897kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images

"Em Lisboa acham que são diferentes de Wuhan ou da Lombardia? Não são!"

Ao Observador, Nicholas Christakis (Universidade de Yale) prevê "decisões difíceis" e uma luta de "dois anos" contra o vírus. Até lá, avisa Portugal: "Não há nada que vos proteja mais do que Wuhan".

Quando atende a chamada por Skype, Nicholas Christakis cumprimenta-nos com um hello tão nasalado quanto apressado. Nasalado porque está constipado e apressado porque à altura em que falamos (17h30 no estado norte-americano do Vermont, 21h30 de Lisboa) este médico, sociólogo e investigador que é também diretor do Human Nature Lab da Universidade de Yale já falou com gente de várias partes do mundo para tratar de um tema que não tem largado nos últimos meses e que, pela sua estimativa, levaremos “dois anos” a resolver: o novo coronavírus, claro.

Entre contactos com uma equipa de investigadores na China, com os quais está a estudar a resposta à Covid-19, e um telefonema com o primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, Nicholas Christakis arranja tempo para falar com o Observador: “Tenho andado muito ocupado, mas como tenho um fraquinho por Portugal…”.

Nicholas Christakis é médico, sociólogo e diretor do Human Nature Lab, da Universidade de Yale (Fotografia: Evan Mann)

Este “fraquinho”, porém, não impede Nicholas Christakis de ir direto ao ponto: “O que é que nos pode levar a crer que somos diferentes de Wuhan ou da Lombardia, em Itália? Em Lisboa acham que são diferentes? Não são!”. E refere que os EUA, além de Portugal e tantos outros países ocidentais, foram lentos a reagir ao verem que nascia uma pandemia na China. “Pusemos todos a cabeça debaixo da areia e agora estamos a pagar por isso”, diz. “Na China puseram 930 milhões de pessoas em confinamento domiciliário. Achávamos o quê, que eles estavam a fazer aquilo porque seria divertido?”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Agora, sublinha, os próximos tempos serão marcados por “decisões difíceis” em que não se pode ter tudo: ou se tenta salvar economias ou se tenta salvar vidas. “Tentar” é aqui uma palavra-chave. Mas, se a opção for a de tentar salvar vidas, colocar milhões de pessoas em quarentena é o caminho a seguir, garante. Mas durante quanto tempo? “Alguns meses”, responde, “para que os nossos sistemas de saúde possam funcionar”.

E depois? Saímos à rua e retomamos as nossas vidas? Talvez. Mas com esta certeza: “Vamos ter começar a aceitar que vai haver mais mortes”. Decisões difíceis, portanto.

Sei que está a estudar as medidas que vários países estão a aplicar para combater o novo coronavírus, portanto começo por aqui: há alguma coisa que a média dos países esteja a ignorar?
Enquanto espécie, temos muito poucas ferramentas para combater este vírus. Em teoria, teríamos as chamadas intervenções farmacêuticas, além dos medicamentos e vacinas. Só que não temos nenhuns medicamentos eficazes e ainda não há uma vacina para isto — esperamos que isso mude, talvez daqui a um ano e meio. Perante isto, restam-nos as intervenções não-farmacêuticas. E, entre estas, o que temos de fazer é reduzir as misturas sociais: podemos impedir que se juntem grupos, podemos manter uma distância de dois metros uns dos outros quando vamos à rua, podemos suspender as aulas. E, depois, podemos tomar medidas a nível pessoal: lavar as mãos e ter uma higiene melhor. Infelizmente, não temos mais ferramentas do que estas. Não há nenhum item mágico no qual ainda ninguém pensou. As pessoas e os países podem escolher entre fazer e não fazer estas coisas — mas esta é a lista de ferramentas que temos à nossa disposição.

"Temos de nos preparar para tomar decisões difíceis: se queremos reduzir o número de mortes, vamos ter de achatar a curva. Trata-se de converter um tsunami numa maré normal — de uma maneira ou de outra a água vai abater-se sobre nós, mas temos de garantir que não é uma onda enorme, mas uma onda normal."
Nicholas Christakis

Lavar as mãos é inquestionável, além de fácil. Mas declarar quarentena para uma população de vários milhões de pessoas já é uma medida de outro calibre — e que do ponto de vista económico leva a consequências que não são de somenos. A questão é: o tempo em que vamos ter de nos isolar para garantir a nossa saúde pode destruir outras esferas da nossa vida coletiva, como a economia?
O que temos de compreender é que as pandemias surgem mais ou menos de dez em dez anos. São imprevisíveis, mas surgem com essa periodicidade. Normalmente não são é tão devastadoras como a atual, por várias razões. Houve a pandemia de SARS em 2003, que afetou gravemente alguns países asiáticos, mas que nem por isso causou danos no resto do mundo, muito porque a doença era tão fatal que matava as suas vítimas antes de estas poderem contagiar outros. E também houve a pandemia de H1N1 em 2009, da qual já poucas pessoas se lembram, porque a doença era de forma geral ligeira. Esta nova doença, Covid-19, está no sítio perfeito para causar problemas: não é demasiado letal nem é demasiado ligeira; não é altamente transmissível mas também não é pouco transmissível. Este tipo de pandemia acontece a cada 50 ou 100 anos. E o que acabará por acontecer é que uma parte significativa dos seres humanos no planeta serão infetados por esta doença. Digamos que metade das pessoas ficam infetadas nos próximos dois ou três anos. Nessa altura, esta doença vai passar a ser endémica, ou seja, vai juntar-se a tantos outros vírus que afetam a nossa espécie, como a gripe ou uma constipação normal. Vai tornar-se num germe que circula entre a nossa espécie.

