O antigo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e hoje deputado socialista, António Mendonça Mendes, recusa que o PS tenha sofrido uma derrota política ao ter acabado por se ver confrontado com a necessidade de viabilizar a descida do IRC na especialidade. Para o socialista, aliás, “não vale a pena introduzir dramas adicionais” e focar o país político e mediático nas falhas do Governo de Luís Montenegro.
Em entrevista ao Observador, no programa “Sofá do Parlamento”, António Mendonça Mendes, que foi também secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no governo de António Costa, defende o aumento extraordinário das pensões proposto pelos socialistas e garante que a proposta do PS — de aumentar 1,25 pontos percentuais –, está dentro da margem financeira de segurança, criticando o Governo por estar disponível para ir mais longe no IRC, mas não nas pensões.
Mendonça Mendes aponta ainda o dedo à ministra da Saúde e sugere que Ana Paula Martins está de saída do Governo. “O que se percebe das declarações mais recentes da ministra da Saúde é que se percebe que já tem a consciência que está a prazo. É apenas uma questão de tempo. Acho que todos já percebemos. Não tenho a certeza se o primeiro-ministro, nesta fase, não está a segurar a ministra para ter um escudo relativamente a outras peças do Governo”, diz.
Depois de Ricardo Leão o ter recusado como candidato à Câmara Municipal de Lisboa — desafio que não enjeitava de todo –, e depois da demissão surpreendente do agora ex-líder da FAUL, Mendonça Mendes, mesmo assim, não se compromete com qualquer desafio autárquico — é apontado com insistência como candidato a Sintra. E também prefere não entrar na polémica “Leão vs. Costa vs. Pedro Nuno”, ainda que assuma que o partido vive um novo ciclo. “É normal existir uma diferença de opinião maior quando os partidos estão na oposição.”
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento]
Mendonça Mendes: “Ministra da Saúde já percebeu que está a prazo”
“IRC? Não vale a pena introduzirmos drama adicional na política”
O PS ficou encurralado pela estratégia do PSD quanto à descida do IRC?
Não vale a pena falar muito sobre esse tema. não interessa. O que interessa verdadeiramente aos portugueses é que a sua vida tenha previsibilidade. A opção do PS foi uma opção muito clara desde o início relativamente a este Orçamento do Estado: um compromisso com o país, de podermos assegurar as condições de governabilidade. Agora o Governo deve procurar executar o seu programa, não tendo desculpas relativamente aos resultados que prometeu alcançar. E deve concentrar-se também na gestão dos problemas do dia a dia.
Mas não é estranho ver o PS, em poucas horas, dizer que viabiliza a descida do IRC, quando durante o processo negocial esse foi um dos assuntos mais divisivos?
Não há nenhuma diferença relativamente ao PS. Este Orçamento do Estado não é o que o PS apresentaria e não nos vincula ao programa do Governo, com o qual não concordamos. Mas o interesse do país é ter, neste momento, estabilidade e não estarmos a pensar a toda hora em eleições. Aliás, um dos problemas da atual governação é que está todos os dias a pensar no que é que pode acontecer no dia a seguir e não a pensar no futuro, no nosso Estado Social, nas nossas contas públicas. Não vale a pena introduzirmos qualquer drama adicional na vida política porque o PS para isso não irá contribuir.
Não foi uma derrota política para o PS? Viabiliza uma estratégia de que discorda.
Não. A vida política é feita de compromissos e é feita dos contextos próprios em que as decisões têm que ser tomadas. Continuamos a achar que a descida do IRC é uma medida errada. O que me surpreende, e que acho que é algo contraditório na argumentação, é que, por um lado, o Governo está contra o aumento extraordinário das pensões que o PS propõe e que custa 265 milhões de euros; mas, no mesmo dia, propõe uma descida adicional de IRC para as empresas no valor de 300 milhões de euros. Para umas coisas dizem que não há dinheiro, que o Orçamento fica desequilibrado; mas depois para retirar receita da mesma dimensão já não têm essa preocupação. A contradição não é do PS e o que mais interessa é o resultado final: os portugueses querem que não haja eleições neste momento; querem que o Governo resolva os seus problemas. É nisso que devemos estar concentrados.
