europeus)? A falta de resposta tem uma razão: as peças do tabuleiro de xadrez da Europa estão em movimento acelerado e Ventura não quer antecipar uma decisão que o poderá deixar fora do jogo ou com menos poder. É esperar para ver. Ou, como Tânger Corrêa diria, “assistir de bancada” e esperar pelo resultado final.

O Chega faz parte da família europeia do ID há praticamente quatro anos, mas só quando conseguir eleger eurodeputados passará a integrar oficialmente esse grupo. Até lá, há uma campanha em que as dúvidas não ficam esclarecidas e onde impera a falta de clareza, já que as opções se multiplicam e nenhum cenário está fora de hipótese.

Para o Chega, há pelo menos quatro em cima da mesa: ficar no ID, alinhar no ECR, tentar contribuir para um sonho antigo do partido que incluía ser uma “ponte” entre os dois — um cenário cada vez mais imprevisível com a aproximação do ECR ao PPE —, ou integrar uma nova família política, uma opção já levantada pelo próprio candidato do Chega. “E se de repente aparecer outra família política?”, questionou Tânger Corrêa, frisando que “em política internacional o preto e branco não existe, existe o cinzento” e dizendo que não pode “aprofundar temas que não podem ser aprofundados” pela incerteza.

E se é verdade que todas as opções teriam prós e contras para o Chega, há uma que tem sido tratada quase como um tabu — curiosamente aquela que poderia levar o Chega a mudar de família política. Ainda antes da campanha eleitoral, quando questionado na entrevista ao Observador sobre se o Chega se sentiria melhor nos Conservadores do que na ID, Tânger Corrêa não se quis entregar: “Não posso dizer isso porque nós estamos no ID.” Segundos antes tinha afirmado que não podia dar garantias sobre se o partido ia “mudar ou não” por não conhecer a “realidade” que vai encontrar na Europa depois de 9 de junho.

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Já em plena campanha e quando a questão começa a ser um tema cada vez mais premente na União Europeia, André Ventura foi confrontado com uma questão muito concreta: se as famílias europeias se mantiverem e não houver uma família nova, há hipótese de o Chega sair do ID e entrar no ECR?” Preferiu atirar para a frente e fugir ao tema: “Não é uma questão que eu queira responder agora.” Agora não é o momento, já que André Ventura e Tânger Corrêa não conhecem o quadro parlamentar europeu que vai nascer das eleições e não querem começar a fechar portas antes de tempo. Estão mais preocupados em deixar janelas abertas porque o amanhã é, de facto, uma incógnita.

[Já saiu o terceiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio.]

Uma coisa é certa, independentemente da família política, Tânger Corrêa e André Ventura vão-se tentando distanciar de alguns dos parceiros europeus em temas sensíveis, nomeadamente o posicionamento sobre a Rússia. “Não temos que esclarecer o eleitorado, porque a nossa posição é imutável. Apoiamos a Ucrânia, não somos putinistas e não recebemos um tostão do senhor Putin”, assegura o cabeça de lista do Chega às eleições europeias, que prefere deixar claro a solidariedade do Chega quanto à Ucrânia — devido à proximidade de vários partidos do ID à Rússia — do que fazer cenários sobre o futuro.

Entre o PPE e o ID, há uma peça-chave de nome Meloni

Perante uma tendência de crescimento da direita na Europa, há várias peças a movimentarem-se num tabuleiro em que nenhuma jogada é fácil. Sofia Vasilopoulou, professora de políticas europeias na King’s College London, já notava em declarações ao Observador que “o espaço político da direita está relativamente fluido neste momento” e a aproximação das eleições europeias só torna tudo ainda mais visível. Principalmente com a existência de uma peça central em todo o tabuleiro: Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana e líder do Irmãos de Itália, que pertence à família política do ECR.

Por um lado, há um piscar de olho do lado do ID ao ECR — o que significaria a formação de uma grande família onde caberia a direita radical e a extrema-direita e permitiria um poder nunca antes atingido no Parlamento Europeu por esta área política. Por outro, já ninguém esconde as boas relações entre Meloni e Ursula von der Leyen, do Partido Popular Europeu (PPE) e recandidata a presidente da Comissão Europeia. A própria líder italiana já deixou a porta aberta a uma coligação “à direita” no Parlamento Europeu e para von der Leyen todos os votos contam — ainda que esta aproximação lhe possa custar caro junto junto de socialistas e liberais. Ainda assim, quanto a um possível acordo-pós eleitoral entre PPE e ECR, as linhas vermelhas dos populares prendem-se principalmente com a Ucrânia e, nisso, não há dúvidas de que a maioria dos partidos do ECR alinha com Ursula von der Leyen no apoio à Ucrânia e condenação da Rússia.

