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"Flat tax" é nicho na União Europeia e está a perder terreno

Poucos foram os países europeus (ou mundiais) que adotaram a taxa única no IRS. E alguns já desistiram desde 2013. Vários estudos de organizações internacionais levantaram dúvidas sobre o modelo.

A maioria dos portugueses provavelmente nunca ouviu falar em flat tax nem antes nem depois da recente polémica entre a Iniciativa Liberal e Francisco Louçã —, mas a ideia de uma taxa fixa (ou única) gerou um debate acalorado nas redes sociais. O antigo líder do Bloco de Esquerda criticou a proposta do partido de João Cotrim Figueiredo — uma taxa fixa de IRS de 15%, mas com uma dedução de 650 euros ao rendimento tributado “até ao reequilíbrio do mercado de trabalho”. Ou seja, os 15% só se aplicariam — pelo menos numa primeira fase — a partir dos 650 euros (com um adicional de isenção de 200 euros por cada filho).

A polémica reside apenas nos rendimentos sobre o trabalho, uma vez que em Portugal, como em muitos outros países, os rendimentos sobre o capital já têm uma taxa única. Mas Louçã considerou, num comentário na SIC, que este modelo dá mais dinheiro às pessoas com mais rendimentos ao mesmo tempo que faria com que as pessoas com menos rendimentos pagassem mais. E envolveu também o Chega, dizendo que a proposta da IL é igual à do partido de André Ventura.

A Iniciativa Liberal respondeu, indignada, no Twitter, garantindo que Louçã “mentiu”, porque “com a proposta de IRS da Iniciativa Liberal todos pagariam menos”, muito por causa da dedução de 650 euros ao rendimento tributado. O conselheiro do Estado ainda voltaria à carga no Facebook dizendo que “a proposta de taxa única de IRS de 15% é uma vigarice”.

Ultrapassada a discussão, o que importa saber sobre a taxa fixa? Que países têm este modelo de imposto sobre o rendimento individual? Que países já o tiveram e desistiram dele? E o que têm defendido as instituições europeias e internacionais sobre o assunto?

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A taxa única raramente é “pura” e tem poucos seguidores

São cinco os países que, na União Europeia, têm atualmente uma taxa fixa sobre os rendimentos do trabalho em sede de IRS — sendo que, destes, República Checa, Hungria e Estónia são países desenvolvidos e pertencem à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), enquanto que Roménia e Bulgária estão entre os mais pobres da Europa.

Não há, de resto, mais nenhum país desenvolvido fora da União Europeia a utilizar este modelo, de acordo com os dados compilados pela consultora KPMG. Estão em causa Arménia (taxa única de 23%), Bielorrússia (13%), Geórgia (20%), Cazaquistão (10%), Macedónia (10%), Mongólia (10%) e Ucrânia (18%). A Rússia também tem uma taxa única sobre os rendimentos das famílias (13%), mas no próximo ano irá introduzir um escalão adicional.

Há ainda pequenas jurisdições que aplicam a taxa fixa — Jersey, no Reino Unido, por exemplo — e o caso particular dos EUA, que aplica uma taxa federal progressiva de IRS (sete escalões) em todo o país, mas onde cada um dos estados pode aplicar taxas adicionais — é aqui que nove estados aplicam taxas fixas sobre o rendimento (a mais baixa, de 3,07%, em Pensilvânia, e a mais elevada, de 5,25%, na Carolina do Norte). Ainda assim, 34 dos 50 estados norte-americanos têm um modelo progressivo. E há sete que não cobram sequer esse imposto estadual.

Eleições Legislativas. Iniciativa Liberal defende 15% de IRS e divulga ideia junto das Finanças

Na verdade, raramente a taxa única é “pura”, porque se admitem deduções ou abatimentos. “O que os países normalmente fazem é contrabalançar o impacto nos rendimentos mais baixos — porque veriam a sua carga fiscal aumentar muito“, nota Bert Brys, que coordena a unidade de políticas fiscais da OCDE, em entrevista ao Observador. Para garantir que não há aumento de impostos sobre os rendimentos mais baixos, há geralmente “uma dedução específica, que isenta de imposto uma certa quantidade de rendimento”, como é o caso da proposta da Iniciativa Liberal, que levantou tanta polémica. Ou seja, a taxa “nunca é verdadeiramente única”.

