Discurso de Marcelo Rebelo de Sousa

na do sexto estado de emergência de 2020

“Decretei a renovação do estado de emergência para o período a iniciar às 00h00 de dia 9 e a terminar às 23 horas e 59 minutos de dia 23 de dezembro. A decisão funda-se nas seguintes razões: Primeira. Apesar de nova descida da taxa de transmissão do vírus e de sinais, claramente positivos, de desaceleração na média de número de casos, continua, neste momento, preocupante a pressão nos internamentos e nos cuidados intensivos, assim como elevado o número de mortos. Segunda. Mesmo que se entenda que o segundo pico da pandemia em infetados e casos detetados foi irreversivelmente ultrapassado, o nível de infeções permite antever que a atenção ao esforço exigido às estruturas de saúde ao longo do mês de dezembro não pode diminuir”.

Marcelo entende o momento da mensagem ao país como uma prestação de contas. E, assim, como é habitual, começa por justificar as razões que o levaram a decretar o estado de emergência. Nestes dois primeiros argumentos, o Presidente — que habitualmente se assume como um “otimista moderado” — destaca que a situação melhorou e por isso fala em “sinais claramente positivos”, em “descida da taxa de transmissão” e até na possibilidade da segunda vaga já estar em fase descendente e não voltar a subir. Mas, depois vem um “mas”. E esse “mas” é que não há razão para baixar a guarda, até porque, avisa Marcelo, continua “preocupante a pressão” nos hospitais, quer nos internamentos hospitalares menos graves, quer nos cuidados intensivos. O número de óbitos também continua alto e, por isso, os hospitais ainda vão continuar lotados ou quase lotados até ao fim do ano. É, por isso, justifica, que as restrições continuam.

“Terceira. O que se sabe, acerca de vacinas, nomeadamente das duas primeiras a aguardarem aprovação da Agência Europeia de Medicamentos confirma o que aqui disse a 20 de novembro. A sua chegada a todos os Portugueses que as queiram receber, sem exclusão de ninguém, muito menos por guetos de idade, obedece a calendários prolongados no tempo. É, pois, uma matéria de vários meses, não de dias ou de semanas. Mesmo para os projetados grupos prioritários. É bom que isto fique claro para que se não criem expetativas excessivas e, portanto, desilusões imediatas. Logo, toda a facilidade é errada e toda a prevenção é imperativa. Ao longo de dezembro, como no arranque de 2021″.

O Presidente avisa que esta também tem de ser a vacina contra a Covid-19, tem de ser a vacina de todos os portugueses. Logo depois de serem conhecidos os polémicos estudos preliminares da Direção-Geral de Saúde que apontavam que os maiores de 75 anos não teriam acesso à vacina, o Presidente insurgiu-se e disse que esta era uma “ideia tonta”. Agora volta a reiterar: ele, primeira figura da Nação, não permitirá a “exclusão de ninguém” nem tão pouco “guetos de idade”. A outra mensagem que Marcelo pretende passar — e que já tinha dito na quarta-feira em declarações ao Observador — é que a vacinação vai levar meses. Nesta intervenção diz até os “projetados grupos prioritários” vão ter de esperar meses, o que significa que as restrições e os cuidados vão continuar no primeiro semestre de 2021. Marcelo diz já isso com dureza para que não se “criem expetativas excessivas” e consequentes “desilusões imediatas” de quem alimentar a ideia de que o dia da chegada da vacina a Portugal é o dia da liberdade absoluta.

“Quarta. O período de renovação do estado de emergência, hoje decretado, termina em cima do Natal – na noite do dia 23 – aconselhando – e foi esse o entendimento de partidos, do Governo e da Assembleia da República – que se trace já o que se perspetiva para além do dia 23, ou seja, por um mês, a concluir no dia 7 de janeiro de 2021. Não se trata de deixar de cumprir a Constituição da República Portuguesa, que obriga a períodos máximos de quinze dias para estado de emergência e para suas renovações. Antes do dia 23 haverá, como deve haver e sempre tem havido, iniciativa do Presidente da República, audição dos partidos políticos, parecer do Governo, autorização da Assembleia da República e decreto do Presidente. E, nessa ocasião, se verificará se a evolução da pandemia confirma – como se deseja vivamente – o quadro agora programaticamente definido. Só que, em vez de se encarar a intervenção do Estado, quinzena a quinzena, o objetivo passa a ser o de alargar o horizonte para um mês. De 9 de dezembro a 7 de janeiro”.

