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Christine Lagarde, ex-diretora-geral do FMI, sucedeu a Mario Draghi na liderança do BCE.

dpa/picture alliance via Getty I

Christine Lagarde, ex-diretora-geral do FMI, sucedeu a Mario Draghi na liderança do BCE.

dpa/picture alliance via Getty I

FMI alerta: Taxas de juro podem ter de subir mais (e mais rapidamente) que o previsto

Bancos centrais têm um "equilíbrio delicado" para gerir, entre controlar a inflação e não estrangular a retoma. Nesse processo, as taxas de juro podem subir mais do que os mercados estão a prever.

Os mercados financeiros já estão a antecipar uma subida das taxas de juro, mas esse movimento poderá ser ainda mais rápido e mais profundo do que se está a prever. O alerta é do FMI, que afirma que os bancos centrais têm um “equilíbrio delicado” para gerir, entre controlar a inflação e evitar estrangular a retoma económica, que está a ser muito penalizada pela invasão pela Rússia da Ucrânia. Essas são geografias às quais o sistema financeiro ocidental tem pouca exposição direta, porém, avisa o FMI, “a exposição indireta é mais difícil de calcular“.

Na mais recente edição do Relatório de Estabilidade Financeira Global, divulgado esta terça-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) enumera um grande número de riscos para essa mesma estabilidade financeira – riscos que, além da inflação e da guerra na Ucrânia, incluem também a nova vaga de Covid-19 na China, os problemas nas cadeias de abastecimento globais e o perigo de ciberataques.

“O equilíbrio de riscos para o crescimento passou a pender, ainda mais firmemente, para o lado negativo“, avisa o FMI. Na prática, esta é uma formulação usada para indicar que é maior a probabilidade de a evolução económica surpreender pela negativa do que pela positiva. A “mudança rápida nas perspetivas de aperto da política monetária” e a “invasão da Ucrânia pela Rússia” são fatores que “vão pesar de forma significativa na recuperação económica”, enublando o horizonte com um grau de incerteza bem maior, afirma o organismo sediado em Washington, DC, nos EUA.

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As economias globais estão a enfrentar um “aumento acentuado” dos preços das matérias-primas, que existem em simultâneo com “disrupções nas cadeias de fornecimento que estão a ser mais prolongadas do que o previsto”, diz o FMI. Esses dois fatores “exacerbaram pressões inflacionistas” que, sublinha o FMI, já vinham de trás – e surgiram “exatamente numa altura em que o mundo tenta controlar a pandemia, lentamente, e a economia mundial recupera [do impacto negativo] da Covid-19”.

epa09209966 International Monetary Fund (IMF) Managing Director Kristalina Georgieva speaks during a joint press conference at the end of the Summit on the Financing of African Economies in Paris, France, 18 May 2021.  EPA/LUDOVIC MARIN / POOL

Guerra na Ucrânia? Pressões inflacionistas já vinham de trás, sublinha o FMI, liderado por Kristalina Georgieva (na foto).

LUDOVIC MARIN / POOL/EPA

“Para gerir o equilíbrio delicado entre conter a inflação e apoiar a recuperação da pandemia, as taxas de juro poderão ter de subir mais do que aquilo que está, neste momento, a ser descontado pelos mercados financeiros – isto para conseguir voltar a aproximar as taxas de inflação em tempo útil“, avisa o FMI. “Os dados que vão chegando, sobre a inflação, levam a crer que é necessário, em muitos países, um aperto mais intenso da política monetária“, acrescenta o relatório.

E até que níveis podem subir as taxas de juro? Recorrendo à ideia de um ponto neutral no habitual binómio de políticas monetárias acomodatícias (ou expansionistas) versus políticas restritivas, o FMI avisa que “para muitos países“, as taxas de juro podem atingir “níveis que estão para lá do que se poderia considerar um nível neutral“, ou seja, para esses países a política monetária pode mesmo passar a tornar-se restritiva.

FMI avisa para risco de “forte declínio nos preços dos ativos”

Embora seja difícil prever com exatidão o que os próximos tempos irão trazer, o FMI considera ser uma certeza que “a resiliência do sistema financeiro global vai enfrentar um teste“. E, sobretudo se os piores cenários na guerra se confirmarem, pode ser abrupto o choque nos mercados financeiros e, de um modo geral, nos valores dos ativos mobiliários ou imobiliários, avisa o FMI.

Uma eventual “intensificação” da guerra poderá levar a uma “súbita reavaliação dos prémios de risco” que irá colocar em evidência algumas “vulnerabilidades acumuladas durante a pandemia“. E a consequência disso será, alerta o FMI, “um forte declínio nos preços dos ativos“.

“Ainda que, até ao momento, o sistema financeiro se tenha demonstrado resistente aos choques mais recentes, os choques futuros podem ser mais danosos”, receia o FMI, aludindo a riscos como possíveis ciberataques, disrupções nos mercados de matérias-primas e perdas relacionadas com exposições (diretas ou indiretas) de bancos ou outros intermediários financeiros.

Pela maior proximidade e dependência da energia russa, “a Europa está em posição de maior risco“, acrescenta o relatório. Ainda assim, no setor financeiro, o FMI salienta que “a exposição direta à Rússia é relativamente pequena, com exceção de alguns bancos europeus não sistémicos”.

Essa visão é suportada nos já noticiados dados do Banco de Pagamentos Internacionais (mais conhecido pela sigla anglo-saxónica BIS), que antes da guerra davam conta de uma exposição do sistema financeiro português à Rússia equivalente a 149 milhões de dólares (ou 132 milhões de euros).