Para o PS é importante ver ultrapassado este processo orçamental para que se possa libertar também da imagem de que apoiou o Governo?
Não podemos estar ao mesmo tempo a exigir responsabilidade ao PS e tentar colocar o PS na posição em que não está. O PS não abdica das convicções e de defender os interesses dos portugueses. Isso é muito visível na nossa atuação. O que se faz com o Orçamento é apenas garantir que o Governo tenha um instrumento financeiro para continuar a governar. Tudo o resto é parte da trica política que, sinceramente, não é relevante.
“Aumento das pensões está dentro da margem orçamental de segurança”
O PS defende o aumento permanente das pensões. Tendo em conta o momento internacional que se vive, não é pouco prudente avançar com um aumento extraordinário de forma permanente?
Neste momento, Comissão Europeia e o Conselho de Finanças Públicas preveem que, com todos os compromissos já assumidos, com todos os pressupostos de crescimento da economia e tendo em conta as variáveis de incerteza internacional, o excedente será de 0,4%. Ou seja, mais uma décima do que o Governo tinha previsto. Essa décima são cerca de 314 milhões de euros. O aumento extraordinário das pensões custa 275 milhões de euros. Portanto, estamos dentro de uma margem de segurança. Esta proposta é responsável, não desequilibra as contas públicas e é possível porque a nossa economia este ano está a crescer mais do que o que estava previsto.
Há um compromisso do Governo, caso exista margem financeira a meio do próximo ano, de atribuir um novo bónus aos pensionistas. O PS também chegou a fazer o mesmo. Porque é que agora é uma má medida?
São contextos diferentes. O PS adotou essa medida não apenas para os pensionistas, mas para o conjunto da sociedade, para todos os trabalhadores com rendimento até 2.700 euros, numa altura em que houve um pico de inflação. E o que é que tinha acontecido? Os aumentos salariais e de pensões não tinham acompanhado o ritmo de crescimento da inflação e isso manifestou-se na carestia de vida. Esse aumento de custo de vida não teve uma equivalência no aumento dos rendimentos e, por isso, foi preciso tomar uma medida excecional que passou por um suplemento. Esse foi um contexto muito especifico.
Os aumentos extraordinários permanentes fazem mais sentido?
Essa fórmula faz todo o sentido e é a que mais garante previsibilidade e sustentabilidade do sistema. Sabemos que Portugal teve e continua a ter, embora de forma mais mitigada, salários muito baixos. Portanto, as pensões em pagamento têm por base valores de salários que eram muito baixos. Ao longo dos últimos oito anos, o PS aprovou seis aumentos extraordinários e que foram sempre decididos de forma contida, naturalmente, para preservar a sustentabilidade das pensões em pagamento e a das pensões em formação. O PS, com esta medida, não está a fazer algo de novo relativamente ao que tem feito nos últimos anos. Pelo contrário, está a continuar a valorizar as pensões até 1.500 euros.
“A ministra da Saúde já percebeu que está a prazo. É uma questão de tempo”
O PS diz que não pede a cabeça de ministros, mas já sugeriu que Ana Paula Martins não devia continuar a desempenhar o cargo. Tendo já estado no Governo, compreende a posição de Luís Montenegro de segurar, para já, a Ministra da Saúde?
Numa análise puramente política, o que se percebe das declarações mais recentes da ministra da Saúde, é que se percebe que já tem a consciência que está a prazo. É apenas uma questão de tempo. Acho que todos já percebemos. Não tenho a certeza se o primeiro-ministro, nesta fase, não está a segurar a ministra para ter um escudo relativamente a outras peças do Governo, que também são relativamente frágeis, e que têm evidenciado alguma incapacidade.
Está a falar da Ministra da Administração Interna?
