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"Finalmente em casa, puto!" O Urban voltou a abrir e nós fomos lá espreitar

Foi um regresso a casa. Na primeira noite do Urban após o encerramento ditado pelo Governo, vários jovens puderam "matar saudades" da discoteca mais polémica do país. Contamos-lhe como foi a noite.

“Finalmente em casa, puto!”, disse João a Jaime quando os dois amigos entraram na discoteca Urban Beach. É quase 1h00 nesta que é a primeira noite neste clube noturno depois de as autoridades terem permitido que ele reabrisse. Os dois amigos, que vieram das suas casas em Cascais para chegarem aqui a uma outra, detêm-se perante a pista de dança vazia. Olham-na com nostalgia.

João e Jaime — os dois com 21 anos; o primeiro é servente de pedreiro nas obras, o segundo “não faz nada” — já foram os dois muito felizes no Urban Beach. “Já se passou aqui muita coisa, muita coisa mesmo”, lança João, que é um habitué desta casa de diversão noturna lisboeta. “Finalmente abriu de novo. Finalmente pudemos vir matar saudades”, garante, sentado num dos sofás da discoteca, num tom de quem fala fora de brincadeiras. Jaime acompanha as palavras do amigo, também ele sério, enquanto bebe a sua bebida por uma palhinha.

“Qual música, pá?! Eu não venho cá pela música, eu venho cá pelas gajas!”

Já deu para perceber que, nesta parelha de amigos, é João o mais comunicativo — e por isso é ele quem explica, afinal, porque se sente em “casa” no Urban. “Esta é a melhor discoteca das que há para aí, bate as outras todas aos pontos”, garante João. Perguntamos-lhe se essa avaliação se deve, por exemplo, à música que aqui se ouve. A pergunta é recebida com um levantar de sobrancelhas, seguindo-se depois uma gargalhada de quem, para já, não leva a mal que lhe façam perguntas estúpidas. “Qual música, pá?! Eu não venho cá pela música, eu venho cá pelas gajas!”, diz João. “Este gajo não perdoa, este gajo é pesado!”, acrescenta Jaime.

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Nada de espantoso para uma discoteca que, durante anos, era celebrada na página de Facebook (entretanto encerrada) com o título “Comi-te no Urban”. Uma espécie de “Ponto de Encontro” da SIC dos anos 90, com Henrique Mendes, com a assinalável diferença de um ser movido por desencontros de pessoas amadas e o outro existir graças a pessoas que se encontram amando-se.

O roça-roça e o lufa-lufa da pista de dança do Urban

A técnica já está apurada. João e Jaime têm por hábito seguir para a pista quando ela já está composta — coisa que, nesta reabertura do Urban, tarda em acontecer — e nela dançar de maneira discreta mas confiante ao lado das supracitadas “gajas”. Depois, reunidas as condições, começa o “roça-roça”. É um processo de 5 a 10 minutos, até que se dá um momento decisivo. “Ela olha para trás e, se achar que és bonito, dá para a comeres”, assegura.

Foi assim que João conheceu a sua namorada. Passaram quatro meses desde que a sua abordagem lhe valeu o conhecimento da mulher que, hoje, ocupa um lugar especial no seu coração. “O amor muda algumas coisas na vida de um gajo, estás a entender?”, pergunta-me ao estilo de uma pergunta retórica. Desde de setembro, altura em que começou esta relação, cortou na sua dose de Urban Beach e deu uma oportunidade ao amor.

O roça-roça e o lufa-lufa do Urban foram substituídos por jantares a dois, programas mais discretos e mãos dadas pelas ruas. Só João sabe quanto do seu esforço está por detrás desta mudança, mas também admite que o facto de o Urban Beach ter ficado quase três meses de portas fechadas ajudou. “É verdade que fui sair para outros sítios, mas não é o mesmo”, sublinha.

O Urban Beach foi temporariamente encerrado em novembro de 2017, na sequência de 38 queixas à PSP (António Pedro Santos/LUSA)

António Pedro Santos/LUSA

Mas agora o Urban Beach voltou. João sabe que esta casa não é perfeita. “A começar pelos seguranças”, refere de passagem. “Nunca armaram estrilho comigo, tirando uma vez em que me roubaram um maço de tabaco com umas ganzas lá dentro”, conta. Também está cético em relação a algumas mudanças no espaço, principalmente pelo novo sistema de pagamento — cada cliente tem um conjunto de senhas que pode ir gastando, em vez de acumular as despesas num cartão que era pago apenas à saída. E queixa-se de que “isto está às moscas” e que “dantes a esta hora já estava tudo cheio”. João sabe isso tudo, sim, mas não esquece que está em “casa”. E tem saudades para matar.