Para o economista da OCDE, essa dedução específica “reintroduz alguma justiça fiscal”, mas apenas o faz “parcialmente, porque quem suporta o custo de uma taxa fixa de IRS conjugada com uma dedução fiscal é a classe média”. As famílias com rendimento médio “pagariam mais imposto do que num sistema progressivo”.

Isto num cenário em que o Estado aponte para uma taxa relativamente neutra, isto é, se não abdicar de milhares de milhões de euros em receita fiscal — como abdica a Iniciativa Liberal (já lá vamos). “Se quisermos introduzir uma taxa única e quisermos manter a meta de receita, teríamos de cobrar uma taxa relativamente alta, porque ‘única’ não significa ‘baixa’ — essa é uma confusão habitual”, defende o economista belga.

A OCDE, liderada por Angel Gurria, avisa que a taxa fixa do IRS resulta numa taxa alta ou em quebra de receita

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Na generalidade dos sistemas fiscais em vigor, a taxa neutra em termos de receita “seria algures no meio”, entre as taxas mais baixa e mais alta, só que, nesse caso, “quem perderia seriam pessoas com baixos rendimentos e a classe média, porque teriam uma taxa única que seria mais elevada do que as taxas que já pagam”, explica Bert Brys. Nesse tal cenário em que os estados tendencialmente não abdicam de receita quem beneficiaria “seriam os ricos, porque enfrentam atualmente taxas marginais mais elevadas”, defende.

Em Portugal, as primeiras simulações à taxa sugerida pela Iniciativa Liberal (de 15%), feitas pela consultora Deloitte, mostram, de facto, que o regime seria favorável sobretudo para contribuintes de maiores rendimentos e que pagam taxas de IRS mais elevadas. O impacto desta taxa fixa seria ainda residual ou mesmo neutro para os contribuintes de menor rendimento, mas com o Estado a perder mais de três mil milhões de euros de receita (o que no ano passado teria significado quase dois pontos percentuais do PIB).

A Iniciativa Liberal aponta no programa eleitoral para uma perda direta no IRS de 2 mil milhões de euros, inferior às contas da consultora, mas argumenta também que “o efeito na economia e o aumento de eficiência fiscal” aumentaria a base tributável, até porque “seriam eliminadas todas as deduções e benefícios fiscais em sede de IRS”. Dessa forma, acredita que seria reduzido o impacto “a menos de 0,5% do PIB” — cerca de mil milhões de euros, tendo em conta o PIB de 2019.

O partido diz ainda estar “comprovado noutros países” o efeito na economia, embora instituições como OCDE e Banco Central Europeu tenham dúvidas sobre esse argumento (como veremos adiante).

No entanto, num vídeo publicado no Twitter, a Iniciativa Liberal admitiu que, numa fase inicial de transição, haja não só uma taxa de 15% mas uma outra, de 27,5%, para os rendimentos mais elevados (o programa eleitoral sugeria inicialmente 20%). Ou seja, num primeiro momento, nem haveria uma “flat tax”, mas sim dois escalões.

Taxa fixa de IRS baixaria carga fiscal até 23%, mas Estado perderia mais de 3 mil milhões, segundo consultora

Bert Brys, que participou num estudo da OCDE sobre a fiscalidade na Eslováquia, incluindo a aplicação da taxa única entre 2004 e 2013, considera que “a flat tax não é eficiente nem justa“. “A flat tax é mais um slogan, soa bem, mas na realidade a taxa acaba por não ser fixa. Não é fixa, nem justa, nem eficiente”, afirma ao Observador. “A falta de progressividade torna o imposto injusto”.

