Marcos Perestrello, vice-presidente da Assembleia da República e membro da direção do PS, não compreende as razões que levaram à saída de Alexandra Leitão da comissão política da Federação da Área Urbana de Lisboa, já que se trata de um órgão distinto da presidência, de onde Ricardo Leão também acabou de se demitir. Em entrevista ao Observador, o socialista considera que a única justificação é a líder parlamentar socialista ter acrescentado um “gesto político às posições que já tinha tomado sobre essa matéria”.
Já sobre as palavras de José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, que garantiu, quando questionado sobre as palavra de Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, que não iria ser um “censor”, Perestrello defendeu que o presidente do Parlamento “tem o dever de advertir quando os deputados ultrapassam determinados limites”. Também recusou que Santos Silva tenha contribuído, através da sua prestação no cargo, para o crescimento do Chega, dizendo que se trata de uma “acusação absurda”. Quanto às eleições presidenciais, considerou Mário Centeno um “belíssimo” candidato a Belém.
O presidente da Assembleia da República disse numa entrevista recente ao Observador que não mandaria calar o líder parlamentar do Chega se dissesse, no Parlamento, aquilo que disse na televisão sobre os polícias, que se disparassem mais a matar o país estaria mais na ordem. Concorda com esta posição de Aguiar-Branco?
As coisas nunca são inteiramente a preto e branco e é difícil, eventualmente impossível mandar calar uma pessoa, mas não mandar calar não significa que no fim não constitua uma obrigação, um dever de quem está a dirigir os trabalhos de advertir acerca da ultrapassagem de determinados limites e da utilização de determinada linguagem que, fora do contexto parlamentar, pode constituir um crime e que no contexto parlamentar não é porque está ao abrigo da imunidade que protege a liberdade de expressão dos deputados.
Mas o presidente da Assembleia da República diz precisamente que aquilo que pode ser um crime há de ser julgado depois e por outras instâncias que não a Assembleia da República. Daí ele achar que não deve intervir.
O regimento da Assembleia da República confere ao presidente da Assembleia da República os poderes necessários para que o debate se prossiga dentro de um quadro de normalidade democrática e de normalidade de linguagem. Os poderes do presidente da Assembleia da República não estão limitados à utilização de determinados vocativos em direção aos outros deputados. A função do presidente da Assembleia da República não é garantir que o deputado trata o deputado a quem se dirige por senhor deputado e não por tu. Também tem esse dever porque o debate deve decorrer dentro de regras de urbanidade e deferência e de respeito das pessoas umas pelas outras. Entendo que o presidente da Assembleia da República dentro dos seus limites tem o dever de advertir quando os deputados ultrapassam determinados limites. Há parlamentos onde esse dever é levado ao ponto de os deputados serem expulsos da sala, proibidos de assistir a sessões durante um número determinado nas regras de sessões seguintes. Há inclusivamente até multas pecuniárias. Nós não temos essa definição.
Mas acha que devíamos chegar até aí?
Não, acho que não.
Portanto, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Devia intervir-se mais?
Acho que temos instrumentos suficientes e penso que o presidente da Assembleia da República, independentemente dessa afirmação ou de outras que tenha feito, tem utilizado com cum grano salis, com sabedoria, os instrumentos que estão ao seu dispor para manter o debate dentro de alguma urbanidade.
Acha que tem feito melhor do que os antecessores?
Não quero fazer essas comparações. Cada um fez o seu trabalho de acordo com o entendimento que fazia do regimento. Cada um fez o seu trabalho conforme melhor pôde e melhor entendeu. Acho que no balanço de 50 anos de democracia parlamentar, apesar de tudo, temos tido o Parlamento a funcionar com normalidade e com urbanidade e isso é um trabalho que foi conseguido pelos deputados, mas também pelos diferentes presidentes da Assembleia da República. Nós também não devemos ser muito generosos na atribuição de poder de decisão do que se pode ou não pode dizer a uma pessoa que ainda por cima tem que decidir em cima do momento. Portanto, o bom senso, a sensatez, são instrumentos fundamentais na gestão dos trabalhos e cada um faz.
Mas não é um pormenor, é um assunto tão delicado que, por exemplo, o anterior presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, foi acusado de ter contribuído para o crescimento do Chega com o tipo de intervenção que teve. Acha que isso pode ter uma influência a esse nível?