António Costa anunciou-o na entrevista ao Observador: as medidas que vão ser tomadas no Conselho de Ministros desta sexta-feira — e que são anunciadas amanhã — vão ser para o mês todo. O primeiro-ministro disse então que esse era um entendimento dele e do Presidente, e Marcelo vem reforçar que esta decisão emanou de um consenso que também envolve partidos (que ouviu em Belém em audiência) e a Assembleia da República no geral (que aprovou o novo estado de emergência). Curiosamente, pela primeira vez na segunda vaga, Marcelo não referiu o amplo consenso parlamentar (a 6 de novembro tinha destacado a “maioria parlamentar de 84% favorável ao estado de emergência e de 94% que não se lhe opôs” e a 20 de novembro tinha referido a “maioria expressiva, 82% a favor no Parlamento, e 94% que se não opuseram”. Desta vez os valores eram idênticos, mas o Presidente optou por não os referir. Por outro lado, o lado de constitucionalista de referência, Marcelo não deixou de explicar que, apesar de a emergência prever medidas enquadradas num mês, é óbvio que daqui a 15 dias todo o processo tem de ser repetido como impõe a Constituição. Admite até mudar alguma coisa a meio do mês, se algo não correr bem, quando diz: “Nessa ocasião, se verificará se a evolução da pandemia confirma o quadro agora programaticamente definido.”

“Quinta. Esta perspetiva, a concretizar pelo Governo, permitirá a todos saberem com o que poderão vir a contar num tempo tão significativo na vida pessoal, familiar e comunitária, como é o Natal, o mesmo acontecendo com o fim do Ano e o começo de 2021. Sexta. A procura de um regime menos intenso no Natal, a verificar-se, destinar-se-á a permitir às famílias o tão legitimamente esperado encontro, evitando, ao mesmo tempo, abrir a porta a um descontrolo, com custo elevadíssimo, duas ou três semanas, mais tarde, isto é, em janeiro. A ideia será, assim, não pôr em causa o espírito de Natal, mas sem a concentração num momento único, e com respeito acrescido das regras que possam prevenir contágios familiares generalizados”.

O grande objetivo de as medidas serem para um mês é dar previsibilidade aos portugueses, para poderem planear como vão passar o Natal em família e em segurança. Marcelo afirma depois que o Natal será mesmo com menos restrições do que os restantes períodos das próximas semanas para que as famílias “legitimamente” se encontrem. Mas o facto de balizar o Natal como data de restrições mais leves tem outra motivação: não permitir o “descontrolo” generalizado que provocariam medidas cegas num período tão importante para os portugueses como a quadra natalícia. O Observador já noticiou que a 24 e 25 de dezembro não haverá restrições entre concelhos. Marcelo parece dar aqui um dado novo, sem concretizar, dizendo que não quer pôr em causa o espírito natalício, mas que o encontro deverá ocorrer “sem a concentração num momento único”. Isto poderá significar que, no entender do Presidente, as pessoas até podem visitar as famílias de máscara, trocar presentes, distribuindo-se por vários dias da quadra, mas devem evitar uma consoada com a família muito alargada. Isso seria um risco. Já o primeiro-ministro o disse: “À mesa, o perigo é maior”.

“Sétima. Por isso mesmo, o presente Decreto mantém inalterado o quadro que permite impor, entre 9 e 23, o mesmo rigor do período em curso e está-lhe subjacente o mesmo propósito para o período seguinte, de 23 a 7 de janeiro, com a possível exceção, que se espera seja bem entendida e bem vivida no Natal.”

Marcelo avisa que pode haver alguma tolerância e menos restrição no Natal, mas isto não significa que se entrou numa fase mais “desconfinada” relativamente período que decorre atualmente. Aliás, Marcelo explica que fez um decreto exatamente igual ao anterior precisamente porque quer o “mesmo rigor” entre 9 e 7 de janeiro, excetuando esse momento de encontro das famílias no Natal. Avisa, no entanto, que é do interesse de todos, para evitar uma terceira vaga, que a “possível exceção” seja “bem entendida”. É um apelo ao país como “bom aluno” das regras. Um bom comportamento antes e depois do Natal para que não haja um mau início de 2021.

“É, obviamente, do interesse de todos que janeiro possa representar uma consolidação dos passos dados em dezembro e não uma nova e frustrante subida que acabe por acentuar a dimensão de uma temida terceira vaga.”

O Presidente volta a avisar que todo o cuidado é pouco e que, se se facilitar em dezembro, é possível que chegue a “temida terceira vaga”. Já a 20 de novembro tinha alertado que “é provável que nova subida de casos, ou dito mais simplesmente, uma terceira vaga possa ocorrer entre janeiro e fevereiro”. Fica de novo o aviso.

