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MÁRIO CRUZ/LUSA

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Festa do Avante. As duas vidas dentro de um partido chamado PCP

Foram três dias de festa em que a política partilhou o palco com a cultura e a fraternização. Nas pessoas, nos cartazes e nos discursos ficaram patentes as duas faces de um PCP em renovação.

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O cartaz cumpre todas as regras de eficácia de comunicação. Tons fortes, mensagens curtas, letras garrafais para facilitar a leitura e linguagem simples. Com um simples olhar, qualquer pessoa consegue identificar a intenção da mensagem lá inscrita. O fundo é de um negro cortante. As palavras em tons de branco forte, para realçar o contraste. “PS/PSD/CDS: Desregulação de horário; Precariedade; Caducidade da contratação Coletiva”, pode ler-se.

Um discurso que não é novo por estas paragens. Desde 1976 que a Festa do Avante tem servido para marcar a rentrée do PCP. Carregada de um importante teor político, a festa serve também para marcar uma posição para o ano que se segue. Umas vezes com mais sucesso do que outras. Não se estranhe por isso a propaganda. No entanto, em tempos de “geringonça”, aquele outdoor pode levar qualquer pessoa a perguntar-se se aquele PS que é acusado de se aliar à direita para desvalorizar o trabalho é o mesmo que tem tido o apoio do PCP para aprovar os Orçamentos do Estado e a maioria das principais medidas do Governo que chefia desde novembro de 2015. Sim, é o mesmo. E a festa pretende mostrar, em vários momentos, que é possível sobreviver com esta aparente contradição interna.

Tática de enfraquecer o PS para reforçar o PCP está presente até nos cartazes.

Foi o que aconteceu logo no discurso inaugural de Jerónimo de Sousa. Na sexta-feira ao fim da tarde, subiu a um palco improvisado junto à Zona Central. Acompanhado por algumas figuras do Comité Central e por membros da organização, fez uma intervenção de pouco mais de dez minutos para marcar o arranque da festa. Mas a estratégia estava toda lá: ataques ao PS por nunca ter conseguido romper com os partidos de direita, tornando-se um deles, seguidos de elogios a algumas das medidas aprovadas ao longo dos últimos três anos de governação socialista. Enquanto começava a delinear o caderno de encargos para o próximo Orçamento do Estado, assegurando que o PCP “assume o compromisso” acordado em 2015, o secretário-geral do PCP tentava demarcar-se das responsabilidades do Executivo de Costa.

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Trata-se de uma dicotomia que assenta em dois eixos centrais: o PS sozinho enveredará por um rumo de direita; o PCP é fundamental para travar esta deriva e dar à governação um travo de socialismo. A conclusão a que se quer chegar será assumida plenamente no discurso de encerramento, mas é possível fazer a sua dedução assim que Jerónimo de Sousa termina o discurso: crescendo à esquerda, quanto mais força tiverem os comunistas mais podem condicionar António Costa e o seu Governo.

A estratégia estava toda lá: ataques ao PS por nunca ter conseguido romper com os partidos de direita, tornando-se um deles, seguidos de elogios a algumas das medidas aprovadas ao longo dos últimos três anos de governação socialista.

Antes de deixar o palanque, o líder comunista, sorridente e de punho em riste, entoa o hino da festa, a “Internacional” e o hino nacional. Começa a retirar-se quando a “Carvalhesa” começa a entrar no corpo dos que até então formavam uma plateia atenta, convertendo-os em elétricos dançarinos saltitantes. No caminho de saída, Jerónimo de Sousa não se livra das primeiras selfies, para as quais posa invariavelmente com um sorriso.

As selfies de Jerónimo num mundo de tradição

O PCP gosta de se assumir como anti-sistema e de ter uma postura de contestação. Uma volta mais atenta ao recinto permite observar isso mesmo: as frases anti-NATO, as inscrições contra as imposições e diretrizes europeias ou as mensagens de apoio à “libertação dos povos” — por oposição à opressão de que são alvo — são suficientes para confirmar que a carga ideológica continua a ter um peso crucial na génese do partido e da festa. A tradição comunista marca presença em vários detalhes, mas parece não ter problemas em coexistir com uma tímida tentativa de atualização ou modernização.

É a sensação que fica quando se observa Jerónimo de Sousa rodeado por pessoas do Comité Central ou do staff do partido a quebrar o protocolo q.b. para tirar selfies sobretudo com os mais jovens. Talvez por partilhar o apelido com o Presidente da República, a facilidade e destreza com que despacha cada fotografia motivam os menos corajosos e inquietam os que a isto ainda não se habituaram. Este era o cenário que se podia encontrar cada vez que o líder comunista se encontrava numa zona mais movimentada.