Acho que essa acusação é uma acusação absurda, com certeza que não faz sentido, não vejo como isso possa ter acontecido. Lembrava uma afirmação bastante irónica do primeiro-ministro António Costa, quando foi confrontado numa conferência de imprensa, mais ou menos com essa mesma acusação que aqui está a citar feita ao anterior presidente da Assembleia da República, e disse com ironia que não tinha televisões, que não tinha jornais, que não tinha rádios, portanto não era seguramente ele que transmitia as posições do Chega. O anterior presidente, Augusto Santos Silva, conduziu os trabalhos de acordo com a interpretação que fez em cada momento daquilo que tinha que fazer. Peço que todos também concordaremos que houve provavelmente e seguramente mais exageros por parte de deputados do Chega do que propriamente do presidente da Assembleia da República. Acho que podemos aqui lembrar qual foi o comportamento dos deputados do Chega quando, a convite do Parlamento português e até do Presidente da República, o presidente eleito do Brasil veio a uma cerimónia no Parlamento Português.
É presidente da mesa da Comissão Política da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS. Esta semana, Alexandra Leitão saiu deste órgão por discordar das declarações polémicas de Ricardo Leão. Isto aconteceu já depois de o líder do PS ter encerrado o assunto. Considera que a líder parlamentar do PS foi pouco solidária?
Com quem?
Com Pedro Nuno Santos.
Não sei, não compreendi as razões do pedido de demissão da Alexandra Leitão, porque a Comissão Política da Federação é um órgão totalmente independente do presidente da Federação. O presidente da Federação é eleito pelos militantes e a Comissão Política da Federação é eleita no Congresso. São órgãos completamente distintos. O presidente da Federação não faz parte da Comissão Política da Federação e, portanto, tratam-se de órgãos completamente distintos. E, portanto, não compreendi exatamente porque é que a líder do grupo parlamentar quis acrescentar esse gesto político às posições que já tinha tomado sobre essa matéria.
Foi uma posição exagerada face às declarações que já tinha tido?
Não sei. Não compreendo a razão de ser por esta razão que lhe estou a dizer. São órgãos independentes um do outro. Não faz sentido porque a Comissão Política da Federação não depende do presidente da Federação, não responde perante o presidente da Federação. Portanto, é uma posição que me custa a compreender exatamente em que sentido foi tomada. A única interpretação que faço é que, eventualmente, quis acentuar um determinado posicionamento político que tinha tomado, mas que, pelas razões que aqui tentei aduzir, me parece que não faz sentido.
E compreende o artigo que foi assinado conjuntamente por três elementos do PS, entre eles o ex-líder António Costa e, mais uma vez depois do líder do partido já ter falado, virem tomar uma posição em defesa da honra do Partido Socialista. Ela não estava devidamente defendida até aí?
Estava. Não compreendo inteiramente o artigo porque o artigo fala de outras coisas. Não fala do problema que estava subjacente às declarações pouco conseguidas do ex-líder da Federação, que tinha a ver com políticas municipais de outra natureza.
Falava, por exemplo, de políticas de imigração e Ricardo Leão queixou-se desse ponto específico.
Não tem nada a ver. Aquilo que estava subjacente às declarações do presidente da Câmara de Loures tinha a ver com as habitações municipais, a ocupação das habitações municipais, do meu ponto de vista motivado por uma questão que se prende com a escassez de habitação municipal face às necessidades, do que conheço de Loures, do que conheço de Lisboa e do que conheço de outros concelhos da área metropolitana de Lisboa. Por cada família instalada há uma que está à espera que lhe seja atribuída a casa. E é neste contexto político que é preciso compreender um bocadinho as coisas.
Consegue compreender as palavras de Ricardo Leão?
Não foi isso que eu disse.
Mas já agora clarifique.
Mas eu clarifiquei, o contexto político tem a ver com a habitação municipal, não tem a ver com as questões levantadas no artigo escrito pelo José Leitão, o Pedro Silva Pereira e o António Costa, e que tem a ver com a política de imigração, integração dos imigrantes, e lembrando um conjunto de medidas que ao longo das últimas décadas foram sendo tomadas pelo PS e que foram um contributo importante para a normalização da vida social na área metropolitana de Lisboa, onde há muitas comunidades, onde persistem bolsas significativas de pobreza, bolsas significativas de pessoas com fortes carências designadamente de habitação, e onde a integração de um conjunto de comunidades, e algumas delas imigrantes, outras não. A maioria das pessoas que vivem nas habitações municipais não são imigrantes, são cidadãos portugueses, famílias portuguesas de gente nascida cá e que têm carências de habitação, que provavelmente nos últimos anos se têm agravado por força do aumento do custo da habitação e que precisam de respostas. Portanto, penso que o artigo fala de uma coisa distinta daquela que esteve na origem desta polémica.
