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Andre Kosters/LUSA

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Emanuel Martins. Da maçonaria à fundação "O Século", com Isaltino pelo meio

É socialista, maçon, aproximou-se de Isaltino quando passaram de rivais políticos a "irmãos" da mesma loja. Quem é Emanuel Martins, que preside à fundação "O Século" e está a ser investigado pela PJ.

No início de 2009, Paula Nunes recebeu um envelope com um cartão de acesso a uma suite do hotel Solplay, em Linda-a-Velha, da mão do seu chefe na altura, o vereador da Câmara de Oeiras Emanuel Martins (eleito pelo PS). “Podemos jantar às 20h30?”. A ex-secretária de Isaltino Morais, que denunciou as contas do autarca na Suíça, foi mas levou “um amigo”, como descreveu à revista Sábado, em abril de 2009. Quando chegou, Emanuel Martins desistiu da conversa que queria ter — e que a secretária desconfiava ser para a convencer a mudar o testemunho contra Isaltino, a troco de dinheiro. O socialista — que hoje está a ser investigado por suspeitas de má gestão na fundação O Século — negou esta versão ao Ministério Público (que acabou por não dar nada como provado) justificando o encontro com a relação íntima que dizia manter com Paula Nunes: “Era um jogo de sedução mútua”.

Não são as duas únicas versões da história. Entre socialistas, acrescenta-se um ponto: “Quando ele viu que ela vinha com a Judiciária, disse: ‘Mas o que é isto? Uma invasão?‘”, recorda um antigo dirigente. “Foi apanhado quando ela apareceu com um tipo da PJ”, conta outro. Já o encontro, é conhecido por todos e é visto como natural, tendo em conta a lealdade que se criou entre Emanuel Martins e Isaltino Morais, sobretudo depois de se terem tornado “irmãos” da mesma loja maçónica.

A entrada de Isaltino Morais na loja Mercúrio, que pertence à obediência Grande Loja Legal de Portugal, é vista por quem os acompanhava mais de perto nessa altura como o ponto de viragem na relação do autarca de Oeiras com Emanuel Martins, o presidente da fundação “O Século” que aos 65 anos (25 anos com carreira política pública) está a ser investigado por suspeitas de peculato e abuso de poder. “Houve uma mudança de posição de 180 graus a partir do momento em que Isaltino entrou para a irmandade”, considera um socialista. Chegou a ser seu rival, nas eleições de 2005, mas Emanuel Martins acabou por aceitar integrar o executivo camarário, garantindo ao autarca a maioria absoluta que lhe tinha fugido — elegeu quatro vereadores, precisava de mais dois para ter a maioria e o socialista tinha dois, aceitando a coligação e dois pelouros para os dois eleitos do PS. Nesse mesmo ano, Isaltino entrou para a Loja Mercúrio, onde já estava Emanuel Martins.

Presidente e vice-presidente da fundação “O Século” vão ser constituídos arguidos

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É à luz da irmandade que muito do que se passou desde aí é visto. Emanuel Martins até já negou, ao Expresso, ser “irmão” do autarca histórico em Oeiras: “Não me cansarei de dizer que também não sou o seu irmão maçon na Grande Loja Legal de Portugal”. Mas à Sábado retificou, nessa altura: “O que eu disse foi que não o convidei para a maçonaria, nem o contrário aconteceu com o Dr. Isaltino Morais”.

Um dos exemplos dado sobre este sentimento de lealdade é a acusação de Paula Nunes (e cuja veracidade o Ministério Público não conseguiu confirmar) sobre a alegada tentativa de Emanuel Martins em fazê-la mudar o depoimento contra Isaltino. Em fevereiro de 2009, “quando esteve para começar o julgamento”, contou a antiga secretária de Isaltino Morais à revista Sábado, já se tinha encontrado uma primeira vez com Emanuel Martins, que, depois de “uma conversa muito social e muito normal”, lhe disse que se ela “tivesse uma maior abertura, eventualmente depois haveria gente disponível” para lhe encontrar “um emprego fantástico” e para a “ressarcir de algumas perdas pelo parco vencimento” que recebia na Câmara. A dada altura, segundo o mesmo relato feito à revista Sábado, Paula Nunes contou que o vereador lhe disse “que ia falar com o advogado do Dr. Isaltino para perceber que tipo de respostas” ela “devia dar” para “que fossem consentâneas e cumprissem os objetivos dele no julgamento“.

