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Operação cirúrgica no Bloco Operatório Central do Hospital de São João, no Porto, 06 de maio de 2020. A retoma da atividade regular no hospital do Porto, onde a 02 de março foi detetado o primeiro caso da covid-19 em Portugal, introduziu rotinas novas como a medição de temperatura e circuitos de triagem que, desejam os responsáveis, perdurarão no pós-pandemia. (ACOMPANHA TEXTO DO DIA 08 DE MAIO DE 2020). ESTELA SILVA/LUSA
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Especialistas apontam a falta de recursos humanos como o maior problema para as longas listas de espera

ESTELA SILVA/LUSA

Especialistas apontam a falta de recursos humanos como o maior problema para as longas listas de espera

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"É desumano." Cirurgias de Obesidade, Otorrino e Ortopedia não cumprem tempos de espera (que atingem os dois anos)

Um terço das especialidades cirúrgicas não cumpre os tempos de espera. Especialistas apontam a escassez de recursos humanos como uma das explicações. Senologia no Barreiro é exemplo pela positiva.

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Em alguns hospitais do SNS, há utentes que são obrigados a esperar quase dois anos por uma cirurgia. Em Santarém, uma operação de Ortopedia não urgente demora, em média, 663 dias; em Portalegre, uma cirurgia de Otorrinolaringologia, também com prioridade normal, só se realiza 730 dias depois do pedido; e em Vila Franca de Xira, uma cirurgia de Obesidade demora 903 dias, isto é, praticamente dois anos.

Tal como tinha feito com as consultas, o Observador analisa agora os dados dos tempos de espera para cirurgias no SNS. E, se é verdade que a maioria das especialidades cirúrgicas cumpre os tempos máximos de resposta para cirurgias de prioridade normal, cerca de um terço ultrapassa esses limites.

Os dados atualmente disponíveis no Portal dos Tempos de Espera do SNS (e que são atualizados mensalmente, com referência aos três meses anteriores à análise) dizem respeito ao período entre agosto e outubro de 2023, pelo que não refletem totalmente o caos gerado pela entrega de milhares de minutas de escusa a horas extra (nomeadamente na região de Lisboa, cujas escusas só começaram a produzir efeitos em novembro). A recusa dos médicos em realizar mais do que as 150 horas extra anuais previstas na lei levou a que muitos hospitais adiassem cirurgias programadas, de forma a alocar os médicos à resposta aos doentes urgentes.

Um terço das especialidades cirúrgicas não cumpre tempos de espera

Atualmente, uma cirurgia (com prioridade normal) deve ser realizada até 180 dias, ou seja, até seis meses depois do registo do pedido. No entanto, seis das 19 especialidades cirúrgicas analisadas pelo Observador (todas as que existem em cinco ou mais hospitais), não cumprem os Tempos de Máximos de Resposta Garantidos definidos pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) neste indicador.

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A maioria das especialidades não cumpre tempo máximo de espera para consultas. Oftalmologia, Reumatologia e Alergologia são as piores

O caso mais grave é o da Cirurgia de Obesidade. Em média, um doente que tem de esperar 230 dias para se submeter a um procedimento cirúrgico nesta área, no SNS, em prioridade normal. Mas, como sempre acontece, esta média esconde grandes diferenças entre as unidades de saúde. No Hospital de São Teotónio, em Viseu, o tempo de resposta é de apenas 15 dias, enquanto em Vila Franca de Xira a espera é de 903 dias. Também no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, a espera é longa e muito superior à definida pela ERS: 435 dias.

"Os hospitais manuseiam as listas. Há hospitais com tempos de espera medonhos, de três a quatro anos"
Médico

Contactado pelo Observador, o Hospital de Vila Franca de Xira, que regista o tempo de espera mais elevado a nível nacional, sublinha que “os Tempos Médios de Resposta (TMR) para o Tratamento Cirúrgico de Obesidade refletem a complexidade da patologia, à qual acresce, em muitos casos, situações de comorbilidade dos doentes”, que, continua a unidade hospitalar, “padecem de outras patologias que acrescentam dificuldade de estabilização clínica e que impedem a intervenção cirúrgica”. O Hospital de Vila Franca de Xira adianta que tem, à data, cinco doentes à espera de cirurgia nesta área “cujo perfil clínico é muito complexo”.

