Nove de março de 2025 pode bem ser o dia mais importante para a nova (velha) vida de Miguel Albuquerque na liderança do PSD Madeira e, quiçá, à frente do Governo Regional da Madeira. Depois de o Representante da República na Madeira, Ireneu Barreto, ter apontado essa data como a “mais provável” para as novas eleições regionais, dentro do PSD-Madeira assume-se que seria praticamente impossível haver internas até lá. Manuel António Correia, líder da oposição interna, pediu a Marcelo Rebelo de Sousa que estique a data mais um mês e meio, enquanto Miguel Albuquerque considera a data “boa” e diz que é “utópico” haver eleições internas por causa dos timings.
As assinaturas para a realização de um congresso extraordinário, necessário para novas eleições internas em menos de um ano, estão entregues e fica tudo nas mãos dos órgãos internos do PSD-Madeira. Ainda assim, todo o trabalho da oposição pode mesmo ser em vão por não haver tempo para uma disputa eleitoral interna se a “data provável” se tornar definitiva. O Presidente da República reuniu-se esta segunda-feira com o Representante da República, mas ainda vai convocar todos os partidos e ouvir o Conselho de Estado antes de tomar a decisão de dissolver a Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Data está “nas mãos de Marcelo”, que pode salvar Albuquerque
Entregues as assinaturas, não há certezas nem de um lado nem de outro e considera-se que nada garante que haja Congresso Regional extraordinário e eletivo ou que haja tempo para eleições internas. O facto de terem sido entregues mais de 500 assinaturas — e não as 300 necessárias — pode facilitar a parte da reunião, já que é preciso certificá-las e garantir que todas as quotas estão pagas para que seja aprovado o requerimento (mesmo que algumas estejam erradas há um número superior ao necessário). E sobre este tema em particular, na oposição a Albuquerque, foram-se multiplicando críticas ao facto de o partido tardar em enviar as referências multibanco para que os montantes sejam regularizados.
Como o Observador escrevia aqui, uma das críticas era também o facto de a sede do PSD Madeira se encontrar fechada e, diziam os queixosos, só abrir em janeiro — dificultando esse pagamento. O responsável social-democrata assegurava que era um “procedimento normal, assumido todos os anos na segunda quinzena de dezembro e logo depois do jantar de Natal do partido” para as férias dos funcionários. No final, o problema ficou parcialmente sanado já que, pode não ter ajudado no pagamento de quotas, mas à hora de entrega de assinaturas, a porta estava aberta.
Uma coisa é certa: depois de avaliado pelo Conselho Regional, o congresso extraordinário até pode ser em vão, no caso de ser decidido que pode existir uma reunião magna, mas que a mesma não é eletiva. Mas a oposição insiste que só faz sentido se houver eleições. “Dê-se a voz aos militantes”, defende um militante próximo de Manuel António Correia em declarações ao Observador, sublinhando que apenas se está a pedir que se “ouça a voz do PSD” antes de se ir a votos a nível regional. “Se Miguel Albuquerque não tem medo de perder por que razão não quer ir a votos?”, questiona a mesma fonte.
Se a existência ou não de Congresso Regional extraordinário eletivo ainda é uma incógnita, há outro tema que inquieta os mais próximos do adversário interno de Albuquerque: a data escolhida por Marcelo Rebelo de Sousa para as eleições regionais. Manuel António Correia já tinha recordado o exemplo da demissão de António Costa ao Observador — que aconteceu no dia 7 de novembro, mas a decisão de dissolver a Assembleia da República foi adiada por Marcelo Rebelo de Sousa, precisamente para dar tempo aos partidos para se organizarem internamente, além de deixar o Orçamento do Estado aprovado — para defender que é possível permitir que os partidos vão a votos e que arrumem a casa primeiro.
E dentro da oposição a Albuquerque essa preocupação continua a existir. “Temos expectativas de que Marcelo Rebelo de Sousa faça o mesmo que fez no continente”, insiste uma fonte próxima de Manuel António Correia, consciente de que a data apontada pelo Representante da República na Madeira como a “mais provável” (9 de março) — e que Miguel Albuquerque considera “uma boa data” — deitaria por terra todo o trabalho feito até aqui e a esperança de eleições internas. “Está nas mãos do Presidente da República”, reconhece.
