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Assunção Cristas chegou quinze minutos antes da hora marcada para a entrevista, quis beber um chá preto. Não havia, só de rosas. Para a líder do CDS não houve problema e foi com um chá rosado na mesa do estúdio de rádio que começou esta conversa com o Observador. Na manhã do dia em que apresenta o programa eleitoral do partido às legislativas, Cristas explicou com detalhe algumas das medidas mais polémicas do partido, nomeadamente o famoso despacho da igualdade de género onde admitiu que uma rapariga em processo de mudança de sexo deve ir a uma casa-de-banho “onde se sentir mais confortável”. Ainda assim, critica a forma “desastrosa” do Governo criar “ruído e confusão”.
Também alinhou os principais pilares do programa eleitoral que vai defender em campanha, tentando desviar caminho do que aconteceu ao partido nas Europeias. Quanto a esse mau resultado eleitoral, diz que se deveu a um erro de comunicação e iliba Nuno Melo de culpas. Aliás, na defesa que faz do seu dirigente, numa comparação entre o que Melo defendeu em campanha com ideias do Basta, chegou mesmo a atribuir ao seu vice uma frase (sobre imigração) que foi dita por André Ventura.
[Veja aqui o ‘best of’ da entrevista a Assunção Cristas:]
O CDS apresenta hoje o seu programa eleitoral e haverá, presumo, novas promessas, algumas já são conhecidas e são muito polémicas. O CDS defende, por exemplo, que os alunos que ficam de fora dos numerus clausus possam pagar o valor total da propina e entrar nas Universidades públicas. Isto para os alunos com dinheiro é fácil, já sabemos, mas o que acontece a um aluno que esteja nessas condições e não tenha dinheiro para pagar a propina total?
De facto, vamos apresentar o nosso programa hoje, que está organizado em cinco eixos. O primeiro tem a ver com a fiscalidade e com a ideia de libertar as famílias e as empresas da maior carga fiscal de sempre. O segundo tem a ver com condições para, no país, as pessoas desenvolverem a sua vida; o terceiro tem a ver com as reformas necessárias para nos projetarmos no mundo global; o quarto tem a ver com um Estado justo e eficiente, e o quinto é sobre o nosso território. Ao longo deste tempo que antecedeu a apresentação do programa fomos trazendo vários eixos e agora farão sentido em todo o seu conjunto.
Mas em relação à proposta sobre as propinas…
A nossa opção é simples: achamos que, se temos nas nossas universidades públicas a possibilidade de termos 20% de alunos vindos de fora a pagar uma propina mais elevada do que aqueles que entram nos numerus clausus, também temos que ter condições semelhantes para alunos portugueses que tenham mérito e que possam pagar um pouco mais, dando-lhes uma alternativa que atualmente não têm. Por isso a medida que propomos tem a ver com o sistema de empréstimos, que é um sistema que funciona bem noutros países. Em Portugal — até por iniciativa do CDS — começou a funcionar, tem tido uma belíssima adesão e esperamos que possa ser aprofundado esse caminho.
Portanto, quem não tem dinheiro tem que se endividar?
Não. Achamos que é possível aumentar a ação social escolar, e é possível estas vagas serem cobertas por ação social escolar. Também é possível as próprias Universidades empenharem-se em encontrar junto do tecido empresarial bolsas para a formação dos seus alunos. As empresas querem essa formação e estão disponíveis para pagar bolsas de estudo a alunos que façam essa formação.
O Estado vai gastar mais, mas nem sabe quanto, é isso?
As regras sobre ação social devem ser melhoradas e devemos ter mais capacidade de ajudar aqueles alunos que não têm possibilidade de pagar a propina que lhes é exigida. As pessoas não devem ser inibidas de estudar se não tiverem recursos para isso. O sistema de empréstimos deve funcionar de maneira muito diferente. Acho estranho e injusto que não possamos ter portugueses a também estar nessas universidades havendo essa possibilidade.
Só não percebi quanto vai gastar o Estado. Esta medida do CDS acrescenta um Y ao que o Estado tinha calculado…
Esta medida do CDS é medida e estudada, o Estado saberá com o que pode e não pode contar. Estamos a falar de um investimento nos recursos humanos em Portugal, estamos a falar de aproveitar o que é a possibilidade de as Universidades formarem mais pessoas, mas simplesmente o Estado não lhes deixa.
O Estado não deixa porque não tem dinheiro…
Mas o que eu acho que faz sentido é dizer que o Estado tem dinheiro para pagar os que ficam nos 100, 150 primeiros lugares, e não consegue pagar todos os outros, mas as universidades dizem que conseguem formar mais 15%, 20%.
Mas isso não são coisas que o Estado pode controlar.
São coisas que as universidades podem, ao abrigo da sua liberdade e autonomia, desenvolver. Acho estranho que o Estado as impeça de fazer isso. Cria um obstáculo. É uma prioridade porque vemos o tecido empresarial a pedir mais engenheiros e as universidades a dizerem que podiam formar mais pessoas. Acredito que podemos encontrar soluções com as universidades para que isto não tenha um custo significativo.
A ação social escolar e as bolsas não resolvem os problemas dos alunos sem recursos. A propina real é muitíssimo mais alta, pode chegar aos 12.500 euros em Lisboa. Se o Estado apoiar com 856 euros ficam a sobrar, no teto mais alto, 11.654 euros que os alunos sem recursos terão que ir buscar a algum lado.