Na Cirurgia da Obesidade, faltam recursos humanos e condições físicas

Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia de Obesidade, os números são preocupantes e explicam-se por um conjunto de fatores, que vão desde a falta de recursos humanos e materiais até à falta de prioridade dada a este tipo de cirurgias em relação a outras. “A cirurgia de obesidade é uma cirurgia complexa, de risco. Os hospitais têm de ter mesas cirúrgicas adequadas, ventiladores, cuidados intensivos, tem de estar reunido um conjunto de recursos humanos, o que muitas vezes não acontece“, diz Mário Nora ao Observador. Para além disso, realça o médico cirurgião, “a cirurgia de obesidade tem outro problema, é considerada uma cirurgia não prioritária”. “Quando há algum problema (uma greve, por exemplo), esta é uma das cirurgias que mais facilmente são adiadas”, lamenta o especialista.

Outro médico que trabalha nesta área, e que pediu para não ser identificado, garante que os tempos de espera são até muito superiores aos divulgados, uma vez que “hospitais manuseiam as listas”. “Alguns hospitais só colocam os doentes em lista de espera quando estão totalmente preparados, depois de terem feito uma série de exames, por exemplo. Só depois de tudo isso é que são inscritos. Isso é contra a lei”, afirma ao Observador. “Há hospitais com tempos de espera medonhos, de três a quatro anos, e que depois aparecem com 200 dias”, garante o médico.

A juntar à falta de capacidade do SNS soma-se a procura crescente nesta área, com cada vez mais doentes a receberem indicação cirúrgica, sublinha o cirurgião Mário Nora, que trabalha no Hospital de Santa Maria da Feira. Em Portugal, a cirurgia mais comum é a gastrectomia vertical calibrada (ou sleeve, na expressão inglesa), seguida pelo bypass gástrico e pelo minibypass gástrico, acrescenta.

SNS quer recuperar atraso de Portugal na robotização cirúrgica

A segunda área cirúrgica com maior tempo médio de espera em prioridade normal é a Otorrinolaringologia: 208 dias de espera. Se há hospitais que dão resposta em menos de 100 dias (como o Hospital de São João, o Hospital de Chaves ou o Hospital das Caldas da Rainha), a maior parte ultrapassa os seis meses definidos pela ERS. O Hospital de São Bernardo (em Setúbal) demora 528 dias a submeter um doente não urgente a cirurgia, quase o mesmo que o Hospital Garcia de Orta (539 dias). O pior registo é o do Hospital de Portalegre, que, em média, só realiza cirurgias nesta área 730 dias, ou dois anos, após o pedido.

O Observador questionou o Hospital José Maria Grande, em Portalegre, sobre as razões para tão elevado tempo de espera e sobre que medidas/ações já foram ou irão ser tomadas para mitigar a situação, mas, até ao momento, não obteve resposta.

“Tem havido uma hemorragia dos clínicos de Otorrino”, diz presidente da Sociedade

O Presidente da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço aponta a “hemorrogia” de especialistas do SNS e as falhas na gestão correta dos tempos cirúrgicos como as principais causas para os elevados tempos de espera. “Tem havido uma hemorragia dos clínicos de Otorrino. Não só dos mais jovens, mas também dos mais experientes, que não encontram no SNS as condições que lhes assegurem uma carreira”, diz José Marques dos Santos, que, ao fim de 38 anos a exercer no SNS (muitos como diretor do serviço do Hospital de Viseu), decidiu rumar ao privado, para coordenar a Unidade de Otorrinolaringologia do Hospital CUF da mesma cidade. “Não é uma questão de dinheiro, mas de carreira, de condições de trabalho e de segurança dos atos médico-cirúrgicos”, sublinha o médico.

Ano e meia de espera? "É inaceitável. Não pode acontecer. Imagino o drama das pessoas"
José Marques dos Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia

Há, em várias unidades hospitalares, garante, “carência de especialistas”. “É impossível, com um quadro reduzido, assegurar consultas e cirurgias”, diz José Marques dos Santos. Ainda no campo dos recursos humanos, outra questão a contribuir para as dificuldades de resposta é a falta de anestesistas , uma vez que, atualmente, “grande parte das cirurgias faz-se sob anestesia geral”, realça o médico.

