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'Fotos' de cerca de 350 mil euros de Veiga, contas de amigos e SMS. Como Rangel e Vaz das Neves terão sido corrompidos

Veiga patrocinou a campanha de Rangel à presidência do Benfica: as palavras para dinheiro eram "fotos" e "álbuns". E também pagava rendas e carros através de contas de amigos. Total: 350 mil euros.

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Apesar de a investigação ter sido muito noticiada, o despacho de acusação da operação Lex trouxe muitas novidades. A principal é a de corrupção passiva que o Ministério Público (MP) imputa ao ex-desembargador Rui Rangel e ao desembargador Luís Vaz das Neves. Rangel e o ex-presidente da Relação de Lisboa terão sido alegadamente corrompidos por José Veiga a propósito de um recurso do chamado caso João Vieira Pinto no qual o ex-empresário de jogadores de futebol foi absolvido pela segunda instância.

Mas, enquanto Rui Rangel terá recebido uma contrapartida de 350 mil euros para alegadamente favorecer Veiga, Vaz das Neves não é suspeito de ter recebido qualquer tipo de contrapartida. E porque foi acusado? Porque a lei permite que um funcionário que tenha beneficiado um terceiro com conhecimento de que essa pessoa iria receber contrapartidas ilícitas seja tido como co-autor do crime de corrupção. A equipa da procuradora-geral adjunta Maria José Morgado diz ter prova indiciária de que o ex-presidente da Relação de Lisboa teve conhecimento das vantagens que Rangel receberia de Veiga no momento em que interferiu para alegadamente viciar o sorteio que designou o relator do recurso do empresário de futebol no caso João Vieira Pinto.

“Rangel é doido pelo Benfica!”

O caso João Vieira Pinto foi uma investigação muito badalada no final da década passada. No centro do caso caso estava a transferência daquele jogador, representado por José Veiga, do Benfica para o Sporting. A 10 de setembro de 2012, o futebolista, Veiga e mais dois dirigentes sportinguistas foram condenados pelos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, sendo que no caso do empresário lhe foi aplicada uma pena de prisão de quatro anos e seis meses e o pagamento de cerca de 170 mil euros de impostos em falta.

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Rui Rangel forma um grupo restrito para pensar a sua candidatura. Desse grupo faziam parte três homens que foram esta sexta-feira acusados pelo MP: José Veiga, Fernando Tavares (que tinha entrado em ruptura com Luís Filipe Vieira) e Jorge Barroso (advogado e atual assessor de Vieira no Benfica). O papel de Veiga era simples: ser o "patrocinador" da campanha de Rangel, pagando todas as despesas.

O final de 2012, altura em que o recurso é elaborado, apresentado na primeira instância e sobe para a Relação de Lisboa, é também a mesma altura em que Rui Rangel começa a pensar em candidatar-se à presidência do Benfica contra Luís Filipe Vieira. Diz o Ministério Público na acusação, que a “afinidade clubística pelo Benfica permitiu o adensar de um relacionamento entre José Veiga e Rui Rangel”. Os próximos do então juiz desembargador resumiam a sua condição de adepto como fervorosa: “É doido pelo Benfica!”

É assim que Rui Rangel forma um grupo restrito para pensar a sua candidatura. Desse grupo faziam parte três homens que foram esta sexta-feira acusados pelo MP: José Veiga, Fernando Tavares (que tinha entrado em ruptura com Luís Filipe Vieira) e Jorge Barroso (advogado e atual assessor de Vieira no Benfica). O papel de Veiga era simples: ser o “patrocinador” da campanha de Rangel, pagando todas as despesas.

Caso Veiga. O mistério dos 6,9 milhões em notas encontrados na “casa do ministrinho”

Com os bolsos cheios dos petrodólares do Congo Brazzaville, o país gerido com mão de ferro pelo Presidente Sassou Nguesso de quem Veiga é muito próximo, o empresário disponibilizou-se para financiar a campanha. Segundo o MP, Veiga viu “surgir a oportunidade de tirar partido pessoal” dessa aproximação a Rangel.

Foi no contexto da campanha que Veiga conheceu José Santos Martins, amigo, advogado e alegado testa-de-ferro de Rui Rangel. E foi também aí que o empresário teve conhecimento das “dificuldades financeiras” de Rui Rangel que lhe terão sido transmitidas por Santos Martins.