Se estamos a falar de 10 mil alunos, os estrangeiros são 12 mil, em 7.500 alunos haverá aqueles que não têm problema em pagar. Na parte em que tem problema é preciso encontrar soluções e co-responsabilizar as universidades que têm vontade de abrir as vagas e encontrar soluções, e são as primeiras interessadas. Um estudante que está em part-time para ajudar a família, não deve ser contabilizado para agravar os impostos do agregado familiar e retirar qualquer apoio. Esta ideia parte de uma grande injustiça, de uma perplexidade muito grande. Temos universidades muito boas, um país a precisar de gente mais formada — nas áreas em que o tecido empresarial precisa — vemos as universidades com vontade de fazer esse alargamento, mas vemos o Estado dizer que não deixamos porque não conseguimos pagar mais. Achamos que não é sensato, que não é justo, que há uma alternativa que é preciso explorar e que assim não fica ninguém de fora nem impossibilitado de estudar.
“Não posso estar a projetar coisas com base em fantasmas ou diabos”
Já anunciou publicamente que a grande prioridade do CDS é baixar os impostos. Com a situação, neste momento, a nível mundial, com a questão da guerra comercial entre a China e dos Estados Unidos, do Brexit e de uma possível recessão da Alemanha, se houver, de facto, um momento de crise internacional na economia, o CDS continua a manter a garantia de que pode baixar os impostos?
O CDS trabalha com base numa perspetiva conservadora. Aliás, estou a usar as palavras do primeiro-ministro, que diz que o Programa de Estabilidade que apresentou a Bruxelas é conservador. As nossas medidas do programa eleitoral vão no sentido de termos um crescimento bastante mais generoso do que esse, porque acho que nos devemos projetar e aproximar de países como a Irlanda e não ficar abaixo de um crescimento de 2%. Devemos ser mais ambiciosos nisso e para isso é preciso fazer reformas. A fiscalidade é uma delas, mas há outras.
Quais?
Eu não posso estar a projetar coisas com base em fantasmas ou diabos que são levantados de vez em quando, ou com base em crises que há dois anos ouvimos dizer que vão aparecer mas que não apareceram, felizmente. Também sabemos que a economia nos diz que ela aparecerá, não se sabe é quando. Agora, o nosso dever enquanto atores políticos é apresentar propostas para nos preparar melhor para uma eventual situação pior, para quando ela aparecer, sendo que não sabemos quando é que vai aparecer. A nossa opção é muito simples: ou não fazemos nada, esperamos que apareça o problema e não vamos estar preparados para o enfrentar, ou fazemos tudo o que está ao nosso alcance para quando um problema chegar — daqui a um ano, daqui a dois, daqui a dois trimestres — estarmos mais preparados. E no CDS achamos que a fiscalidade faz parte destas ferramentas para nos preparar melhor para situações mais difíceis.
Baixar impostos é parte dessa preparação?
Achamos estranho que durante este tempo todo estava tudo muito bem mas não havia margem para baixar impostos. Agora, supostamente, vamos chegar a um tempo de equilíbrio das contas públicas, vai haver um superávit orçamental e aqui-d’el-rei também não é tempo de baixar impostos porque vem aí uma crise. Então quando é que é tempo para baixar impostos? Achamos que baixar impostos é benéfico para a economia, é benéfico para vida das pessoas e isso dá sentido ao seu trabalho: as pessoas trabalham e faz sentido trabalhar porque a seguir vão ver o resultado do seu próprio trabalho e vão poder viver um pouco melhor, vão poder perspetivar a sua vida e planear a sua vida. Porque é que nós dizemos que queremos chegar em seis anos a 12,5% no IRC? Por uma razão muito simples: olhamos para a Irlanda e percebemos que um país que também sofreu um resgate como Portugal cresce neste momento a níveis muito superiores, a 4% a 5%.
Não se deverá apenas a taxas de IRC, presumo.
Mas olhe que a taxa de IRC é ultra competitiva e, na altura, a troika na Irlanda quis que eles aumentassem e eles fizeram finca pé, mexeram noutras coisas mas não mexeram na taxa de IRC porque sabiam que isso era crítico para atrair investimento e para manter investimento no seu país. A Irlanda tem uma economia com 120% de exportações. Portugal está nos 44%. Quando o Governo começou estava em 29% de exportações. Portanto, é um caminho que é preciso fazer e o que nós achamos é que a fiscalidade é uma das áreas onde é preciso fazer uma reforma. Achamos que é justo para as pessoas, porque esforçaram-se e sacrificaram-se muito.
Mas a questão é se o que se propõe é realista. Falou de cenários que ainda não chegaram, mas eles de vez em quando chegam, como sabe porque fez parte de um Governo que teve que lidar com uma situação complicada…
É realista e tanto é realista que nós até dizemos, por exemplo, que a baixa do IRC de 15% para todos os escalões deve ser feita ao longo de quatro anos. E até dizemos que deve começar em 2021, porque é em 2021 que começa a folga orçamental, o superavit. Nós dizemos que esse excedente deve ser utilizado da seguinte maneira: 60% para baixar impostos para todos os portugueses, — trabalhadores do setor privado e do setor público — e os outros 40% para baixar a dívida, que é outro aspeto crítico.
“Prioridade número um é baixar impostos. Se as coisas se alterarem, fazemos cortes na despesa”
Mas não corre o risco de estar a fazer uma promessa de baixa de impostos e pronunciada, nomeadamente no IRS, e chegar a 2021 e afinal o excedente não existir porque entretanto houve uma crise económica?