Um terceiro fator são as falhas na gestão dos tempos cirúrgicos. “Sabemos que um tempo operatório é bem aproveitado quando se consegue ocupar 80% desse tempo. Tem de haver uma gestão correta, para que não haja falhas”, defende o otorrinolaringologista. Em causa, explica, está a falta de preparação para determinadas cirurgias, que depois resulta em cancelamentos não previstos. “Para uma cirurgia, o doente tem de ser estudado previamente. Não podemos descobrir dois ou três dias antes que as análises não estão bem”, realça o especialista.

Entrada do edifício principal do Hospital Dr. José Maria Grande, Portalegre, 10 de janeiro de 2023. NUNO VEIGA/LUSA

O Hospital de Portalegre demora mais de 700 dias a realizar uma cirurgia não urgente de Otorrinolaringologia

NUNO VEIGA/LUSA

Todos estes fatores confluem para um resultado: elevados tempos de espera, que ultrapassam o ano e meio em vários hospitais. Uma situação que o médico considera “desumana”. “É inaceitável. Não pode acontecer. Imagino o drama das pessoas. Alguém que espera um ano e meio ou dois anos por uma cirurgia, ao fim desse tempo pode já nem ter a mesma indicação cirúrgica“, sublinha. Em relação às cirurgias na área da Otorrinolaringologia, as mais comuns são as operações às amígdalas e adenóides, nas crianças, e aos septos nasais e aos ouvidos, nos adultos.

Na Ortopedia, a situação só não é pior porque muitos traumatismos são vistos no privado

A terceira especialidade com maior tempo de espera é a Ortopedia, afetada há anos pela falta de recursos humanos. Em média, os hospitais do SNS dão resposta num prazo de 193 dias, acima do imposto pela ERS. Tal como acontece com várias especialidades, há muitos hospitais com tempos de espera inferiores ao limite (de 180 dias) mas, regra geral, são hospitais periféricos que recebem muito menos pedidos de cirurgia — os casos de Lamego (39 dias), Anadia (62 dias) ou Tomar (75 dias).

No outro extremo, estão hospitais de maior dimensão: no Hospital D. Estefânia, a espera média é de 451 dias, no Garcia de Orta, em Almada, de 648 dias (um ano e nove meses) e em Santarém de 663 dias. Ao Observador, esta última unidade hospitalar refuta os dados apresentados no portal e garante que o tempo de espera para cirurgia com prioridade normal é de “286 dias”. Ainda assim, muito acima do limite estipulado pela Entidade Reguladora. Esta unidade hospitalar acrescenta que, “para colaborar na recuperação da lista de espera, o HDS [Hospital Distrital de Santarém] recorre desde abril de 2023 ao setor privado e social”.

"A desproporção entre as necessidades da população de cuidados ortotraumatológicos e os recursos disponíveis sente-se mais no Sul do que no Norte do país"
João Gamelas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Confrontado com os tempos de espera, o presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia não se mostra surpreendido. “Fico, antes, triste”, admite João Gamelas. Para o especialista, a falta de tempo para tratar as patologias não traumáticas e a carência de recursos humanos explicam os números. “É preciso alocar os recursos necessários: mais tempos operatórios e mais pessoas nos serviços — os recursos encolheram, há menos especialistas nos hospitais”, sublinha.

O também diretor do Serviço de Ortopedia do Hospital São Francisco Xavier explica que, dentro da especialidade, existem duas grandes áreas: a Traumatologia (que trata acidentes, fraturas ou entorses graves) e a Ortopedia, que trata as situações consideradas não emergentes (como a patologia degenerativa, as artroses, as deformações da coluna), e que é a responsável pelas longos tempos de espera atuais. “Esta última é aquela que faz crescer as listas de espera porque a Traumatologia tem sempre prioridade; quanto a tudo o resto, vamos fazendo nos tempos [operatórios] que vão sobrando, e que são cada vez menos”, realça João Gamelas.