Ao Expresso, em abril de 2009, Emanuel Martins desmentiu: “É totalmente falso! Essa senhora pensava que, através de mim, conseguia chegar ao Dr. Isaltino e às ajudas de que precisava. Dou-lhe a minha palavra de honra que nunca o presidente me mandatou para fazer coisa alguma”. E recusou andar a mando de Isaltino: “Isto não é uma máfia nem eu sou o operacional de ninguém. Não conheço o advogado, não sei onde tem escritório, onde mora, nada”.

"Isto não é uma máfia nem eu sou o operacional de ninguém", disse Emanuel Martins em 2009 para negar ter tentado convencer Paula Nunes a mudar o depoimento sobre Isaltino Morais.

Tentou visitar Isaltino na cadeia, mas não conseguiu

Os dois conheceram-se nos meandros políticos oeirenses, até porque Emanuel Martins foi deputado à Assembleia Municipal de Oeiras logo em 1993 — e até 1999 teve sempre atividade política local visível, fosse como presidente da concelhia do PS Oeiras, fosse como deputado municipal, fosse como vereador. Tornou-se amigo de Isaltino, em tantos anos? “Com todas as pessoas com quem me relaciono estabeleço uma relação franca e fraterna“, responde ao Observador Emanuel Martins. “Sou muito rico, porque tenho nas pessoas um património imenso”, acrescenta. Enquanto Isaltino esteve preso, tentou visitá-lo na cadeia, conta: “Mas não me deixaram ter acesso”.

Já o episódio que foi contado por Paula Nunes (e que depois não foi repetido em tribunal, onde a ex-secretária de Isaltino foi mais comedida nas palavras), levantou dúvidas no PS. Nesse ano, o partido acabou por afastar Emanuel Martins da lista socialista à Câmara de Oeiras, liderada por Marcos Perestrello (era Marcos Sá presidente da concelhia do PS de Oeiras). Até porque o homem a quem Emanuel Martins parecia dever lealdade, Isaltino, voltava a ser o principal adversário eleitoral — mesmo com o processo judicial a decorrer e uma sentença a condená-lo, em agosto desse ano, de que recorreu conseguindo a recandidatura e a reeleição.

Nas últimas autárquicas, agora em 2016, Emanuel Martins apareceu de novo nas listas do PS, embora em lugar não elegível. É amigo de longa data e muito próximo de Joaquim Raposo, que foi o candidato do partido em Oeiras nas últimas eleições e durante anos autarca na Amadora — foi no último lugar da lista socialista à Assembleia Municipal de Oeiras. Ao longo dos tempos, foi sempre mantendo a sua influência política em Oeiras, sobretudo via concelhia socialista local, onde chegou a promover uma candidatura para se opor à de Marcos Sá (um dos responsáveis pelo seu afastamento das listas eleitorais em 2009): a de João Viegas, seu chefe de gabinete na Câmara.

Em campanha, numa fotografia publicada no Facebook da candidatura de Joaquim Raposo

A denúncia dos trabalhadores sobre o “homem do lemo”

Depois de sair da Câmara, em 2009, Emanuel Martins ainda se manteve a presidir ao Conselho de Administração da LEMO, uma empresa intermunicipal (participada em 80% pela Câmara de Oeiras e em 20% pela de Cascais) que acabou por abandonar pouco depois, por “ter terminado o mandato”, explica. Estava lá desde 2003 ou 2004, diz, sem conseguir precisar a data, mas lembra-se que o convite foi feito por Teresa Zambujo, que ficou à frente da Câmara quando em 2002 Isaltino foi escolhido por Durão Barroso para integrar o Governo, como ministro das Cidades. A oferta foi vista na oposição no âmbito da distribuição de cargos municipais pelos vereadores, para lhes assegurar um determinado vencimento. A empresa foi dissolvida no final de 2013, por decisão unânime da Câmara, era já Paulo Vistas o presidente — o próprio PS defendeu a sua extinção, até na campanha eleitoral.