A nossa prioridade número um é baixar impostos. E se as coisas se alterarem, nós trataremos de fazer cortes na despesa. Porque a vontade e a prioridade política é de baixar impostos. É a nossa prioridade número um.
Mesmo que haja uma crise semelhante à de 2012?
É importante para nós baixar impostos por várias razões. Primeiro, porque achamos que isso é essencial para termos uma economia mais competitiva e mais preparada para esses embates.
Mesmo em ambiente de crise?
Há duas coisas que nós podemos fazer: uma delas é cruzar os braços, não fazer nada e esperar que a crise chegue. E acho lamentável que ao fim de quatro anos em que se tenha dito que não há crise nenhuma, e quem fala em crise está a levantar um diabo, agora de repente em vésperas de eleições já serve ao primeiro-ministro falar de uma crise. Ora, aquilo que nós vemos é um Programa de Estabilidade apresentado em Bruxelas, que eu acho que até tem um crescimento poucochinho, e que devemos ir muito além daquilo. Para irmos além daquilo precisamos de um conjunto de reformas, que o CDS propõe, como por exemplo uma baixa de IRC.
Mas que não sabe se vão acontecer.
Se depender do CDS e se tivermos força nas urnas vão acontecer.
Portanto, não acredita numa crise em breve prazo?Acredito que temos que fazer tudo o que está ao nosso alcance para nos prepararmos para qualquer circunstância, para qualquer cenário, seja ele de crise ou não. Acho que este foi um tempo perdido do ponto de vista das reformas do país. E também foi um ponto perdido do ponto de vista da fiscalidade ligada às empresas. Recorde-se que o acordo que foi feito em tempos com o Partido Socialista nos levaria hoje já a um IRC de 17%, ele continua nos 21%. As empresas estão asfixiadas, não conseguem investir, estão asfixiadas por impostos, por taxas que todos os anos têm crescido. Nós temos a maior carga fiscal de sempre — e isto não é opinativo, é um facto registado nas nossas contas e perfeitamente objetivo — e isso não ajuda a nossa economia nem nos prepara para situações menos fáceis que possam vir a acontecer, quando vierem a acontecer.
E se isso acontecer, e havendo a prioridade para baixar os impostos, que obviamente é um corte na receita do Estado, já nos disse que se isso acontecer vai cortar na despesa. Onde? Não nos diga, por favor, que é outra vez os consumos intermédios.
Aquilo que eu lhe vou dizer é muito simples: nós trabalhamos e tivemos essa seriedade intelectual para poder haver comparação nos vários programas eleitorais. Trabalhamos sob um documento oficial validado por Bruxelas. Não inventamos outros documentos ou não criamos outros cenários, que poderíamos legitimamente ter feito, mas não o fizemos precisamente para não sermos criticados por isso e para podermos comparar o que é comparável. Está previsto um conjunto global de despesa e nós achamos que com as nossas propostas é possível baixar impostos e ter uma dinâmica da economia benéfica e melhorar.
“Se toda a gente acha que vem aí uma crise, o melhor é despachar já o governo do PS”
Se houver um problema como toda a gente antecipa, vai cortar onde?
Se houver um problema, provavelmente o CDS não está no Governo e não antecipou reformas que nos ajudam a estarmos mais robustos para esse problema. Aliás, eu começo a achar que se toda a gente acha que vem aí uma crise, o melhor mesmo é despachar já o governo do Partido Socialista, porque se há coisa que nós sabemos é que eles não sabem tratar de crises, sabem pôr o país numa crise e sabem afundar o país. E se toda a gente de repente acha que vai acontecer alguma coisa muito má daqui a pouco tempo, então é melhor mudar o governo já para rapidamente podermos pôr em marcha propostas que nos ajudem a estar mais preparados para uma qualquer circunstância dessas, que infelizmente não é isso que está a acontecer.
Mas a questão é que vai apresentar-se a eleições, e está a apresentar o seu programa, já estabeleceu prioridades e já disse aqui também que se não for possível fazer as coisas como tem previsto, o CDS vai cortar na despesa. A questão é saber se o CDS já identificou algumas áreas onde esse corte possa ser feito ou se está a fazer apenas uma questão vaga.
Sim claro, mas eu respondi à vossa pergunta. E a prioridade do CDS é muito clara: pegando num Programa de Estabilidade que está apresentado com cenário macroeconómico validado em Bruxelas, é dizer o que é que nós fazemos neste contexto. E o que vocês me estão a perguntar é “E se o contexto todo mudar?” E o que eu vos digo é que, com as propostas do CDS e se o CDS tiver poder para as executar, o cenário muda, mas muda para melhor porque nós vamos fazer reformas na área da justiça, da educação, da formação profissional. Tendo empregabilidade na formação que é feita, coisa que não existe atualmente, indo ao encontro da necessidade das empresas e da escassez de mão de obra. Quando eu vou ao setor metalúrgico o que me dizem é: “Preciso de engenheiros, até soldadores”. Quando vou para novas tecnologias o que me dizem é que não têm gente suficiente formada na área digital. Como é que a revolução digital está aqui em todo o lado e nós não temos no nosso catálogo de formação nada direcionado para a formação digital? Isso é ultra-urgente preparar.