A tradição comunista marca presença em vários detalhes, mas parece não ter problemas em coexistir com uma tímida tentativa de atualização ou modernização

A solicitação crescia quanto maior fosse o burburinho gerado em seu redor. Assim, não se pode espantar quem passou pelo Espaço Criança na tarde de sábado. Por volta das 18h, o secretário-geral do PCP tirou quase uma hora do seu dia para visitar o ampliado perímetro reservado para os mais novos. Constantemente seguido pelos jornalistas e por uma equipa do partido, era impossível não se fazer notar a sua presença. E Jerónimo de Sousa não parecia preocupar-se com isso. Indiferente às miras televisivas, ia cumprimentando quem de braço estendido lhe aparecesse. “Eh lá! Estás todo cheguevarista!”, exclamou quando um pequeno rapaz, apetrechado com uma boina verde-tropa e a clássica estrela vermelha, tentava chamar a sua atenção. Feliz, o miúdo cumprimentou-o e foi-se embora. Nem sempre era o caso. Muitos faziam questão de guardar o momento para a posteridade. Uma criança explicava a outra o motivo de tanta excitação: “É o dono da festa!”

Ao longo desta visita, esteve sempre acompanhado por João Ferreira. Este foi tido como um sinal político. Ou não estivéssemos nós numa festa de um partido político. A adormecida dúvida sobre se o eurodeputado pode vir a ser o cabeça de lista pelo PCP para as eleições europeias do próximo ano voltou a acordar na cabeça de todos os que seguiram esta mini-tour de perto. O próprio líder comunista disse tratar-se “de um excelente candidato”, embora tenha ressalvado que o partido ainda não decidiu. O Comité Central pode ainda não ter escolhido qual a pessoa em quem vai apostar as fichas, mas Jerónimo de Sousa parece ter feito all-in num terceiro mandato do deputado europeu.

João Ferreira está no Parlamento Europeu há dois mandatos e, para já, nada se sabe sobre uma possível recandidatura

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em declarações à comunicação social no fim do passeio pela zona dedicada às crianças, novo ataque ao PS. Horas antes Pedro Nuno Santos tinha passado pela Festa do Avante! e aos jornalistas tinha mostrado confiança na aprovação do próximo Orçamento do Estado. “Não há três sem quatro”, disse o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, referindo-se aos três documentos aprovados pela “geringonça” desde o início da legislatura. A esta demonstração de segurança socialista, Jerónimo de Sousa respondeu com um (dos tão por si utilizados) provérbios. “Não contem com o ovo no dito cujo da galinha”, afirmou. Ato seguinte, recordou as conquistas alcançadas pela atual solução governativa para demonstrar que o PCP tem sempre uma palavra a dizer. E tranquilizou os que o ouviam do lado socialista: “até agora, as negociações estão a correr bem”, na ótica dos comunistas.

Jerónimo de Sousa põe travão à confiança do PS: “Não contem com o ovo no dito cujo da galinha”

No fim das declarações à imprensa mais selfies e mais pressão para seguir com o protocolo. Discretamente chamado à atenção por um nervoso membro da organização, Jerónimo de Sousa abandonou o local menos de uma hora depois de lá ter chegado, enquanto continuava a ser solicitado para mais umas quantas fotografias.

“Mi casa es tu casa?”

Entre o bate-boca em modo pró-forma entre Pedro Nuno Santos e “o dono da festa”, qualquer pessoa podia ter assistido a pelo menos um concerto e um debate. A oferta era muita e diversa e nem sempre era fácil escolher planos que forçosamente se sobrepunham a outros igualmente cativantes. Às 15h30 de sábado, no Palco Alentejo, discutia-se o tema “Brasil – Lutar pela democracia!”. O deputado António Filipe era um dos oradores. Talvez por isso, talvez pelo tema, ou talvez por ambos, não se vislumbrava um único lugar livre entre a audiência.

A plateia aguentava heroicamente o sol do meio-dia. O toldo montado para fazer sombra era visivelmente insuficiente para abrigar todas as pessoas que debaixo dele procuravam algum conforto. O número de cadeiras também provou ter sido mal calculado. Mesmo com o calor que se fazia sentir a meio da tarde do segundo dia de festival, os presentes não arredaram pé. Ao longo de mais de uma hora de conversa, ouviram atentamente todos os intervenientes enquanto encostavam à cara o programa distribuído à entrada do recinto para fazer as vezes de um guarda-sol improvisado.

Quem passasse por aquele local naquele preciso instante e ouvisse aquela frase de forma isolada podia pensar que o parlamentar estaria a falar de um outro caso bem mais badalado que o de Lula da Silva em Portugal. Uma situação que causaria certamente estranheza e desconforto, sobretudo por acontecer na mesma semana em que Jerónimo de Sousa elogiou o trabalho de Joana Marques Vidal.