"Coloca a filha, coloca os enteados, coloca os amigos da filha, coloca os amigos dos enteados, coloca os amigos políticos, coloca toda a gente que o espaço físico da empresa permite", dizia uma denúncia em 2012, sobre a gestão da empresa LEMO por Emanuel Martins.

A passagem de Emanuel Martins pela LEMO, cuja atividade era fazer ensaios de materiais de obras, levantou controvérsia, sobretudo depois de ter deixado o mandato e pelo desfecho da situação da empresa. No ano antes da extinção, em 2012, o Bloco de Esquerda de Oeiras recebeu uma denúncia de trabalhadores que o vereador Miguel Pinto acabou por expor numa reunião da Assembleia Municipal de Oeiras. Chamava a Emanuel Martins, “o homem do lemo”, e lia a parte da denúncia em que ele “começou a oferecer lugares e cargos ao melhor estilo do despotismo desenfreado”: “À boa maneira de um mãos largas coloca a filha, coloca os enteados, coloca os amigos da filha, coloca os amigos dos enteados, coloca os amigos políticos, coloca toda a gente que o espaço físico da empresa permite. Chegou a encomendar um projeto de alterações ao edifício para a sua ampliação”.

Na intervenção do bloquista, seguiram-se vários exemplos de alegada má gestão: “Um contrato de comunicações no valor mensal de 2500 euros”; “comprou máquinas de sondagens sem saber se vão surgir trabalhos que amortizem o seu custo a médio prazo”; “o IVA não é pago na altura devida. A empresa já foi indiciada por crime fiscal e recebe, frequentemente, notificações da Autoridade Tributária para pagamento de coimas e multas”; um “almoço comemorativo da tomada de posse do conselho de administração que custou 1200 euros“; falhas no pagamento do subsídio de Natal de 2011, as horas extraordinárias de 2011, os salários de março e abril.” Emanuel Martins diz desconhecer a denúncia, pelo que não a comenta.

A empresa acabou extinta no ano seguinte, ao abrigo do regime jurídico do setor público empresarial criado pelo Governo de Passos Coelho, que previa a transformação, fusão ou cisão de empresas públicas que “apresentem capital próprio negativo durante um período de três exercícios económicos consecutivos”. Ao Observador, Emanuel Martins lembra que, durante os anos em que esteve à frente da empresa, recebeu “seis votos de louvor por parte dos acionistas da LEMO”, as câmaras de Oeiras e de Cascais. Também diz que, quando saiu, foi de “consciência tranquila”.

Família na fundação “O Século”

A questão de empregar familiares é uma das que está a ser investigada agora, depois de buscas da Polícia Judiciária à fundação “O Século”. E a lista de familiares era semelhante à que agora vem a público, já que também faz referência à filha Cláudia Martins e aos enteados Carlos e Nuno Mártires.

No caso da fundação, os dois enteados eram, respetivamente, diretor-geral e responsável de manutenção; a filha era secretária da direção; o filho, Mário Martins, era responsável pelo armazém; e as noras, Carla Teixeira e Vanessa Fernandes; eram a responsável pelo take-away e a nutricionista da fundação. Isto além da mulher, Fernanda Martins, que tratava dos seguros e da equipa de limpeza. Mas à SIC-Notícias, na quinta-feira passada, Emanuel Martins disse não ser casado e que o filho já não trabalha na fundação. Também disse que “quem trata das contratações são os recursos humanos” e que se fala “de 18 ou 20 contratos”: “Se calhar tenho família que até desconheço e é muito numerosa”.

Em sua defesa, Emanuel Martins também disse que “não é uma empresa familiar do presidente, mas é com o espírito de família que vamos dando voltas às coisas” e que a sua filha, Cláudia Martins, já estava na fundação antes mesmo de ele ter chegado presidência. Acontece que a ligação de Emanuel Martins à fundação está longe de ter começado apenas quando assumiu o seu comando.

"Posso reprovar a questão, mas é uma reprovação moral. Não é um crime", diz o socialista Vítor Ramalho sobre a suspeita de Emanuel Martins empregar família na fundação.