“O último mês, e, em particular, estes derradeiros quinze dias, demonstraram uma adesão massiva e impressionante de todos nós às medidas adotadas pelo Governo, com base no estado de emergência, primeiro decretado, depois renovado. Com resultados já visíveis.”

A mensagem que o Presidente aqui quer passar é muito clara: o esforço que os portugueses estão a fazer não é em vão. Com os casos em trajetória descendente e a transmissibilidade a descer, há os tais “sinais positivos” de que o Presidente falava no início da intervenção. Para o chefe de Estado é a prova que a estratégia que está a ser seguida é acertada, daí que fale em “resultados já visíveis”. Foi isso que ouviu a 3 de dezembro na reunião no Infarmed entre os especialistas e a elite política.

 Como, há dias disse, dos Portugueses, o Senhor Professor António Damásio, com a generosidade, a paciência e a calma que eles sempre demonstram. E, permitam-me que inclua neste esforço coletivo, os nossos compatriotas espalhados pelo mundo, e, muito em especial, pela Europa, que têm talvez sofrido ainda mais, do que nós aqui residentes, este distanciamento. Do que se trata, agora, para aqueles que cá vivemos como para os que chegam para as Festas, é de não desperdiçar tamanha compreensão e tão pesados sacrifícios de toda a ordem. Sacrifícios que têm justificado, e continuam a justificar, reforçada intervenção pública em domínios económicos, sociais e culturais mais severamente atingidos

Marcelo começa por enaltecer o esforço não só dos portugueses que residem em território nacional, mas também da diáspora. Mas essa introdução, tem um propósito: chegar ao ponto em que pede aos emigrantes que — no regresso à terra para o Natal — não baixem a guarda. Dirige-se aos “que chegam para as festas” para que não desperdicem os “pesados sacrifícios” que têm sido feitos. Faz ainda uma breve referência à parte económica — já foi maior noutras intervenções — dizendo que continua a ser necessário reforçar a “intervenção pública em domínios económicos, sociais e culturais mais severamente atingidos”. É, portanto, um recado para o Governo: o Estado tem de continuar a apoiar os mais desfavoráveis e setores mais atingidos como restauração ou a cultura.

“Tudo isto para pouparmos novos confinamentos totais, ainda que localizados. Tudo isto para conciliarmos um tempo de família com uma sensata maturidade cívica.”

É preciso não voltar para trás. É verdade que o país já não vai voltar a fechar como março e abril, mas o Presidente avisa que — se não houver cuidado — há municípios que podem vir a ser sujeitos a confinamentos com um grau muito idêntico ao período mais enclausurado da pandemia (ao estilo da primeira vaga). E volta a apelar à “maturidade cívica” dos portugueses para não deitarem tudo a perder com negligências natalícias.

“Tudo isto para não entrarmos em 2021 com um novo agravamento da pandemia, antes mesmo de as vacinas poderem ter efeitos visíveis no maior número dos até agora não imunizados. E que somos a maioria esmagadora dos Portugueses.”

As vacinas vão demorar e, apesar dos números muito elevados da segunda vaga, a maior parte do país tem escapado à Covid-19. Afinal, quantos portugueses estão infetados? Esta é uma matéria de estudo que tem interessado a Marcelo Rebelo de Sousa. Na reunião no Infarmed, o Presidente questionou mesmo de forma crítica o especialista Henrique de Barros por estimar uma imunidade na população na ordem dos 10-15% com base em estudos locais, quando os dados a nível nacional apontavam para cerca de 4-5%. A formulação que aqui encontrou cabe em ambos os valores: a “esmagadora maioria” dos portugueses ainda não teve Covid-19. Logo, corre risco de infeção.

“Três razões decisivas para mantermos total rigor, total exigência, assim como também, total confiança na nossa resistência coletiva. Com essa confiança enfrentámos quase um ano de pandemia. Com essa confiança entrámos em dezembro a conter a pandemia. Com essa confiança poderemos garantir um melhor início de 2021. Ao fim ao cabo, o nosso objetivo essencial: um ano 2021 que nos permita esquecer, rapidamente, o ano de 2020.”

Marcelo não quer ser populista, mas não resiste a ser popular. E colocar-se no nível do que pensa o cidadão comum. Se todos os portugueses têm vociferado relativamente ao ano de 2020, porque não fazê-lo também? Ainda para mais agora que está quase a acabar. Faz parte da motivação de Marcelo lembrar aos portugueses que 2020 está a acabar e que vem aí um muito melhor 2021. Não é preciso ser vidente para o adivinhar.