Não foram as dez horas anunciadas na semana passada (quando quebrou o silêncio de seis meses na comissão de economia), mas quase oito horas em que Pedro Nuno Santos — munido de frutos secos e barras de cereais — defendeu a sua política na TAP (mas também na CP), piscou o olho à esquerda com recordações sobre os bons tempos da geringonça, confirmou o regresso ao Parlamento, e fintou as perguntas mais “desconfortáveis”. Algumas das quais foram menos sobre a indemnização a Alexandra Reis e mais sobre como soube dos episódios no Ministério das Infraestruturas, dia 26 de abril, que levaram à demissão do seu ex-adjunto — Frederico Pinheiro — pelo seu sucessor. Sem referir o nome de João Galamba, acabou por fazer algumas afirmações que podem ser lidas como alfinetadas ao atual ministro das Infraestruturas. “Decidi demitir-me e demite-me. Ponto final”.
Os sete passos de Pedro Nuno Santos para tentar assegurar um regresso com futuro
Sobre os temas centrais da comissão de inquérito à tutela política da gestão pública da TAP, Pedro Nuno Santos fez poucas revelações (ao fim de várias dezenas de audições, parece estar quase tudo esgotado). Mas deu explicações, justificações, algumas opiniões (com a exceção da futura privatização da TAP) e renovou críticas, ainda que num tom mais moderado, à gestão privada da TAP, à capitalização feita por David Neeleman e à privatização conduzida pelo PSD/CDS contra uma maioria parlamentar e por um que Governo que estava de saída. Foi esta privatização de 2015 que, no seu entender, está na origem do dinheiro que teve de ser pago em 2020 para livrar a TAP do “seu dono”. E não por “bravata ideológica”, porque o que estava em causa não era a TAP ser pública ou privada, mas sim existir ou não existir.
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E reforçou, várias vezes, não ser protagonista de interferência política na TAP, admitindo apenas ter sido o caso no pedido feito à transportadora para repensar a substituição da frota automóvel. “Foi pedido à TAP para pensar na alternativa. Provavelmente foi errado, mas essa é uma exceção que confirma uma regra: não há interferência na gestão da empresa porque para mim era claro que as coisas têm de correr bem e eu não percebo de negócio da aviação. Era claro para mim que, em matéria de gestão, governa quem sabe”.
Indemnização a Alexandra Reis correu mal, mas….
Pedro Nuno Santos começou a sua intervenção com o mea culpa a metade, assumindo que o processo de saída de Alexandra Reis “objetivamente correu mal”, mas desvalorizou o seu envolvimento dizendo ter-se limitado a três pontos — que no final foram os essenciais: a autorização que deu a Christine Ourmières-Widener (então CEO) para substituir a então administradora Alexandra Reis; o considerar que a indemnização inicial pedida era inaceitável; e o ‘ok’ final ao valor que acabaria por ser acordado para essa indemnização. Assumindo que 500 mil euros eram um valor elevado, acabou a desvalorizar, ainda assim, esse montante recordando que a TAP é uma empresa com salários altos e, argumentou, foi menos do que as indemnizações pagas de um milhão e de 750 mil euros em 2017 a dois administradores da Caixa que foram substituídos porque o novo CEO — Paulo Macedo — quis escolher a sua equipa. “O ponto foi reconhecer que mesmo com esse custo possa constituir a sua equipa”.
Por isso, quando ao fim de meio ano de estar em funções Christine, e numa equipa na qual tinha escolhido apenas um elemento, Pedro Nuno Santos não achou que fosse irrazoável” o pedido da então CEO de subsituir Alexandra Reis e achou que o “bem” que estava em causa era maior. Afinal tratava-se de dar uma equipa coesa à CEO.