Além disso, o economista salienta que é preciso ter ainda em conta as contribuições sociais. “Não podemos ver a discussão de uma flat tax isolada da normalmente elevada contribuição para a Segurança Social” da generalidade dos países europeus que aplicam este modelo, diz Bert Brys.

Na Hungria, por exemplo, os trabalhadores pagam 18,5% de contribuições (entre 10% para pensões, 7% para seguro de saúde e 1,5% para fundo de desemprego), de acordo com a consultora PwC; na Roménia, a contribuição social chega aos 25%; e na Bulgária fica nos 13,78% (entre segurança social e seguro de saúde). Mas há também casos em que a taxa para os trabalhadores é semelhante à de Portugal — 11% na República Checa (entre segurança social e seguro de saúde) — ou radicalmente mais baixa, como é o caso da Estónia (1,6%), mas com os custos a serem suportados na esmagadora maioria pelas empresas (33,8%), segundo a consultora KPMG.

Na maioria dos países que aplicam este modelo temos “uma elevada carga fiscal sobre o rendimento do trabalho, consistindo em elevadas taxas de contribuição sociais, que são fixas, mais uma taxa única de IRS” — uma conjugação pensada para não descompensar as contas do Estado e que “é muito ineficiente, porque resulta numa carga fiscal muito grande sobre o rendimento do trabalho”.

O que pode ter  consequências nefastas para o mercado laboral. “Torna-se muito dispendioso trabalhar, há um incentivo para os desempregados assim continuarem se houver um subsídio de desemprego relativamente generoso”, considera Bert Brys. “Porquê trabalhar se o rendimento é taxado de forma tão elevada nesta combinação de contribuição para a Segurança Social mais flat tax?”

Isto é, a OCDE salienta que, mesmo depois da fatia de rendimento isentado — nos países que têm essa dedução — o imposto e a contribuição social são, em regra, mais elevados em conjunto do que a carga fiscal que é aplicada quando o IRS é progressivo — o montante que é tributável é alvo de uma taxa maior logo nos primeiros escalões, não incentivando a saída do desemprego.

A flat tax é mais um slogan, soa bem, mas na realidade a taxa acaba por não ser fixa. Não é fixa, nem justa, nem eficiente (...) A falta de progressividade torna o imposto injusto.
Bert Brys, economista da OCDE

BCE vê resultados “contraditórios” na taxa fixa

Os entusiastas da taxa única acreditam que este modelo garante simplicidade ao sistema fiscal, melhorando a transparência, reduzindo os custos administrativos e aumentando o cumprimento no pagamento de impostos — mais ainda em países com elevada evasão fiscal — e que, além disso, incentiva o trabalho, o investimento, a inovação e garante mais crescimento.

No entanto, são vários os estudos de organizações europeias e internacionais que têm colocado dúvidas sobre este modelo ao longo da última década e meia — publicados pela Comissão Europeia (em 2018, sobre a sua aplicação no espaço comunitário), pelo Banco Central Europeu (BCE) (em 2007), ou pelo Banco Mundial (em 2015, sobre o caso da Letónia).

A análise do BCE, que tem servido de referência nos últimos anos a vários outros estudos, incluindo da Comissão Europeia, mostra que o supervisor europeu não fica convencido com os argumentos usados pelos defensores da taxa fixa. “Os relatórios empíricos mostram resultados contraditórios sobre o impacto dos sistemas de flat tax“, escreveu o BCE, que tinha então em conta 12 países europeus, cinco dos quais hoje membros da UE.

O supervisor notava que “as expectativas de grande simplificação nem sempre foram cumpridas” — porque, “por si só, as taxas únicas não são suficientes para simplificar sistemas fiscais” — e que as “investigações empíricas para os países do Báltico, Geórgia, Roménia, Rússia, Eslováquia e Ucrânia não encontraram provas claras de que as taxas fixas têm, de facto, as consequências esperadas” na redução das distorções no sistema, que deveriam incentivar o trabalho, o investimento e a inovação.