No perfil que tem disponível na rede de contactos profissionais LinkedIn, Emanuel Martins dá conta de uma ligação à fundação que remonta a 1999. É o próprio que explica ao Observador que está na colónia balnear infantil “O Século” desde sempre e que a Feira Popular foi criada precisamente para a financiar. “A Feira Popular nasceu para esse fim”, diz, logo depois de explicar que, por isso mesmo, era um dos administradores da Feira, nos anos 90, responsável pelo Marketing e pela organização de eventos.

O socialista Vítor Ramalho era advogado da Feira na altura e recorda um “homem modesto, que vivia do seu trabalho”. E, em defesa de Emanuel Martins, diz que ficou “perturbado” pela “forma como foi tratada” a suspeita de o socialista ter empregado a família na fundação. “Posso reprovar a questão, mas é uma reprovação moral. Não é um crime”, argumenta, dizendo que a fundação, “mesmo que receba apoios, não deixa de ser uma instituição privada”.

No Código de Conduta da Fundação há uma referência concreta, no artigo sobre a imparcialidade e independência, aos interesses familiares. No texto que está disponível no site da fundação consta que “os colaboradores não devem pautar a sua conduta por interesses pessoais, familiares ou por pressões políticas, sociais ou económicas” e também refere que “não devem participar numa decisão ou num processo no qual tenham, um ou mais membros da sua família, direta ou indiretamente ou por interesses de qualquer natureza”.

No conselho de administração da fundação "O Século" estão vários socialistas e um primo de Isaltino Morais.

Mas não é a única situação que colocou Emanuel Martins e o seu vice na fundação, João Ferreirinho, sob investigação. Em causa estão também suspeitas de que os dois dirigentes tenham usado cartões de crédito da instituição para pagar despesas pessoais, viagens e jantares incluídos. Na SIC Notícias, Emanuel Martins disse tratar-se de “desinformação” e garante que as “viagens que existiram foram em serviço”: “Não tenho viagens particulares nem outras despesas particulares metidas em cartão de crédito”. Também diz que já tinha conhecimento da existência de denúncias, que já circulavam na Internet, e também porque a Segurança Social lhes tinha dado conta disso. “Nos últimos tempos fiquei um bocado mais preocupado. Parecia que estavam a pegar nisso como uma coisa a sério”.

No relatório e contas relativo a 2016, a fundação fez saber que naquele ano existiam 131 colaboradores. Com as remunerações de pessoal, a instituição gastou cerca de um milhão e 400 mil euros, em 2016. Já com os órgãos sociais, a despesa é de 224 mil euros, mas só três dos cinco membros do conselho de administração são remunerados: Emanuel Martins, João Ferreirinho e Umberto Pereira Pacheco (socialista que já foi vice da Câmara de Cascais, era José Luís Judas presidente, e seu vereador e também deputado à Assembleia da República). António Manuel Dias Baptista (outro antigo deputado socialista) e Armindo Carlos Cortez de Azevedo (primo de Isaltino Morais) são os membros não executivos.

A resposta social da fundação nesse mesmo ano significou o apoio a 735 pessoas e a fundação especifica que o que recebe em apoios públicos é por pagamentos de serviços prestados às instituições, sendo que a fatia maior vem do Instituto da Segurança Social (cerca de 936 mil euros). O segundo maior apoio veio das autarquias (192 mil euros) logo seguido pelo que é arrecadado com doações e heranças (140 mil). Também há 26 mil euros do Instituto de Emprego e Formação Profissional e 7 mil do Estado e do Fundo Social Europeu. No total, os apoios financeiros públicos ascendem ao milhão e 300 mil euros.

Em 2005, Emanuel Martins foi o plano B depois de Maria de Belém ter desistido, à última hora, da candidatura a Oeiras pelo PS.