“Não estaria a contratar funcionários públicos como este Governo está a contratar”
Tem falado na necessidade de rejuvenescimento da Administração Pública, de valorização do mérito, tem defendido até “alguma consequência para quem trabalha menos”. Está a pensar em que medidas concretamente? Despedir funcionários públicos?Estou a pensar em identificar bem aquilo que quero que a Administração Pública faça e que faça melhor. Quando já estamos no mundo digital, não faz sentido todos podermos fazer uma coisa através da internet e continuarmos a pagar o mesmo e os funcionários serem os mesmos. Alguma coisa tem de se transformar profundamente. Faz todo o sentido que a Administração seja rejuvenescida e tenha gente com competências diferentes e mais competência em áreas onde é carente. Outra coisa que faz sentido é que alguém possa entrar para a Administração Pública a meio da carreira, por exemplo. Os serviços têm de ser avaliados e tem de haver consequência dessa avaliação.
Mas dessa reforma que o CDS defende faz parte uma redução do número dos funcionários públicos?
Faz parte uma avaliação muito significativa daquilo que são os funcionários de que precisamos.
O que é que isso quer dizer?
Acho que há áreas onde temos funcionários a mais e áreas onde temos funcionários a menos.
Era só transferir de uma área para a outra ou reduzir o número total?
Não, não é transferir de uma área para a outra, é preciso perceber como é que as transformações se fazem.
Reduzir e despedir pessoas?
Não direi isso, até porque o Tribunal Constitucional não deixa. Como sabe não deixa nem despedir pessoas nem baixar salários.
Mas como faz isso então?
Trabalhamos com base no que existe, o que para nós é importante é que o mérito valha na função pública, como em muitas áreas na nossa sociedade e devia valer mais.
A questão é se isso implica reduzir os funcionários públicos.
Eu não estaria a contratar funcionários públicos como este Governo está a contratar.
Portanto, congelar admissões?
Não, não é congelar. É manter um rácio de saídas e entradas, mas não é um rácio cego, é olhando para cada área da Administração Pública, percebendo onde temos falta de gente — e temos falta de gente qualificada em áreas específicas — e onde há pessoas a mais, porque são funções que deixaram de existir e deixarão de existir no mundo digital. Essas pessoas continuam a ter toda a segurança e toda a rede porque só pode ser assim e não de outra maneira.
Qual o rácio de entradas e saídas que considera conveniente? Não tem um número na cabeça?
O que não acho conveniente é estar-se a contratar como se está a contratar. Não tenho um rácio na cabeça, tenho é um objetivo muito claro que é valorizar o mérito, garantir que há uma avaliação na função pública que é consequente e, portanto, quem trabalha bem é premiado, quem trabalha menos bem é ajudado a requalificar as suas funções para que possa trabalhar bem nessa ou noutra área. Uma reforma da Administração Pública é muito importante porque é um aspeto crítico da competitividade do país, mas o foco do CDS está no setor privado, porque é ele o grande motor do desenvolvimento do país e não vejo as pessoas preocupadas com as empresas e os empresário que, neste momento, são heróis com toda a carga fiscal que têm, toda a burocracia, toda a falta de pessoas formadas que não conseguem reter.
Há uma coisa na Administração Pública que considera que funciona tão bem — a ADSE — de tal forma que a quer abrir a todos os trabalhadores. Ou a ADSE deixa de ser o que é ou colapsa, não é?
A ADSE já deixou de ser o que é ou o que era. Era um regime específico dos funcionários públicos e passou a ser voluntário para os funcionários públicos, e sustentado exclusivamente as suas contribuições. Ou seja, o Estado empregador não contribui para a ADSE. A questão que eu coloco é se faz sentido dois portugueses, um do setor privado e outro do público, um tenha a possibilidade de ter um seguro de saúde público…
Não, desculpe mas a ADSE não é um seguro.
Simplificando: a um é-lhe dada essa possibilidade, a outro não. Qual é a razão quando o sistema é completamente voluntário e quando o Estado não põe um euro nesse sistema? Mais: eu acho que a ADSE não funciona maravilhosamente, aliás, tem questões e desafios de sustentabilidade. É preciso estudar, mas nós não queremos acabar com a ADSE, o que queremos é melhorá-la e progressivamente garantir a sua sustentabilidade, abrindo-a a outras pessoas.
Na ADSE entra-se independentemente do historial clínico e paga-se 3,5% apenas. O que tem acontecido é que as pessoas que ganham mais começam a ir à procura de seguros privados. Se abrir aos privados mantendo esta regra, vai ter pessoas que não conseguem seguros privados, por causa do historial clínico. Vai abrir as portas para uma série de problemas na ADSE, certo?
O que o CDS sempre disse e eu continuo a dizer é que é preciso estudar para que o princípio seja de alargamento e não de extinção da ADSE para que o princípio seja de sustentabilidade, o mais possível não termos dois países e dois regimes diferentes.
Ou seja, a ADSE em vez de ser apenas pelos tais 3,25% do rendimento, passar a estudar o historial clínico de quem quer entrar, acabar com uma série de regalias e no fundo transformar-se, é isso?
Fazer o estudo e o trabalho para garantir que é sustentável e que é possível abrir a todas as pessoas que o queiram. Obviamente dentro de regras, condições e olhando para esta questão da sustentabilidade. Mas permitindo que outros possam aderir a um sistema que consideramos interessante e positivo. Ajuda-nos a ter uma liberdade de escolha no tratamento e na procura de cuidados de saúde e ajuda-nos a não sobrecarregar um SNS que tem muitas deficiências e que hoje está pior do que nunca, num verdadeiro caos. O CDS quando defende que, quando não há uma consulta de especialidade onde o tempo de espera normalmente são três meses, as pessoas devem poder ir a qualquer outro lado, ao setor social e ao setor privado.