Os casos analisados pelo BCE mostram "resultados contraditórios sobre o impacto dos sistemas de flat tax"

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Por outro lado, o BCE indicava que “apesar de os países da Europa Central e de Leste terem conseguido elevadas taxas de crescimento do PIB, este resultado favorável pode não estar relacionado” porque “as reformas fiscais fizeram parte geralmente de um conjunto mais abrangente de reformas estruturais e fiscais que podem ter desempenhado um papel mais relevante do que as taxas fixas por si só”.

Os defensores deste modelo afirmam ainda que a taxa única permitiria uma comparação mais fácil entre países, levando a taxas mais baixas — fator importante para atração de mão-de-obra e investimento —, só que o BCE alerta para um “nivelamento por baixo” das taxas dos impostos num contexto europeu, que poderia prejudicar as receitas dos estados e, dessa forma, pôr em causa a qualidade de alguns serviços, infraestruturas e sistemas de educação.

Mas se contribuírem para mais investimento, emprego e crescimento, as taxas fixas não se financiariam a si próprias? Aqui o BCE salienta que “não há provas claras de que a introdução de taxas fixas tenha permitido autofinanciar-se, embora os relatórios também não apontem para deteriorações dramáticas nas receitas com impostos”.

Os mesmos estudos que notam melhorias na “eficiência económica nalgumas circunstâncias” indicam, segundo o BCE, que “seria à custa da equidade”. Mas aqui o BCE não confirma, notando que a redistribuição nos países com “flat tax” também pode ser alcançada através de apoios sociais bem desenhados.

Portugal é o quarto país da OCDE com os impostos mais altos para rendimentos mais elevados

Eslováquia, Letónia, Lituânia (e Rússia) desistiram da flat tax

A história da taxa fixa sobre os rendimentos do trabalho na Europa, nas últimas décadas, começa após a desagregação da União Soviética, quando Estónia (1994), Lituânia (1994) e Letónia (1995) adotaram a medida no âmbito de reformas liberais mais abrangentes, cerca de uma década antes de aderirem ao espaço comunitário.

Só alguns anos mais tarde, depois de a Rússia ter seguido os países do Báltico, em 2001, é que haveria novas vagas em território europeu, todos no Leste e Centro da Europa, incluindo a Eslováquia (que introduziu a taxa em 2004) e a Roménia (2005) — ambos na sequência da adesão à União Europeia —, mas também a República Checa (2008), a Bulgária (2008) e, mais tarde, a Hungria de Viktor Orban (2012), depois de ter vencido as eleições em 2010. Fora da UE, Sérvia (2003), Ucrânia (2004), Geórgia (2005), Macedónia, Montenegro e Albânia (todos em 2007) foram os outros países europeus a pôr em marcha a taxa fixa.

A tendência, no entanto, tem sido de retirada, com três países da União Europeia e a Rússia a abandonarem a taxa fixa nos últimos anos.

A história da taxa fixa sobre os rendimentos do trabalho na Europa, nas últimas décadas, começa após a desagregação da União Soviética, quando Estónia (1994), Lituânia (1994) e Letónia (1995) adotaram a medida no âmbito de reformas liberais mais abrangentes

O primeiro país a desistir foi a Eslováquia, em 2013, depois de nove anos de experiência. A taxa única, adotada em 2004 (ano de adesão à UE), no âmbito de um pacote alargado de reformas, visava nomeadamente captar investimento estrangeiro e flexibilizar o mercado de trabalho. O IRS deixou então de ter cinco escalões (com taxas marginais entre 10% e 38%), ficando com uma taxa fixa de 19%, a mesma que passariam a ter o IRC e o IVA, também eles alvo do choque fiscal.

Pelo caminho, a dedução específica no IRS foi sendo aumentada para tentar manter alguma progressividade e esbater o aumento da taxa marginal em rendimentos mais baixos.

No entanto, porque “as contribuições para a Segurança Social se mantiveram elevadas” na Eslováquia, segundo a OCDE, “a carga fiscal sobre o trabalho manteve-se de forma considerável”. Num estudo sobre as reformas fiscais no país que Bert Brys fez com outros três economistas (Ján Remeta, Sarah Perret e Martin Jareš), a OCDE considerou que o fardo era “particularmente elevado” para trabalhadores de baixo rendimento, “tendo em conta as baixas qualificações de grande parte da força de trabalho”.