Sobre a falta de memória em relação à indemnização paga, justifica: “Não me ocorreu procurar (mensagens) porque não havia necessidade disso. No dia em que apresentamos a demissão eu tinha a explicação estabilizada, do que nos lembrávamos. Houve um período de luto sobre a decisão que tínhamos tomado”, diz, e só quando foi preciso começar a preparar a resposta à IGF é que o ministro foi procurar as suas mensagens. “Tentei perceber como tinha sido informado, e percebi que não tinha sido verbalmente, porque naquela altura não estava no ministério (estava em campanha), e encontrei a mensagem”.
Alexandra Reis há só uma
Os temas eram “desconfortáveis” e Pedro Nuno Santos assumiu-o no primeiro de muitos minutos que passou na comissão de inquérito à TAP. Nem por isso o ex-ministro das Infraestruturas fugiu deles, ao contrário do que fez com um tema em específico, do qual tentou distanciar-se ao máximo: a chamada que fez a Frederico Pinheiro na noite de 26 de abril. As respostas fugidias sobre o ex-adjunto de Galamba contrastaram com as longas explicações que deu sobre a indemnização a Alexandra Reis. Que, garante, terá sido caso único.
E representou “menos de 1% do trabalho que tivemos na TAP, menos de 0,1% do ministério”. Mas foi aquele que correu “objetivamente correu mal” e motivou a saída de Pedro Nuno do Governo e a presença no parlamento esta quinta-feira, a poucas semanas de regressar definitivamente, a 4 de julho, como deputado.
Mas o caso da indemnização à “competentíssima, inteligente e trabalhadora” Alexandra Reis terá sido caso único, garante. Nem a recente auditoria da EY, amplamente citada na comissão de inquérito, segundo a qual a TAP terá pago 8,5 milhões de euros a 13 administradores entre 2019 e 2022, ou seja, incluindo o período em que a companhia já era pública, fez vacilar a resposta do ex-ministro.
As “outras” Alexandras Reis. TAP pagou 8,5 milhões a 13 administradores que saíram desde 2019
“Já ouvi, mas do meu conhecimento e no meu período, tenho conhecimento da saída de Alexandra Reis e do CEO Antonoaldo Neves”, respondeu. “Desconheço esse documento com essas saídas, que não passaram por mim. Provavelmente como Alexandra Reis não há mais nenhum [caso]”, afirmou. Apesar de estar mais próximo da certeza, Pedro Nuno Santos quer ver esclarecida a dúvida. “É importante saber que 13 administradores são esses. Para bem da verdade para todos é importante que seja dito quem são e quando saíram para podermos falar sobre isso abertamente”. Um deles não será Fernando Pinto, que saiu em fevereiro de 2020. Nessa altura, sublinhou, “a empresa não era pública, portanto as regras eram diferentes. A gestão era privada e eu não conhecia esse contrato de prestação de serviços com o privado. Pode ter a certeza se conhecesse teria dito alguma coisa aos administradores do Estado ou à comissão executiva da mesma forma que fiz com os prémios” que foram pagos em 2019.
Os deputados divulgaram os valores das indemnizações, mas não nomearam os “eleitos” por se tratar de um documento que chegou à comissão de inquérito com o carimbo de confidencial.
Uma conversa sem prémio, apesar de estar satisfeito com desempenho da CEO
Mas não foram só os prémios aos gestores que saíram da TAP que os deputados quiseram imputar a Pedro Nuno Santos. Outro prémio, que não chegou a ser pago, esteve na órbita do ex-ministro. E gerou um erro de interpretação, na visão do ex-ministro. Na comissão de inquérito foi revelado um email da ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, para Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, e Miguel Cruz, ex-titular da pasta do Tesouro, no qual a gestora francesa dizia que tinha conversado com Pedro Nuno Santos e que este lhe tinha confirmado que o seu desempenho em 2021 tinha sido positivo e as métricas cumpridas, pelo que deveria ter direito a bónus. Em 2021 a TAP teve prejuízos, a CEO esteve seis meses em funções e não tinham sido definidas quaisquer métricas de desempenho.
