A Apple renovou a linha de smartphones, fez a sua aposta mais arriscada até agora na área dos smartwatches, consideram os analistas, e mexeu ainda nos AirPods Pro. Tudo num único evento.
Enquanto os fãs da marca da maçã até demonstraram algum interesse na ideia da “dynamic island” do iPhone, a “ilha” (em estilo das notificações) que aparecerá nos modelos Pro em jeito de substituição do “notch” (área que ocupa, normalmente, a parte superior do ecrã onde fica a câmara frontal e outros componentes que não podem ficar escondidos), as mudanças vistas pelos analistas como “incrementais” na principal gama de produtos conferiu um tom morno ao lançamento. Há mesmo analistas a sentir algum “déjà-vu” nos lançamentos do iPhone, tendo também em conta os 15 anos de vida desta gama.
Logo após a apresentação começaram a suceder-se artigos na imprensa especializada sobre os primeiros contactos com os equipamentos e o que representam para a estratégia da empresa. Mas subsistem questões no rescaldo do evento “Far Out”, incluindo a eterna questão dos preços dos equipamentos.
O iPhone não fica mais caro nos EUA. Mas na Europa sim
Dado o atual contexto macroeconómico, marcado por uma subida de inflação que tem feitos várias tecnológicas anunciar subidas de preços de serviços e produtos – a Sony anunciou já uma subida de 50 euros no preço da PS5, por exemplo – os analistas antecipavam uma subida da faixa de preços do iPhone. Muitos esperavam um aumento dos valores nos modelos Pro, habitualmente os mais dispendiosos da gama. Dias antes do evento, Nevine Pollini, analista sénior de ações do Syz Bank, partilhava com o Observador que esperava que os preços dos novos iPhone fossem “entre 50 e 100 dólares mais altos do que os modelos iPhone 13.
A empresa de Tim Cook trocou as voltas aos analistas neste ponto, gerando até alguma surpresa por anunciar que vai manter nos Estados Unidos da América a mesma faixa de preços do anúncio do ano passado. O iPhone 14, o equipamento de entrada desta série, arranca nos EUA nos 799 dólares. E, conforme nota o Wall Street Journal, a Apple decidiu também manter alguns preços no mercado chinês, o que estará a gerar algum interesse entre os clientes do gigante asiático. Analisando as contas trimestrais mais recentes da Apple, é fácil perceber a razão para a manutenção de preços nestes dois países – são dois dos mercados que mais receitas geram à empresa. No trimestre terminado em junho, as Américas geraram 37,5 mil milhões de dólares em receitas, representando mais de 45% das receitas, enquanto a China gerou 14,6 mil milhões de dólares, quase 18% das vendas totais.
Thomas Husson, vice-presidente e analista principal da Forrester Research, comenta a estratégia da empresa: “ainda mais importante no contexto da subida da inflação, do dólar alto, das questões nas cadeias de fornecimento e nas tensões geopolíticas”, não podemos esquecer a forma “como a Apple domina melhor do que ninguém a arte e a ciência dos preços”. Na ótica deste analista, os novos telefones e um preçário “inteligente” de alguns modelos mais antigos em parceria com os parceiros retalhistas “deverão permitir à Apple manter a liderança no segmento premium”.
A questão que salta à vista na definição de preços é o facto de a Europa, a segunda maior fonte de receitas da tecnológica, receber subidas de preços nos equipamentos. Comparando com o anúncio do ano passado, alguns mercados europeus vão pagar mais pelos iPhone – tendo também em conta a escalada do dólar nomeadamente face à libra e ao euro. Com mercados relevantes na Europa, como o Reino Unido ou a Alemanha, os preços dos novos produtos vão subir em muitos destes países. No mercado britânico, um iPhone 13 era anunciado no ano passado com valores a partir de 779 libras (cerca de 899 euros). Este ano, um iPhone novo custará a partir de 849 libras, o que reflete uma subida de 70 libras (cerca de 81 euros) no modelo mais barato.
Na Alemanha, entre o preço de lançamento do iPhone 13 em 2021 e do 14 este ano vai uma diferença de 100 euros. No iPhone 14 Pro, a subida é ainda mais significativa: o modelo Pro do ano passado arrancava nos 1.149 euros, este ano sobe para os 1.299 euros, uma diferença de mais 150 euros.
Em Itália há uma subida de preços na ordem de 90 euros no modelo mais acessível da linha, que arranca nos 1.029 euros. Uma consulta à loja francesa da Apple permite encontrar um novo iPhone 14 a partir de 1.019 euros, quando o iPhone 13 era lançado em 2021 com um valor de 909 euros (uma variação de 110 euros). Aqui ao lado, em Espanha, o iPhone mais acessível arranca nos 1.009 euros. No lançamento do ano passado, no modelo equivalente, a faixa de preços começava nos 909 euros.
À semelhança destes mercados, também em Portugal deixa de ser possível comprar um dos novos equipamentos da Apple por menos de mil euros. O iPhone 14 arranca nos 1.039 euros, o que mostra uma subida de 110 euros em comparação ao iPhone 13 do ano passado. A diferença é ainda mais expressiva avançando para a gama Pro. Se no ano passado em Portugal um iPhone 13 Pro custava 1.179 euros, este ano o modelo equivalente arranca nos 1.349 euros – mais 170 euros.