Mas só para perceber qual é a sua posição relativamente à polémica, de alguma forma consegue entender as palavras de Ricardo Leão, quem comete crimes não deve ter a possibilidade de continuar a viver, ou concorda se foi uma dupla penalização, como algumas pessoas disseram?
As palavras do presidente da Câmara de Loures não foram bem escolhidas, levantam inúmeros problemas. Uma atuação daquela natureza levantaria a inúmeros problemas de natureza jurídica, de natureza política, de natureza familiar, humanitária, social. Mas aquilo que me parece ser de lembrar nesta ocasião é o trabalho muito significativo que tem sido feito em Loures, na requalificação dos bairros municipais, quer dos apartamentos e dos edifícios, quer dos espaços públicos desses bairros municipais, o trabalho que tem sido feito na recuperação de rendas em atraso com planos de pagamento para ordenar e tornar iguais as condições em que todos acedem às casas, numa política de obrigações, direitos e deveres que me parece que tem sido equilibrada, e não creio que haja registo em Loures de nenhuma política sistemática de despejos e de perseguições aos moradores nos bairros municipais. Isso é que acho que deve ser valorizado. A Câmara de Loures tem tido uma política positiva de integração e é uma das câmaras, aliás, que procura aproveitar os fundos comunitários disponíveis para isso, para construir mais habitação municipal e valorizar o património municipal que já existe.
E depois de se ter demitido da presidência da Federação de Lisboa do PS, alguém como Ricardo Leão, que acredita que não tem condições para ser líder dessa federação, tem condições para ser recandidato pelo PS à Câmara?
Eu penso que tem. É muito fácil julgar os outros e exigir dos outros comportamentos irrepreensíveis e higiénicos e afirmações irrepreensíveis e higiénicas. A vida não é assim. A vida às vezes tem complexidades, às vezes dizemos coisas que não devíamos dizer, às vezes cometemos erros, mas a vida tem que continuar e, sobretudo, o que responde e aquilo que deve levar-nos a emitir um juízo sobre as pessoas é a ação, e sobre os políticos, é a ação política que essas pessoas e que esses políticos desenvolvem.
O trabalho que fez, desculpa as palavras menos felizes?
Eu penso que a Câmara de Loures, sob a presidência do Ricardo Leão, e se for, por exemplo, comparar com os anteriores anos de presidência de outro partido, melhorou significativamente o trabalho que tem feito nos bairros municipais e as condições de vida em que as pessoas vivem nesses bairros. E isso vale muito mais do que qualquer coisa que tenha dito e não devesse ter dito.
O PS absteve-se na votação do Orçamento na generalidade, prometeu fazer o menos mesmo na votação final global, o que resulta na viabilização da proposta, mas deve prescindir de propostas como o aumento extraordinário de pensões em nome de um excedente que foi o previsto pelo Governo?
Penso que as declarações do secretário-geral do PS nesse sentido foram certas e coincidem com aquele que deve ser o posicionamento do PS. O PS considera este Orçamento mau. Diria até que o que vamos sabendo, porque o Orçamento nunca se percebe exatamente o que lá está dentro à primeira, vai sendo descascado, quanto mais mergulhamos no Orçamento, melhor percebemos o quão mau ele é e como é péssimo. E o primeiro sinal de que o Orçamento é mau é que tem um crescimento de despesa superior ao crescimento de riqueza do país. Neste Orçamento está previsto gastar mais dinheiro, a despesa vai crescer mais do que a riqueza do país, em termos percentuais. Acho que o PS tem a obrigação, e está a fazê-lo, de denunciar essa incongruência, porque isso vai implicar ou mais dívida pública ou mais impostos, porque alguém tem que pagar as contas que vamos fazer e o PS deve assumir o compromisso claro de que, apesar de considerar o Orçamento mau, não vai contribuir para agravar um aspeto essencial que é preciso manter no Orçamento, que é o equilíbrio das contas públicas. E a proposta de lei do Orçamento de Estado que o Governo entregou na Assembleia da República, apesar de prever um saldo orçamental positivo, e eu estou convencido, aliás, que no final o saldo orçamental até será melhor do que aquilo que está previsto.
O Conselho de Finanças Públicas está a prever isso.
Sim, porque o Orçamento está, além do mais, tecnicamente mal feito mas, penso eu, que propositadamente, para que o Governo faça uma espécie de gestão de caixa do Orçamento com cativações orçamentais maiores do que alguma vez existiram.
Mas isso ainda não dá mais argumentos para propostas de alteração como esta, de um aumento extraordinário das pensões?