Por tudo isto, João levanta-se, desculpando-se com a entrada de um grupo de jovens mulheres que acaba de chegar à pista de dança. “É melhor ir lá ter com elas, pode ser que precisem de ajuda com alguma coisa”, diz, com um sorriso de quem se despede a bem, mas com pressa. Jaime faz o mesmo. “Tenho de ir lá ajudá-lo com elas. Mas é só ajudar mesmo, que eu tenho namorada. E é coisa séria”, diz. “Quando um gajo gosta de uma mulher é lixado”, termina, parafraseando Michael Bolton. Não é propriamente a voz do cantor norte-americano que está a tocar quando os dois amigos se fazem à pista.

“Aqui não há pessoas que cheiram mal”

Quando Sara e as amigas entram, João e Jaime já estão demasiado concentrados na aplicação da sua técnica para repararem nelas. Sara tem 18 anos e estuda gestão no ISCAL — informação que divulga de forma espontânea e até militante, digna de receber o prémio “Caloira do Ano” no final do ano letivo. Mas se os estudos universitários ainda são algo novo na sua vida, o Urban Beach está longe de sê-lo. “Venho cá praticamente desde que comecei a sair à noite assim mais a sério”, conta. Porquê? “Porque é o melhor sítio que há, não se percebe logo?”, lança.

“Eu sou uma grande fã do Urban, sou mesmo uma grande admiradora deste espaço”, começa por dizer. Sara fala na defensiva, porque sabe que nem sempre a vida deste clube noturno tem sido fácil. O destaque vai para o episódio de violência que foi filmado em frente à discoteca no início de novembro de 2017. Mas, a isso, juntam-se 38 queixas à PSP que motivaram o encerramento temporário do Urban Beach, por ordens do Ministério da Administração Interna. Nessa altura, foi também noticiado que a discoteca funcionou sem licença, o que motivou pelo menos 12 multas da polícia — e que, no seguimento de uma festa privada, o administrador Paulo Dâmaso tinha sido temporariamente detido. Além disso, enquanto teve portas abertas, também eram frequentes as acusações de racismo por parte dos seguranças na hora de decidir quem entra e quem fica fora do Urban Beach. “Pretos é difícil entrarem. Ciganos não entram de todo”, disse um antigo porteiro ao Observador, numa reportagem publicada em setembro de 2017.

“Pretos, é difícil. Ciganos não entram.” Há ou não racismo nas discotecas de Lisboa?

Sara tem um sentimento ambivalente em relação a tudo isto. “Os seguranças não são muito simpáticos, pois não, mas eles também não estão cá para serem nossos amigos”, explica. Sobre a clientela que entra e a que fica de fora, a estudante de gestão começa por dizer: ”Aqui não há pessoas que cheiram mal”. Depois acrescenta: “Eu sei que é mau não poder entrar pretos ou gente com rastas. Isso não é bom, pronto. Mas também não é mau, se calhar. Eles sabem que aqui não entram”. E Sara também o sabe muito bem — como passa a explicar. No caminho para esta discoteca, que fica na zona lisboeta de Santos, Sara e as amigas estavam a atravessar uma passadeira ladeadas por um grupo “que cheirava mal”.

“Pretos é difícil entrarem. Ciganos não entram de todo”, disse um ex-segurança do Urban Beach ao Observador, em setembro de 2017

Enquanto os dois grupos caminhavam em direção àquela zona de discotecas à beira-Tejo, uma amiga de Sara perguntou-lhe: “Achas que eles vão para o Urban?”. Sara conta que respondeu com firme certeza. “Não, claro que vão para o Lust”, referindo-se a uma discoteca vizinha. “Gente desta não entra no Urban.” E Sara teve razão: quando chegou a altura, o grupo “que cheirava mal” virou para um lado e o seu virou para o outro.

