Todos os dias surgem novas dietas e alimentos proibidos ou milagrosos que desafiam até o regime alimentar mais saudável e equilibrado. Num dia, o leite acidifica o organismo e, no outro, o cálcio do leite é essencial para a saúde óssea. Hoje, devemos beber água às refeições mas amanhã a concentração de enzimas diminui e dificulta a digestão. Ah, e o pão é uma fonte nutricional equilibrada mas… engorda. Estas foram algumas das dúvidas que levaram o nutricionista Pedro Carvalho a lançar um livro sobre os grandes mitos clássicos da alimentação.
Depois de perder a conta ao número de vezes que lhe perguntaram se os produtos light são realmente ajudas efetivas na perda ou gestão de peso, o doutorado em Ciências do Consumo Alimentar e Nutrição decidiu responder aos grandes equívocos da nossa alimentação numa única obra. Em Os Mitos que Comemos, Pedro Carvalho tanto fundamenta a sua opinião com artigos devidamente citados como ainda levanta dúvidas e incertezas num tom irónico. “Ser nutricionista hoje em dia é uma missão ingrata”, começa por dizer o atual professor universitário do Instituto Superior da Maia. “É importante saber defender-se das operações de marketing e da falta de rigor de muitos especialistas.”
Das dietas detox ao efeito do leite no organismo, passando pelos superalimentos que devemos ter em cima da mesa, o nutricionista falou com o Observador sobre os grandes mitos e verdades da nossa alimentação.
Qual é o maior mito de alimentação no qual continuamos a acreditar?
Para mim é difícil dizer qual é o maior mito mas, hoje em dia, escrever sobre leite é quase um assassinato público porque existe quase uma corrente fundamentalista “anti-leite” com uma argumentação completamente falaciosa. De facto, o leite tem malefícios para alguns subgrupos populacionais mas para a população geral continua a ter mais benefícios do que malefícios. O leite não tem nada que faça dele um alimento essencial e não tem nada que faça dele um veneno. Já o glúten também tem muitos mitos associados e é um dos tópicos mais controversos nos últimos anos.
Quantas vezes já lhe perguntaram se o pão engorda? Qual é o veredito?
Essa é uma pergunta básica que as pessoas acabam sempre por fazer. Acho que atualmente o grande problema nem é tanto o pão mas as bolachas e é por isso é que está uma bolacha Maria na capa [risos]. O pão é daquelas fontes de hidrato de carbono que até acaba por ser o mais equilibrado mas pode engordar tal como qualquer alimento — depende é da quantidade com que é ingerido, do tipo de pão e do que vai dentro dele.
Se tolera bem o leite de vaca e o bebe moderadamente continue. Acredite que há muitas outras coisas mais importantes que pode mudar na sua alimentação e no seu estilo de vida para melhorar a sua saúde. Se não o tolera bem, experimente as opções sem lactose e também a bebida de soja. (Os Mitos que Comemos, p.88)
Manteiga ou margarina: qual é a mais saudável?
Nenhum dos dois é particularmente feliz. Em primeiro lugar, são cremes de barrar à partida colocados em pão ou tostas, o que já não é um episódio alimentar muito equilibrado porque junta hidratos de carbono e gordura. Nesse contexto, as margarinas ou os cremes vegetais com uma redução de gordura maior até podem ser um bocadinho melhores do que a manteiga (na redução dos níveis de colesterol) mas também podem ser o oposto (porque são grande fontes de ómega 6). Existem hoje alternativas equilibradas como manteiga de amendoim e pastas de azeitona e húmus que podem perfeitamente substituir a manteiga e a margarina.
Devemos ou não beber água às refeições?
Não há mal nenhum em beber mas também não há mal nenhum em não beber. Os poucos estudos que já se fizeram sobre o assunto demonstraram que beber um a dois copos de água 30 minutos antes da refeição até diminui o apetite e aumenta a saciedade. Não se perde nada e ficamos mais hidratados.
Se gosta de manteiga, e só a ingere em pequena quantidade no seu pãozinho ao pequeno-almoço, então continue. A magnitude expectável do efeito da mudança não compensa o fim desse pequeno prazer diário. (Os Mitos que Comemos, p.46)
Vale a pena optar por produtos light?
Vale a pena em alguns casos. No que toca aos refrigerantes sim, porque ainda existe uma grande redução a nível de açúcares. À partida, nos iogurtes e queijos também há uma redução de gordura mas a análise do rótulo é fundamental. Por exemplo, basta uma marca retirar 30% do açúcar ou gordura do produto original para lhe chamar light, diet, zero ou magro.
Na sua opinião, existe algum regime alimentar em que devemos pensar duas vezes antes de o experimentar?
Qualquer dieta que retire um grupo inteiro da nossa alimentação na totalidade não faz muito sentido. Eventualmente quem estiver a fazer dietas detox ou alcalinas em que só se bebem calorias líquidas desprovidas de proteínas e ácidos gordos essenciais deve ter cuidado porque estas podem ser perigosas se forem adotadas durante muito tempo.
Quais são os superalimentos que devemos ter em cima da mesa?
Frutos vermelhos, aveia, batata-doce, salmão, sardinha, gengibre são alguns dos superalimentos que possuem realmente propriedades nutricionais de exceção e devem estar em cima das mesas dos portugueses. No entanto, são alimentos mais caros e nem toda a gente tem possibilidade para incorporá-los diariamente na alimentação. Mas também existem superalimentos com um embrulho apelativo — como as algas em pó ou millet — que não têm uma vantagem nutricional assim tão grande para o preço que custam. Não estou a dizer que são uma fraude mas não são superalimentos obrigatórios para uma alimentação equilibrada e saudável.
Porque é que a sociedade, no geral, está cada vez mais preocupada com a sua alimentação?
É uma tendência positiva porque hoje há cada vez mais fontes de informação e a alimentação tornou-se uma imagem de marca distintiva das pessoas. Está muito na moda as pessoas partilharem nas redes sociais o que comem e aderirem a determinados regimes alimentares — excluem o glúten, os laticínios e privilegiam os superalimentos, por exemplo. Felizmente, há cada vez mais preocupação com a alimentação mas nunca foi tão difícil ser nutricionista como agora. Primeiro é uma área em constante evolução e, hoje, quase todos somos especialistas em nutrição com uma opinião formada uma vez que comer é um ato que praticamos várias vezes ao dia. As pessoas chegam às consultas já com uma lição estudada e a confrontação de informação é cada vez maior.