Vistos ainda em conjunto, “vários elementos da reforma de 2004 tenderam a mudar o rendimento disponível em favor de famílias mais ricas, incluindo a mudança para uma taxa única de IRS e a mudança da tributação direta para a indireta” sobre o consumo.

Vários elementos da reforma de 2004 tenderam a mudar o rendimento disponível em favor de famílias mais ricas, incluindo a mudança para uma taxa única de IRS e a mudança da tributação direta para a indireta
Estudo da OCDE sobre a fiscalidade na Eslováquia

E em relação ao impacto económico? O economista Andreas Peichl sublinhou, no ano em que o país desistiu deste modelo fiscal, que “a expectativa era de que a reforma da taxa única fizesse disparar o crescimento económico”, mas que, na verdade, “não há provas empíricas, além da neutralidade na receita”.

Num artigo publicado na LSE (London School of Economics and Political Science), o agora diretor do IFO (think tank de referência alemão) explicava que houve muitas mudanças em simultâneo, como “a entrada na UE, baixos custos sobre o trabalho, reformas fiscais, etc.” e que não há dados suficientes antes do período da reforma promovida pela Eslováquia.

A economia crescia a um forte ritmo ainda antes da reforma fiscal e da entrada na UE (4,5% em 2002 e 5,5% em 2003), mas disparou ainda mais, depois disso, ao longo de quatro anos (5,3% em 2004, 6,6% em 2005, 8,5% em 2006, 10,8% em 2007 e 5,6% em 2008).

No entanto, com a crise financeira global, o comportamento económico alterou-se, só atingindo valores aproximados em 2010 (5,7%, depois de uma recessão de 5,5% em 2009), em 2015 (4,8%) e em 2018 (3,9%). Em 2012, o último ano em que foi aplicada a taxa única, o país crescia 1,9%.

UE celebra 15 anos do seu maior alargamento na sombra da primeira “deserção”

A taxa fixa acabou na Eslováquia depois de Robert Fico, que já tinha governado entre 2006 e 2010, ter voltado a ser primeiro-ministro, desta vez levando o Smer, partido de esquerda, à primeira maioria absoluta desde o fim da Checoslováquia.

Foi introduzido apenas um segundo escalão, de 25%, mantendo a outra taxa, que tinha sido única durante quase uma década, de 19%. O novo escalão aplica-se atualmente a rendimentos anuais superiores a 34.400 euros (valor indexado a um mínimo de existência).

As taxas progressivas no IRS seriam reintroduzidas como parte de um pacote de austeridade para baixar o défice, que incluiu ainda um aumento do imposto sobre as empresas. As contas públicas tinham estado sempre com défices elevados desde a crise de 2009 (atingiram -8,1% do PIB nesse ano e ainda se mantinham em -4,4% em 2012). Só baixariam dos 3% em 2013 (-2,9%).

Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia em 2013, terminou com a taxa fixa do IRS no país

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Cinco anos depois, seria a vez da Letónia, que deixou de ter uma flat tax em 2018, no âmbito de uma ampla reforma fiscal. Em vez de cobrar 23%, o país do Báltico, que se juntou à UE em 2004 (em conjunto com a Eslováquia e outros oito países), aplica uma taxa de 20% a rendimentos até 20 mil euros/ano, 23% entre 20 mil e aproximadamente 62 mil, e 31,4% a partir deste valor.

Introduzida em 1995, a taxa fixa começou nos 25%, numa altura em que “se acreditava que poderia contribuir para o crescimento económico, dada a sua gestão simplificada, transparência e potencial para reduzir distorções fiscais e ineficiências”, de acordo com um estudo publicado em 2018 pela Comissão Europeia. No entanto, os autores (Ivaškaitė-Tamošiūnė, Virginia Maestri, Janis Malzubris, Aurélien Poissonnier e Anneleen Vandeplas) sublinham os vários trabalhos académicos que na última década e meia levantaram dúvidas se seria mesmo esse o caso, incluindo o estudo já aqui referido do Banco Central Europeu.