Porquê?
Porque isto é aquilo que uma pessoa que tenha ADSE ou que tenha um seguro privado de Saúde ou que tenha dinheiro do seu bolso, na verdade, já faz. Se o seu médico de família lhe disser que tem de ir a uma consulta de urologia com urgência e se ficar um dois, três anos à espera, se puder não fica. É muito desigual e injusto que quem não tenha essas possibilidades fique à espera, às vezes anos. É isso que é preciso transformar. Não gostamos de ver um país dividido ao meio, em que uns, porque estão no setor público têm determinados regimes e outros, no setor privado têm regimes diferentes. Há coisas que não podemos mudar, mas há outras em que podemos caminhar no melhor sentido. Esta da ADSE é delas, com cuidado, com cautela, fazendo transformações. Conhecemos os riscos todos mas achamos que o princípio é de manter e não distinguir, e abrir aos portugueses em geral a possibilidade de terem também essa escolha.
“A estratégia do CDS não mudou. Queremos continuar a construir uma alternativa de centro-direita”
Estas vão ser as suas primeiras legislativas como líder do CDS. Para toda a gente terá ficado evidente que houve alguma mudança de narrativa nos últimos meses. Digo isto porque conhecemos a Assunção Cristas que se apresentava publicamente como a candidata a primeira-ministra da direita e agora o seu discurso já não é exatamente assim.
Eu não mudei narrativa nenhuma.
Não a ouvimos dizer novamente que é candidata a primeira-ministra da direita. Ainda é?
Não mudei narrativa absolutamente nenhuma.
Não mudou de atitude nos debates quinzenais com António Costa, por exemplo?
Olhem para os discursos do CDS no congresso e a moção do CDS ao Congresso e aquilo que está lá é sempre a mesma coisa. Depois de 2015 mudou, na prática, o nosso sistema e é possível alguém ser primeiro-ministro sem ficar em primeiro lugar nas eleições. Foi o que aconteceu com António Costa, perdeu as eleições, teve uma maioria que o apoiou, é primeiro-ministro.
Então isto foi um erro de perceção, continua a ser a candidata a primeira-ministra da direita, é isso?
O que digo é que deixou de haver a pressão do voto útil, que havia muito. Para se poder liderar um governo era preciso ficar em primeiro lugar. O que é isto quer dizer? Que as pessoas podem escolher o partido em quem votar não com a pressão de termos de votar naquele porque é o único que lá chega, o que acontecia muito na relação entre PSD e CDS. “Gostamos muito de vocês, mas temos de pôr o voto em quem possa chegar lá para ficar em primeiro lugar”. Era esta a preocupação das pessoas e isso hoje deixou de acontecer. Sabem que podem votar no CDS pelas suas propostas e pelas suas ideias. Podemos não ficar em primeiro lugar à frente do partido Socialista, isso é bastante natural e evidente.
Mas pode ficar à frente do PSD?
Não quer dizer que não possamos crescer. É o objetivo de qualquer partido ou de qualquer organização. Ficar na primeira linha. A estratégia do CDS não mudou. Queremos continuar a construir uma alternativa de centro-direita em Portugal e isso faz-se com metade do parlamento mais um. E temos a ambição de ser a primeira escolha um dia. Pode acontecer agora ou não, pode ser no futuro. Mas depois de 2015 podemos dizer às pessoas que votem em nós que damos um conjunto de garantias. Só estamos no espaço político de centro-direita, não apoiamos António Costa, queremos contribuir o mais possível para um governo que seja uma alternativa porque o país precisa dessa alternativa.
E depois de 2019, das Europeias de 2019, que sinal é que os eleitores lhe deram?
Foi claramente não terem percebido as prioridades do CDS. Acho que os eleitores não perceberam afinal porque é que faz sentido votar no CDS. Afinal ao que vem o CDS.
Mas isso foi um problema dos eleitores ou foi um problema do CDS?
Em política os problemas nunca são dos eleitores. São sempre de quem não consegue fazer passar a sua mensagem aos eleitores. Aqui tenho uma posição de grande humildade e aprendizagem.
Foi um problema de passar a mensagem do CDS ou de passar uma mensagem que não era aquela que os eleitores queriam ouvir?
O que lhe posso dizer é que as pessoas não compreenderam as nossas prioridades. Portanto, passámos mal uma mensagem, parece-nos evidente. Agora o que é que temos feito desde então? Continuar com o trabalho. Este programa eleitoral que é apresentado hoje não foi feito em dois ou três meses, foi feito em mais de um ano e meio, começou com o Ouvir Portugal em novembro de 2017, teve muitos grupos e muita gente que se juntou para o fazer. O que temos é um programa muito sólido de verdadeira alternativa, com ambição para Portugal e onde coloca as nossas prioridades de forma muito clara.
Que são?