Os 25 mil euros transferidos de Cabo Verde para Lisboa

José Veiga disponibilizou-se para “ajudar” a suprir as “ditas ocasionais dificuldades”, lê-se no despacho de acusação. Assim, Santos Martins ficou de receber as ajudas de Veiga para Rangel através da conta do seu filho Bernardo no BES. “E fê-lo com conhecimento e anuência de Rui Rangel, exatamente nos termos em que era já usual, àquela data, a utilização deste procedimento”, escrevem os procuradores do MP.

De acordo com o despacho de acusação, José Veiga terá solicitado a Tavares que não fosse usada em nenhuma comunicação por escrito a expressão “dinheiro” para aludir aos pedidos de fundos para pagar as despesas. Deveriam ser utilizadas expressões como “fotos” e “álbuns” como nomes de código para dinheiro.

Para tal foi utilizada uma conta do Banco Internacional de Cabo Verde (instituição do Grupo Espírito Santo que passou para as mãos do Novo Banco) aberta em nome da sociedade congolesa International Services Congo. A primeira transferência foi de 25 mil euros e foi feita a 6 de agosto de 2012.

O valor serviu para pagar uma dívida do empréstimo bancário relacionado com aquisição de um veículo de luxo para Rui Rangel: um BMW X6. Com os mesmos fundos de Veiga foi paga ainda outra despesa financeira relativa a um segundo carro (um Smart) e o respetivo seguro e ainda a renda da casa de Rangel no centro de Lisboa.

O empresário José Veiga

Álvaro Isidoro / Global Imagens

As “fotos” para “completar os álbuns”

Mais tarde, todas as despesas da campanha de Rui Rangel para a presidência do Benfica foram igualmente pagas pela mesma empresa de José Veiga. Tudo isto numa altura em que o recurso do ex-empresário de futebol deu entrada na Relação de Lisboa.

De acordo com o despacho de acusação, José Veiga terá solicitado a Tavares que não fosse usada em nenhuma comunicação por escrito a expressão “dinheiro” para aludir aos pedidos de fundos para pagar as despesas. Deveriam ser utilizadas expressões como “fotos” e “álbuns” como nomes de código para dinheiro.

E foi assim que, entre outubro e novembro de 2012, todas as despesas da campanha “foram custeadas por José Veiga” que, para o efeito, foi alimentando uma conta bancária de Fernando Tavares no Millenmium BCP. No total, a campanha terá custado cerca de 55 mil euros (54.413.40 euros para ser exato) e tudo terá sido pago por Veiga através de fundos transferidos pela International Services Congo. Entre 18 de outubro de 2012 e 26 de novembro de 2012, aquela empresa de Veiga transferiu aquele montante dividido por quatro transferências.

O MP diz que, nesta altura da campanha eleitoral do Benfica, Rangel e Veiga já tinham feito o acordo para que o magistrado disponibilizasse uma “porta de entrada” no Tribunal da Relação de Lisboa.

Rangel na candidatura ao Benfica

MANUEL ALMEIDA/LUSA

O percurso do recurso na Relação de Lisboa

Foi precisamente em outubro de 2012 que o recurso de José Veiga deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa. A 19 de outubro de 2012, José Veiga enviou um email a Otávio Correia, funcionário da estrita confiança de Rui Rangel na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, com as alegações do recurso que o seu advogado Pedro Correia (filho de João Correia, advogado do Benfica e antigo advogado de Veiga) tinha apresentado.

“Zé, vou necessitar de 20 fotos [dinheiro] tuas como aquelas 15 que enviaste e que já recebi. Creio que com isso podemos fazer o trabalho biográfico”. Veiga respondeu: “Ok, como vamos ter fim de semana, só posso mandar na segunda”. No dia 22, pediu mais “20 fotos”. Ou seja, 40 no total.

Otávio Correia, que era igualmente apoiante do seu ‘chefe’ informal nas eleições para a presidência do Benfica, reencaminhou o email para Rui Rangel e para o relator Rui Gonçalves.