“Não é digno de um estado de direito que se preze prender alguém sem provas e sem haver um trânsito em julgado”, disse a dada altura António Filipe. O à-vontade com que António Filipe falava sobre o tema demonstrava não apenas o conhecimento do caso como uma informalidade pouco típica quando costuma falar de temas nacionais. Ter-se-á sentido em casa, lugar onde habitualmente os formalismos não entram, e abordou o tema despudoradamente.

Quem passasse por aquele local naquele preciso instante e ouvisse aquela frase de forma isolada podia pensar que o parlamentar estaria a falar de um outro caso bem mais badalado que o de Lula da Silva em Portugal. Uma situação que causaria certamente estranheza e desconforto, sobretudo por acontecer na mesma semana em que Jerónimo de Sousa elogiou o trabalho de Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República. Mas estaria equivocado quem assim pensasse. O mote era mesmo o Brasil e qualquer paralelismo com Portugal seria pura coincidência.

O deputado António Filipe defendeu a libertação de Lula da Silva, considerando-o um "preso político"

ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

As frases anti-NATO e as críticas à União Europeia e ao euro estavam presentes em várias conversas soltas e encontravam respaldo em muitas das paredes da festa. Como se não bastasse, Jerónimo de Sousa, nas duas intervenções — a de inauguração e a de encerramento –, criticou precisamente as pressões exercidas por estas organizações e, claro, a obediência do PS a esses garrotes externamente impostos. São divergências de fundo entre os dois partidos e, ambos já o reconheceram, por não serem alteráveis não são motivo de conversa entre PS e PCP. Tal como os formalismos, estes temas ficam à porta. Mas dentro da casa comunista não são esquecidos.

Enfraquecer o PS para crescer à esquerda

É sempre assim. No último dia da Festa do Avante, o comício do PCP acontece no palco principal ao fim da tarde. A essa hora, nenhum outro espaço tem programação. Quem não quiser ouvir as intervenções políticas só tem uma hipótese: esperar que passem. Mas a julgar pela enchente que se verificou às 18h da tarde deste domingo junto do Palco 25 de Abril, poucos terão sido os que não marcaram presença.

Numa nota em que se agradeceu a presença das várias delegações internacionais foi notório o entusiasmo que duas delas causaram na plateia: a República Popular da Coreia e Cuba. Ambas mereceram picos de aplausos de entre as constantes palmas pouco efusivas que iam servindo de música de fundo para a leitura nominal de todos os países representados na Festa do Avante!

À semelhança do que tinha feita Catarina Martins há uma semana em Leiria na rentrée bloquista, também direcionou um ataque especificamente ao primeiro-ministro. 

O discurso mais aguardado era o que encerrava o comício comunista. Eram quase 19h quando Jerónimo de Sousa assumiu os microfones para falar. Numa intervenção bem mais longa que a que tinha feito no primeiro dia, o líder comunista voltou a seguir a tática de colar o PS aos partidos de direita mas carregou nas críticas aos socialistas. “A resposta aos problemas não se faz com o governo do PS”, disse. Seguia à risca a tática que promete vir a marcar o tom de campanha do PCP ao longo do próximo ano.

À semelhança do que tinha feita Catarina Martins há uma semana em Leiria na rentrée bloquista, também direcionou um ataque especificamente ao primeiro-ministro. “O secretário-geral do PS afirmou há dias que não há governo de esquerda sem o PS. O que os portugueses sabem é que sempre que o PS foi governo o que houve foi política de direita. É essa a experiência que os portugueses podem colher dos seus sucessivos governos”, considerou.

Referiu-se várias vezes ao “governo minoritário do PS”, a nova fórmula que os comunistas parecem querer utilizar para se referirem o Executivo que têm ajudado a sobreviver. Uma designação que pretende ao mesmo tempo responsabilizar os socialistas e sacudir a água do capote comunista.

Jerónimo de Sousa apelou ao voto no PCP para reforçar a influência do partido

MIGUEL A. LOPES/ LUSA

Pelo meio, houve espaço para tudo. Para apelar ao voto na CDU, para criticar PSD e CDS, para culpar o Governo por não se ter ido mais longe, para deixar várias exigências para o Orçamento do Estado e para galvanizar as hostes — fosse através de um discurso anti-capitalista já tantas vezes repetido ou usando “a devolução de rendimentos” promovida pelo PCP durante a presente legislatura.

A estratégia está delineada e a campanha dos comunistas já começou. As várias mensagens e os muitos cartazes do recinto já ajudavam a conceber aquilo que podia ser o discurso que o PCP vai adotar até às eleições legislativas. As intervenções de Jerónimo de Sousa vieram apenas unir algumas pontas soltas. As que ficaram por unir não terão sido deixadas ao acaso. Resta saber quem vai pegar nelas. Se o próprio partido ou se o PS que apoiam no Governo mas que pintam de direita nas paredes.

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