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Nos modelos que se mantêm na linha, após a atualização da loja da Apple, ficam o iPhone 12, o iPhone SE e o iPhone 13. Olhando apenas para Portugal, há algumas mexidas no preço dos equipamentos mais antigos. O iPhone “regular” do ano passado, o iPhone 13, continua a custar 929 euros, o mesmo valor do lançamento. A opção mais barata é o iPhone 13 mini, que arranca nos 829 euros (o mesmo preço que tinha no lançamento). O iPhone 12, um modelo lançado em outubro de 2020, custa agora 829 euros, menos 100 do que quando foi lançado.
A descida de preços resultante do anúncio de novos smartphones de 2022 deixa o iPhone 12 na mesma faixa de preços que o equipamento mini tinha na altura do lançamento. Já o iPhone SE arranca agora nos 559 euros, quando na altura do anúncio, em março deste ano, começava nos 529 euros para uma versão com 64 GB.
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Algum “déjà-vu” e novidades que já não o são para outras marcas
“A apresentação e a nova gama de dispositivos topo de gama do iPhone 14 têm um pouco de déjà-vu e sim, ao fim de 15 anos de vida, o iPhone está a aproximar-se de se tornar um equipamento adulto e maduro, a beneficiar maioritariamente daquilo que é percecionado como uma inovação incremental”, diz Thomas Husson, da Forrester Research, nos comentários após o evento.
Na área da inovação, este analista refere-se ao anúncio de ferramentas mais ligadas à área da segurança e emergência. A tecnológica de Cupertino anunciou funcionalidades para detetar quando o utilizador tem um acidente de carro e pedir socorro caso o utilizador não responda no espaço de dez segundos ou ainda a possibilidade de estabelecer comunicação com satélites em caso de emergência. No entanto, esta última funcionalidade estará disponível apenas no mercado dos Estados Unidos e Canadá, a partir de novembro.
Também nessa funcionalidade, chamada Emergency SOS, está uma das dúvidas. A Apple anunciou que, nos mercados onde a funcionalidade vai estar disponível, o serviço será gratuito durante dois anos com a compra de um iPhone 14. Resta saber o que acontecerá depois desse período: irá esta ferramenta juntar-se ao leque de serviços da Apple?
Funcionalidades à parte, os anúncios da linha iPhone mostraram uma ideia de continuidade. Nos iPhone 14 e 14 Plus, por exemplo, o próprio design dos equipamentos continua a ser muito semelhante ao antecessor, com mudanças mais reservadas para um upgrade da câmara. Também saltou à vista a ausência de um novo processador nos equipamentos mais acessíveis. Pelas contas do The Verge, é a primeira vez desde 2008 que a Apple apresenta um equipamento que não tem o novo processador. Embora prometa melhorias no desempenho, os iPhone 14 surgem com o processador A15, apresentado no ano passado. O novo processador, o A16, está reservado aos modelos Pro, com a tecnológica a prometer que é 18% mais rápido do que o antecessor.
No entanto, a decisão de deixar os iPhone de entrada de gama com o processador A15 não é uma surpresa. Analistas como Ming-Chi Kuo, que é um dos que revela novidades da Apple, ou órgãos de comunicação como a Bloomberg já tinham avançado há alguns meses esta decisão, especialmente tendo em conta que os constrangimentos na área dos semicondutores ainda se fazem sentir.
As principais alterações, tanto de aspeto como de ferramentas, ficaram para os modelos Pro. Além de terem o novo processador, têm também um conjunto de câmaras mais avançado e um ecrã com tecnologia always-on. O que faz na prática esta funcionalidade? Quando está ativa, permite ao utilizador aceder a várias informações sem precisar de tocar no ecrã. Para não consumir tanta energia, o fundo é escurecido, ficando apenas com maior visibilidade o relógio ou a agenda. Estas áreas podem ser personalizadas pelo utilizador.
Mas, embora seja uma novidade para a Apple, o always-on já estava disponível noutras marcas, em modelos da Samsung, OnePlus e da Oppo. Equipamentos como o OnePlus 10T ou o Galaxy S22, por exemplo, já tinham esta tecnologia.
Nos modelos Pro, a Apple incluiu um sensor com 48 megapixeis, além de outras duas câmaras com 12 MP. No entanto, em opções de outras marcas da concorrência é possível encontrar câmaras principais que chegam até aos 108 megapixeis, como no caso do Galaxy S22 Ultra da Samsung.
Mais um ponto curioso é que, a apresentação deste ano marca a despedida da Apple de equipamentos com 4G. Ao retirar equipamentos mais antigos da linha iPhone, o alinhamento para este ano passa a ser composto apenas por telefones compatíveis com 5G.