Já antes, em 2015, o Banco Mundial considerou que “abandonar a taxa única melhoraria a eficiência e a equidade do sistema fiscal” da Letónia. E que “a taxa única causa mais distorções para a mesma redistribuição de rendimento ou pode redistribuir menos rendimento para o mesmo nível de distorção económica”.

A taxa escolhida para todas as famílias da Letónia foi sofrendo oscilações. Primeiro, caiu para 23% em 2009, só que logo depois surgiu a crise financeira global, que tirou só nesse ano mais de 14% ao PIB do país. A flat tax seria, por isso, aumentada para 26% em 2010 (ano em que ainda houve uma recessão de 4%). Finalmente, desceria até 23%, em 2015, sendo abolida três anos depois, em 2018.

"A taxa única causa mais distorções para a mesma redistribuição de rendimento ou pode redistribuir menos rendimento para o mesmo nível de distorção económica"
Banco Mundial, num relatório sobre a fiscalidade da Letónia

No ano passado, seguiu-se a vizinha Lituânia, na sequência da surpreendente subida ao poder de Saulius Skvernelis nas legislativas de final de 2016. Antigo ministro do Interior (e antes disso líder da polícia), o político independente apoiou-se num partido que tinha obtido um único deputado quatro anos antes, acabando por formar coligação com os sociais democratas (que lideraram o país na anterior legislatura). Skvernelis venceu as eleições (à segunda volta) prometendo fazer crescer o país, estancar a emigração para a Europa Ocidental e combater a desigualdade.

Esta última bandeira é relevante no país, tendo em conta que tem “um dos mais elevados níveis de desigualdade da UE”, como sublinha a Comissão Europeia. Um problema que enfrenta “há muito tempo” — em 2016, a Lituânia ocupava (como ocupa agora) o segundo lugar do índice de Gini entre os 27 estados-membros, só atrás da Bulgária (e não muito à frente da Letónia).

É neste contexto que o Governo de Skvernelis decide desistir da taxa única de 15% no IRS, introduzindo um segundo escalão. A Lituânia ficou com uma taxa inicial de 20%, aplicada em 2020 aos rendimentos até 104 mil euros (embora esteja prevista uma redução deste teto em 2021) e uma taxa de 32% para os montantes seguintes, entretanto alterada para 27%. Em simultâneo, também houve uma redução das contribuições para a segurança social.

A Lituânia foi um dos primeiros países a adotar a taxa única no IRS, mas desistiu dela no ano passado

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Fora da União Europeia, o caso de flat tax mais relevante é o da Rússia, que tem aplicado uma taxa única de 13%, mas também aqui deverá haver mudanças já no próximo ano, com a introdução de alguma progressividade. Até 5 milhões de rublos (55 mil euros ao câmbio atual) a taxa mantém-se, mas o montante que daí sobrar deverá ser taxado a 15%, de acordo com a consultora PwC.

A flat tax, aplicada na Rússia desde 2001, serviu na altura para “retirar rendimentos da sombra, taxar de forma mais fácil”, justificou Vladimir Putin, que tem estado no poder ininterruptamente desde 1999.

É, para Bert Brys, a maior vantagem da taxa fixa: “Se o Governo não consegue combater uma grande economia informal, ter uma taxa progressiva não vai ajudar”, defende o economista da OCDE ao Observador. “Assumindo que é uma flat tax pura, sem deduções, a grande vantagem é que se pode cobrar facilmente na fonte, porque não carece da apresentação de uma declaração de impostos”. Em economias informais, em que os empregadores paguem ‘por fora’, o Fisco recebe a declaração da empresa sem necessidade de cálculos complexos. A questão é ainda mais relevante “se num país pouco desenvolvido, não houver capacidade para administrar o IRS de forma adequada”.

