É com o selo do Partido Identidade e Democracia (ID) que o Chega, caso eleja nas próximas eleições europeias, se vai sentar no Parlamento Europeu a partir de junho de 2024. O partido liderado por André Ventura entrou no ID em julho de 2020 e tem como ambição contribuir para que ID e ECR (Reformistas e Conservadores Europeus) se entendam ao ponto de criarem uma grande família europeia — os partidos conservadores e de extrema-direita dividem-se em dois grupos no hemiciclo europeu — e falar a uma só voz. Até que aconteça — o que pode nunca ser possível —, o Chega não pensa mudar de família política, mas não desiste de ser uma ponte entre ambos.

“O Chega está solidamente no ID“, assegura Diogo Pacheco Amorim, que era o responsável pelas relações internacionais quando o Chega chegou a acordo para entrar na família europeia do ID, garantindo que os eurodeputados eleitos pelo partido se sentarão na bancada do ID no Parlamento Europeu. Não há qualquer razão para que não aconteça, sublinha, frisando que só seria possível um cenário diferente se houvesse “razões fortíssimas” ou uma “alteração radical” nas relações entre o Chega e o ID.

Ainda que o partido liderado por André Ventura tenha optado por se juntar ao ID, o deputado Diogo Pacheco Amorim explica que o Chega sempre fez questão de manter boas relações com os dois lados — até porque o Vox, partido irmão do Chega, faz parte do ECR. Mais do que isso, Pacheco Amorim afirma que o objetivo é claro: o Chega quer ser uma “ponte entre o ID e o ECR” por considerar que o “ideal” seria a junção das duas famílias políticas numa só.

Num comício do Vox em Madrid, em outubro de 2021, André Ventura já tinha dado a entender, frente a vários parceiros europeus, que a união era a palavra de ordem — aliás, o líder do Chega ainda tentou essa aproximação das direitas em Portugal sem sucesso. Nessa altura, foi perentório: “A nossa batalha não é só partidária. Aliás, não é uma batalha partidária. Decidimos estreitar esforços e aproximar os nossos partidos em Portugal, em Espanha, na Grécia, em Itália e no Brasil porque hoje existe uma ameaça real às nossas sociedades”, disse, sugerindo que é na união que está a força e apesar de estar num comício de um partido do ECR.

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Diogo Pacheco Amorim realça as sondagens feitas para as eleições europeias e refere que, “muito provavelmente, ID e ECR juntos seriam o primeiro partido no Parlamento Europeu”, o que imprime uma relevância superior à ambição do Chega: “Desde o princípio, e sempre salvaguardámos isso com o ID, que quisemos ter ótimas relações com partidos do ECR porque assumimos como tarefa fundamental a reunião de ID e ECR num único partido.” Porém, a guerra da Ucrânia serviu de travão às intenções do partido de Ventura.

“Antes da guerra da Ucrânia íamos falando disto e as posições foram-se aproximando, chegou a haver uma reunião de onde saiu um documento comum com as questões básicas comuns ao ID e ao ECR, mas depois, com as guerras na Ucrânia e as especificidades de reações de membros dos dois lados, esta tentativa ou possibilidade de fusão ficou um bocado comprometida, até ver”, recordou Pacheco Amorim, consciente de que no momento em que o Chega aderiu ao ID as duas famílias europeias estavam mais distantes do que atualmente.

A guerra da Ucrânia foi um dos pontos de discórdia dos partidos de direita radical na Europa. O Chega rapidamente se posicionou ao lado da Ucrânia, bem como o Vox e até o Fratelli d’Italia, mas Marine Le Pen e Matteo Salvini, que não esconderam no passado ser próximos de Putin e da Rússia, acabaram por ter posições ambíguas sobre a invasão.

Se na fase em que o Chega aderiu ao ID as diferenças eram “mais acentuadas” entre ID e ECR, Pacheco Amorim reconhece que houve um “caminho percorrido em comum” pelos dois partidos europeus que os torna cada vez mais próximos. “Hoje praticamente não há diferenças“, resume o ideólogo do Chega. E questionado sobre a possibilidade de criar um novo grupo — uma ideia que circulou entre alguns dirigentes do Chega —, o deputado afasta por completo o cenário: “Um novo grupo não faz sentido nenhum, em vez de união seria fracionamento.”