Se calhar já estão cansados de me ouvir dizer, mas eu vou dizer mais uma vez, a nossa prioridade número um é baixar a carga fiscal e libertar os portugueses e as empresas da maior carga fiscal de sempre. E depois há a prioridade da família, permitir que as pessoas constituam a família que querem e tenham lo número de filhos que desejam. É por isso que propormos licenças de paternidade flexíveis entre pai, mãe e até avós, durante um ano. Achamos que as creches devem existir a sério e rapidamente, nomeadamente contratualizando com o setor social e com o setor privado, não necessariamente construindo creches camarárias ou estatais. É preciso ter um olhar humano para os mais idosos, uma rede de cuidadores, outra questão relevante da nossa sociedade, dar cuidados paliativos, é por isso que nós recusamos a eutanásia. É por isso que olhamos para as reformas que é preciso fazer no país para que ele esteja preparado e seja competitivo. Vamos à formação profissional, ao ensino, aos currículos, vamos à investigação. Se há coisa que nós sabemos é que se queremos melhorar o perfil da nossa economia e sermos mais inovadores (e queremos), é preciso que os investigadores possam fazer trabalho de doutoramento nas empresas e não sejam penalizados por isso na sua carreira académica, é outra transformação que temos de fazer. É preciso olhar para a justiça, ter um combate violentíssimo para a corrupção, mas também olhar para as questões de justiça económica de forma muitos séria.
“Não tenho dificuldade em identificar aí uma frase de Nuno Melo”, diz Cristas sobre frase de André Ventura
Na última entrevista que deu, à TVI, falou na possibilidade de uma coligação à direita mas excluindo o Basta (Chega). Porquê?
O CDS tinha uma coligação para a câmara de Loures em que o candidato número um era o atual presidente do Basta. Afastámo-nos dessa coligação porque rejeitámos em absoluto declarações que foram feitas à época pelo candidato. Compreenderá que quem se afastou dessa coligação na altura – e tínhamos muitas com o PSD, partido com quem temos as melhores relações -, obviamente agora, que essa pessoa até saiu do PSD e não mudou as suas ideias, não se reveja nesse registo. Com o Basta não nos entendemos, com os outros todos com certeza que temos oportunidade de nos entender.
Em certas matérias, curiosamente, o discurso do CDS e os André Ventura parecem comuns.
Não entendo.
Consegue dizer-me se esta frase é de André Ventura ou de Nuno Melo, nas Europeias: “Não queremos fechar a porta a quem procura a Europa como ponto de acolhimento, não podemos é deixar que cheguem e entrem de qualquer maneira”?
Nem sequer vou estar a entrar nessa temática e a discutir isso.
Porquê?
Há muitas declarações de André Ventura com as quais eu não concordo. Por exemplo, quando ele diz que 100 deputados bastam. Gostaria de saber o que é que se passa no interior do país quando neste momento tem tão poucos deputados.
A frase é de quem, de Nuno Melo ou de André Ventura, consegue dizer?
Não tenho dificuldade em identificar aí uma frase de Nuno Melo.
A frase é de André Ventura.
Mas poderia ser de Nuno Melo.
De facto Nuno Melo tem uma frase parecida, numa entrevista ao Expresso: “Precisamos de pessoas mas não de quaisquer pessoas”.
O CDS sempre disse o que qualquer partido democrático e respeitador das pessoas diria: nós temos de acolher as pessoas bem. Mas só conseguimos acolher bem as pessoas se tivermos uma política de imigração cuidadosa. E eu acho que o país precisa muito de imigrantes como os outros países precisaram dos portugueses. E essa matéria para mim é particularmente sensível porque temos muitos milhões de portugueses espalhados pelo mundo. Somos um país de emigrantes e temos de ter uma particular sensibilidade quanto à imigração. Agora, sabemos que se não tivermos políticas cuidadosas vamos estar a acolher mal e sem humanismo. E isso é desastroso.
O critério é olhar para o passado das pessoas e perceber que vêm por bem?
Há vários critérios e acho que essa questão deve ser discutida na sociedade portuguesa.
Mas esse discurso não é muito semelhante ao do Basta?
Vá ver se é semelhante noutras áreas.
Posso ver em relação às armas, por exemplo. De quem é a seguinte frase: “Um cidadão que não pertence às forças de segurança pode ou não ter armas? Eu acho que sim.”?
Em Portugal, esse não é um assunto. E não será pela mão do CDS que passará a ser um assunto.
Mas esta frase, por acaso, é de um dirigente do CDS — Nuno Melo. Embora André Ventura tenha uma parecida, onde pergunta se “não seria mais justo e equilibrado que as armas estivessem no bolso dos cidadãos, os defensores civis da lei e da ordem”.
Rejeito em absoluto essa frase de André Ventura e devo dizer que esse não é um assunto que vá ser trazido pelo CDS. Não está no nosso programa eleitoral, não é uma prioridade nossa.
No entanto, foi uma frase dita por Nuno Melo. Foi este o tipo de “má comunicação” que houve na campanha das eleições europeias?
Quanto ao posicionamento do CDS, as questões são muito claras: queremos construir uma maioria de centro-direita em Portugal. E essa maioria faz-se com todos os partidos que partilham de valores em que o CDS se revê, obviamente respeitando as diferenças de cada partido. Perguntaram-me se um determinado partido podia fazer parte dessa coligação. A resposta é muito clara: não. E não é não.
Em matérias conservadoras e securitárias o CDS e o Basta não têm pontos similares?
A resposta é não. A resposta é não. Nós não temos nada a ver com o Basta, o CDS tem um património de humanismo e de democracia-cristã que eu prezo muito. Portanto, com o Basta não vamos ter certamente nenhuma coligação.
Estas frases são incómodas para si, claramente. A questão é perceber se este tipo de declarações de Nuno Melo foram decisivas para o resultado que o CDS teve. Identifica-se com elas ou foram ditas coisas em campanha com as quais Assunção Cristas não se identifica?