Ainda assim, apesar de reconhecer que “esta seria a situação mais lógica para ter uma flat tax“, o diretor da OCDE explica que se “mantém o problema de atingir muito mais os pobres do que os ricos”.

"Assumindo que é uma flat tax pura, sem deduções, a grande vantagem é que se pode cobrar facilmente na fonte, porque não carece da apresentação de uma declaração de impostos"
Bert Brys, economista da OCDE

No caso da Rússia, Vladimir Putin entende que, “agora, com uma administração pública de melhor qualidade e a introdução de tecnologias digitais”, pode “distribuir a carga fiscal de forma diferenciada e direcionar os recursos adicionais para a resolução de questões específicas e importantes”.

A introdução da progressividade servirá, neste caso, para aumentar a receita fiscal. Putin garante que esse acréscimo será usado para “tratar crianças com doenças graves e raras”, comprar medicamentos caros e financiar cirurgias complexas, de acordo com as agências de notícias internacionais.

Os resistentes da flat tax não são todos iguais. República Checa destaca-se

Entre os resistentes na União Europeia que continuam a aplicar uma taxa fixa sobre os rendimentos das famílias estão países com situações económicas e sociais totalmente diferentes, não se descortinando um padrão clarificador.

No que diz respeito ao crescimento económico, há, de facto, uma tendência de elevadas taxas nestes estados-membros — antes da crise financeira de 2008/09 (em que os países bálticos estiveram no pelotão da frente), bem como na última metade desta década. No entanto, o BCE, como vimos, sublinhou que o crescimento do PIB foi impulsionado por múltiplos fatores, nomeadamente grandes injeções de dinheiro europeu e, em vários países, reformas mais amplas “que podem ter desempenhado um papel mais relevante do que as taxas fixas por si só”.

Além disso, outros estados-membros que entraram para o espaço comunitário em 2004, e que também estão ainda abaixo da média europeia no ranking da riqueza per capita, têm registado grandes níveis de crescimento (que os diferenciam da Europa Ocidental, mais desenvolvida). Por exemplo, Malta, que tem cinco escalões de IRS, conseguiu crescimentos superiores a 5% por seis vezes na última década — o maior de todos, de 9,6%, em 2015 — apesar de não ter sido dos que mais cresceu logo a seguir à entrada da UE.

No caso dos países que adotam a taxa fixa, há ainda que separar o pelotão da frente em termos de estado de maturação da economia — República Checa (flat tax de 15%), Hungria (15%) e Estónia (20%) são economias desenvolvidas e membros da OCDE — daqueles que são os dois países mais pobres da União Europeia, com um longo caminho a percorrer — Bulgária (10%) e Roménia (10%).

Entre os resistentes na União Europeia que continuam a aplicar uma taxa fixa sobre os rendimentos das famílias estão países com situações económicas e sociais totalmente diferentes, não se descortinando um padrão clarificador em termos de crescimento ou de evolução na desigualdade.

Com praticamente o mesmo PIB per capita do que Portugal no ano passado (cerca de 18 mil euros), a República Checa tem apresentado taxas de crescimento geralmente mais elevadas do que a economia portuguesa ao longo da última década. Apesar de recessões de 4,7% em 2009 (ano da crise financeira global) e de 0,8% em 2012, bem como da estagnação total em 2013, a República Checa foi compensando com crescimentos na casa dos 2% ou próximo disso (2010, 2011, 2014, 2016 e 2019), dos 3% (2018) ou mesmo 5% (2015 e 2017).

Mas a República Checa nem sequer pode ser o paradigma da taxa fixa, uma vez que, entre estes, é o que mais se aproxima às taxas progressivas. Apesar de, neste momento, ter uma taxa fixa de 15% (a mesma que introduziu em 2008), impõe ainda, desde 2013, uma taxa de solidariedade adicional de 7% sobre o rendimento bruto acima de 5.139 euros/mês (ou 139.340 coroas checas). E a consultora PWC indica que “a introdução de taxas progressivas está a ser discutida informalmente”, embora ressalve que “nenhuma alteração legislativa está a ser desenhada neste momento”.

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