Emanuel Martins admite o mau momento financeiro da fundação. “As contas estão terríveis. Há sete meses que me vejo e revejo para pagar salários”. Mas nega a questão da “gestão danosa”, referindo que, quando chegou, o défice era de 2 milhões de euros e que foi depois de ter assumido funções, em 2012, que fez descer o valor que hoje está em 400 mil euros, garante. Mas também não descarta que possam existir irregularidades nos registos financeiros — “todos nós estamos sujeitos a cometer irregularidades”. Na mesma entrevista à SIC, desculpou-se com a mudança do “sistema informático”. “É impossível trabalhar assim. Não posso pôr mais pessoas a trabalhar na contabilidade. Tinha de ser com novos meios, para isso é preciso ter gente que saiba usá-los como deve ser”.

“Se sou militante, não sei quem me paga as quotas”

A cerca de 100 dias das autárquicas de 2005, o PS sofreu um revés de última hora. Já tinha a sede do partido, no Largo do Rato, em Lisboa, preparada para o anúncio da candidatura de Maria de Belém à Câmara de Oeiras, quando Jorge Coelho, então coordenador autárquico do partido, soube que a socialista afinal não queria avançar. As sondagens pré-anunciavam um arraso eleitoral contra o eterno autarca (outrora modelo e naquela altura a braços com a Justiça e numa candidatura independente), Isaltino Morais. Maria de Belém resolveu recuar. O plano B, a tão pouco tempo das eleições, foi o então presidente da concelhia de Oeiras. Foi assim que Emanuel Martins saiu para a primeira linha de combate político, embora já tivesse um percurso longo no partido ali por Oeiras. E não só.

Entrou no PS numa data que coloca entre 1978 e 1980. O Observador confirmou que ainda é militante ativo. “Sou? Só se alguém me paga as quotas, porque eu já não pago há anos”, dispara quando confrontado com a informação. Foi deputado à Assembleia Municipal pela primeira vez em 1993, era o presidente deste órgão o socialista Jorge Coelho, o eterno homem da máquina do PS vivia por esta altura o auge desse período. Dominava o PS em Oeiras, Loures, Amadora. Mas havia de deixar tudo isso pouco depois, quando, em 1995, foi para o Governo liderado por António Guterres.

Emanuel Martins tinha uma capacidade de mobilização eleitoral dos militantes de Oeiras reconhecido e, por isso mesmo, tinha também peso na estrutura da Distrital do PS em Lisboa, uma das mais importantes para o partido. Em 1992, tinha já apoiado, ao lado de Coelho, António Guterres na luta pela liderança do partido contra Jorge Sampaio (lado onde estava o atual primeiro-ministro, António Costa). Anos mais tarde, foi mesmo incluído em lugar elegível na lista de Guterres às legislativas de 1999.

Sobre o acordo com Isaltino, em 2005, Emanuel Martins disse: "Podíamos fazer uma maioria de destruição, com o PSD, ou de construção. Aceitei fazer parte da maioria de construção".

Quem com ele se cruzou nessa fase mais inicial reconhece-lhe “o bom impulso político”. “Era um militante com poder de intervenção e era solidário”, descreve outro socialista que não quis ser identificado. “Era capaz de dar a camisola a alguém em dificuldades”, acrescenta ainda outra fonte que, no entanto, considera que Emanuel Martins “não tem noção da responsabilidade do exercício de cargos públicos”.

A passagem pelo Parlamento cingiu-se a um único mandato (e curto, já que dois anos depois da eleição chegou o famoso “pântano” e a demissão de Guterres). Em 2002, Emanuel Martins não conseguiu a reeleição. Enquanto lá esteve, ocupou-se sobretudo de matérias relativas à política local, afinal era nessa área que tinha passado a sua vida política. Chegou a acumular as funções com as de vereador, o que foi possível porque não tinha pelouro nessa altura. Mas, mais tarde, chegou a ter vários pelouros em Oeiras, passando pelo património e pelos mercados, por exemplo, recorda. Com Isaltino, ficou com a habitação e o Plano Diretor Municipal.

O acordo informal que fez com o presidente reeleito, garante, “foi o PS que decidiu”: “foi aprovado pela comissão política” da concelhia do PS. Nessa altura, Emanuel Martins explicou aos seus camaradas o que tinha sido proposto e justifica a opção pelo apoio a Isaltino: “O movimento Isaltino Mais à Frente tinha 4 mandatos, o PSD tinha 4 mandatos. Podíamos fazer uma maioria de destruição, com o PSD, ou de construção. Aceitei fazer parte da maioria de construção“.