A escolha por tradição e o crescimento no ID

Quando o Chega nasceu e começou a afirmar-se não tinha o peso eleitoral que tem atualmente a nível nacional e, apesar da proximidade do Vox (família ECR), acabou por se juntar, em 2020, ao ID. Um dirigente do Chega recorda ao Observador que — numa altura em que o partido era “insignificante a nível europeu” — acabou por haver uma “aproximação a quem deu mais opção”, tendo em conta que havia proximidade ideológica aos dois partidos.

Um outro dirigente reconhece que, sendo o ECR menos radical, poderia ter feito sentido o Chega optar por essa família europeia. Contudo, Diogo Pacheco Amorim explica que havia, desde logo, uma necessidade de manter a “política tradicional de há séculos e de não estar nas mesmas famílias do que os partidos de Espanha”. São razões “geoestratégicas e geopolíticas” que levaram à decisão e que, aos olhos do dirigente do Chega, tornam “positivo” que Chega e Vox estejam em diferentes famílias políticas na Europa, nomeadamente porque as “boas relações políticas” com o partido irmão — bem como as “boas relações pessoais entre Santiago Abascal e André Ventura” — ajudam a que o Chega tenha o tal papel de “ponte” que procura.

E essa relação próxima com o Vox faz parte da história do Chega. Mesmo entre os mais próximos de Ventura muitos comparam não só o facto de os partidos serem irmãos pela proximidade, mas também pela liderança, apontando Abascal e Ventura como líderes “novos e carismáticos” que tiveram percursos idênticos e que se afirmaram com rapidez num partido novo do espetro político de Espanha e Portugal, respetivamente.

A “boa relação” podia ter sido a justificação para que Chega preferisse fazer parte da família europeia do Vox. E, a juntar a isso, o facto de, segundo vários dirigentes, o partido estar mais perto ideologicamente do ECR por ser “mais conservador do que radical”. Ainda assim, além de Diogo Pacheco Amorim ter justificado a decisão com uma opção de tradição histórica, a aproximação a Marine Le Pen e a Matteo Salvini (partidos do ID) também ajudaram, tendo em conta que, excluindo Abascal, estes são dois dos líderes de que Ventura se manteve mais perto na fase de afirmação do partido — até com deslocações de ambos a Portugal a convite do Chega.

Essa postura de charme europeu de Ventura faz parte da estratégia. Sejam do ECR ou do ID, o Chega nunca perdeu tempo na colagem a parceiros de direita e, se Ventura faz questão de surgir ao lado de Salvini (ID) em várias ocasiões, também é verdade que já apareceu ao lado de Giorgia Meloni (ECR) e o próprio partido felicitou a primeira-ministra italiana pela vitória nas eleições legislativas como se fosse um partido irmão, realçando que o resultado “abre caminho a uma verdadeira mudança de políticas em Itália e, ao mesmo tempo, a uma reconfiguração política da Europa”.

No mesmo sentido, André Ventura faz questão de marcar presença em eventos importantes para o ID e, além do líder, há vários dirigentes a fazê-lo em representação do partido. O último encontro da juventude europeia do ID, que contou com a participação de Rita Matias e onde estiveram vários dirigentes, foi encerrado por André Ventura, em que abordou temas como imigração islâmica (“Se não pararmos esta loucura de imigração islâmica para a Europa, o que aconteceu em Israel pode acontecer em qualquer capital europeia nos próximos anos”, escreveu no X, ex-Twitter) e da justiça para com líderes de direita, questionando os casos de Bolsonaro, Trump e Salvini. Nesse mesmo evento Rita Matias fez questão de sublinhar que André Ventura atuou “como um dos principais oradores”.

Depois de passar de um para doze deputados nas legislativas e de zero para quatro nas regionais da Madeira, as eleições europeias são o grande desafio do Chega e vão permitir ao partido alcançar o Parlamento Europeu, caso consiga eleger. Mas não tem sido tarefa fácil escolher um cabeça de lista para o desafio. Tal como o Observador noticiou, o vice-presidente do Chega António Tânger Corrêa era a opção mais óbvia pelo percurso profissional e pela posição dentro do partido, mas a ascensão de António Pinto Pereira dentro do partido tem refletido uma possível mudança nas preferências de Ventura.

Em causa está uma tentativa de equilíbrio da balança entre manter os pesos pesados no Parlamento nacional e a necessidade de ter nomes fortes como candidatos a Bruxelas. A família política está escolhida, resta saber com quem e de que forma é que o Chega vai a votos pela primeira vez na Europa — André Ventura já foi cabeça de lista pelo Basta (coligação antes do Chega ser oficializado como partido), mas muito mudou desde então.

Chega estuda cenários para eleições europeias: Pinto Pereira ganha força e Tânger Corrêa perde espaço