Sobre esta conversa, que Pedro Nuno Santos confirma ter acontecido, mas a visão do ex-ministro é muito diferente. “Tive uma conversa informal com a CEO da TAP sobre esse tema e estava satisfeito com resultados e com a gestão dela e disse que isso haveria de se refletir no reconhecimento dos direitos de 2021. Mas daí não se pode retirar mais nada porque o bónus depende do contrato de gestão”. Que não existia. “É uma conversa cordial de um ministro com uma CEO sobre estar satisfeito com o resultado dela mas isso não lhe atribui nenhum bónus.”
Pedro Nuno Santos descartou, ainda, poder vir a ser co-responsável se o Estado vier a ter de pagar uma indemnização à ex-CEO da TAP pelo seu despedimento por “justa causa”. “Saio do Governo a 4 de janeiro, não posso sentir-me co-responsável por decisões que não tomei”.
Uma “ótima ideia” de Hugo Mendes e a responsabilidade de Alexandra Reis na NAV
Pedro Nuno Santos desfez-se em elogios a Alexandra Reis ao longo de toda a audição. Tê-la a bordo era um ganho para qualquer equipa, garantiu. Fosse na TAP, na NAV ou no Governo. E a saída da TAP não está relacionada com a entrada da gestora na NAV. Foi disso que o ex-ministro tentou convencer os deputados. Que o primeiro contacto com a ex-administradora sobre a NAV foi feito por Hugo Mendes foi algo que a própria Alexandra Reis já tinha revelado. “Uma ótima ideia”, classificou esta quinta-feira Pedro Nuno. Aconteceu a 22 de março de 2022, antes da tomada de posse do novo Governo. O convite formal veio depois.
Mas se o ex-ministro sabia que Alexandra Reis tinha saído da TAP em divergência com a sua CEO, como é que a convidou para a NAV? A curiosidade dos deputados foi satisfeita por Pedro Nuno Santos com alguns avanços e recuos. Recusando primeiro a ideia de que a transição tenha ocorrido em mês e meio, assegurou que os dois processos “não têm nenhuma ligação entre si”. A gestora “vai para a NAV porque tínhamos uma falha na NAV, não tínhamos presidente. Preenchia bem todos os requisitos e foi convidada. Se achássemos que havia alguma coisa — sabemos hoje que sim — errada na saída, essa autorização não tinha sido dada e não teria havido a saída da TAP nessas condições”. Nessa altura, a saída estava bem resolvida.
E a indemnização? “Isso é outra questão”. Para Pedro Nuno Santos, “nenhum gestor público está impedido de sair de uma empresa pública e entrar noutra empresa pública”. Aí, não havia qualquer problema, defendeu. Mas Pedro Nuno Santos não sabia que Alexandra Reis não estava a cumprir o estatuto do gestor público no que toca à obrigação de devolver a indemnização. Mas sacudiu na mesma a água do capote. “Não lhe telefonei a perguntar: já pagaste? Não fiz isso, não é minha função. Essa é uma responsabilidade do gestor público, era o ministro que tinha de assegurar que era cumprida?”. E continuou. “Se calhar temos de acrescentar às nossas funções esses telefonemas. Já pagou o IRS, o IMI…? Há uma responsabilidade que é da gestora”.
Alexandra Reis só falou da disponibilidade de devolver a indemnização que fosse considerada ilegal em dezembro, quando a polémica indemnização se tornou pública, e que acabaria por levar à sua saída do Governo, mas também à demissão de Hugo Mendes e Pedro Nuno Santos.
Na passagem de Alexandra Reis para o Governo, Pedro Nuno garante que só soube, por Fernando Medina, no dia em que foi tornada pública a sua nomeação para a secretaria de Estado do Tesouro. “Soube no dia em que foi público, fiquei com pena pela NAV mas a achar que o ministro das finanças tinha ganho uma excelente secretária de Estado do tesouro”, declarou, na véspera se ser o próprio Fernando Medina a ser ouvido na comissão de inquérito, fechando as audições presenciais.
