Em 2013, a doença renal crónica era a 19.ª causa de morte em todo o mundo. Em 2040, a estimativa é bem mais preocupante: prevê-se que, no mundo inteiro, a doença renal crónica seja a 5.ª causa de morte. É com estes dados que Ana Farinha, médica Nefrologista e membro da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, começa por apresentar o estudo sobre o modelo de financiamento de hemodiálise em Portugal (do qual é autora), o mais recente trabalho de investigação desenvolvido pelo NOVA Center for Global Health Lab, centro de investigação da NOVA IMS. E a pergunta que o estudo impõe é: será que existe um sistema mais sustentável de financiamento deste tratamento no nosso país?

Compreendamos o contexto. Em Portugal, segundo dados da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, estima-se que 22.000 pessoas sofram de doença renal crónica terminal, precisando, por isso, de uma terapêutica substitutiva. Se considerarmos que 13% destes doentes recorre à hemodiálise, falamos de cerca de 2.900 pessoas. Problema? O Serviço Nacional de Saúde não tem capacidade para tratar todos estes doentes nos hospitais públicos. Assim, o tratamento é assegurado por prestadores de saúde privados – clínicas de hemodiálise – sendo que o Estado comparticipa com aquilo a que se designa de preço compreensivo.

O que é o preço compreensivo?

É o valor que o Estado paga ao prestador (clínicas privadas) para tratar um grupo de doentes. O montante semanal é previamente negociado e o prestador aceita o risco de pré-pagamento, gerindo os cuidados prestados, por forma a que o custo do serviço seja sustentável. Desta forma, o controlo dos custos e a evidência da qualidade do serviço prestado passam a ser responsabilidade do prestador, que ganha autonomia operacional, com considerável aumento do risco. Ao Estado, os gastos com o tratamento da hemodiálise rondam os 140 mil milhões de euros por ano, sendo superior ao tratamento por cancro ou diabetes.

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O que está incluído no preço compreensivo?

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Tudo, menos o gasto com os transportes, nomeadamente:

  • Recursos humanos (nefrologistas, pessoal técnico, assistentes sociais)
  • Material de tratamento
  • Consumíveis (luvas, compressas, etc.)
  • Exames complementares de diagnóstico
  • Medicação
  • Resíduos hospitalares
  • Água
  • Eletricidade

O preço compreensivo é suficiente?

Do debate que se seguiu à apresentação do estudo, e que juntou vários intervenientes que atuam nesta área em Portugal, a conclusão parece ter sido unânime: o preço compreensivo não é, atualmente, suficiente para fazer face às despesas com o tratamento. De acordo com Ana Farinha e Aníbal Ferreira, Médico Nefrologista e Professor na NOVA Medical School (co-autor do estudo apresentado), o modelo de financiamento perdeu a sua sustentabilidade, uma vez que, desde o momento em que foi criado – em 2008 – o preço compreensivo tem reduzido, não acompanhando o aumento do número de doentes. Para além da redução efetiva no pagamento feito aos prestadores (menos 27%, se considerarmos a inflação) e do custo por doente (menos 21%), existem outros fatores a ter em conta: aumento dos salários e de outras variáveis que dependem de fatores externos, como guerras ou a pandemia. É o caso da energia ou de material de tratamento, por exemplo.

Como tornar o modelo mais sustentável?

Da análise feita a partir do estudo, existem outras considerações para além do valor definido no preço compreensivo. Se é certo que este deveria ser aumentado, é também de comum acordo que este deve ser mais bem gerido, por forma a chegar a todos os doentes. Então, o que deveria estar complementado neste valor, para fazer face à realidade atual?

Ajustar a composição do preço compreensivo de acordo com a complexidade dos doentes. Nem todos os doentes são iguais. Há doentes, por exemplo, que precisam de medicação mais inovadora e que se ajuste a outros problemas complementares à doença, como é o caso de outras doenças, como a diabetes ou a hipertensão. Assim, este valor deveria ser ajustado à complexidade de cada doente, ao invés de pré-definido para o serviço como um todo. Para Julian Perelman, Economista da Saúde, e presente no debate, esta é uma medida interessante que deveria mesmo ser implementada numa fase preventiva da doença.

Apostar na inovação. Este é outro dos problemas referidos no debate e que inclui a medicação inovadora que pode ter um impacto positivo na vida da maior parte dos doentes. Atualmente fora do preço compreensivo, Aníbal Ferreira defende que, na sua perspetiva, “o Estado deveria negociar com o Infarmed, para ter disponível a medicação mais inovadora dentro deste valor”.

Avaliação e diálogo com os doentes. Um ponto primordial para Paulo Dinis, membro da Direção da ANADIAL, nomeadamente para o OE de 2024. Só desta forma é possível fazer um estudo que tenha em conta o bem-estar dos doentes e olhar para medidas futuras com mais certezas.

Rever a gestão de dados. Para Ana Farinha, esta é uma medida fulcral, porque diz respeito às ferramentas que os médicos podem ter para tratar bem os doentes, em todos os estádios da doença renal.

Apostar na prevenção. Por último, mas não menos importante, a prevenção é essencial para reduzir o crescente número de doentes que chegam à fase mais avançada da doença. Para Ana Farinha, esta é uma responsabilidade do SNS, que o deveria fazer através de rastreios precoces. Mas José Miguel Correia, Presidente da Direção Nacional da APIR, acrescenta: “Vemos que a educação do doente é feita no que diz respeito a outras doenças, em unidades de saúde, mas não vemos nada em relação à doença renal crónica”, crítica.

SNS ou privado?

Sobre esta questão, Ana Farinha e Julian Perelman estão de acordo. Se existe uma estrutura montada nas clínicas privadas, porque sobrecarregar os hospitais públicos com uma estrutura que ainda teria de se pensar? Já para Aníbal Ferreira, esta é uma gestão que merece muita atenção por parte do SNS, porque “é muito mais rentável fazer diálise num hospital público do que numa clínica privada”. Porquê? Principalmente porque os custos com os recursos humanos seriam muito menores.

Independentemente disso, as conclusões do debate são unânimes: há uma necessidade em apostar mais em inovação, prevenção e avaliação dos doentes e estes são, sem dúvida, fatores a ter em conta quando falamos de preço compreensivo e da sua melhor gestão.

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