SNS: atingido recorde de cirurgias em 2022, apesar de aumento do tempo de espera

A escassez de tempos operatórios explica-se de duas formas, diz o ortopedista: “Por um lado, com as novas técnicas e materiais que vão surgindo, a patologia traumática vai tendo cada vez mais indicação cirúrgica (o que também acrescenta qualidade de vida aos doentes)”, deixando menos espaço para tratar as patologias não traumáticas; “por outro lado, os recursos alocados à Ortopedia são menos do que aqueles que eram alocados há 40 anos”, sublinha o especialista.

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O tempo de espera para uma cirurgia de Ortopedia não urgente atinge quase os dois anos no Garcia de Orta e no Hospital de Santarém

NurPhoto via Getty Images

Apesar da carência geral, as maiores dificuldades encontram-se nas regiões do sul. “A desproporção entre as necessidades da população de cuidados ortotraumatológicos e os recursos disponíveis sente-se mais no sul do que no norte do país. Na região de Lisboa, é muito visível”, salienta. E, na Ortopedia, o cenário poderia ser ainda mais negro, se grande parte da patologia traumática não fosse tratada no setor privado, avisa. “Felizmente, para o SNS, grande parte dos traumatismos são vistos em unidades privadas, na sequência de acidentes de trabalho ou viação”, diz João Gamelas, acrescentando que, no caso das situações não emergentes, “as pessoas não deveriam estar em casa, em sofrimento, durante tanto tempo”.

Para além das três especialidades cirúrgicas com tempos de espera mais prolongados (Cirurgia da Obesidade, Otorrinolaringologia e Ortopedia), outras três especialidades não cumprem o tempo de espera máximo em prioridade normal: Cirurgia Plástica (média nacional de 192 dias de espera), Urologia (191) e Cirurgia Maxilo-Facial (também 191). No entanto, apesar de haver especialidades que cumprem o limite médio de 180 dias, há vários casos de hospitais em que essas mesmas áreas cirúrgicas ultrapassam — e em muito — um ano de espera. Apenas alguns exemplos: Cirurgia Geral no Hospital de Santarém (478 dias); Estomatologia no Hospital D. Estefânia (473 dias); Ginecologia no Hospital Garcia de Orta (404 dias); Neurocirurgia no Hospital D. Estefânia (442 dias); Urologia no Garcia de Orta (729 dias) e no Hospital de Setúbal (464 dias).

Na Senologia, Hospital do Barreiro dá resposta em mês e meio (um terço do tempo médio)

Apesar de, regra geral, os maiores hospitais do país enfrentarem maiores dificuldade em dar resposta, também existem bons exemplos. Um deles é o da especialidade de Senologia no Hospital do Barreiro. Em média, uma cirurgia desta especialidade (que trata cirurgicamente quistos ou tumores da mama) demora 138 dias em Portugal. Noutro registo de instituições que registam tempos de espera inferiores ao limite máximo em Senologia, o Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro (que pertence à Unidade Local de Saúde do Arco Ribeirinho), demora um terço disso: apenas 47 dias, o mais baixo registo a nível nacional.

“Tem a ver com a organização. Quando as consultas [que antecedem as cirurgias] são marcadas para muito tempo depois — seis meses depois, por exemplo — a percentagem de doentes que se esquece é muito elevada. Temos a prática de começar a fazer contactos com os doentes uma semana antes, por mensagem”, diz ao Observador o diretor do Departamento de Cirurgia da ULS do Arco Ribeirinho, Rogério Barroso.

No Barreiro, a organização e uma equipa multidisciplinar são "os segredos" para a rápida resposta na área da mama

Centro Hospitalar Barreiro Montijo

Outro fator importante é a aglomeração dos doentes num único serviço, multidisciplinar. A unidade de Senologia foi criada em 2015, aglomerando, num mesmo espaço e sob uma equipa de profissionais de várias especialidades, doentes que eram seguidos nos serviços de Ginecologia e Cirurgia Geral. “Foi um salto em frente”, diz a médica ginecologista Lurdes Ramalho, coordenadora da unidade. “Portugal tem 7.400 novos casos/ano de cancro de mama, é uma patologia com um peso enorme na sociedade, afeta cada vez mulheres mais jovens”, lembra a especialista, reforçando que “o tratamento oncológico da mama tem de ser feito em unidades dedicadas a esta patologia, uma vez que isso faz a diferença, sobretudo em termos de sobrevivência”.

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