O próprio Manuel António Correia, no momento de entrega das assinaturas, disse que “o Presidente da República deve acrescentar um mês e meio ao período normal para estas situações” por considerar que, só assim, a Madeira conseguirá “estabilidade” para os próximos anos. É esse o argumento mais ouvido entre os adversários de Albuquerque e o protagonista dessa oposição resumiu: “Se não for feita esta transformação, a Madeira vai viver estagnada durante os próximos anos.”
Do outro lado, este é obviamente um motivo de festejo e resume-se facilmente: “Se as eleições forem a 9 de março, as listas têm de ser entregues 41 dias antes, nos últimos dias de janeiro, e não se consegue fazer eleições internas”, explica um social-democrata próximo de Albuquerque ao Observador, frisando que toda a gente quer “eleições o mais rápido possível” e que nem os próprios militantes do PSD-Madeira ambicionam uma data tardia que coloque em causa a região.
Confrontado com a argumentação de que após a queda do governo de António Costa os critérios foram outros, a mesma fonte argumenta que “o Presidente da República não pode entrar por esse caminho porque a Madeira não pode estar parada para que se resolvam questões internas de partidos”.
Com as contas feitas dos dois lados, é praticamente unânime: o Presidente da República, com a data que escolher para as eleições, pode bem salvar Miguel Albuquerque de uma nova batalha eleitoral interna — e cortar as pernas à oposição interna no imediato.
Oposição não desiste de desafiar Albuquerque
O objetivo de Manuel António Correia e das 540 pessoas que assinaram o requerimento é uma segunda volta interna em menos de um ano, já que, caso este Congresso Regional venha a ser confirmado, voltará a haver uma disputa entre os mesmos protagonistas.
Na altura das últimas internas, após a demissão do presidente do Governo Regional da Madeira na sequência de um processo de investigação que levou a deputada única do PAN a retirar a confiança política — o que não permitia ao Governo manter uma maioria parlamentar — Miguel Albuquerque foi a votos também pela liderança do partido e derrotou Manuel António Correia com 2.246 votos contra 1.854, num universo de 4.388 votantes inscritos. Anos antes, numas eleições para escolher o sucessor de Alberto João Jardim, a história escreveu-se da mesma forma, com Albuquerque a sair vitorioso.
Agora, a moção de censura que ditou uma histórica (e única) derrota do PSD-Madeira deu força à oposição interna para procurar uma nova chance. “Os estatutos devem ser cumpridos e existindo a figura dos congressos extraordinários decidimos avançar”, defende uma fonte próxima de Manuel António Correia, que reconhece que não existe ainda qualquer indicação de que a reunião magna possa ou não ser aceite.
Até lá, a oposição interna continua a apelar ao “bom senso” e a desafiar Miguel Albuquerque a que prove que “não tem medo de ir a eleições”. “Há uma vontade de muitos militantes para que existam eleições internas, as pessoas acham que deve haver uma mudança de rumo”, explica a mesma fonte, ciente de que era relevante uma ida a votos porque apenas uma votação secreta poderia expressar o que os militantes sentem.
“Miguel Albuquerque diz que quer ser o candidato, que não tem medo de eleições, mas está a fugir às eleições internas. Não quero que me deem o poder, quero é que deem aos militantes a possibilidade de escolher quem será o candidato do PSD às eleições regionais”, assegura Manuel António Correia em declarações ao programa Direto ao Assunto da Rádio Observador. Acrescenta ainda que “não é bom haver eleições internas para as ambições pessoais de Miguel Albuquerque”, mas que estas serão boas para “dar estabilidade e governabilidade” à região.
No momento em que apresentou as assinaturas, na sede do PSD, Manuel António Correia falou no “ato simbólico” que representa o “sentimento coletivo dos militantes e da região, que não se revê neste PSD e que tem medo do caminho para onde este PSD leva a Madeira”, alertando para o “precipício”. “Precisamos de um congresso e sobretudo um novo candidato do PSD às eleições regionais”, sublinhou, crente que de que “Miguel Albuquerque não consegue maioria, e os partidos que podiam ajudar a estabilizar já disseram que com ele ‘não’”. Alertando para o facto de haver um parlamento regional que “não pode ser dissolvido durante um ano e meio”, devido às eleições presidenciais, o opositor a Albuquerque, entende que é preciso agir já.