Duas horas após a receção daquele email por Rui Rangel, Fernando Tavares escreveu mais um outros a pedir fundos a Veiga: “Zé, vou necessitar de 20 fotos [dinheiro] tuas como aquelas 15 que enviaste e que já recebi. Creio que com isso podemos fazer o trabalho biográfico”. Veiga respondeu: “Ok, como vamos ter fim de semana, só posso mandar na segunda”. No dia 22, pediu mais “20 fotos”. Ou seja, 40 no total.

Um dia depois de Vieira ganhar as eleições com mais de 80% dos votos, Fernando Tavares voltou a solicitar ainda mais “20 fotos para fechar o álbum”.

A 1 de novembro de 2012, e depois de ter aprovado as despesas da campanha, Rui Rangel foi informado por Fernando Tavares que esta tinha custado 55 mil euros mas Veiga, “o nosso amigo”, só tinha transferido 45 mil.

A entrada em cena de Vaz das Neves

A 15 de outubro de 2012, José Veiga voltou a utilizar a sua conta no Banco Internacional de Cabo Verde para transferir mais 40 mil euros para a conta de Bernardo Santos Martins, filho do alegado testa-de-ferro de Rui Rangel.

Vaz das Neves não terá recebido vantagens patrimoniais, mas conhecia as de Rangel

MARIO CRUZ/LUSA

Tal como já tinha feito com o funcionário Otávio Correia, Veiga enviou o seu recurso do caso João Pinto no dia 23 de novembro para José Santos Martins, tendo este respondido a 28 de novembro para que o informasse “imediatamente da subida do recurso”. “É muito importante”, enfatizou o advogado.

Antes do recurso de José Veiga ter sido distribuído na Relação de Lisboa ao desembargador Rui Gonçalves, Rui Rangel contactou Luís Vaz das Neves, então presidente da Relação de Lisboa. O SMS de Rangel era telegráfico: “1/05.2jflsb”. Tratava-se da identificação do processo no qual José Veiga tinha sido condenado à pena de prisão superior a quatro anos por fraude fiscal e branqueamento de capitais naquele caso.

Segundo a acusação, Luís Vaz das Neves, ordenou a afetação daquele recurso exatamente ao desembargador Rui Gonçalve, pelo que é acusado de ter cometido uma “grosseira violação e desrespeito pelo princípio do juiz natural”, além dos deveres de insenção e de imparcialidade que sobre si impendiam”.

O MP diz que Rui Rangel queria “alertar Vaz das Neves para o número do processo em que ele, Rui Rangel, estava interessado” para que o presidente da Relação “retirasse das listas de distribuição automática” o recurso de Veiga e “o viesse a distribuir manualmente ao magistrado Rui Gonçalves”.

O que veio a acontecer. Segundo a acusação, Luís Vaz das Neves, ordenou a afetação daquele recurso exatamente ao desembargador Rui Gonçalves, pelo que é acusado de ter cometido uma “grosseira violação e desrespeito pelo princípio do juiz natural”, além dos deveres de insenção e de imparcialidade que sobre si impendiam”.

De acordo com a acusação, Vaz das Neves terá procedido da mesma forma com um ação cível que deu entrada na Relação de Lisboa e que tinha o próprio Rui Rangel como parte — logo, com um interesse direto na causa. Estava em questão uma queixa do próprio Rangel contra a empresa proprietária do jornal Correio da Manhã. E também o fez com um incidente de arresto sobre os bens de Álvaro Sobrinho que Vaz das Neves decidiu distribuir ao próprio Rui Rangel.

Enfatize-se que Rui Gonçalves recebeu o recurso oficialmente no dia 7 de janeiro mas já o tinha na sua posse desde o dia 19 de outubro de 2012 — por iniciativa do funcionário Otávio, que o tinha recebido de José Veiga.

Rangel na mesa principal do casamento do filho de Veiga — e a ajuda na Católica

A proximidade entre José Veiga e Rui Rangel é igualmente evidenciada pelo MP a propósito do casamento de Dani Veiga que ocorreu em 2013. Isto porque Rui Rangel e a sua namorada Bruna foram colocados na mesa de José Veiga, na companhia de Dennis Christel Sassou Nguesso, filho do Presidente do Congo Brazaville, de Roberto Colnaghi (líder da empresa brasileira Asperbras suspeita de corrupção ativa do líder congolense), de Pedro Santana Lopes (ex-primeiro-ministro e ex-líder do PSD) e de Manuel Damásio (ex-presidente do Benfica). Uma mesa de respeito que era a principal mesa do casamento.

