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Fica um aviso antes de mergulhar na rentrée nos palcos. Algumas das peças podem esgotar-se antes mesmo da estreia. Foi, de resto, o que aconteceu com À Primeira Vista, peça de Tiago Guedes que marca este arranque de temporada. O poderoso monólogo de Margarida Vila-Nova não é o único espetáculo que retrata a violência sobre as mulheres, tema âncora deste arranque de temporada.
Não há fome que não dê em fartura, e de setembro a dezembro não faltam espetáculos, do teatro à dança, de norte a sul do país que nos interpelam e convidam a contrariar as baixas taxas de fruição cultural e a assumir a cadeira do espectador emancipado. Tenhamos o condão de saber escolher — sabendo que grande parte deles têm carreiras fugazes — e fazê-lo atempadamente.
“Búfalos”
CCB, Lisboa (18 a 29 de setembro)
Depois de terem saído do Teatro Politécnica os Artistas Unidos continuam a lutar por uma casa — a situação do Bairro Alto, prometida pela Câmara de Lisboa, tardará a chegar. O CCB é uma das casas provisórias da companhia fundada por Jorge Silva Melo, que ali vai dar continuidade à trilogia do dramaturgo Pau Miró, apresentando a terceira e última parte: Búfalos, duríssimo retrato de cinco adolescentes abandonados, destituídos de figuras familiares que os amparam, e condenados à sobrevivência “em manada”.
“RE: Antígona”
Teatro Carlos Alberto, Porto (19 de setembro), Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra (27 de setembro), CCB, Lisboa (4 a 6 de outubro)
A nova peça do Teatro Praga “mata Antígona de todas as formas que se lembrar, para lhe dar a morte a que nunca teve direito”, anuncia o grupo. André e. Teodósio e José Maria Vieira Mendes estudam e desmontam a heroína grega de Sófocles, ao longo de séculos protagonista de peças de teatro dramático. Em RE: Antígona, a companhia foge ao clássico e proclama a sua morte. A Antígona está morta. “Absolutamente morta. Morta de morta. Mortérrima. Morta morta morta.”
“C La Vie”
Teatro Aveirense, Aveiro (19 e 20 de setembro)
Serge Aimé Coulibaly, coreógrafo, voltou à aldeia onde cresceu, no Burkina Faso, para criar a sua mais recente peça, C La Vie. No centro do espetáculo de dança está o encontro “com a música, com o outro, com a realidade, com o tempo, com o planeta, com a pessoa amada, e assim por diante”. O elenco é composto maioritariamente por bailarinos africanos — uma das missões da Faso Danse Théâtre, companhia que Coulibaly fundou em 2002, é apostar em intérpretes de vários pontos de África.
“As Grandes Comemorações Quase Oficiais do Período Histórico Habitualmente Conhecido como PREC (Processo Revolucionário em Curso)”
Teatro Carlos Aberto, Porto (3 a 6 de outubro)
Ainda a propósito do 50.º aniversário do 25 de Abril, o Teatro Experimental do Porto e a ASSéDIO associam-se para celebrar o Processo Revolucionário em Curso (PREC). Gonçalo Amorim dirige um espetáculo que revisita momentos, protagonistas e discussões do PREC “visando problematizar e contrariar a ideia de que este foi um período dominado pelo caos e por excessos ideológicos”. “Este não é um espetáculo imparcial”, avisa a Comissão de Festas. A festa começa no Teatro Carlos Alberto e prossegue pelo país.
“Entraria Nesta Sala”
Teatro Variedades, Lisboa (5 a 27 de outubro)
Ricardo Neves-Neves em dose dupla foi a escolha para a muito aguardada reabertura do Teatro Variedades, em Lisboa, encerrado há três décadas. O encenador de Reconquista de Olivenza, Noite de Reis ou O Livro de Pantagruel leva dois textos ao Parque Mayer. Um deles é Entraria Nesta Sala, um “exercício de imaginação humorística” que baralha citações e referências do nosso imaginário. “Que aventura pode cruzar os destinos de Hitler, Nossa Senhora e figuras míticas do cinema português dos anos 30 e 40?”, lança a sinopse. Promete.
“O Fantasma da Ópera”
Sagres Campo Pequeno, Lisboa (15 a 27 de outubro)
O espetáculo de Andrew Lloyd-Webber é um dos mais famosos espetáculos do mundo desde que estreou no West End em 1986 e continuou a ser um sucesso também na nova-iorquina Broadway. O musical O Fantasma da Ópera chega em outubro, no âmbito de uma digressão europeia. O elenco integra duas artistas nacionais: a cantora lírica Lara Martins e a bailarina Francisca Mendo.