As acusações de falta de democracia interna contra a liderança de Albuquerque não são de hoje — já quando perdeu as eleições, Manuel António Correia tinha-se queixado de um “jogo condicionado, no tempo e com as regras dos outros”, acusando o “adversário” de ter sido “simultaneamente árbitro”, o que o levou a considerar que obteve um “extraordinário resultado” se for analisado o “muito pouco” tempo para internas.
Passado menos de um ano, as críticas mantêm-se e na equipa do adversário de Albuquerque há quem conte ao Observador que se sentem pressões internas e que se vive um “clima pouco democrático” que condiciona as eleições. “Nem todos podem expressar a sua opinião, são pessoas que desempenham funções e que receiam ser exoneradas”, explica um membro do inner circle de Manuel António Correia, que recorda “antecedentes” do mesmo género que pressionam militantes e fazem com que tenham preferido não assinar o requerimento para um novo congresso.
O irredutível não de Albuquerque: “Não vou suicidar o PSD”
Miguel Albuquerque tem-se mantido irredutível e tem disparado na direção dos adversários internos sem dó nem piedade. Depois de ter falado numa “guerra fratricida”, o presidente do PSD-Madeira alertou para a necessidade de o partido estar “imune a este tipo de traições e facadas”, considerando “completamente inoportuno” e sem sentido a tentativa de eleições internas nesta fase. “Não vou suicidar o PSD para satisfazer os egos de determinadas criaturas”, sublinhou, frisando que o partido tem “regras” e que estas existem para “assegurar que as instituições não são dissolvidas ou afetadas por surtos de egocentrismo ou sectários”.
“Tenho recebido por parte das pessoas com bom senso [a ideia de] que é suicidário fazer eleições agora. Mais do que suicidário é utópico porque os timings das eleições não são compatíveis com eleições internas”, entende Albuquerque. O líder do PSD-Madeira tem lembrado que não só foi legitimado pelo partido há meses como ganhou mesmo as eleições regionais este ano, pelo que tem apelado ao refocar de prioridades, alertando para que não se continuem a dar argumentos aos “adversários externos”.
Do lado de Manuel António Correia considera-se que “suicidário é o caminho que o PSD está a levar ao perder votos a cada votação”, pelo que acreditam que esta é a altura certa para inverter esse “rumo” e para devolver a palavra aos militantes sociais-democratas. “Ou o PSD muda ou a população poderá mudar o PSD”, que é como quem diz: “O partido não só pode não vencer as eleições como a oposição pode conseguir ser governo, porque com o PSD a vencer com estas margens continua a não haver um cenário de governabilidade”, alertou a mesma fonte.
Também o próprio adversário, respondendo a Miguel Albuquerque — que falou de traição — garantiu que não é um traidor porque está a “representar milhares de militantes e cidadãos”. “Chamar-me traidor é chamar traidor a todos os madeirenses que querem uma mudança”, frisou.
Ao contrário do que aconteceu no passado, Manuel António Correia pode ter menos um apoio de peso. Alberto João Jardim, histórico social-democrata e ex-presidente do Governo Regional da Madeira que declarou apoio a Manuel António Correia nas últimas eleições internas, argumentando que o fazia “pela unidade e por um futuro de unidade” do PSD Madeira, está agora crente de que nenhuma das duas correntes é solução para a região. “O PSD Madeira precisa de uma nova liderança, mas sem estes grupos de agora: o grupo dos renovadinhos [de Miguel Albuquerque] e o grupo do Manuel António”.
Em declarações à RTP, já depois da queda do Governo Regional de Albuquerque, Alberto João Jardim realçou que o “PSD está fragmentado” e que “é preciso unir um partido”. Pelo caminho, criticou ainda Albuquerque porque “não deslapa” do poder e antecipou que “se aparecesse uma pessoa de consenso e houvesse a grandeza de todas as partes”, e tendo em conta a oposição existente, o PSD Madeira iria “à maioria absoluta”.
Com a região novamente num imbróglio político e com novas eleições à porta, Miguel Albuquerque tenta escapar a mais umas eleições internas no espaço de um ano, ainda antes de ir a votos numas novas eleições regionais — as terceiras em menos de um ano e meio na Madeira. Marcelo Rebelo de Sousa pode bem acabar por ser o salvador do atual líder do PSD-Madeira se não apontar para uma data que permita eleições internas nos sociais-democratas.