A Apple também atualizou na apresentação deste ano os AirPods Pro, os auriculares sem fios da marca com cancelamento de ruído, que foram lançados em 2019. A grande promessa deste equipamento é o dobro do desempenho no cancelamento de ruído e, entre outras novidades, o touch control, que adiciona a possibilidade de controlar o volume diretamente nos auriculares. Esta ferramenta também já estava presente em propostas de outras empresas – na Samsung, os Galaxy Buds 2 Pro, por exemplo, revelados em agosto. Da Sony até à Bang & Olufsen também há propostas com esta ferramenta, que é possível encontrar em auriculares em gamas mais acessíveis de preços. Os auriculares vão custar em Portugal 299 euros.
“O diabo está nos detalhes”, nota Thomas Husson, para logo acrescentar que, apesar do tal déjà-vu, a “Apple é incrivelmente boa a fazer com que o total destes detalhes da experiência de utilizador gerem uma experiência diferenciada de marca.” A ideia do que é possível fazer com os equipamentos da Apple, especialmente enquanto ecossistema de produtos integrados, marca muito as apresentações da tecnológica – a desta quarta-feira não fugiu a essa narrativa, com exemplos sobre casos em que o Apple Watch terá ajudado a salvar vidas ou como a experiência do smartwatch pode ser complementada com o iPhone.
O relógio Ultra vai ser caro e deixa a Apple a piscar o olho a novos clientes
Foi o produto que mais saltou à vista na lista de novidades dos relógios inteligentes da Apple. O Apple Watch Ultra é uma proposta virada para atletas de desportos mais extremos.
Vai ser o maior relógio da linha – tem uma caixa de titânio de 49 milímetros, que poderá não ser a mais conveniente para todos os pulsos. A Apple explicou que quis desenvolver um produto com funcionalidades específicas para desportos extremos, apostando também num ecrã que permita melhor visibilidade no exterior e num GPS que permita uma localização mais precisa.
Mas esta não foi a única novidade, já que o relógio também vai poder ser usado na prática de mergulho. Através de uma aplicação no relógio, poderá inclusive ser usado como computador de mergulho.
Thomas Husson, da Forrester Reseach, contextualiza que o “Apple Watch Ultra quer dirigir-se a um segmento de fãs de desporto.” E, referindo o preço para o mercado norte-americano (799 dólares), Husson nota que “está cerca de 200 dólares abaixo do que antecipava”, o que “deixa a Apple numa melhor posição para competir diretamente com a Garmin”. Em Portugal, a faixa de preços é bastante diferente, já que o equipamento custará 1.009 euros.
A Garmin é a senhora a ultrapassar no mercado dos relógios com funcionalidades mais exigentes. Embora a Apple tenha um peso considerável nos smartwatches, a Garmin tem uma fatia do mercado numa faixa de preços mais elevada e junto de atletas mais exigentes. O Apple Watch tem, na origem, uma forte atenção à prática desportiva, mas tinha para esta franja de atletas lacunas. Com o Ultra, a questão poderá ser diferente. Foi essa, aliás, a mensagem que a própria Apple quis transmitir na apresentação, salientando que o relógio usado no dia-a-dia também pode ser utilizado nos treinos mais intensos.
“Apesar da dependência do iPhone, não nos podemos esquecer que a Apple conseguiu entrar em novos negócios com os seus Apple Watch e crescer a linha de serviços de uma forma incrivelmente rápida graças à combinação da marca icónica, lealdade ao ecossistema e uma abordagem inovadora às subscrições”, lembra Thomas Husson, da Forrester Research.
Os equipamentos que foram descontinuados após o evento
Como acontece sempre que há uma apresentação de produtos, há alguns equipamentos que ficam pelo caminho. A loja da Apple em Portugal e noutros mercados já foi atualizada para refletir isso.
A ideia de um equipamento descontinuado não quer dizer que ele deixe de poder ser comprado, já que continuará disponível noutros retalhistas ou em algumas operadoras. Significa mais que a Apple vai deixar de contar com determinados dispositivos na gama de produtos para 2022, focando-se apenas nos mais recentes.
Na área de smartphones, ficam pelo caminho alguns modelos mais antigos – mas outros nem tanto. Foram descontinuados o iPhone 11, o iPhone 12 mini e os modelos 13 Pro e Pro Max, que foram lançados há um ano. O iPhone 11 era o equipamento mais antigo nesta série, lançado em setembro de 2019.
Assim, a linha iPhone para 2022 passa a ser composta por nove modelos: iPhone 12, o SE de segunda geração, dois modelos iPhone 13 (13 e 13 mini) e os novos iPhone 14 (14 e Plus) e 14 Pro (Pro e Pro Max).
Também há substituições no plantel dos smartwatches: a linha passa a ser composta pelo Apple Watch SE, que será o mais acessível da linha, pela Série 8 e pelo Apple Watch Ultra. O anúncio feito esta quarta-feira marcou o ponto final da extensa duração do Watch Series 3, apresentado em 2017. A Apple já tinha anunciado na conferência para programadores, em junho, que este modelo não seria compatível com o novo sistema operativo dos relógios, o watchOS 9.
Na linha AirPods, os novos modelos vão substituir os AirPods Pro de primeira geração.
Nota: artigo corrigido às 12h22 de 12 de setembro com indicação do preço do iPhone 13 mini.