Incomoda-me quererem colar o CDS a um partido que eu não vejo como benéfico na nossa sociedade. É importante esclarecer isso para separar águas. As europeias já lá vão, Nuno Melo é um grande ativo do CDS e é um excelente eurodeputado. Todos gostaríamos de ter tido um melhor resultado nas europeias. O resultado dessas eleições não é de Nuno Melo: é meu e de todo o partido. E disse-o oportunamente. As prioridades do programa eleitoral são outras, nas quais o Nuno Melo também se revê. Eu acho que é isso que temos de estar a discutir agora. Peço imensa desculpa mas as europeias já lá vão. Se há coisas que eu aprendi é que cada eleição é uma eleição: tive 21% em Lisboa e 6,2% nas europeias. Agora temos legislativas e é isso que temos de disputar. E eu separo as águas quando sou levada a fazê-lo. As prioridades do CDS são estas: baixar impostos, puxar pelo setor privado, permitir que as famílias tenham a sua vida, olhar para o território de forma integrada e fazer reformas para termos competitividade. O resto é ruído.
Identidade de género nas escolas. “Estas questões devem ser tratadas com as famílias, as escolas e os professores”
Vamos então sair das europeias e falar de atualidade. Uma das matérias mais discutidas e mais polémicas da política portuguesa foi a do despacho sobre a identidade de género nas escolas. Olhemos para uma situação concreta: uma rapariga estudante do ensino secundário está no processo de mudança de sexo. Na sua opinião deve ser obrigada a ir à casa de banho das raparigas ou não?
Claro que não. E acho que deixei isso bastante claro. Na minha opinião essa rapariga pode ir à casa de banho onde se sentir mais confortável. E acho que isso se resolve conversando com a rapariga, que tem direito à sua tranquilidade e ao seu conforto, com a família, com a escola e com os professores. Aquilo que eu critiquei foi a forma desastrosa de criar ruído e de gerar confusão. Sobretudo por não tratar de forma humana estas situações.
Sente que essa posição é unânime no CDS ou sente que, como diz no seu livro que sentiu quando entrou partido, em matéria de costumes Assunção Cristas é mais conservadora ou mais liberal do que uma parte mais substancial do partido?
Sinto que as crianças devem ter direito à sua tranquilidade e que a sua situação deve ser reconhecida e tratada com toda a delicadeza e eficácia ao nível da escola. E isso é uma opinião de que todo o partido partilha. O CDS preocupa-se com as pessoas e com uma visão humana para todas as pessoas sem exceção, respeitando a sua identidade. Aqui não há nenhuma divergência. Aquilo que choca o CDS e parte do país é haver um despacho cujo alcance não se percebia.
Isso já está esclarecido?
Eu espero que sim. Acho que o próprio Governo percebeu que aquilo não é maneira de tratar um assunto como este, que envolve umas 200 crianças. Sobretudo não é esta a forma de olhar para uma questão tão delicada com um despacho vindo da 5 de outubro para todo o país. Estas questões devem ser tratadas com as famílias, as escolas e os professores, porque é esse olhar humano e de proximidade que resolve estes problemas, não é um despacho do Ministério da Educação.
Mas em matérias de costumes vê-se como uma pessoa mais liberal do que a maioria do CDS?
O CDS tem posições muito diferentes em relação a algumas matérias como tem posições absolutamente claras e unânimes em relação a outras. E convivo muito bem com isso. Sempre foi assim e sempre será. Por exemplo, posso garantir que nenhum deputado do CDS votará a favor da eutanásia, que é uma coisa que, tirando o PCP, mais nenhum partido poderá dizer. Isso para nós é fundamental e distingue-nos de outros partidos que concorrem também no espaço político de centro-direita.
Recandidatura? “Essa é a minha última preocupação”
Adolfo Mesquita Nunes aceitou ser administrador não-executivo da Galp e isso foi suficiente para que se entendesse, no partido, que devia deixar a vice-presidência do CDS. Mas apesar de ter tomado posse na empresa, ficou a coordenar o programa eleitoral do CDS, que é apresentado hoje. Porque é que não era compatível coma vice-presidência do CDS mas é compatível com a coordenação do programa eleitoral?
A coordenação do programa eleitoral do CDS até podia ser feita por uma pessoa de fora do partido, da mesma forma que muitos independentes contribuíram ao longo de todos estes meses para o programa do CDS… Estamos a falar de uma função executiva versus uma função de reflexão, de pensamento, de preparação e de agregação de um conjunto enorme de contributos que nos chegaram. São perfis completamente diferentes. De resto, devo dizer que, por mim, o Adolfo podia ter continuado como vice-presidente do CDS. Mas ele achou que era melhor sair, para proteger o partido e o colocar protegido de críticas, mas eu acho que não estamos em condições de prescindir de ninguém, a política precisa de gente válida, sólida, bem formada, como é o caso do Adolfo. Por isso, continuaremos sempre a contar com ele. O Adolfo continua no meu núcleo duro.
Saiu Adolfo Mesquita Nunes, saiu Mota Soares (que não foi eleito para o Parlamento Europeu), Nuno Magalhães deixa a liderança da bancada após as legislativas. Isto quer dizer que as figuras mais reconhecidas do partido estão a desistir de estar na primeira linha?