Mas por enquanto não há imunidade natural, por isso o vírus está a divertir-se à grande à medida que se espalha pela população humana — e vai haver muita gente morta, quer seja 0,5% ou 1% dos infetados. Mas, acima de tudo isto, o problema é que muitas destas pessoas vão morrer de uma só vez e ao mesmo tempo. E foi isso que levou a Itália ao colapso. Se lhe dissesse que 100 mil portugueses iam morrer ao longo do próximo ano, isso seria mau. Mas se lhe dissesse que 100 mil portugueses iam morrer no próximo mês, já seria devastador! E esse é o desafio que temos pela frente. Infelizmente, também é mau que a nossa economia colapse. Mas temos de nos preparar para tomar decisões difíceis: se queremos reduzir o número de mortes, vamos ter de achatar a curva. Trata-se de converter um tsunami numa maré normal — de uma maneira ou de outra a água vai abater-se sobre nós, mas temos de garantir que não é uma onda enorme, mas uma onda normal.

E não há outra maneira de converter esse tsunami numa maré normal que não passe por uma quarentena?
Tem de ser através de uma série de medidas de distanciamento social. Auto-isolamento, confinamento em casa, não tocarmos uns nos outros, limitar o número de grupos, suspender aulas e por aí fora. Estas são as ferramentas que temos à mão se quisermos evitar mortes.

"O que a China fez deve-se em parte a ser um governo autoritário e também em parte porque eles têm uma cultura coletivista", reconhece Nicholas Christakis (Getty Images)

Getty Images

Um dos países que está a estudar é a China, em conjunto com uma equipa de investigadores chineses. Por isso pergunto-lhe: entre as medidas que permitiram à China achatar a curva, quais são as que diria que não são aplicáveis em democracias ocidentais?
Bom, a Coreia do Sul é uma democracia consolidada e conseguiu controlar a pandemia sem recorrer a medidas extremas como a China. O mesmo com Taiwan. O que a China fez deve-se em parte a ser um governo autoritário e também em parte porque eles têm uma cultura coletivista. A partir de 25 de janeiro, aprovaram leis que mantiveram 930 milhões de pessoas em confinamento nas suas casas. Há dois meses que entre quase mil milhões de chineses só há uma pessoa por família autorizada a sair de casa à razão de uma vez por semana. Com isto, conseguiram impedir que o vírus se espalhasse. Não o erradicaram — o vírus vai voltar. Vai voltar à China e vai voltar até nós. Mas o que temos de fazer é ganhar tempo ao criarmos distância entre nós todos, para que os nossos hospitais possam funcionar. E, infelizmente, temos agora vários exemplos de problemas graves. Em Wuhan, em Itália, cada vez mais na cidade de Nova Iorque. A não ser que se tomem medidas significativas, não há razão absolutamente nenhuma para acreditar que um sítio pode ser poupado ao vírus.

Permita-me que insista na pergunta: acredita que há ou não medidas aplicadas na China que não são aplicáveis em democracias? Falo, por exemplo, de medidas de vigilância de edifícios em que foram utilizados mecanismos de inteligência artificial para perceber quem saía do edifício. Acha que isso é ir longe demais? Ou, pelo contrário, é necessário para achatar a curva?
Não sei, não vou assumir uma posição quanto a isso. Mas tenho a certeza de que em Portugal o Estado tem poderes para garantir que a quarentena é cumprida. Certamente que as autoridades — o Presidente, o primeiro-ministro ou os autarcas — podem dizer às pessoas para ficarem em casa em nome do interesse comum. E também tenho a certeza de que isso é feito cumprir pela polícia e outras forças de segurança.

"Qualquer Estado pode e deve proteger-se. Numa situação abstrata, se houvesse alguém a espalhar uma doença letal, essa pessoa seria impedida de fazê-lo. A possibilidade de colocar as pessoas em quarentena também existe em democracia, não há nada de invulgar nisso. É algo que acontece desde sempre. Agora, se as pessoas cumprem ou não já é algo que pode variar consoante o local."
Nicholas Christakis

É um facto, isso já tem acontecido nos últimos dias em Portugal e não só.
Exato, porque qualquer Estado pode e deve proteger-se. Numa situação abstrata, se houvesse alguém a espalhar uma doença letal, essa pessoa seria impedida de fazê-lo. A possibilidade de colocar as pessoas em quarentena também existe em democracia, não há nada de invulgar nisso. É algo que acontece desde sempre. Agora, se as pessoas cumprem ou não, já é algo que pode variar consoante o local.