É exatamente nesse ponto que o ID sai em desvantagem, já que a proximidade de vários partidos ao regime russo deixou a família política com esse rótulo. Mesmo o Chega, que faz questão de dizer que desde o primeiro dia mostrou apoio à Ucrânia, é constantemente questionado sobre se está confortável numa família política que tem quem prefira apoiar o regime de Putin em vez de Zelensky. E isso não deixa ninguém agradado dentro do partido.

De resto, Meloni tem adotado uma postura mais moderada do que o que era esperado no momento em que venceu as eleições em Itália. Já contribuiu para convencer Viktor Orbán a dar luz verde ao apoio da UE a Kiev, não contestou as regras do Pacto Orçamental e fez o mesmo com o Pacto Ecológico Europeu. A moderação, que alguns consideram não ser ideológica, mas sobretudo pragmática, tem-lhe valido um selo de responsável que agrada ao PPE. E isso coloca-a no centro de uma possível decisão.

Mas as forças mais à direita ainda não desistiram da possibilidade de unirem forças e Viktor Orbán entrou no leque dos empenhados quando, numa entrevista à revista francesa Le Point, defendeu que “o futuro do campo soberanista na Europa, assim como da direita em geral, está hoje nas mãos de duas mulheres”, numa referência a Giorgia Meloni e Marine Le Pen. Na visão do primeiro-ministro húngaro, se as duas “conseguirem trabalhar em conjunto, num único grupo ou numa coligação, serão uma força para a Europa”, sublinhando que essa união até pode ser “suficiente para remodelar a configuração da direita europeia, ou mesmo para suplantar o PPE”, atualmente o partido mais votado do Parlamento Europeu.

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O próprio Viktor Orbán, após o divórcio entre o Fidesz e o PPE — no seguimento de uma alteração aos estatutos que serviu para mudar as condições de expulsão de partidos e que deveria empurrar o partido húngaro para a saída forçada do grupo dos populares —, está prestes a juntar-se a uma nova família política e anunciou, em fevereiro, que escolheu o ECR. A consagração só acontecerá depois de 9 de junho, mas o primeiro-ministro húngaro já está a trabalhar na união dos dois grupos.

Além disso, a própria Le Pen não quer perder espaço nesta batalha com os populares e, em entrevista ao Corriere della Sera, deixou uma passadeira vermelha para Meloni e disse que não se pode “deixar passar uma oportunidade como esta”: “É o momento para nos unirmos. Seria verdadeiramente útil”.

Aquilo que Orbán agora propõe encaixa na perfeição num sonho antigo do Chega: a ideia de que podia ser uma “ponte” para a união dos dois partidos. Diogo Pacheco Amorim, em novembro de 2023, chegou a dizer ao Observador que o “ideal” seria que houvesse apenas uma família política e explicou que, apesar da decisão de se juntar ao ID, o Chega sempre fez questão de manter boas relações com os dois lados — até porque o Vox, partido irmão do Chega, faz parte do ECR.

Foi exatamente num comício do Vox em Madrid, em outubro de 2021, onde estavam vários parceiros europeus, que André Ventura deu a entender o mesmo: “A nossa batalha não é só partidária. Aliás, não é uma batalha partidária. Decidimos estreitar esforços e aproximar os nossos partidos em Portugal, em Espanha, na Grécia, em Itália e no Brasil porque hoje existe uma ameaça real às nossas sociedades”, disse, sugerindo que é na união que está a força.

Na verdade, Diogo Pacheco Amorim explicou nessa altura que, “desde o princípio”, o Chega quis ter “ótimas relações com partidos do ECR”, e o ID sabia-o, porque assumiu “como tarefa fundamental a reunião de ID e ECR num único partido”. A guerra na Ucrânia, designadamente a discórdia de diversos partidos de direita radical e extrema-direita no apoio à Ucrânia, serviu de travão às intenções do partido de Ventura. Mas o sonho não está acabado — e tem sido recuperado por outras forças nestas eleições europeias — mas tem estado adiado e vários especialistas, como o membro do think tank Instituto de Relações Internacionais de Praga, Jan Kovář, chegou a dizer ao Observador, consideram o cenário “altamente improvável”.