Foi enquanto estava no executivo municipal, aos 54 anos, que resolveu licenciar-se, inscrevendo-se no curso de gestão, na Universidade Atlântica, entre 2006 e 2008. Um estabelecimento de ensino que era então propriedade da EIA (Ensino, Investigação e Administração, SA), sendo da Câmara Municipal de Oeiras 41% do seu capital. Em 2016, por decisão do atual Governo, a Atlântica perdeu o estatuto de universidade, porque estava a funcionar fora da legalidade. As universidades, para terem esse estatuto, têm de ter três doutoramentos em funcionamento, o que não acontecia.

As irregularidade do Tribunal de Contas e o “não pago”

“É um tipo de ideias próprias”, descreve um socialista. Um dos casos em que isso saltou à vista foi quando o Tribunal de Contas condenou com multas pecuniárias os vereadores do executivo camarário que integrou por decisões tomadas em reuniões de Câmara. Como aconteceu, por exemplo, com a parcerias público-privadas para a construção de dois estabelecimentos de ensino e de dois centros de geriatria e ainda do centro de congressos de Oeiras. De acordo com o Tribunal de Contas, houve irregularidades várias nestas PPP que não foram submetidas à fiscalização prévia daquele tribunal, entre elas a violação dos limites legais ao endividamento da Câmara e também a violação do dever de assunção de despesa pública.

"Eu é que tenho de pagar pelo que os outros fazem?", diz Emanuel Martins sobre as multas que lhe foram aplicadas pelo Tribunal de Contas por irregularidades de processos aprovados na Câmara de Oeiras.

As parcerias tinham sido adjudicadas, segundo o Tribunal, com deficiente transparência da decisão e ainda com um impacto no controlo da despesa que rompia com o limite inscrito na Lei de Finanças Locais. Segundo a sentença transitada em julgado em dezembro de 2015, “todos os demandados efetuaram o pagamento voluntário das multas peticionadas no requerimento inicial, à exceção do demandado Emanuel Silva Martins”. O socialista foi condenado a pagar 1440 euros por violação da norma de assunção de despesa pública e outros 1440 por ultrapassar o limite legal de endividamento.

“Eu é que tenho de pagar pelo que os outros fazem?”, questiona-se quando confrontado com este processo pelo Observador. “Tudo o que na consciência me pesar, que possa ter cometido errado, pago. Tudo o que não é justo, não pago”. Emanuel Martins argumenta que a decisão do executivo é feita com base em pareceres técnicos favoráveis aos contratos. “Se votar contra, tenho de justificar o voto. E eu não sou engenheiro, nem arquitecto”, diz, atirando a responsabilidade para os técnicos que possam ter falhado na condução do processo que deram origem aos pareceres nos quais se baseou a decisão dos vereadores. Mas, para o Tribunal de Contas, Emanuel Martins “quis praticar aquele actos” e “podia e devia conhecer as normas legais relativas ao lançamento das parcerias público-privadas em apreço e a sua execução, bem como as relativas aos limites do endividamento líquido municipal”.

Não é a primeira vez que Emanuel Martins é chamado à atenção por um tribunal. Em 2005, foi o Constitucional a notificá-lo por não ter entregue a obrigatória declaração de património a que estão obrigados todos os titulares de cargos políticos. A lei do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos determina que este grupo apresente no Tribunal Constitucional, no prazo de 60 dias desde que começou a exercer funções, a declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais. E que o faça também nos 60 dias depois de deixar as funções. Na altura, Emanuel Martins remeteu a regularização da sua situação para a secretária “que habitualmente trata disso”.

Agora, o pedido de responsabilidades pode vir a ter um impacto maior, tendo em conta as buscas da PJ à sede da fundação, em São Pedro do Estoril, na semana passada e ainda com fontes da Judiciária a admitirem que Emanuel Martins venha a ser constituído arguido. O socialista continua a dizer não estar à espera disso, mas também acrescenta que a situação em que está neste momento, depois de noticiada a suspeita, “ainda é pior”.

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