“The Look/ Supernova”
Teatro Camões, Lisboa (17 a 27 de outubro)
A Companhia Nacional de Bailado apresenta um espetáculo com nomes da dança que entram pela primeira vez para o repertório da CNB: Sharon Eyal e a dupla Iratxe Ansa e Igor Bacovich. Sharon Eyal, diretora artística da Sharon Eyal Dance e hoje um nome incontornável da dança, mostra The Look, peça de intensa fisicalidade e efeito hipnótico. Ansa e Bacovich trazem a sua compreensão do fenómeno cósmico das supernovas para uma criação num cenário também ele cósmico, cheio de estrelas brilhantes. Se precisar de mais um motivo: esta é primeira oportunidade de entrar no renovado Teatro Camões.
“Weathering”
TBA, Lisboa (2 e 3 de novembro), Teatro Rivoli, Porto (8 e 9 de novembro)
Faye Driscoll estreou-se em Portugal no ano passado, no festival Dias da Dança (DDD). Desta vez, a premiada criadora norte-americana traz a sua nova peça, Weathering, não apenas ao Porto, mas a Lisboa também. Sobre um colchão, dez corpos amontoados compõem um quadro vivo que o público pode (e deve) observar de perto para notar cada detalhe desta “escultura em carne feita de corpos, sons, odores, líquidos e objetos”, diz o texto de apresentação do espetáculo.
“A Noiva e o Boa Noite Cinderela”
Culturgest, Lisboa (15 e 16 de novembro)
É um dos grandes acontecimentos da rentrée este espetáculo da brasileira Carolina Bianchi, escolhido para dar início ao festival Alkantara. O jornal francês Le Monde define-o como “um marco na história do Festival de Avignon”, onde a peça se estreou em 2023 colhendo rasgados elogios. O Libération define-a como “peça-choque”. Junto com o coletivo Cara de Cavalo, Bianchi explora o trauma das agressões sexuais, reunindo histórias de mulheres que foram violadas e de seguida assassinadas. É “um espetáculo de violência e morte, na fronteira entre realidade e pesadelo, sem a possibilidade de catarse ou salvação”, diz a nota de imprensa.
“Volta para a tua Terra”
São Luiz Teatro Municipal, Lisboa (21 a 23 de novembro)
“O que é ser cidadã, cidadão? Pertencer a uma terra e apenas nela ter o direito a exercer a sua cidadania? Onde fica a “minha” terra? E a “tua” terra, onde é? Quem ou o quê tem o poder de definir onde é a terra de alguém? É possível localizar o começo de alguma história?” São questões que Keli Freitas, dramaturga e atriz brasileira residente em Portugal, coloca a partir da busca pela sua bisavó portuguesa. Um espetáculo que desafia a ideia de pertença: na arte e na sociedade.
“A Colónia”
Culturgest, Lisboa (5 a 14 de dezembro)
A nova peça do encenador e cineasta Marco Martins parte de uma investigação da jornalista Joana Pereira Bastos para construir um espetáculo sobre uma colónia de férias para filhos de presos políticos no salazarismo. Durante duas semanas, em 1972, nas Caldas da Rainha, 18 crianças entre os 3 e os 14 anos, brincaram em conjunto e em liberdade.
Martins, que tem trabalhado com atores não profissionais (Selvagem, Pêndulo, Blooming), volta a fazê-lo, agora reunindo um elenco de crianças e alguns dos participantes da colónia para trabalhar a partir das histórias e vivências pessoais.
“Prelude”
Teatro Viriato, Viseu (13 de dezembro)
O coreógrafo francês Kader Attou lançou o desafio a dez bailarinos profissionais de hip-hop da Région Sud (Provence-Alpes-Côte-d’Azur): levar a dança hip-hop onde menos se espera. A música de Romain Dubois encontra-se com a fisicalidade dos bailarinos, numa tensão e energia constante. O regresso de Attou e da sua companhia Accrorap a Viseu é uma das joias da temporada do Teatro Viriato, ainda programada por Henrique Amoedo — deixou a direção artística do teatro e foi substituído por António M Cabrita.
“A Médica”
Teatro da Trindade, Lisboa, (11 de dezembro a 16 de fevereiro de 2025)
Custódia Gallego, Adriano Luz, Maria José Paschoal, Rita Cabaço, Sandra Faleiro. O elenco é quase chamariz suficiente para A Médica, abordagem de Ricardo Neves-Neves ao texto que o dramaturgo inglês Robert Icke escreveu a partir de Professor Bernhardi, de Arthur Schnitzler. O espetáculo conta a história de uma profissional de saúde que recusa a entrada de um padre católico numa sala de operações onde uma rapariga se encontra às portas da morte, devido às complicações de um aborto clandestino. São questões morais e éticas, mas também religiosas e políticas aquelas que o palco convoca.