Gostava de ouvi-lo em resposta a um artigo que tem sido muito falado, escrito pelo médico e investigador John Ioannidis, que punha a hipótese que alguns de nós (aqui incluindo jornalistas e investigadores, além de decisores políticos) estarmos a dar demasiada importância a esta pandemia. John Ioannidis aponta que temos ainda poucos dados estatísticos para verdadeiramente conhecermos esta doença e que, ao contrário de uma “pandemia  de proporções únicas neste século” podemos estar entre “um fiasco de proporções únicas neste século”. Qual é a sua resposta a este argumento?
Ele ignora por completo o que se passa em Itália. Qual é a explicação dele para Itália? Mas o que é que ele acha que aconteceu lá? Além de Itália, ele também ignora por completo as dinâmicas temporais. Como já disse, esta doença vai acabar por ser como a gripe, que vai matar pessoas todos os anos — mas não é todas de uma só vez, como acontece agora! Nós estamos perante uma onda devastadora. Portanto, a questão aqui é perceber qual é a tolerância da sociedade às mortes em massa. Não sabemos ainda quantos é que vão morrer e há que ser claro quanto a isto: eu não sei se isto vai ser horrível. Mas o que é que nos pode levar a crer que somos diferentes de Wuhan ou da Lombardia, em Itália? Em Lisboa acham que são diferentes? Não são! Não há nada de especial em Lisboa que vos proteja mais do que na Lombardia ou em Wuhan. E o dilema é este: estamos ou não disponíveis para aceitar números enormes de mortes? Até pode haver uma estratégia para preparar a sociedade e dizer: “Isto é uma guerra e vamos ter vários danos”. Só que as pessoas podem dizer que estão disponíveis a pensar dessa forma, mas quando um hospital não puder admitir o pai delas porque não há camas suficientes, e a resposta que receberem for “desculpe, mas ele vai morrer”, já não vão gostar disso.

No fundo isso é o que já está a acontecer em Itália e também em Espanha, em que os médicos estão a pesar vários fatores para decidir quais são os pacientes que são internados para receberem tratamentos que lhes podem salvar as vidas e quais são os que não são admitidos.
Exatamente. E essa é que é a questão: queremos isso ou não? Infelizmente, esse é o dilema que temos pela frente: não queremos ter um colapso económico mas também não queremos ter uma quantidade enorme de pessoas a morrer. E quantas é que estamos dispostos a deixar morrer?

"As pessoas podem dizer que estão disponíveis a pensar dessa forma, mas quando um hospital não puder admitir o pai delas porque não há camas suficientes, e a resposta que receberem for 'desculpe, mas ele vai morrer', já não vão gostar disso."
Nicholas Christakis

Tem alguma estimativa para quanto tempo vai ser necessário para a situação ficar verdadeiramente controlada na Europa?
Dois anos.

Dois anos… Mas não podemos estar dois anos em quarentena.
Não. E quando começarmos a sair de casa também vamos ter de começar a aceitar que vai haver mais mortes. Mas agora aquilo de que precisamos são alguns meses para que os nossos sistemas de saúde possam funcionar. Precisamos de mais camas, precisamos de mais meios. Mas o verdadeiro problema serão os médicos e os enfermeiros, porque nós podemos fabricar ventiladores e produzir químicos, mas não podemos produzir enfermeiros de cuidados intensivos.

Como tem olhado para a gestão desta crise nos EUA?
Estou desiludido pela falta de liderança. Nós simplesmente ficámos aqui sentados enquanto os chineses, a 25 de janeiro, puseram 930 milhões de pessoas em confinamento domiciliário. Achávamos o quê, que eles estavam a fazer aquilo porque seria divertido? A 1 de fevereiro eles anunciaram que iam construir dois hospitais com mil camas em dez dias. Porque é que haveriam de fazer aquilo? Ou seja: porque é que nós não nos preparámos também? E o mesmo aplica-se a Portugal e a qualquer outro país. Era uma doença que podia tornar-se numa pandemia, portanto não ia ficar num só país. O mundo não funciona assim — e já não funcionava assim em 1918 [ano da gripe espanhola], antes de haver tráfego aéreo. Naquela altura o vírus espalhou-se através de barcos a vapor. Portanto, nós pusemos todos a cabeça debaixo da areia e agora estamos a pagar por isso.

"As declarações que ele fez em fevereiro e em março de que não havia razões para nos preocuparmos eram mentiras", diz Christakis, sobre Trump (Photo by (ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP via Getty Images)

Andrew CABALLERO-REYNOLDS / AFP) (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP via Getty Images

No que toca aos EUA: acredita que o clima pré-eleitoral que já se vivia no país, tanto do lado do Presidente Donald Trump como entre os democratas, desviou as atenções deste problema?
Não sei, teria de perguntar isso diretamente ao Presidente. O que eu sei é que as declarações que ele fez em fevereiro e em março de que não havia razões para nos preocuparmos eram mentiras. Tudo aquilo era falso — e foi muito irresponsável. Não percebo porque é que alguém haveria de dizer aquilo.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.