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O problema, alerta o FMI, pode estar nas exposições indiretas, que são “mais difíceis de identificar e calcular, porque não são tão bem conhecidas (especialmente o seu grau de interconexão)”. Aí, “o risco é que as exposições indiretas possam revelar-se significativas e, uma vez conhecidas, apanhar os investidores de surpresa“, o que levaria a um aumento súbito dos chamados “riscos de contraparte” e dos prémios de risco nos mercados financeiros, de um modo geral.

Quanto "risco russo" está nas carteiras de investimento?

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O FMI assinala que a exposição direta dos bancos europeus à Rússia é relativamente pequena, com exceção de alguns bancos europeus não sistémicos. Mas outra possível fonte de preocupação é aquilo que está nas carteiras dos chamados intermediários financeiros não-bancários, onde se podem incluir os fundos de investimento e gestoras de ativos, entre outros.

Sendo a Rússia considerada um “mercado emergente”, são os fundos especializados nesses mercados que terão maiores volumes de investimento no país. Porém, como aponta o FMI, “os fundos especializados em mercados emergentes têm tido uma atitude mais cautelosa em relação a ativos russos desde a ocupação da Crimeia, em 2014”. A exposição desses fundos à dívida russa, por exemplo, terá baixado de mais de 10% para cerca de 4%.

Isso significa que, embora a exposição desses fundos à Rússia seja “significativa”, na proporção dos seus ativos totais é relativamente “pequena”, diz o FMI.

Além da Rússia e da Ucrânia, o que parece estar a preocupar o FMI é a China, onde a nova vaga de Covid-19 (e as medidas de contenção que estão a ser tomadas para a tentar conter) “está a levar a receios de um abrandamento económico, com potenciais efeitos de contágio para outros mercados emergentes”. O que também não ajuda, acrescenta o FMI, é o “stress continuado no conturbado setor imobiliário“, incluindo os problemas que afligem a gigante Evergrande, bem como muitas outras empresas chinesas do mesmo setor.

Regulação dos “criptoativos” tem de ser reforçada

O relatório sobre estabilidade financeira global também dedica um capítulo aos riscos associados às chamadas criptomoedas – entre as quais a bitcoin é a mais conhecida – pedindo um reforço da regulação das atividades “arriscadas” como as levadas a cabo por empresas fintech que, por vezes, operam em contextos de “regulação menos apertada”.

Este alerta do FMI também tem uma ligação ao tema principal deste relatório – a guerra na Ucrânia. “Os volumes de transações de criptoativos, com algumas moedas de mercados emergentes, dispararam após a introdução de sanções económicas contra a Rússia, bem como a aplicação de controlos de capitais na Rússia e na Ucrânia”, nota o FMI.

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Este é um caso que ilustra bem os “desafios de aplicar medidas de fluxos de capitais e sanções” num contexto em que existem cada vez mais transações transfronteiriças de valores. O alerta do FMI é que “o uso cada vez mais generalizado de criptoativos, em mercados emergentes, é algo que pode prejudicar os objetivos das autoridades políticas”.

E como é que devem reagir as autoridades políticas? O organismo sediado em Washington DC recomenda que se desenvolvam “padrões abrangentes e de alcance global” na área dos criptoativos (o FMI nunca refere a expressão criptomoedas, apenas criptoativos).

“É necessária uma supervisão mais robusta das empresas fintech e das plataformas de finança descentralizada [as DeFi, como são conhecidas”, defende o FMI, para que se possa “aproveitar os benefícios” associados a esse tipo de inovação, “mitigando os riscos associados”.

O organismo conclui que “ainda que a inovação tecnológica nas atividades financeiras (protagonizada pelas fintech) possa ser um fator que induz um crescimento inclusivo, ao fomentar a concorrência, o desenvolvimento financeiro e a inclusão, o rápido crescimento de segmentos de negócio mais arriscados pode ser um motivo de preocupação” na ótica da estabilidade financeira, sobretudo quando se fala de “empresas fintech que operam sujeitas a regulação menos apertada”.

Combate às alterações climáticas está “em risco”, diz FMI

A guerra na Ucrânia tornou ainda mais evidente a “urgência” em diminuir a dependência de fontes energéticas provenientes de combustíveis fósseis e “acelerar” a transição para as energias renováveis, acrescenta o FMI. “Porém, perante receios crescentes relativamente à segurança energética, a estratégia de transição poderá enfrentar dificuldades nos próximos tempos“, receia o organismo liderado por Kristalina Georgieva.

Na sequência da guerra na Ucrânia, mesmo sem se saber como e quando vai terminar, o FMI salienta que “a geopolítica da segurança energética poderá colocar a transição climática em risco“.

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A recomendação do FMI, nesta matéria, é que “ao mesmo tempo que tomam medidas para atenuar os receios sobre segurança energética, as autoridades devem intensificar os seus esforços para executar as metas acordadas na COP26 e a estratégia aí decidida para cumprir os objetivos de emissões carbónicas (líquidas) nulas”.

Mais concretamente, os governos devem “tomar medidas para aumentar o grau de acesso a alternativas aos combustíveis fósseis, baixando os custos” associados a essas alternativas. Em simultâneo, há que “melhorar a eficiência energética” e estimular os financiamentos privados que ajudem na transição para uma economia mais “verde”.

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