Tenho pessoalmente uma grande consideração por todo o seu percurso. Mas acho que é mais ou menos evidente a inaptidão para o exercício das funções de ministra. Ou seja, o facto de uma pessoa poder desempenhar determinada função bem, não quer dizer que possa desempenhar outra bem. Parece-me mais ou menos evidente que há uma grande incapacidade de comunicação e acho que isso é um requisito também para um membro do Governo: saber comunicar e explicar. Um ministro tem que explicar aos cidadãos determinadas medidas, tem que contextualizar, que ser um fator de confiança. [Margarida Blasco,] claramente, que não tem essas características.
“O PS deve estar bastante empenhado nas autárquicas”
Disse aqui no Observador, na Vichyssoise, que não virava a cara a um desafio autárquico na Área Metropolitana de Lisboa. Na altura, o presidente da distrital, Ricardo Leão, fechou-lhe a porta mas agora já não há Ricardo Leão na distrital. Volta a estar mais perto de ser candidato pelo PS nas autárquicas?
Vamos ter, nas próximas semanas, decisões em matéria autárquica e não queria avançar mais. O que acho que é importante é que o PS tenha um conjunto de propostas, de equipas para as várias autarquias que possibilitem continuar a ser o maior partido autárquico. O PS deve estar bastante empenhado nesse desafio e dentro desse desafio acho que é muito importante manter a maioria que o PS hoje tem, quer na área metropolitana de Lisboa quer na área metropolitana do Porto.
É tido como o nome mais bem colocado para Sintra. É um concelho ao qual se via dedicar os próximos anos da sua vida?
Não gostava de comentar nesta fase o processo de escolha que o PS tem relativamente às autárquicas. O que tenho a certeza é que o PS vai conseguir escolher os protagonistas que estão em melhores condições, continuar a garantir uma resposta local, que consiga assegurar às pessoas a qualidade de vida dos espaços onde vivem, a possibilidade de terem serviços públicos que lhes resolvam problemas tão simples como a recolha do lixo, o cuidado do espaço público, dos jardins, dos passeios, o estacionamento e, portanto, acho que há muitos desafios pela frente e que o PS tem muitas pessoas em condições de oferecer garantias de capacidade e de competência para assegurar no território uma boa política.
“Críticas de Costa? Não quero dramatizar situações que já estão fechadas”
Foi secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. António Costa exagerou ao escrever o artigo de opinião, em defesa da honra do PS? Era um conjunto de recados mais para Pedro Nuno Santos?
O PS tem e teve sempre uma grande tradição de liberdade de opinião e de expressão de todos os militantes e convivemos muito bem com isso. Não quero comentar em particular essa questão. Sou membro do Secretariado Nacional atual, fui secretário de Estado Adjunto do António Costa e não quero fazer esse comentário nem acrescentar nada a um assunto que neste momento já está fechado.
Mas não partilha o desconforto sentido por alguns camaradas de partidos?
É importante que a vida interna do PS seja sempre com vivacidade, debate, respeito pelas diferenças de opiniões e agora é importante que o PS esteja mobilizado, como disse há pouco, no próximo combate, que é um combate autárquico exigente, mas que é um combate muito importante para continuar a assegurar às pessoas a qualidade de vida nas suas terras e melhorar essa mesma qualidade de vida.
Faz sentido que essa vida interna seja também alimentada pelo futuro presidente do Conselho Europeu? É normal que António Costa se pronuncie assim sobre a vida interna do PS?
Temos muitos militantes do PS e é normal que todos possam querer dar a sua opinião. Não quero ajudar a dramatizar situações que já estão fechadas. Um partido quando está na oposição tem mais propensão para ter situações em que é mais evidente a diferença de opinião, mas acho que os portugueses conhecem bem o PS e sabem que essa vivacidade e troca de opiniões sempre permitiu muito respeito entre todos nós. Muitas vezes dou este exemplo: ao contrário do PSD, que sempre que muda um líder muda o grupo parlamentar todo, o PS não. O PS tem bastante estabilidade, convive muito bem com a diversidade interna e é isso que também vai resultar dos estados gerais, que permitirão ao partido atualizar a sua linha programática em função dos desafios que temos para o futuro.