Mas também é uma mesa que, com a exceção de Pedro Santana Lopes, se cruza com o processo deu origem à Operação Lex: a Operação Rota do Atlântico.  José Veiga é suspeito nesses autos do crime de corrupção no comércio internacional por ter negócios com o Governo liderado pelo Presidente Sassou Nguesso — do qual Veiga é tido como alegado testa-de-ferro. Veiga foi no Congo representante da Asperbras, sendo que Roberto Conalghi é igualmente arguido nos mesmos autos, o mesmo acontecendo com Paulo Santana Lopes (irmão de Pedro e sócio de José Veiga. Manuel Damásio também está a ser investigado na Rota do Atlântico.

No casamento do filho de José Veiga, Rui Rangel e a sua namorada Bruna foram colocados na mesa do pai do noivo na companhia de Dennis Christel Sassou Nguesso, filho do Presidente do Congo Brazaville, de Roberto Colnaghi (líder da empresa Asperbras), de Manuel Damásio e de Pedro Santana Lopes. Uma mesa que, com a exceção, de Pedro Santana Lopes, reuniu suspeitos da Operação Lex e da Rota do Atlântico.

Certo é que José Veiga acabou por transferir mais 135 mil euros para as contas do filho de José Santos Martins, o alegado testa-de-ferro de Rui Rangel entre janeiro e setembro de 2013. Sempre através da conta da sua empresa congolesa no Banco Internacional de Cabo Verde e tendo como destino a conta do BES do filho de Santos Martins. Todas as transferências foram alvo da emissão de faturas posteriores de diversas sociedades geridas pelo advogado de Rangel mas o MP acredita que se tratam de documentos falsificados.

E tudo porque as transferências foram feitas em alturas centrais da análise do recurso por parte do desembargador Rui Gonçalves — que continua a ser investigado num processo autónomo. Por exemplo, entre 11 e 18 de julho de 2013, Rui Rangel perguntou por várias vezes a Vaz das Neves se “sabia de alguma coisa”. O MP acredita que “a coisa” era a decisão do desembargador Rui Gonçalves que foi dada a 18 de julho e que absolveu José Veiga dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Como José Veiga conseguiu reunir mais de 60 milhões de euros em Cabo Verde

A 2 de setembro, Rangel envia um SMS a Veiga: “Amigo Veiga, estou desde 5.ª feira à espera do seu telefonema. Já liguei várias vezes e não atende o telefone. Preciso de falar consigo. Não compreendo, não aceito e penso que não mereço o seu comportamento. Ficou a aguardar. Abraço”. Os dois encontrar-se-ão a 7 de setembro e dois dias depois a conta de Bernando Santos Martins recebe mais uma transferência da International Services Congo: 54 mil euros.

A 2 de setembro, Rangel envia um SMS a Veiga: “Amigo Veiga, estou desde 5.ª feira à espera do seu telefonema. Já liguei várias vezes e não atende o telefone. Preciso de falar consigo. Não compreendo, não aceito e penso que não mereço o seu comportamento. Ficou a aguardar. Abraço”. Os dois encontrar-se-ão a 7 de setembro e dois dias depois a conta de Bernando Santos Martins recebe mais uma transferência da International Services Congo: 54 mil euros.

Além das transferências para a conta de Bernardo Santos Martins, José Veiga transferiu ainda 95 mil euros no dia 9 de setembro de 2013 para a conta da sociedade OJC Consultoria Empresarial. O representante Orlando Carvalho, muito próximo de José Santos Martins, informou o seu banco que se tratava de uma transferência que teria sido feita incorretamente a pedido de José Santos Martins. Ou seja, que este teria dado incorretamente os dados da conta da sua empresa a José Veiga. Orlando Carvalho é administrador judicial da Comarca de Lisboa.

Certo é que Orlando Carvalho veio a emitir um cheque de 90 mil euros em nome de Bernardo Santos Martins, tendo transferido mais cinco mil euros para a conta de bernardo. O cheque veio a ser descontado por Bernardo e levantado em dinheiro vivo que terá sido entregue ao José Santos Martins.

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