Momentos depois, Sara cruzaria a porta da sua discoteca preferida para uma noite com as suas amigas. Está tudo como dantes? “Não reconheci ninguém à entrada”, referindo-se aos seguranças, que agora são da empresa Anthea (do ex-espião Jorge Silva Carvalho) e não da PSG, com a qual o Urban cortou laços depois do escândalo das agressões à porta.

O facto de não reconhecer nenhuma cara à entrada do Urban Beach parece preocupar Sara, mas a estudante de gestão parece estar disposta a dar uma oportunidade à discoteca em honra dos velhos tempos. “Vou estar sempre a favor do Urban”, diz, antes de uma das suas amigas a puxar para a pista de dança. São quase 2h00 e a casa começa a ficar composta.

Urban Beach. O ‘modus operandi’ dos seguranças agressores

O olhar atento de Paulo Dâmaso, o administrado do Grupo K

A acompanhar tudo isto está Paulo Dâmaso, administrador do Grupo K, onde se insere o Urban Beach, e um dos mais experientes do país no negócio da noite. Além dos seguranças, é dos poucos homens que vieram vestidos de blazer para esta noite de reabertura do Urban Beach. E, tal como aqueles homens, o empresário olha em sua volta com um ar sério que apenas interrompe quando alguém chega e o cumprimenta. Findos os beijinhos e os apertos de mão, a cara volta a fechar-se e os olhos tornam a abrir. De vez em quando sai da zona exclusiva da discoteca e percorre as partes comuns com olhar atento. “Tudo bem?”, pergunta, com o polegar direito erguido, aos seguranças que encontra pelo caminho. “Tudo”, devolvem-lhe, com outro polegar.

Paulo Dâmaso aceita falar com o Observador no Sakana, o restaurante de sushi que está no edifício do Urban Beach. Naquele silêncio relativo, lamenta os tempos em que a discoteca esteve fechada. “Esta situação prejudicou-nos muito”, diz, de cigarrilha acesa. “A carga foi exatamente no sentido de transmitir esta imagem negativa de insegurança, xenofobia, racismo. Parecia que todos os males do mundo iam ao encontro do modo de funcionamento do Urban Beach”, explica.

“A carga foi exatamente no sentido de transmitir esta imagem negativa de insegurança, xenofobia, racismo. Parecia que todos os males do mundo iam ao encontro do modo de funcionamento do Urban Beach”
Paulo Dâmaso, administrador do Grupo K

Os últimos meses do Urban Beach foram de “upgrade” e para “limar arestas”, como Paulo Dâmaso explica. Das 65 câmaras de vigilância de outrora, passou-se agora para um total de 95. Há também uma nova porta de emergência da discoteca em caso de acidente, o que, explica o administrador, reduziu a duração de um cenário de evacuação de 1 minuto e 37 segundos para apenas 57 segundos. Além disso, mudou-se o sistema de pagamento para evitar filas na hora de saída. Enquanto isto, a discoteca esteve fechada praticamente três meses — durante os quais, garante Paulo Dâmaso, os cerca de 140 trabalhadores deste espaço receberam salário e subsídio de Natal.

Apesar destas mudanças, refere várias vezes que “o Grupo K está no mercado há 30 anos” e que não são estas alterações que vão tornar o Urban Beach num bom estabelecimento noturno — porque, acredita o seu dono, ele já era isso e muito mais. “O Urban é um case-study”, diz.

Urban Beach. Os homens por trás do império do Grupo K

“Não foi o Urban que mudou. Houve diversas reuniões a nível das autoridades em consequência da decisão do senhor ministro [Eduardo Cabrita, do Ministério da Administração Interna]”, diz. “As autoridades que estiveram envolvidas nesse processo fizeram um determinado tipo de recomendações, que nós aceitámos.”

Porém, uma das mudanças que Paulo Dâmaso não refere é precisamente aquela que mais atenção atrai: a segurança. Sobre o episódio que foi captado em vídeo, onde seguranças agrediam perto da entrada da discoteca civis, o empresário diz que se trata de “um episódio lamentável”. Porém, há dados que procura sublinhar. Em específico, que as agressões aconteceram “na via pública” e “fora da hora de trabalho”. “Não vou comentar aquela fase final nem vou comentar sequer o que deu azo a que fosse preciso que os seguranças que ali estavam a abandonar o local de trabalho para fazer aquela intervenção”, diz o administrador, que nos dias seguintes ao incidente chegou a dizer que os agredidos eram carteiristas.