Não dá, porque o Governo, aquilo que o PS tem que fazer é, de alguma forma, contribuir para que o orçamento se possa desequilibrar mais. E a execução orçamental é da responsabilidade do Governo e o PS não pode contribuir com argumentos para que o Governo tenha desculpas para uma execução orçamental inadequada. O Orçamento é mau, tem um mau planeamento das receitas, tem um mau planeamento das despesas e acaba por confiar na gestão de caixa de um número, num valor exorbitante de cativações, recordando eu que o dr. Miranda Sarmento, quando era porta-voz do PSD para as Finanças Públicas, chamava ao ministro das Finanças de então, não ministro das Finanças, mas o ministro das cativações. Agora, ele, ministro, o mesmo Miranda Sarmento, já não porta-voz das Finanças, mas ministro das Finanças, e é ele próprio que tem o valor maior de sempre para fazer cativações. Essa contradição tem que ser explicada pelo ministro das Finanças e pelo primeiro-ministro.
O seu nome tem sido indicado para concorrer à Câmara Municipal de Cascais nas próximas eleições autárquicas, no ano que vem. Vai entrar nesse combate?
Essas coisas são tratadas a seu tempo e penso que ainda não é o tempo dessas coisas serem tratadas.
Mas é uma hipótese completamente fora da sua cabeça?
Como lhe disse, essas coisas vão a ser tratadas a seu tempo. Fico muito lisonjeado por as pessoas pensarem que tenho boas condições para um desafio dessa natureza, mas a seu tempo essas coisas serão tratadas.
E a liderança de Pedro Nuno Santos fica fragilizada se o PS tiver uma derrota nessas eleições autárquicas?
O PS não vai ter uma derrota nas eleições autárquicas. O PS tem todas as condições para ter uma vitória nas eleições autárquicas. Quando um partido político tem uma vitória, a sua liderança fica fortalecida. Quando um partido político tem uma derrota, a sua liderança naturalmente não fica tão fortalecida, fica naturalmente fragilizada. Isso é da natureza das coisas, mas isso não quer dizer que se atire a toalha ao chão.
Mário Centeno é o melhor candidato que o PS pode ter para recuperar a presidência da República em 2026?
Acho que é um belíssimo candidato. Mário Centeno seria um belíssimo candidato à presidência da República. É uma pessoa que deu provas ao longo da sua vida pública, de rigor, de sensatez, de fácil relacionamento com as pessoas, de boa capacidade de comunicação, de sentido institucional. Tem um conjunto de características que fazem dele um belíssimo candidato. Se ele decidir candidatar-se, porque as candidaturas presidenciais são com iniciativa dos próprios, penso que o PS não ficaria envergonhado, pelo contrário.
É o melhor nome dentro da família do Partido Socialista?
Isso é muito difícil dizer.
Há outros que já foram avançados nos últimos anos, Augusto Santos Silva, por exemplo.
É um belíssimo nome. Outros também seriam belíssimos nomes. Mas a verdade é que isso depende da iniciativa pessoal de cada um e da disponibilidade de cada um. Porque é que hei de estar aqui a dizer que também o António Costa era um belíssimo candidato presidencial, se ele não está disponível para isso?
Vamos passar para a próxima parte do nosso programa, o segmento Carne ou Peixe em que só pode escolher uma de duas opções.
- Quem preferia levar ao Santini, ali mesmo perto da Câmara de Cascais, em 2026: Mário Centeno ou Augusto Santos Silva?
É mais fácil levar o Mário Centeno, que vive mais perto, ter que ir ao Porto buscar o Augusto Santos Silva… Mas eu acho que os dois gostam de gelados. - Numa segunda volta das presidenciais, quem escolheria: Almirante Gouveia Melo ou Luís Marques Mendes?
Ai, que malandrice. Era preciso que não houvesse nenhum candidato apoiado pelo PS a passar à segunda volta. - Daí a pergunta, já era a segunda volta.
Sabe qual é a vantagem do voto? É que é secreto. - Preferia que o PS voltasse ao poder, mas com a geringonça, ou manter-se oito anos na oposição?
O PS é um partido de poder. É um partido que tem um projeto político para o país e deve criar as condições para exercer o poder. Como dizia o outro, eu já fui governante e já estive na oposição. É melhor ser governante. - Quem preferia ter como adversário numa possível candidatura a Cascais: Nuno Piteira Lopes ou Santana Lopes?
Isso é o Lopes e companhia, Lopes e Lopes. Primeiro era preciso eu ser candidato.