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O tal tema da discórdia entre parceiros poderia bem ser o gatilho para que o Chega trocasse de família política e o tabu à volta do assunto só dá força à narrativa. Enquanto André Ventura vai dizendo que essa “não é uma questão que queira responder agora” e Tânger Corrêa não afasta a possibilidade de uma reavaliação do posicionamento do Chega após serem conhecidos os resultados, abre-se espaço para perguntas e faltam respostas.

O líder do Chega vai-se focando no que tem agora, uma ligação ao ID, e assegura que o partido “certamente contribuirá” para construir “pontes”, sobretudo entre a direita francesa e italiana, para “derrotar o socialismo no Parlamento Europeu, impedir que Ursula von der Leyen seja reconduzida”, trabalhar “para o fim da corrupção na União Europeia e para o fim da imigração descontrolada” — até porque o principal objetivo é que estas direitas consigam “uma configuração maioritária no Parlamento Europeu”.

Para alcançar tudo isso, Ventura considera que “talvez” seja preciso um “grupo mais forte” do que existe agora. “Mas esse é um tema para depois”, insiste, sublinhando que “o Chega não só participa [na negociação], como tem um papel decisivo”. No dia antes, Tânger Corrêa tinha dito (“E aqui penso que falo pelo presidente André Ventura”) que o Chega está a “assistir de bancada” entre as possíveis conversas entre Le Pen e Meloni, mas Ventura prefere destacar o poder que tem dentro do ID. “Como disse o embaixador António Tânger, não nos oporemos a que haja uma reconfiguração destes grupos, sabemos que há ou poderão existir conversas, mas Itália e França não definirão sozinhas estes grupos. Portugal terá um papel a dizer.”

Ora, André Ventura não só foi dizendo que “o Chega tem um posicionamento claro dentro do ID” como refere que na última convenção das direitas organizada pelo Vox todos concordaram que “o Chega é o partido europeu que mais cresce na Europa” e é o partido “com mais pujança”. E diz mais: “O Chega é hoje o partido, arrisco-me a dizer, mais importante do ID. Modéstia à parte, naturalmente.”

Se a possibilidade de abandonar o ID não é conversa para agora — pelo menos Ventura não a quer ter — há um pormenor que pode travar uma passagem do ID para o ECR: o poder do Chega dentro da família europeia. Tal como o líder do Chega disse, o partido tem-se destacado pelo crescimento exponencial e tem resultados inigualáveis dentro da família política — ainda que mantenha um peso pesado como o partido de Le Pen no centro das atenções —, mas no ECR todas as atenções estão viradas para Meloni e o protagonismo de Ventura (e do Chega) podia ficar mais ofuscado.

Porém, essa mudança para o ECR podia afastar o Chega de partidos pró-Rússia — o que poderia facilitar a convivência no Parlamento Europeu (desde logo pela tal aproximação de Meloni com o PPE) — e recolocar o partido em termos ideológicos, já que, mesmo dentro do Chega, sempre houve dirigentes a assumir que, sendo o ECR menos radical do que o ID, podia ter feito sentido o Chega juntar-se a essa família política. A opção foi feita quando o partido de Ventura estava longe de conseguir os feitos agora alcançados e numa altura em que o partido era “insignificante a nível europeu” — acabou por haver uma “aproximação a quem deu mais opção”, tendo em conta que havia proximidade ideológica aos dois partidos. Além disso, também as componentes geoestratégicas e geopolíticas, com o intuito de manter a “política tradicional de há séculos e de não estar nas mesmas famílias do que os partidos de Espanha”, ajudou à decisão, segundo Pacheco Amorim explicou ao Observador.

Agora que o partido está longe de ser o que era nesses tempos, Ventura tem mais poder e capacidade de decisão, mas também teria de lidar com as consequências de um virar de costas ao ID. Seja qual for a decisão, está a esperar para ver, até porque não quer dar nenhum passo em falso e acabar com menos poder ou centralidade do que foi adquirindo junto dos grandes líderes europeus da direita radical. Na bancada ou na mesa de decisões, o dia de escolher está cada vez mais próximo e Ventura não tem muito mais tempo para adiar.

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