“Hoje em dia existe um fenómeno social a nível mundial que tem a ver com o politicamente correto. E uma pessoa que não conseguiu por alguma razão frequentar esta casa vai arranjar um argumento para tentar insultar ou para castigar o estabelecimento.”
Paulo Dâmaso, administrado do Grupo K

Questionado pelo Observador, Paulo Dâmaso nega ter havido instruções novas para os seguranças que agora trabalham no Urban Beach. “O Urban Beach sempre foi um dos estabelecimentos mais seguros que eu conheço”, sublinha. Por isso, rejeita que haja “males que vêm por bem”. “Nós estamos no mercado há 30 anos”, torna a sublinhar, referindo, por alto, que entram por aquelas portas “entre 700 a 800 mil pessoas por ano” e que “chegam os dedos de duas mãos” para referir os casos em que as coisas correram mal. Esse rácio, explica, deve-se à seleção de clientes feita à porta.

“Nós filtramos muito bem quem passa a porta”, garante, rejeitando racismo ou xenofobia nessa escolha. Isso, explica, é uma acusação que é fruto dos tempos: “Hoje em dia existe um fenómeno social a nível mundial que tem a ver com o politicamente correto. E uma pessoa que não conseguiu por alguma razão frequentar esta casa vai arranjar um argumento para tentar insultar ou para castigar o estabelecimento”.

Na noite do seu regresso, o Urban Beach não está propriamente cheio. Embora haja fila para entrar, esta não se estende como outrora, fluindo de forma rápida para dentro do espaço. Paulo Dâmaso reconhece que já houve dias melhores, mas espera que eles regressem. “Tenho alguma preocupação, mas tenho mais esperança de que as situações retomem a normalidade”, diz. Essa normalidade, explica, passa pelo “conforto”. “As pessoas devem sentir-se em casa”, refere.

Rafael tem 22 anos e veio ao Urban Beach com um casal de amigos, também eles da sua idade. É a primeira vez que vêm a esta discoteca — e a avaliação não é muito positiva. Metidos a um canto, pouco dados à efusividade com que alguns reagem às músicas que o DJ vai desfiando, os três amigos conversam entre si. Maria (nome fictício), a única rapariga do grupo, também diz que esta é uma casa, mas diferente daquela que outros referem. “Isto é uma casa de putas”, diz, apontando à sua volta para outras clientes, vestidas com roupas mais reveladoras do que o seu macacão de ganga.

Rafael ri-se do comentário da amiga. “Isto é um bocado agressivo, lá isso é”, diz o jovem estudante de engenharia informática, pouco dado a estas lides. O namorado de Maria, Jorge (nome fictício), tenta puxar por ele. “Vá, vamos lá arranjar-te uma gaja, mas é”, diz-lhe. Pega nele com um braço e, com a namorada debaixo de outro, partem para a pista de dança. Pelo caminho, bebem uma rodada de shots.

O grupo deixa-se ficar na pista, timidamente, entre dançarinos mais desenvoltos. Maria abandona regularmente o grupo, partindo em direção ao bar, onde vai buscar mais bebidas. Enfim, sente vontade de vomitar — e é isso que acaba por fazer, depois de levada expressamente pelo namorado e pelo amigo para fora da pista de dança. Encostada a um caixote do lixo ao pé da fila do bengaleiro, esvazia o estômago enquanto, ao seu lado, Rafael se queixa para o ar. “Tinha de ser, lá se foi a noite”, diz.

Menos de um minuto depois de o chão deste Urban Beach reinaugurado ser batizado pelos vómitos de Maria, um segurança aborda o grupo e, calma e educadamente, convida-o a sair. Os rapazes do grupo consentem, mas pedem paciência, já que a saída vai ser lenta. Mais rápida é a reação da equipa da discoteca.

Mal Rafael e Jorge começam a ajudar Maria a sair, surgem dois funcionários — um com uma vassoura e outro com uma esfregona. Em menos de nada, limpam os vómitos de Maria. Enquanto isso, entram novas pessoas. De olhos bem abertos e sorrisos largos, entram já em passo de dança, cantando de cor as músicas que já ouvem ao longe. Nesse caminho, pisam aquele chão sem grandes preocupações. Tanto por ele ter sido vomitado por Maria ainda há pouco, como por ser este o chão da discoteca mais polémica do país.

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