Não, penso que não. O Adolfo, como acabou de dizer, continua na linha da frente. O Pedro Mota Soares, lamentamos muito que não tenha sido eleito porque se perdeu um grande eurodeputado, mas se há coisa que às vezes sentimos no CDS é que nos faltam vozes sólidas e fortes que não estejam no grupo parlamentar. Acabamos por estar muito centrados no grupo parlamentar. Foi o que aconteceu com Diogo Feio, por exemplo, que é coordenador do gabinete de estudos do CDS e que faz parte do meu núcleo duro, e vai acontecer certamente com o Pedro Mota Soares, com quem eu conto sempre na linha da frente do CDS, agora fora do Parlamento. O Nuno Magalhães vai continuar a ser deputado, compreenderá que oito anos de líder parlamentar não existe em nenhum partido. É natural que todos os ciclos tenham um momento de transição. Portanto, o que vamos assistir é a um grupo parlamentar renovado, gente que continua e gente que vem de fora. Vamos ter jovens no grupo parlamentar, independentes, pessoas experientes, e isso corresponde a uma vitalidade e alargamento do próprio partido.
Só para esclarecer uma questão em relação a Adolfo Mesquita Nunes: é apenas uma questão cosmética? Deixa de ser vice-presidente porque parecia mal, mas continua a influenciar?
Não tem funções executivas no partido mas continua obviamente na reflexão e no núcleo duro do CDS, não vejo nenhum problema em relação a isso.
Ele é que viu.
Ele viu um problema em ter funções executivas. Eu não vi, far-me-á essa justiça.
Então não sente que há já quem esteja a fazer um percurso próprio para a eventualidade de uma sucessão na liderança?
Não, de forma alguma. As pessoas estão todas empenhadas em que o CDS tenha um grande resultado, e prova disso é que o CDS tem-se vindo a alargar, tem vindo a trazer outras pessoas. Como a Raquel Abecassis, que é independente e cabeça de lista por Leiria, ou o Rui Lopes da Silva, por Coimbra, ou o Francisco Rodrigues dos Santos, líder da JP, ou ainda Sebastião Bugalho, só para dizer alguns que acho que vão fazer um excelente trabalho no grupo parlamentar do CDS. Mas seria se em cada eleição ficasse tudo igual, era sinal de que o partido não tinha vitalidade nem capacidade de alargar.
Dando um salto para o pós-legislativas, pode garantir que vai recandidatar-se a líder no próximo congresso?
Eu estou apenas preocupada e focada nas eleições de 6 de outubro, que acho que podem correr bem e que o CDS pode ser uma surpresa, mas para isso tenho de gastar todos os minutos e toda a minha energia a explicar porque é que faz sentido votar no CDS. Faz sentido votar no CDS porque valorizamos o mérito, porque queremos baixar impostos para as famílias e empresas, porque queremos reformas no país que nos tornem mais competitivos, porque olhamos para o território de forma integrada, porque achamos que devemos ser líderes na economia azul e na economia verde…
E porque esse resultado pode ser decisivo para manter Assunção Cristas à frente do partido ou não?
Essa é a minha última preocupação. Felizmente, sou muito livre e estou tão livre quanto no primeiro dia. Estou aqui para ter um belo resultado para o CDS e para podermos continuar o nosso trabalho.
O que é que a faria não se candidatar? O resultado das legislativas não é um fator importante?
Não.
Não?
Não, não. E sabe porquê? Porque tenho uma tranquilidade tão grande na minha vida que é sentir que estou na política por serviço. E quando se está por serviço está-se quando faz sentido estar. E a minha preocupação é garantir que temos um bom resultado e que as pessoas compreendem a mensagem do CDS. Não gasto um segundo do meu pensamento a pensar no que acontece depois do da 6 de outubro. Só me preocupa tudo o que vamos dizer às pessoas para que elas percebam porque é que faz sentido votar no CDS. Há muitas boas razões, mas obviamente elas têm de ser percecionadas, percebidas, as pessoas têm de aderir a elas. A minha energia está virada para aí.
O que é que vai fazer um dia quando deixar de ser líder do CDS: vai dedicar-se à vida académica como Adriano Moreira ou ao mundo dos negócios como Paulo Portas?
Eu sou professora universitária na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Para chegar ao fim da carreira ainda tenho uma prova académica, a agregação, sei muito bem o que quero estudar para preparar a minha agregação. O direito privado continua a ser aquilo que intelectualmente mais me estimula, e eu tenho uma grande capacidade para me apaixonar pelas coisas. Portanto, no dia em que eu deixar de fazer serviço político sei que me vou dedicar ao meu trabalho académico. Tenho saudades de estudar profundamente coisas como Direito. Mas estou altamente motivada para termos uma sociedade mais humana e é para isso que estou a trabalhar. Não tenho aqui hesitações nem dramas, nem angústias. Estou na política com toda a paixão e estarei sempre enquanto fizer sentido, e acho que faz sentido estar para defender isto, que não vejo mais nenhum partido defender.
Ainda falta tempo, mas tem-se falado já de presidenciais. Há alguma figura do CDS que neste momento possa ser melhor Presidente da República do que Marcelo Rebelo de Sousa, que é militante do PSD?
Estamos a tratar de legislativas, cada coisa a seu tempo. Mas o CDS apoiou, e foi o primeiro a apoiar a primeira candidatura presidencial, portanto esse é um assunto que não nos causa angústias. A seu tempo será tratado. Neste momento estamos a tratar de legislativas, e queremos que haja uma alternativa de centro-direita onde o CDS quer participar, e quer participar da forma mais significativa possível, crescendo o mais possível.
[A entrevista a Assunção Cristas na íntegra:]