Auditoria ao fundos Airbus gera “inquietações”, mas com menos críticas a David Neeleman
Depois do ataque ao negócio feito pelo acionista privado com os fundos Airbus na comissão de economia na semana passada — onde defendeu que se calhar “fomos todos enganados”, Pedro Nuno Santos baixou o tom das críticas à recapitalização realizada por David Neeleman na TAP. Reconhecendo que o empresário tinha o direito à sua defesa, o ex-ministro assumiu que os resultados da auditoria que recebeu da TAP em 2022 — a qual apontava para um prejuízo de 440 milhões de euros resultante da troca de contratos com a Airbus para a compra de aviões — podem ser disputados.
Mas considerou também que essa auditoria tem sido desvalorizada e manifestou “alguma inquietação” face às duas explicações adiantadas na comissão de inquérito: o rappel comercial (desconto por compra em grande quantidade), por Sérgio Monteiro (secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações do Governo PSD/CDS), e o cash credit. Sobre o rappel comercial, “se essa é a explicação, o desconto comercial é da TAP e não do patrão ou acionista”. “Se é um credito, tem ‘v’ de volta”.
Lamentando que a auditoria não seja pública, porque estará em segredo de justiça após ter sido enviada por si e por Fernando Medina para o Ministério Público, o que permitiria até ao visado defender-se, Pedro Nuno Santos deixou a nota: “A única coisa que sei é que a informação é relevante e não pode ser ignorada. E se for verdade, no mínimo deve ser reposta alguma normalidade contratual entre a TAP e a Airbus”.
Ainda sobre a relação tensa final que culminou com a saída do empresário da TAP, o ex-ministro das Infraestruturas não assumiu a leitura de que David Neeleman estava deliberadamente a boicotar a ajuda pública da TAP. Simplesmente não concordava com os termos dessa ajuda (e com a exigência do Estado de ter mais poder para controlar o destino do dinheiro público que seria injetado na empresa). E reconhecendo que a defesa do empresário é legítima não enfia a carapuça que David Neeleman (em artigo de opinião publicado no Observador) coloca aos ministros socialistas de que foram informados dos fundos Airbus, mas não colocaram dúvidas. Até porque, diz Pedro Nuno, quando chegou ao cargo em 2019, esse era um assunto arrumado.
Estado teve de pagar 55 milhões por causa de acordo de 2017? Pagou porque Neeleman era o dono da TAP
O ex-ministro até percebe a insistência dos deputados sobre o que significa o quê nos 55 milhões de euros pagos a David Neeleman em 2020. Mas se reconhece que esse pagamento foi feito porque o acordo parassocial dava direitos ao empresário — direitos que seriam defendidos em litigância que podia custar muito mais ao Estado (pelo menos 227 milhões de euros de prestações acessórias), não alinha na leitura que esses direitos resultassem do acordo de recompra assinado pelos socialistas em 2017.
David Neeleman era o dono da empresa por causa da privatização anterior (feita por Passos Coelho). “E é perante este facto que o Governo vai fazer uma negociação muito difícil porque a empresa era de David Neeleman” que, assinala, não estava obrigado a fazer nada.
O ex-ministro recusa ainda a tese defendida por alguns comentadores em 2020 sobre os motivos da intervenção para o Estado recuperar o controlo da TAP. “Ou intervencionava a empresa ou ela fechava. A motivação não foi ideológica”. E recusou vestir a camisola do “ministro esquerdista que queria nacionalizar a empresa”. O privado é que não queria ou não podia meter dinheiro na TAP. Garantiu também que nunca teve o poder ao ponto de poder decidir nacionalizar a empresa. “O que estava em causa era a TAP existir ou não existir e não ser o facto de ser pública ou privada. Não era a bravata ideológica do esquerdista”.